sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

AH, ISSO MUDA O MUNDO

Quem te ensinou isso, minha filha? Que 2022 vai ser o ano da virada, com a familícia tendo o mesmo destino do Mussolini? Metaforicamente, é claro. Mijaír sabe que vai levar uma sova nas urnas, e nem a guerra civil que ele vem tramando vai poupá-lo da lata de lixo da história. Entro no ano novo exausto e apreensivo, como todo mundo, mas também com a certeza de que o Brasil e o mundo irão virar várias páginas. Obrigado por me ler, e que estejamos juntos nos próximos 12 meses. Alvíssaras!

VAZOU NA REDE

É sempre estranho ver cenas de sexo explícito num filme normal. "Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental" não deixa por menos: sua primeira sequência é um vídeo amador de um casal transando. Tem mão naquilo, aquilo na boca, aquilo naquilo. Nada de muito excitante ou bem filmado, como costumam ser as produções do gênero. Marido e mulher estavam apenas registrando para consumo próprio seus momentos de fuzarca. Mas aquele vídeo acaba vazando na rede e criando problemas para a esposa, que é professora num colégio tradicional. Pais e mestres se reúnem par decidir o destino da coitada, e logo ela está sendo julgada por fazer sexo oral, "coisa de prostituta". Representante da Romênia no próximo Oscar e vencedor do festival de Berlim, o filme de Radu Jude é uma comédia impiedosa e um retrato de seu país, ainda dominado por um moralismo hipócrita. Guardadas as proporções, o mesmo escândalo poderia se passar no Brasil da Damares. Perdi quando "Má Sorte no Sexo..." passou na Mostra, mas vi agora em DVD. Dividido em três capítulos, o longa também tem três finais alternativos. O último me lavou a alma.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

MINHAS SÉRIES DE 2021

Deixei para o final dessa retrospectiva o meu ganha-pão. Escrevo sobre TV quase todos os dias da minha vida, e aqui no blog ninguém me paga por isso. Mas a verdade é que as séries estão vivendo mais um momento de glória, e foi muito duro escolher apenas 10. Misturei de tudo na lista: comédia, drama, minissérie. Só faltou um título brasileiro...

Sandra Oh, a atriz mais empática do mundo, poderia ter entrado aqui com "Killing Eve', cujas três temporadas disponíveis eu só fui ver este ano. Mas preferi representá-la com "The Chair", em que ela faz uma professora universitária alçada de repente a titular da cátedra de literatura. Em apenas seis episódios são abordados temas atuais, como a cultura do cancelamento, e eternos, como a sensação de não caber mais no mundo moderno.

O envelhecimento e a vontade de se manter atual também são os assuntos de "Hacks", meu programa favorito do ano. Jean Smart finalmente encontrou um papel à altura de sua fabulosidade: uma comediante de stand-up que precisa renovar urgentemente seu repertório de piadas, se quiser sobreviver no showbiz, Ela então contrata uma roteirista muitos anos mais nova, e o choque de gerações é inevitável. Também é muito engraçado.

Relutei um pouco a encarar "Maid". Todo mundo avisou que a protagonista sofre paracaralho nos primeiros episódios, e não estou na fase de achar que sofrimento é diversão. Acontece que o roteiro é tão bom e os atores tão maravilhosos que, sim, sofrer de vez em quando até que vale a pena. Margaret Qualley é uma nova estrela, quase tão linda - mas bem mais talentosa - que sua mãe Andie Mac Dowell. Aqui, as duas brilham juntas.

Eu conhecia Fran Lebowitz superficialmente, mas virei súdito dessa escritora que não escreve nada há décadas depois que vi "Pretend It's a City". Fran vive de dar palestras bem-humoradas há muito tempo, e esta semi-reality em seis episódios mostra essa novaiorquina arquetípica disparando sua metralhadora verbal contra a cidade. Agora me dei conta de que só estou gostando de séries que falam de problemas de gente velha. Que bandeira.

