quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

O ANO EM QUE SEREMOS VACINADOS

Daqui a pouco termina o ano mais estranho das nossas vidas. Foi bom para você? É claro que não. Mesmo quem não foi atingido de perto pelo coronavírus teve planos frustrados, viagens canceladas, projetos adiados. Acho que só a Rita Lobo e a Teresa Cristina se deram bem em 2020. Mas o ano que vai começar traz uma esperança pontiaguda e dolorida: as vacinas, que mais tarde ou mais tarde ainda chegarão ao Brasil. Não dê ouvidos aos imbecis que dizem que elas instalarão um chip no seu organismo, para você ser monitorado. Este monitoramento já existe: são as redes sociais. Mas a vacinação tampouco significa o fim imediato da pandemia. Acho que só no segundo semestre a vida estará voltando ao normal, o velho. Eu, pessoalmente, estou exausto, e precisando muito de férias. Só vou ter os próximos três dias livres, mas não me queixo. Toda minha família foi poupada. Por tudo isso, entro no ano novo agradecido e animado. O Biden vem aí, o Biroliro já vai e o mundo vai melhorar.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

MEUS FILMES DE 2020

As salas de cinema já eram uma espécie em extinção. O ano que ora finda talvez tenha sido o golpe de misericórdia. Mesmo que todas reabram num futuro próximo, duvido que voltem a encher. Algumas sobreviverão, assim como existe disco de vinil até hoje: um objeto cultuado e caro, para connaisseurs. A oferta abundante de títulos no streaming mudou o jogo. Só um dos meus 10 filmes do ano não foi visto no conforto de meu lar.

1917
E este filme foi justamente o épico inconsútil de Sam Mendes, uma experiência sensorial que precisa ser vivida na tela grande. A história (fictícia) dos dois soldados ingleses que precisam atravessar as linhas alemãs durante a Primeira Guerra Mundial para levar uma mensagem ao outro lado é contada quase que em tempo real, sem nenhum corte visível (mas com alguns furos no roteiro). Um tour de force técnico que por bem pouco - apenas um parasita - não levou o Oscar de melhor filme.

OS 7 DE CHICAGO
Aaron Sorkin é um roteirista consagrado, vencedor de um Oscar por "A Rede Social" e criador da série "The West Wing". Agora ele também quer ser reconhecido como diretor com este longa, que reconstitui o julgamento de sete ativistas de esquerda em 1968. O episódio foi, na verdade, uma cristalização dos embates que permeavam a sociedade americana de então. Os paralelos são óbvios com os dias atuais. Sacha Baron Cohen tem chances no Oscar de ator coadjuvante.

BORAT: FITA DE CINEMA SEGUINTE
Sacha também merecia ser lembrado pela Academia por esta segunda "fita" de sua criação magistral, o repórter aloprado do Cazaquistão. Mas quem periga levar uma indicação a atriz coadjuvante é Maria Bakalova, que faz sua filha - a moça é a versão búlgara da Tatá Werneck. Disponível na Amazon Prime Video, o filme tem o asqueroso Rudy Giuliani entre suas merecidas vítimas, e funciona como um réquiem avacalhado da presidência de Donald Trump. Sad!
CORPUS CHRISTI
Um bandido foge da prisão e chega a uma cidadezinha que acaba de perder seu padre. O cara não tem titubeia: ele se faz passar pelo substituto do falecido, e num instante suas missas pouco orotodoxas estão fazendo o maior sucesso. O cineasta polonês Jan Komasa conseguiu uma indicação ao Oscar de melhor filme internacional com este drama, e até merecia concorrer de novo este ano pelo ótimo "Rede do Ódio". Já me converti, e quero ver qualquer coisa que ele venha a dirigir.

CRIMES DE FAMÍLIA
Tive o privilégio de entrevistar a musa Cecilia Roth por telefone, em 2019. Este ano ela leva o meu prêmio de melhor interpretação feminina pelo papel de uma burguesa de Buenos Aires que descobre que o filho não é flor que se cheire. Um thriller de tribunal que toca em uma das grandes feridas abertas do mundo moderno: a maneira como as mulheres são (mal) tratadas. Não por acaso, o filme vem da Argentina, um país que acaba de descriminalizar o aborto. Está dando sopa na Netflix.

