domingo, 14 de junho de 2020

WHAT'S GOING ON


Na versão original do roteiro de "Destacamento Blood", escrita por brancos, os protagonistas eram todos brancos. Foi só quando a história chegou nas mãos de Spike Lee que eles viraram negros, acrescentando uma camada extra de sofrimento e perspectiva histórica ao que era pouco mais do que uma aventura. Cinquenta anos depois de lutarem na guerra, quatro veteranos americanos voltam ao Vietnam. Um dos propósitos da viagem é nobre: recuperar os restos mortais de um quinto companheiro. O outro, nem tanto: encontrar um tesouro em barras de ouro, que eles mesmos enterraram no meio do mato. A fortuna estava num avião americano derrubado pelos vietcongs, e era um suborno dos EUA a uma tribo local em troca de apoio. Os personagens teriam que ter mais de 70 anos, mas não chegam a tanto; talvez a trama não se passe exatamente nos dias de hoje, só que isso não fica claro. A primeira parte do filme tem Ho Chi Minh City como cenário, a antiga Saigon, e o choque cultural é divertido. Hoje a cidade é feérica como quase todas as metrópoles do sul da Ásia, e os ex-pracinhas topam com algumas surpresas pela frente. A segunda é a expedição à selva, entrecortada por flashbacks dos combates nos anos 60. Spike Lee teve uma ideia ousada que funciona muito bem: os mesmo atores coroas interpretam suas versões mais jovens, o que torna  fácil identificar quem é quem. "Destacamento Blood" ganha transcendência porque, apesar de serem uns 11% da população americana, os negros formavam um terço das tropas no Vietnam, e estavam lutando pelos ideais de um país que os trata até hoje como cidadãos de segunda classe. Com seu estilo livre de qualquer sutileza, Spike Lee martela sua mensagem na cabeça do espectador, inserindo dezenas de referências históricas. Também usa bem as canções de Marvin Gaye, como a a épica "What's Going On" - escrita justamente como um comentário à guerra. E ainda arranca um desempenho excepcional de Delroy Lindo, um eterno coadjuvante que agora dispara na corrida pelo próximo Oscar de melhor ator. "Destacamento Blood" estava programado para ser exibido no festival de Cannes, que azar, mas acabou dando a sorte de estrear na Netflix justamente no momento em que protestos antirracistas explodem no mundo todo. Acaba falando diretamente com o que está acontecendo agora.

5 comentários:

  1. O blog não tem leitor negro? Pois não tem um mísero comentário nem aqui nem no post da bem-intencionada-mas-chata esquete do Porta.

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    1. É que os brancos brasileiros estão cancelados.
      G-

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  2. Um dos melhores do ano até aqui! Filmaço!

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  3. O melhor filme do ano, com toda certeza!

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  4. Tem esse ruído do tempo mesmo, a idade deles não bate com a Ho Chi Minh City de hoje, mostrada no filme, não tem 20 anos que ela se tornou mais moderna, digamos assim, estou errado?

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