Fui ver "Round 6" por dever profissional, para entender o frisson que a série estava causando. No segundo episódio eu já estava fisgado e lá pelo sexto já não tinha mais unhas. Impressionante o súbito poder da indústria cultural sul-coreana. Em poucos anos, os caras emplacaram a banda mais popular do planeta, o filme mais premiado, a série mais vista e até mesmo uma competição musical com versões no mundo todo, "The Masked Singer".

O francês Tahar Rahim já teria um Oscar se tivesse nascido num país anglófono. Como ele fala inglês perfeitamente, esta possibilidade não está descartada. Rahim deu mais um show de versatilidade como o vigarista assassino de "A Serpente e o Paraíso", minissérie baseada num caso real ocorrido na Tailândia nos anos 70. Morri de vontade de voltar para a Ásia...
Como muita gente se assanhou com a chegada da terceira (e talvez última) temporada de "Shtisel", senti que era a hora de assistir às duas primeiras. Viciei. Afinal, quem poderia imaginar que os judeus ortodoxos são tão humanos como nós? O legal é que a série jamais julga a fé de seus personagens, mas todos os problemas deles decorrem das rígidas regras que seguem. Quase chorei no último capítulo.

"Ted Lasso" demorou a me fisgar. Assisti a uns dois episódios em 2020, não achei grande coisa e aí me espantei quando a série começou a ganhar todos os prêmios. Resolvi dar mais uma chance e entendi a razão de tanto sucesso: Ted é um sujeito bom, sincero e otimista (ainda que não seja perfeito). Tudo o que anda em falta no mundo de hoje. Fora que o elenco de apoio enorme e afiado forma uma família, dessas que a gente escolhe.

O Brasil ainda não teve o culhão de fazer uma série denunciando as falcatruas dos evangélicos do mal. A Argentina teve. "Vosso Reino" narra a ascensão de um pastor hipócrita e ganancioso, que vê a oportunidade de disputar a presidência do país depois que o principal candidato é morto a facadas. Mas o tom político se dilui um pouco no final, quando surge um personagem que pode ser ninguém menos do que... Jesus Cristo. Credo.

Nada foi mais moderno na TV de 2021 do que "WandaVision", que prestou homenagem às sitcoms históricas ao mesmo tempo em que expandia para valer a porra do Universo Cinematográfico Marvel. Conceito high-tech, drama existencial,  uma sublime Elizabeth Olsen e uma certa dose de porrada criaram este novo clássico. Sem falar, é claro, que it was Agatha all along!


Tanta coisa ficou de fora dos top 10... "It's a Sin" me fez chorar pelos amigos mortos pela AIDS e dançar por dentro ao som dos hits dos anos 80. Kate Winslet nunca esteve tão bem como em"Mare of Easttown". Ewan MacGregor, eterno inusitado, finalmente ganhou um Emmy como o protagonista de "Halston". Eu ri da minha própria paixão por musicais com "Schmigadoon". Entre as animações para adultos, ri muito com "Força Queer" e "A Tia É Top". "Meu Amigo Bussunda" me deu fome, e a segunda temporada de "Segunda Chamada" foi simplesmente o melhor da teledramaturgia brasileira este ano. Até novela eu voltei a seguir: "Nos Tempos do Imperador", que alimenta minhas fantasias monarquistas. E agora chega, que essa retrospectiva fica por aqui.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

NÃO ROBÔ MEU CORAÇÃO

"Comédia alemã" é uma contradição em termos. Nunca vi um filme alemão que fosse realmente engraçado. Talvez seja a culpa coletiva pelo Holocausto, talvez seja apenas uma característica cultural. A mais recente confirmação à minha tese é "O Homem Ideal", que está entre os 15 semifinalistas ao Oscar de filme internacional. Vá lá, trata-se de uma comédia dramática, mas nem o drama vai muito fundo. O que predomina é uma certa frieza, digna das locações em Hamburgo. A protagonista é uma quarentona não exatamente bonita, que perdeu um bebê e o namorado - e nova namorada dele está grávida. Sem muitas opções, ela topa testar por três semanas um robô programado para agradá-la em tudo. O androide é vivido pelo inglês Dan Stevens, de "Downton Abbey", que fala um alemão perfeito. Até que rolam algumas piadas, mas poderia haver muita mais, e a crise existencial da mulher não chega muito longe. Alemanha, algum dia conseguirás me fazer rir?