A DESPEDIDA
Só consegui ver em janeiro deste ano um dos filmes mais badalados do ano passado, e mesmo assim foi na telinha de uma poltrona de avião. Depois revi essa obra-prima no Telecine, e já estou pensando em encarar de novo. A diretora Lulu Wang diz que o roteiro é baseado numa "mentira real", que de fato aconteceu em sua família. Quando a avó foi desenganada pelos médicos, a família que mora nos EUA foi ã China se despedir dela, mas ninguém contou que ela estava doente. Para rir e chorar.

EUROVISION
Pois é, a pandemia não deixou ter Eurovision, mas o filme da Netflix não só matou minha fome pelo festival como conseguiu uma façanha dupla: entrou para a lista dos 10 melhores e ainda emplacou sua trilha sonora entre os meus álbuns do ano. Eu continuo com horror do Will Ferrell como ator, mas o aplaudo por ter criado e produzido a melhor comédia de 2020. O humor é grosseiro e a Islândia não merecia tamanho achincalhe, mas tudo é perdoado nesta pérola de cafonice.

MOSQUITO
A Mostra Internacional de Cinema de São Paulo conseguiu acontecer, mas em versão online. Vi bastante coisa, mas o que se destacou para mim foi este filme de guerra, uma espécie de "1917" português (inclusive a trama se passa nesse mesmo ano). O diretor João Nuno Pinto acompanha um jovem soldado luso por uma Moçambique inóspita, com uma câmera inventiva e uma incrível trilha sonora eletrônica. Se algum dia estrear nos cinemas brasileiros, faço questão de ver de novo.

SOUL
O mais novo prodígio da Pixar estreou apenas na plataforma Disney +, o que significa que será visto por relativamente pouca gente no Brasil. É uma pena, porque está no nível de "Divertida Mente", também dirigido por Peter Docter. Dessa vez o assunto-cabeça é uma meditação sobre o sentido da vida, embalada por jazz sofisticado - sim, é terrivelmente adulto. Para as crianças, há um gato abilolado e umas alminhas fofinhas, mas elas vão boiar no resto. Que se danem, têm a vida pela frente.

A VOZ SUPREMA DO BLUES
Sim, é teatro filmado. Mas é bom teatro, com um texto primoroso do dramaturgo August Wilson e as melhores atuações das carreiras de Viola Davis e Chadwick. Ambos serão indicados ao Oscar, e ele é barbada para levar. Também faturou o meu prêmio pessoal de melhor ator do ano, e olha que sua morte prematura em agosto não influiu na minha escolha. O filme também é uma aula de cultura negra americana, e me fez rever minha opinião negativa a respeito do blues.

E aqui termina a minha retrospectiva do ano. Chega de olhar para trás, por que daqui a pouco começa 2021 - também conhecido por 2020, segunda temporada.

QUE SEA LEY

A Argentina aprovou o aborto legal. O placar final foi até mais folgado do que o previsto: 38 a 29, com uma abstenção. Mais um sinal de que nossos vizinhos, apesar da economia claudicante, estão culturalmente à nossa frente, como quase sempre estiveram. Simplesmente não existe país civilizado onde uma mulher não possa interromper uma gravidez de forma segura e dentro da lei. Aqui perto já são dois: o Uruguai, a vanguarda da América Latina, aprovou o aborto já faz alguns anos. Mas o caso argentino é especialmente interessante para nós, por causa da maneira como foi feita a campanha "Que Sea Ley" dos "verdes", os pró-escolha. O foco foi a vida da mulher, pois não é segredo nenhum que morrem milhões de mulheres no mundo inteiro por causa dos abortos clandestinos. Se o aborto vai acontecer de qualquer jeito, então é muito melhor que ocorra com segurança. Essa ressignificação forçou os "celestes", os chamados pró-vida, a dizer então que "salvemos las dos vidas". É pouco. Quem não quer que o aborto aconteça (e ninguém quer, veja bem), tem que abordar a questão de forma holística. Tem que trabalhar para evitar o "aborto masculino": os homens que se mandam assim que pinta uma gravidez, como se eles não tivessem nada a ver com aquilo. Também é necessário reforçar os mecanismos de adoção, pois não faltam casais que gostariam de adotar esses bebês. É incoerente gritar "assassinos" e depois combater a educação sexual nas escolas e o acesso aos meios anticoncepcionais. Ser contra o aborto legalizado, na verdade, é ser a favor da sociedade patriarcal, que oprime a mulher a ponto de não deixá-la ser dona do próprio corpo. Mas é óbvio que o Brasil ainda está muito longe dessa consciência, ainda mais com o desgoverno boçal que temos. Não dá para imaginar os artistas brasileiros fazendo comerciais pela legalização, como fizeram os da Argentina. As ricas daqui vão continuar abortando em clínicas particulares e as pobres seguirão morrendo com cabides e garrafadas, até o dia em que for lei aqui também.

