sábado, 19 de dezembro de 2020

PRETOS NO FUNDO

Blues, para mim, é que nem reggae: é sempre a mesma música, e essa música não é boa. OK, estou exagerando, e mudei um pouco de ideia depois de ver "A Voz Suprema do Blues" na Netflix. O filme é uma adaptação de "Ma Rainey´s Black Bottom" do dramaturgo August Wilson. A peça faz parte de um ciclo de dez textos, cada um ambientado numa década diferente, que tratam da experiência afro-americana ao longo do século 20. Ma Rainey, para quem não sabe, foi uma das primeiras cantoras negras profissionais, e ainda em vida já era conhecida como a Mãe do Blues - dizem até que foi ela quem batizou o gênero musical, que antes nem nome tinha. Gorda, debochada e abertamente bissexual, Ma Rainey abriu caminho para Bessie Smith, Billie Holiday, Ella Fitzgerald e todas as donas de vozes poderosas que a gente escuta hoje em dia. Mas o longa não é um biopic. Toda a ação se passa em um único dia, em que a diva grava algumas canções num estúdio de Chicago, acompanhada por sua banda. Os conflitos emergem de seu temperamento forte e, principalmente, do jovem trompetista Levee, que tem muito ódio no coração e muita fome de engolir o mundo. Viola Davis precisou engordar para encarnar a protagonista; já Chadwick Boseman, tadinho, estava bem magrinho, talvez por causa do tratamento do câncer, mas esta magreza o ajuda a aparentar a pouca idade do personagem. A performance dele é nada menos que arrasadora, e o Oscar estaria garantido mesmo se o eterno Pantera Negra não tivesse morrido em agosto passado. O "black bottom" do título original vem de uma música de Ma Rainey, e era supostamente um tipo de dança - na verdade, uma metáfora para o sexo (e se o ritmo dessa música for acelerado, vira puro rock'n'roll). Também pode ser a salinha subterrânea onde a banda ensaia, ou o fundo do poço em que todos, mesmo a estrela, se encontram. Sim, o racismo é o tema subjacente da peça e do filme, e ele explode de maneira irracional e cruel nos minutos finais. Mas o texto tem muitas camadas. Fala do embate entre o antigo e o moderno, da urbanização dos negros rurais e, de maneira imprevista, ainda serve para Chadwick Boseman arrepiar o espectador num discurso furioso contra Deus. Ele provavelmente já sabia que tinha pouco tempo de vida, e fez o melhor uso possível. É tristíssimo pensar nas alturas a que esse grande artista, muito maior do que apenas um super-herói, poderia ter chegado. Mas que bom que ele teve a chance de ostentar seu talento e carisma num dos melhores filmes de 2020. 

7 comentários:

  1. Pagode, samba, samba-raiz, partido alto: sempre a mesma música, e essa música não é boa.

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    1. Perdoai Pai, eles não sabem o que dizem ou nunca foram à Mangueira.
      G-

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  2. 👏🏾👏🏾👏🏾👏🏾

    Boa, Tony!!! E deve ter sido por causa desse talento que ele foi escolhido para ser o Pantera, e não o Michael B.

    P.S. Não falou se a Viola está genial como sempre.

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  3. Um pouco da nada honrosa história do Brasil. Não foi ensinada na escola... https://www.youtube.com/watch?v=PBkL5AT1oyo
    https://www.youtube.com/watch?v=D5ypWasqXo0
    https://pt.wikipedia.org/wiki/Caldeir%C3%A3o_de_Santa_Cruz_do_Deserto

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  4. Tony, sinto ter que fazer isso, mas parece que em todos esses anos não teve nenhum amigo pra te dar um toque. Bom, lá vai: o seu conhecimento de música é uma piada. Não é porque você ouve pop do Zimbábue ou música eletrônica da Malásia que isso te faz um entendido do assunto.

    Você é só um curioso que sempre teve a sorte de ter acesso a uma certa quantidade de produtos culturais. É apenas mais um desses gays metidos a moderninhos que se acham capazes de avaliar todo tipo de produção artística: cinema, música, teatro, literatura, artes plásticas e afins. Daqueles que leem a Pitchfork pra saber qual o mais novo artista desconhecido (e geralmente ruim) que eles devem falar que estão ouvindo sem parar pra pagarem de atualizados. Não é de espantar que seja amigo do Zeca Camargo.

    Um dos grandes exemplos de como seu conhecimento musical é superficial é essa bobagem de dizer que blues é tudo igual, contrariando toda uma gama de subestilos e variações harmônicas e rítmicas existentes. Isso não é uma questão de opinião, é uma questão técnica que obviamente foge à sua capacidade de analisar. Outro exemplo é a vez em que você escreveu que a versão da Carla Bruni para "Miss You" dos Rolling Stones tinha uma "levada bossa nova". Você é bem relacionado, deve ter muitos amigos músicos. Vai por mim, se não quiser passar por um constrangimento, nunca repita essas bobagens na frente deles.

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    1. Porra, que lição de moral. Vou me trancar no quarto e me jogar na diagonal na cama para chorar.

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    2. Ahahahaahhaahha a resposta do Tony ahahahahahha morri de rir ahahaha arrasou. Anônimo, deixa o cara gostar do que quer gostar. Eu mesmo nao curto musica eletrônica, pra mim é tudo igual, mas o Tony por exemplo ama. E viva a diferença.

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