MINHAS MÚSICAS DE 2021

Esta é a minha lista mais pessoal de todas. Não conheço  ninguém que compartilhe o mesmo gosto musical, onde cabem pop turco, dance music mexicana e lounge paranaense. Também devo ser dos últimos que ainda insistem no formato álbum, quando todo mundo ouve música no Tik Tok. Suspiro.

Meu disco favorito do ano vem do argentino Miranda!, que eu acompanho desde 2001. Em "Souvenir", Ale Sergi e Juliana Gattas - os únicos remanescentes do quinteto original - quase que atingem a perfeição. São 10 faixas repletas de feats., algumas lançadas em single já em 2020. Como sempre, vou reclamar que aqui no Brasil não temos nada parecido etc. etc.

Mas talvez o artista mais importante do ano seja mesmo Lil Nas X, que superou em muito o impacto de "Old Country Road", o maior hit global de 2019. Com "Montero", batizado com seu nome real, ele arromba as fronteiras do rap e escancara sua homossexualidade, algo raro mesmo entre os popstars gays que nós já conhecemos.

Outra que mostrou que veio para ficar é Billie Eilish. Ancorada pelo talento descomunal do irmão Finneas, a jovem musa da fossa cometeu "Happier Than Ever", um trabalho sofisticadíssimo para sua tenra idade. Só torço para que ela não ganhe o Oscar com "No Time to Die", o pior tema de James Bond de todos os tempos.

Esta honra, se houver um Deus, irá para o Sparks, cujo "So May We Start" está entre as 15 semifinalistas ao prêmio de melhor canção. Mas o número que abre o filme "Annette" não é lá muito representativo da trilha sonora do musical de Léos Carax. Ron e Russel Mael optaram por faixas atonais. Algo só para iniciados como eu.

Outro veterano que brilhou em 2021 foi Caetano Veloso. "Meu Coco", seu primeiro disco de inéditas em nove anos, traz um compositor em plena forma, mais antenado no mundo do que nunca e sem paciência para a mediocridade. Quem mais consegue ninar o neto e, em seguida, atacar o Bozo? O país tem jeito enquanto houver Caetano.

Este também foi o ano em que Marisa Monte se dignou a sair da toca. "Portas" é seu primeiro álbum-solo desde 2011, e traz a cantora arriscando parcerias para além dos habituais Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes. Há faixas compostas e tocadas com Silva, Seu Jorge, Jorge Drexler e Chico Brown, filho do Carlinhos e neto do Buarque. Um acepipe para paladares finos.

Nenhum dos três rapazes gaúchos que formam a banda Selton tem esse nome, que tampouco é comum na Itália. Com "Benvenuti", eles levam ao ápice seu som peculiar, misturando pop, bossa nova e letras cantadas em italiano com sotaque brasileiro. Pelo menos, se viram melhor que a Katusha Love e a Natasha Simonini.

Eu já vinha prestando no atenção no Tuyo desde 2020. Este trio de Curitiba lançou singles na contramão da cafonália que domina a música brasileira, com delicados arranjos eletrônicos. Em 2021, eles extrapolaram. O ótimo álbum "Chegamos Sozinhos em Casa" primeiro saiu em duas partes, depois em versão deluxe, e ainda teve "Fragmentos", com sobras de estúdio.