terça-feira, 29 de dezembro de 2020

MEUS DISCOS DE 2020

Mea culpa: não tem nenhum álbum brasileiro entre os meus favoritos do ano. Isso não quer dizer que eu não ouça mais nada do nosso país. Simplesmente não cruzei com um disco tupiniquim de que eu gostasse do começo ao fim. Músicas, houve várias, de "Tudo OK" aos singles de um trio maravilhoso chamado Tuyo. Em compensação, 4 dos Top 10 são de disco music, em contraste  com o confinamento que ainda estamos vivendo...

A STEADY DRIP, DRIP
Sparks
Minha segunda banda favorita de todos os tempos (a primeira ainda é o Queen) estava programada para ter um ano glorioso em 2020, com o lançamento de seu 24o álbum de estúdio e seu primeiro filme musical, com direção de Léos Carax e Adam Driver e Marion Cotillard nos papéis principais. O longa ficou para 2021 por causa da pandemia, mas o disco saiu e trouxe mais do mesmo: um monte de músicas boas.

CHROMATICA
Lady Gaga
Só não digo que esse é o melhor trabalho da Germanotta porque a quantidade de hinos presente em "The Fame Monster" ainda não foi superada. Mas foi reanimador ver a Mother Monster enterrar a persona coutry-rock da era "Joanne"/"Nasce uma Estrela" e voltar para as pishtas di cum força, arrastando junto Ariana Grande, Blackpink e até Elton John. Pena que só deu para dançar em frente ao espelho. 

DISCO
Kylie Minogue
Outra que voltou para os braços abertos das guei foi essa australiana de voz quase infantil, depois de nos abandonar por alguns anos. Ela diz ao que veio já no título, e não deixa por menos. Letras bobas, melodias fáceis e três hits com lugar garantido nas futuras compilações. Só lamento a falta de coragem de mixar as faixas todas juntas, como fez a Gaga. Tomara que venha por aí uma versão remix, como fez a Lipa.

EUROVISION
vários / o.s.t.
Este ano não teve Eurovision, mas teve o filme "Eurovision Song Contest: The Story of Fire Saga", que tira um sarro carinhoso do melhor festival ruim do mundo. A trilha sonora traz músicas originais que poderiam perfeitamente concorrer no certame, além de uma medley da qual participam vencedores de outras edições - inclusive a musa barbada Conchita Wurst.

FUTURE NOSTALGIA
Dua Lipa
Perdão, Teresa Cristina, mas esta britânica de origem albanesa foi a cantora que mais marcou 2020. Graças à usina de sucessos que é seu segundo álbum, ela participou até mesmo do "BBB 20", depois de inspirar em Manu Gavassi a coreografia do tamborzinho. E ainda lançou "Club Future Nostalgia", reinventando faixa por faixa com a presença de duas Madonnas: a original e a Blessed, que é uma DJ abençoada.

GRAND PRIX
Benjamin Biolay
Meu marido secreto continua aprontando das suas, ou seja: um disco irretocável, de um bom gosto absoluto, com uma pegada ligeiramente mais rock do que a habitual. Ao lado de Calogero (cujo "Centre-Ville" por pouco não entrou na lista), ele reina sobre o pop francês, mostrando-se um digno sucessor de Gainsbourg. Como se não bastasse, no fim do ano ainda deu uma rapidinha, soltando mais cinco músicas novas.

SEM TEMPO
Janeiro
Não tenho brasileiros na lista, mas a língua portuguesa está representada por este gajo de 25 anos. Seu segundo álbum completo soa como talvez o Silva estivesse soando, se não tivesse largado a eletrônica e se rendido aos tamborins. A versão acústica "Com Tempo" traz só voz e violão, mas eu prefiro esta .Com forte influência da bossa nova mas os olhos voltados para o futuro, ele precisa ser mais conhecido por aqui. 

UNTITLED (RISE)
Sault
Foi só quando começaram a sair as listas de melhores do ano que eu me dei conta da existência dessa obra-prima, o quarto álbum em um ano e meio de um misterioso coletivo inglês. Os caras não aparecem nos créditos, não posam para fotos, não fazem vídeos. Deixam a música falar sozinha: uma mistura de todos os ritmos negros do planeta, incluindo o samba. As letras politizadas põem até a cabeça para dançar.

WE WILL ALWAYS LOVE YOU
 The Avalanches
Mais um que entrou para lista no apagar das luzes, até porque só saiu em dezembro. Revelados em 2001 pelo hit "Since I Left You", esses australianos se notabilizaram por fantásticas colagens musicais. Mas, em seu terceiro álbum, não só compõem canções originais como convidam gente do primeiríssimo time para os vocais. O resultado é uma festa non-stop, para cantar junto de braço levantado.

WHAT'S YOUR PLEASURE?
Jessie Ware
Essa inglesa até que fotografa bem, mas não tem a presença ou o carisma para se tornar uma autêntica diva bicha. Só que ela compensa com a voz e algumas das melhores músicas para dançar do ano em que ninguém dançou. Aliás, é curioso como, justamente num ano desses, a minha lista esteja ainda mais animada do que de costume. Só tem álbum pra cima, bailável, alto astral. Como foi que eu consegui?

e as minhas músicas favoritas de 2020 são...

CAP'TAIN COKE Marc et Frank
DONNE-MOI TON COEUR Louane
ENCORE Catastrophe
FIREFLIES Tony or Tony
KARDAMAME Zoé
LEVITATING Dua Lipa
SPOTLIGHT Jessie Ware
TUDO OK Thiaguinho MT, Mila e JS o Mão de Ouro
TIEMPO Poncho feat. Goyo
YA TA TD BEM Janeiro ft. nãga

Googla aí!

ESTA TARDE VI LLOVER

...vi gente correr, y no estabas tu... É com o coração nublado que eu escrevo este post. Morreu Armando Manzanero, o maior compositor popular da história do México. Você talvez nunca tenha ouvido falar do cara, mas ele escreveu boleros clássicos que ultrapassaram as fronteiras do seu país e foram gravados por gente como Frank Sinatra, Tony Bennett e, aqui no Brasil, Roberto Carlos ("Esta Tarde Vi Llover", que dá nome a este post), Elis Regina ("Me Deixas Louca") e Gal Costa ("Contigo Aprendi"). Manzanero, que tinha origem maia e apenas 1,54m de altura, ainda compôs uma das minhas músicas favoritas de todos os tempos, "Mía", imortalizada em um dueto com Miguel Bosé. Desavergonhadamente romântico, el maestro teve um fim triste. No dia 11 de dezembro, foi à inauguração de um museu em sua homenagem no estado mexicano de Yucatán, onde nasceu. Lá esteve com o governador Mauricio Vila, que se recuperava da Covid-19, e muitas outras pessoas. Não deu outra. No dia 17, Manzanero foi internado, e ontem bateu as botas, aos 85 anos de idade. Aí eu pergunto, quantos mais terão que morrer até tomarmos vergonha na cara?

segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

MINHA SÉRIES DE 2020

Dizer que as séries de TV são minha forma favorita de entretenimento não é novidade. Mas, neste ano de confinamento, elas se tornaram ainda mais presentes e indispensáveis. Tanto que minha lista de favoritas tem 11 séries com temporadas e três minisséries, sendo uma dessas documental. Se 2020 foi bom nesse quesito, temo pelo ano que vem. Com tantas produções suspensas por causa da pandemia, o que iremos assistir em 2021?