Pabllo Vittar merece ser estudado: nossa primeira drag a explodir nas paradas vem fazendo carreira internacional sem abrir mão da brasilidade. Seu remix-sofrência de "Fun Tonight", de Lady Gaga, é a melhor faixa de "Dawn of Chromatica". E o animadérrimo "Batidão Tropical", com vários covers de hits nordestinos, é uma ode às raízes e uma ponte para o futuro.

As drags cantoras não são um fenômeno brasileiro. No México reina Zemmoa ("c'est moi"), de carreira até mais antiga que a de Pabllo. A moça me conquistou com "Velocidad", lançado em fevereiro, e foi soltando singles ao longo do ano até reuni-los todos no álbum "Lo Que Me Haces Sentir". É abuso rezar por um dueto?


Também teve a volta de Adele, a ressurreição do ABBA, a explosão do Måneskin e a ubiquidade de Olivia Rodrigo. Gal Costa celebrou mil anos de carreira com um álbum de duetos com cantores que poderiam ser seus netos, e Jão substituiu Tiago Iorc como o rapagão da vez. Ah, sim, e a música que eu mais ouvi em 2021 foi "Discofrenia", da dupla mexicana Ex-Novios, lançada em... 2018. Meta-se com sua vida.

terça-feira, 28 de dezembro de 2021

O VAGABUNDO TIRA FÉRIAS

O que vai nos salvar do fascismo é a estupidez do Biroliro. Ele e seu entorno não têm estratégia política nem visão a longo prazo. Espalharam tantas fake news que acabaram acreditando nelas, e se tornaram impermeáveis ao noticiário. É de cair o queixo que, a essa altura do desgoverno, com a popularidade do Despreparado despencando e Lula crescendo a cada pesquisa, o gado ainda invista no marketing de que o chefe da familícia é um homem simplão, autêntico, em conexão profunda com o povo. Ontem o deputado Hélio "Negão" Lopes tuitou que o Brasil jamais viu um "presidente" (com apropriadas aspas, apesar de demonstrar sua ignorância da língua portuguesa) de chinelo na porta de um bar, sem estar bêbado, como se isso fosse um atestado de superioridade moral. O Bozo está tirando férias, não previstas na Constituição, às nossas custas, quando deveria estar visitando as áreas alagadas do sul da Bahia e convocando uma reunião ministerial para prestar auxílio aos desabrigados. É um vagabundo de marca maior, que nunca produziu nada em mais de 30 anos de vida pública. O pior é que ele age no Planalto como se ainda fosse um vereador focado em seu nicho, ignorando que é o presidente de 210 milhões de brasileiros. Some-se a isto a campanha insana contra a vacinação infantil, e a reeleição vai ficando cada vez mais impossível. Para sorte nossa.

MEUS FILMES DE 2021

O ano foi horrível em inúmeros sentidos, mas não no cinema. Fui fazer a lista dos meus filmes favoritos e cheguei a acintosos 25 títulos. Penei um pouco para chegar aos 10 que aparecem neste post, e ainda não estou 100% seguro de que fiz as escolhas certas. O streaming realmente abriu o leque de opções, dando acesso a longas que, de outra maneira, não chegariam até o Brasil. Vi muita coisa boa no recesso do meu lar, mas voltei a frequentar as salas no final do ano - especialmente as do Cine Marquise, a nova encarnação do Cinearte, meu cinema favorito de São Paulo. Sem mais delongas, passemos aos agraciados:

Jovenzinhos como vocês não fazem a menor ideia do que é ser fã de uma banda obscura por quase 50 anos e, de repente, vê-la realizar o sonho de escrever o roteiro e compor as canções de um musical badalado: "Annette", a mais recente doideira de Léos Carax. A trama é bem mais amarga do que eu esperava, pois o Sparks sempre fez letras irônicas e bem-humoradas. Vi na Mostra e vou rever no MUBI; o filme segue em cartaz.

"Bela Vingança" traz minha performance feminina preferida do ano. Carey Mulligan deveria ter levado o Oscar pelo papel da mulher que se finge de bêbada para que os homens se sintam tentados a abusar dela, só para depois serem expostos por ela. Mas o final incomodou muita gente, porque não segue o cânone hollywoodiano. Mesmo assim, o roteiro foi oscarizado, e confirmou a diretora Emerald Fennel como um novo grande talento.

Dá para fazer um filme sobre o consumo de álcool sem cair no moralismo? O dinamarquês "Druk - Mais uma Rodada" cumpre esse desafio com louvor, ao contar a história de quatro professores que decidem melhorar seus desempenhos tomando uns drinks antes das aulas. Spoiler: só um deles se der realmente mal. Os demais são exemplos dos diferentes graus do relacionamento milenar da humanidade com a birita. Eu bebo sim...

A manipulação da mídia existe desde que os jornais ganharam força, em meados do século 19. É naquela época que se passa "Ilusões Perdidas", mas o tema não poderia ser mais atual: as fake news. O filme é cinemão em estado puro, sem maneirismos nem experimentações. Uma suntuosa adaptação de um romance de Balzac, com astros franceses do primeiro time. Vi no Festival Varilux; entra em cartaz em 2022.

Paolo Sorrentino é um luxo. O mais óbvio herdeiro de Federico Fellini faz filmes lindos sobre a passagem do tempo. Depois de me hipnotizar com "A Grande Beleza" e "Juventude", que falam da meia-idade e da velhice, Sorrentino se volta para sua própria adolescência em "A Mão de Deus", candidato da Itália ao próximo Oscar e disponível na Netflix. Nápoles, purgatório da beleza e do caos, se abre em promessas, nem todas cumpridas.

Quem tem algum parente idoso que requer cuidados vai se identificar com "Meu Pai", o primeiro filme dirigido pelo dramaturgo francês Florian Zeller, adaptando uma de suas peças. A história é simplérrima - um homem perde paulatinamente a memória, por causa da demência ou do Alzheimer - mas o roteiro premiado nos leva para dentro da sua cabeça,  traduzindo o medo e a confusão que ele sente.

Claro que eu não ia deixar a melhor comédia do ano de fora da lista. "Não Olhe para Cima" é o filme do momento: todo mundo viu, todo mundo tem uma opinião a respeito. Até o Roger Moreira gostou, talvez por não ter entendido porra nenhuma. Mas também conheço muita gente boa, que de negacionista não tem nada, que não embarcou no humor ácido do roteiro. Tudo bem, gosto não se discute, mas elas merecem morrer. 

Eu me recuso a usar "Ataque dos Cães", o título imbecil que a Netflix inventou para a nova obra-prima de Jane Campion. Como essa lista aqui é em ordem alfabética, chegou o momento de falar de "The Power of the Dog", o faroeste elíptico sobre sexualidade reprimida e vingança. O páreo está duríssimo e eu nem vi ainda todos os potenciais indicados, mas já escreveria o nome de Benedict Cumberbatch no Oscar de ator. Pra ganhar tempo.

Talvez a experiência conematográfica mais excruciante do ano, "Quo Vadis, Aida?" consegue ser, ao mesmo tempo, um filme maravilhoso e difícil de ser visto. Durante a guerra que esfacelou a antiga Iugoslávia, uma intérprete bósnia da ONU tenta retirar seu marido e seus filhos de um ginásio convertido em prisão. Porque ela sabe, e nós também, o que os sérvios querem fazer com eles. Um pequeno tratado da infinita maldade humana.

"Titane" disputa com "Annette" o troféu de doideira do ano. O vencedor do festival de Cannes fala de uma mulher violentíssima, que resolve tudo na porrada. Ela também transa com um carro, e ainda tem questões não resolvidas com papai e mamãe. O filme de Julia Ducournau permite múltiplas interpretações, e não é para qualquer um - tanto que ficou de fora da shortlist do Oscar. Mas que quero ver de novo, e logo.