AMOR E ANARQUIA
Um dos programas mais maduros de 2020 tem dois adultos se comportando feito crianças. Flagrada se masturbando pelo cara de TI, uma executiva casada e insatisfeita começa com ele um jogo de desafios, que logo descamba para o adultério. A nudez frontal dos belos protagonistas é o que se espera de uma série vinda da Suécia.
BRIDGERTON
Esta adição de última hora foi a salvação do fim de semana do Natal. Como não amar uma série que coloca casais mulitrraciais rodopiando ao som de "thank u, next", da Ariana Grande, executada por quarteto de cordas? A estreia de Shonda Rhimes na Netflix é uma suntuosa produção de época que, na verdade, fala apenas aos dias de hoje. Também é o assunto da minha coluna de hoje no F5.

CALIFADO 
A Suécia nunca sofreu um atentado islâmico. Mas, como boa parte da Europa, o país viu parte de seus jovens muçulmanos serem atraídos pelo ISIS. É de lá que vem essa série, uma das mais tensas do ano. Lembra dos bons velhos tempos, quando o grande problema da humanidade era o terrorismo?
EXPRESSO DO AMANHÃ
A adaptação para a TV do filme de Bong Joon-Ho estreou na hora certa. A história do trem desembestado que roda o planeta após uma catástrofe climática, com passageiros divididos por classes sociais, parecia uma metáfora da pandemia. A segunda temporada chega em janeiro.
 
THE GREAT
Um pouco como "Bridgerton", essa série da Starzplay também toma liberdades com a história. No caso, a da imperatriz Catarina da Rússia, acusada de ter matado o marido para reinar sozinha. Esse crime não acontece na primeira temporada, mas não faltam ótimas piadas e algumas cenas cruentas. Nunca soube que Elle Fanning era boa de comédia.

HERNÁN
Visitei o set dessa superprodução nos arredores da Cidade do México, em 2019. O resultado não me decepcionou. Esta nova versão da conquista do império asteca pelos espanhóis liderados por Hernán Cortés é quase uma versão latino-americana de "Game of Thrones", com sacrifícios humanos e diálogos em nahátl. Tem na Amazon.

I MAY DESTROY YOU 
Esta é A série do ano. Michaela Coel conseguiu abordar um dos temas mais quentes do momento, o abuso sexual, de uma forma que faz rir e chorar ao mesmo tempo (quero só ver como os Emmys irão classificá-la no ano que vem). Atriz, roteirista e diretora, essa britânica de 33 anos é, ao lado de Phoebe Waller-Bridge, uma das pontas-de-lança de um movimento que está sacudindo a TV: mulheres que escrevem e atuam em suas próprias histórias.

QUASE FELIZ
Pouca gente aqui no Brasil se interessou por esta sitcom argentina, o que é uma lástima. Sebastián Wainraich satiriza a própria crise de meia-idade sem dó nem piedade, interpretando o apresentador de um programa de rádio que não consegue arrumar namorada porque ainda está apaixonado pela ex-mulher. Uma mistura deliciosa de humor judaico com melancolia portenha – e o tema de abertura é do Miranda!, uma das minhas bandas favoritas.
RATCHED
Num ano em que Ryan Murphy pareceu lançar algo novo toda semana, este foi o produto que mais se destacou. Talvez porque ainda mantenha o humor macabro que tornou o showrunner famoso. A "história de origem" da enfermeira de "Um Estranho no Ninho" ganhou cores fortes e elenco idem, liderado pela patroa Sarah Paulson.
TEERÃ
Tem pouca coisa para ver no Apple TV +, mas, quando tem, costuma ser muito bom. É o caso desta série israelense, dos mesmos criadores de "Fauda". O tema é da hora: uma espiã de Israel infiltrada na capital do Irã, com a missão de cortar a energia elétrica do sistema de radares do país. Sem nunca resvalar para o maniqueísmo banal, a primeira temporada me fez subir pelas paredes.

VIDA PERFEITA
Mais um exemplo de mulher fodona que escreve, atua e dirige: Leticia Dolera, responsável por esta sitcom espanhola que passou meio batida na HBO. Ela faz a mais jovem de três irmãs, cada uma com seu problema, numa trama cheia de plot twists.


E as minisséries...

EM NOME DE DEUS
A única produção brasileira da minha lista também é a única documental. Um trabalho excepcional da equipe do programa "Conversa com Bial", encabeçada por Camila Appel, que traz depoimentos dilacerantes de algumas da muitas vítimas do falso médium João de Deus. É o melhor exemplar nacional, até o momento, de um gênero que faz sucesso no streaming: as séries que reconstituem crimes famosos.