E quais são os outros 15 filmes formidáveis que entraram na minha primeira seleção? Lá vai, ainda em ordem alfabética:

Adeus, Idiotas

Being the Ricardos

Brighton 4th

Caros Camaradas!

Crianças do Sol

Dune

Está Tudo Bem

Identidade

Marighella

Nomadland

Pinocchio

tick, tick... BOOM!

O Tigre Branco

Um Herói

Você Morrerá aos 20 Anos


Todos ganharam posts aqui no blog. Se você se interessou por algum, dá um search, que eu tenho mais o que fazer.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

ESSA FAMÍLIA É MUITO UNIDA

"Encanto" é mais uma animação da Disney a seguir uma nova tendência: a ausência de vilões. "Luca", lançado em meados do ano, tampouco tinha um malvado a infernizar o pobre protagonista. A culpada é a vida. Mas leva um tempo até o espectador entender isso, porque "Encanto" tem um roteiro complexo. Uma família num país sul-americano que parece a Colômbia vive feliz numa casa mágica. Cada um de seus membros recebe um poder mágico quando criança: super audição, força descomunal, a capacidade de falar com os bichos. Menos a menina Mirabel, que não ganhou nada e se sente um patinho feio. Mas a casa em si corre perigo, com rachaduras que aparecem de repente. Mirabel decide investigar, e acaba descobrindo segredos insuspeitos de seu clã. Com visual deslumbrante e belas músicas de Lin-Manuel Miranda, "Encanto" é de fato encantador. Mas me pergunto se as crianças pequenas irão entender alguma coisa.

MINHAS PESSOAS DE 2021

No futuro, este ano será visto como um ponto de inflexão. Foi em 2021 que a maré de extrema-direita refluiu para valer, depois de inundar quase o mundo inteiro. O movimento começou com a derrota de Trump, ainda em 2020, e prosseguiu com o cerco se fechando em torno de Orbán, na Hungria, a desistência de Duterte a um novo mandato, nas Filipinas, a defenestração de Netanyahu, em Israel, e a vitória de Boric, no Chile. Por isto, a imagem que eu escolhi para representar este ano é a do patético Q-Anon Shaman: fantasiado, impotente e prestes a ir para a cadeia. Abro a minha retrospectiva lembrando a galera do bem que se destacou em 2021. Pela segunda vez seguida, só tem brasileiro na lista.

Nunca pensei que incluiria um apoiador de primeira hora do Biroliro. Mas Antonio Barra Torres não só vem se revelando um presidente da Anvisa à altura do cargo, como exibindo uma admirável espinha dorsal neste desgoverno de incompetentes e sacripantas. Peitou o Despreparado e o Queirodes, e se posicionou firmemente a favor da vacinação de crianças. É um militar honrado, algo raro nos dias de hoje.

Diversos parlamentares se destacaram na CPI da Covid, como Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Simone Tebet (MDB-MS). Mas nenhum brilhou mais do que o capixaba Fabiano Contarato, o primeiro senador assumidamente gay do Brasil. Incisivo, corajoso e transbordando dignidade, o algoz do Magno Malta me deu vontade de transferir para Vitória meu domicílio eleitoral.

OK, ninguém aguenta mais ver o Gil do Vigor dando chilique na TV. Mas vocês preferiam que eu o substituísse pela Juliette? Como sou imune aos encantos da mulher-cacto, preferi o quarto colocado do "BBB 21", que ampliou as discussões da edição anterior. O pernambucano Gilberto Nogueira é um sério doutorando em economia e uma bicha louca ao mesmo tempo, desafiando clichês e exalando carisma. Braseel!
Ainda falta um grande hit nas paradas para Gloria Groove se tornar a superstar que ela nasceu para ser. Mas pelo menos agora o alter ego de Daniel Garcia está conhecido em todo o país. Sua merecida vitória no "Show dos Famosos" deu provas de uma versatilidade inusitada e de uma entrega total. Mais que uma drag cantora, Gloria é uma entertainer do primeiro time.