MRS. AMERICA
A trajetória de Phyllys Schlafly também chegou em boa hora. Para quem não conhece, a mulher foi a maior líder ANTI-feminista dos Estados Unidos, responsável por vários retrocessos. Cate Blanchet dá um show no papel principal, e coadjuvantes como Rose Byrne, Tracey Ullmann e Uzo Aduba fazem feministas históricas.

NADA ORTODOXA
Vi de uma sentada, como se fosse um filme de quatro horas de duração. Impossível não se envolver com a saga da garota judia que tenta escapar de um casamento arranjado e uma vida cheia de restrições. Pode apostar que a jovem atriz israelense Shari Haas aparecerá em muita coisa daqui em diante. Ela é poderosíssima.


Na TV aberta, tenho pouco a destacar. Gostei do especial "Falas Negras" e dos dois episódios especiais de "Sob Pressão". Segui o "BBB 20" e o "Mestre do Sabor", meio por falta de opção. E só. Que voltem logo as novelas em 2021.

INIMIGOS DO POVO

Na peça "Um Inimigo do Povo", do norueguês Henrik Ibsen, um médico avisa que as águas de uma estação termal estão contaminadas. Os banhos públicos teriam que ser fechados por algum tempo, o que seria fatal para a economia da cidade. Portanto, ninguém dá bola para o aviso. O sujeito é execrado, tudo continua funcionando e - batata - todo mundo cai doente. Esse enredo clássico volta e meia se repete na vida real, e está se desenrolando diante dos nossos olhos neste exato momento. Houve a festa de Carlinho Maia uma semana atrás, onde teriam se contaminado quase 50 pessoas. A notícia não foi confirmada, mas não importa: só o mau exemplo dado já justifica que esse moleque seja cancelado (de novo). Moleque também é o Neymar, que agora jura que não está dando festa nenhuma para 500 pessoas, ao longo de cinco dias. Não duvido nada que ele tenha cancelado tudo na última hora, porque iria perder muitos patrocinadores. Enquanto isto, a The Week Rio abriu no sábado, com um protocolo de segurança mais risível que uma máscara de crochê: grades metálicas formando cercadinhos na pista, para a bicharada se aglomerar sem medo. Como todo mundo sabe, o coronavírus não circula entre pessoas desprotegidas dentro de um mesmo cercadinho, nem consegue atravessar o vão entre as barras de metal. Outras festas estão programadas para os dias 30 e 31, inclusive uma da Rosane Amaral que já teria 6.000 ingressos vendidos. Eu entendo o desespero dos empresários da noite, e também a fissura de quem está confinado há meses em casa e anda doido para enfiar o pé na jaca. Só que a pandemia ainda não acabou, muito pelo contrário, e a vacina só deve chegar ao Brasil no século 23. Promover festança agora é garantir uma explosão de casos em janeiro, com sobrecarga nas UTIs e milhares de mortes evitáveis. O vírus, coitadinho, não tem culpa. Ele é só um bichinho programado para se reproduzir. O  verdadeiro inimigo é bem outro. Pode até ser você, seu moleque irresponsável.

domingo, 27 de dezembro de 2020

MINHAS PESSOAS DE 2020

Chegou aquele momento tão temido: a minha retrospectiva do ano que ora finda. Um ano que preferíamos esquecer. Quem passou incólume pelo vírus teve planos adiados, realizou muito menos do que se propôs e agora está louco para aglomerar. Enquanto a vacina não chega, uma salva de palmas para as pessoas que conseguiram brilhar em 2020 e nos ajudaram nessa dura travessia. Pela primeira vez, só tem brasileiro na minha lista.