Itamar Vieira Junior viu seu romance de estreia, "Torto Arado", lançado em 2019, passar de queridinho da crítica especializada a autêntico fenômeno pop. O sucesso de vendas do livro fez com que o escritor baiano ganhasse coluna quinzenal na Folha de S. Paulo e se tornasse uma voz importante na luta antirracista. Agora estou curioso para ver "Torto Arado", a série: os direitos foram vendidos ao diretor Heitor Dhalia.

A Globo estava mesmo precisando da energia de Marcos Mion, que contagiou seus colegas com a alegria de ter sido contratado pela maior emissora do Brasil. O ex-apresentador de "A Fazenda" ainda revitalizou o "Caldeirão", que abandonou a chorumela assistencialista e virou um programa realmente divertido. O que será que o futuro reserva para o Mionzera? As tardes de domingo? A dominacão do mundo?

A campanha estúpida e irresponsável que o deputado estadual Arthur "Mamãe Falei" do Val (DEM-SP) moveu contra o Padre Júlio Lancelotti saiu pela culatra. Só serviu para deixar ainda mais em evidência o trabalho desse religioso admirável, que luta pela dignidade dos viciados em crack e da população mais carente das ruas de São Paulo. Se existe um santo em atividade no Brasil dos dias de hoje, ei-lo aqui.

Via o SUS! E viva os Profissionais do SUS, que enfrentam a falta de recursos e o descaso do desgoverno  para entregar um serviço de qualidade. Se houvesse mais dinheiro, nosso sistema de saúde estaria entre os melhores do mundo, pois  capilaridade e dedicação ele já tem.

Difícil destacar um único nome entre os atletas que fizeram a melhor participação olímpica brasileira de todos os tempos. Quase fiquei com a "fadinha" Rayssa Leal, do skate. Mas acabei optando pela ginasta Rebeca Andrade. Afinal, não é todo dia que alguém sai da favela para conquistar duas medalhas numa Olimpíada. Um baile.
Tampouco havia uma escolha óbvia entre as nossas lideranças indígenas - até porque agora, felizmente, elas são muitas. Ailton Krenak? Daniel Munduruku? Como tem pouca mulher nessa minha lista, fui mesmo com Txai Suruí, que despontou para a fama em plena COP-26, metendo o dedo no nariz do Bozo e chamando atenção para os povos originais das Américas.

domingo, 26 de dezembro de 2021

VOCÊ É A FAVOR DE PROTEGER AS CRIANCINHAS?

Eu sempre defendo a Folha, e não é por puxasaquismo. Sou assinante do jornal há décadas, desde muito antes de virar colaborador. Acredito no projeto editorial e na diversidade que a Folha sempre busca. Também sou defensor do Datafolha - aliás, de qualquer instituto sério de pesquisas. Quem nega a seriedade delas não entende como elas funcionam, e ainda passa recibo de semianalfabeto, desses que só se informam pelo zap. Para completar, gosto muito da abertura que a Folha tem para receber críticas, principlamente as internas. Hoje vou aproveitar essa liberdade e me juntar ao advogado Thiago Amparo, também colunista do jornal, e meter o pau no Datafolha. Uma das manchetes deste domingo é "Maioria diz ser contra casais gays em comerciais de televisão". Aí você vai ver a maneira como a pergunta foi formulada: "Comerciais com casais homossexuais devem ser proibidos na televisão para proteger as crianças". Nem a consulta pública sobre a vacinação de crianças fez uma questão tão tendenciosa como esta. OK, talvez não fosse muito diferente se não houvesse o "proteger as crianças" no final. Afinal, os suspeitos de sempre - homens de baixa escolaridade - são os que mais concordaram com a frase. Mas um instituto que se diz sério não deveria fazer uma pergunta dessas, e um jornal que se diz sério não daria destaque ao resultado.