ATILA IAMARINO
O microbiólogo já tinha milhões de seguidores em seu canal Nerdologia no YouTube, mas virou uma celebridade nacional por causa do coronavírus. Sua entrevista ao Roda Viva foi um dos episódios do programa de maior audiência de todos os tempos. Mesmo assim, ele foi atacado quando disse que a pandemia poderia durar até dois anos, com períodos intercalados de relaxamento e lockdown. Pois não é que o cara estava certo?
BRUNO SARTORI
Antes que o deep fake vire uma ferramenta a serviço do mal, esse editor de mídias sociais o transformou na mais completa galhofa. Quem aí não riu com os vídeos do Biroliro fantasiado de Chapolin, ou cantando "I Will Survive"? O Pau Fino foi seu alvo preferencial, mas também sobrou para Carluxo, Moro e até Lula, o que suscitou a ira dos petistas contra o rapaz. Eis aí uma prova viva de que a extrema-direita não tem o monopólio da internet. Precisamos de outros como ele.

GABRIELA PRIOLI
Bastou uma semana de CNN Brasil no ar para que esta advogada se tornasse uma estrela. Com serena beleza, argumentos sólidos e uma dose elegante de sarcasmo, ela desmontou babaquinhas profissionais feito o Caio Coppolla. Cansada de ser manterrupted, a moça pediu para sair do "Grande Debate", uma versão farialimer do "Superpop". Mas ainda deu aula de política para Anitta, e agora cobra merecidos 500 paus por seu curso online.
MARCELO ADNET
Esse é velho conhecido nosso, mas conseguiu fazer um trabalho excepcional num ano em que a televisão entrou em crise. Seu programete "Sinta-se em Casa", produzido de segunda a sexta com recursos caseiros e uma verve certeira, foi o melhor comentário audiovisual ao noticiário surrealista a que fomos submetidos. Pena que acabou: agora pai de uma bebê recém-nascida, Adnet mal tem tempo de nos divertir. Mas de vez em quando ainda tem.

MARIA BOPP
Entrevistei a atriz de "Me Chama de Bruna" no final de 2019, e ela não me falou nada sobre a Blogueirinha do Fim do Mundo. Acho que a personagem ainda nem existia: como muitas criações geniais, esta também surgiu de repente, sem maiores pretensões. Ah, e já viu como ela esculacha com luvas de pelica os minions que a "acusam" de ter aparecido nua na TV? Musaaa!
NATÁLIA PASTERNAK
Eu também não aguento mais ouvir a voz da bióloga na TV, chamada a opinar todos os dias em todos os canais, assim como sua colega Margareth Dalcolmo. Mas elas trazem luz para um país em que muita gente prefere acreditar num miliciano despreparado. Já entrou para o folclore de 2020 o esporro que Natália deu no Jornal da Cultura, depois de uma matéria que sugeria "humor" e "leveza" para abordar quem não usa máscara.

RITA LOBO
Não estou brincando quando digo que esta foi a pessoa que mais influenciou minha rotina durante o confinamento. Não fossem suas receitas básicas, estaríamos comendo pizza congelada toda noite aqui em casa. Conheço essa cozinheira fabulosa desde os tempos de apresentadora de programa de moda na MTV, mas agora ela virou Santa Rita da Quarentena, Padroeira dos Inexperientes. Amém.
SILVIO ALMEIDA
Este foi o ano em que eu finalmente me dei conta do racismo estrutural que permeia toda a sociedade brasileira e boa parte do mundo ocidental. Não foi nenhum insight. Devo isso a pensadores como Thiago Amparo, Djamila Ribeiro e, principalmente, a este advogado e professor, que deu uma entrevista histórica e necessária ao Roda Viva. Digo e repito: os negros estão percebendo que são maioria no Brasil. Os reacionários não perdem por esperar.

SLEEPING GIANTS
Os bolsomijons estão atordoados até agora. Não acreditam que, por trás do perfil no Twitter que vem ajudando a desmonetizar dezenas de sites e canais birolistas, está um jovem casal do Paraná, Leonardo de Carvalho Leal e Mayara Stelle. Nada de George Soros ou illuminatti pedófilos. Só duas pessoas comuns e indignadas, com acesso à internet e coragem a dar com pau. Que exemplo.
THELMA ASSIS
Entre os nove negros que venceram realities competitivos na TV brasileira em 2020, Jojo Todynho é a mais engraçada e carismática, mas foi a médica campeã do BBB 20 quem se revelou uma autêntica fada sensata. O raro caso de uma anônima que vira famosa de uma hora para a outra e não só não enlouquece, como ainda melhora. Que ela seja um símbolo das mudanças que já vêm acontecendo e irão se acelerar em 2021.