sábado, 30 de novembro de 2019

É DOCE MORRER NO MAR

Muita gente vai deixar de ver "Atlantique" quando perceber que o filme se passa no Senegal, falado numa língua de lá. Outros tantos talvez desistam quando souberem que é um romance misturado com investigação policial e muitos elementos sobrenaturais. O longa de estreia da diretora Mati Diop ganhou o Grand Prix do festival de Cannes deste ano, mais ou menos equivalente ao segundo lugar ("Bacurau", nesse critério, teria ficado em terceiro, eptado com o francês "Les Misérables"). Dividiu opiniões por lá, mas vale a pena ser conferido na Netflix. A premissa parece novela de Gloria Perez: frustrado por não receber seu pagamento como peão de obra, um rapaz embarca em um navio para a Espanha (e cruza o oceano que dá nome ao filme). Sua amada fica em Dakar, onde está prometida a um homem mais rico. Aí chega a notícia de que o navio afundou e todos a bordo morreram. No dia do casamento, a cama do futuro casal pega fogo, o que basta para a polícia intervir. E aos poucos fica claro que o incendiário é... Mais não direi. Vá ver esta obra curiosa e azulada, um raro exemplar do cinema africano a chegar entre nós.

OVO SEM SAUL

Foi só quando vi "O Filho de Saul", vencedor do Oscar de filme estrangeiro de 2014, que soube da existência dos Sonderkommando, prisioneiros judeus que eram obrigados a policiar os campos de concentração nazistas e até a matar outros judeus. Quase todos também acabaram mortos, mas os que sobreviveram carregaram uma culpa descomunal pelo resto da vida. Essas figuras trágicas são o assunto de "O Ovo de Ouro", uma rara peça brasileira sobre a Segunda Guerra Mundial, escrita pelo também ator Luccas Rapp. O grande Sérgio Mamberti faz um ex-Sonderkommando, que lembra com amargura das atrocidades que teve que cometer. Mas o que isto tem a ver com o Brasil de hoje? Muitíssimo: o desgoverno de Mijair tenta cooptar gente que era respeitável para suas hostes, e o resultado é um diretor de teatro de desfrutava de excelente reputação agora aponta desqualificados e fanáticos religiosos para os órgãos culturais estatais.

sexta-feira, 29 de novembro de 2019

CHÃO ALTERADO

De todas as barbaridades que vêm sendo cometidas no Brasil desde o dia 1o. de janeiro, acho que a mais grave foi essa prisão dos brigadistas em Alter do Chão. Postar golden shower nas redes sociais não machuca ninguém, mas esta armação que aconteceu no Pará é um passo firme rumo ao estado de exceção. Só o gado mais teleguiado do Mijair acha que é plausível que voluntários que largaram suas famílias e cidades para tomar conta da floresta sejam capazes de tacar fogo nela. As "provas" apresentadas pela Polícia Civil do Pará são ridículas, e é óbvio que quem está por trás disso são grileiros que querem derrubar árvores e construir prédios às margens do rio Tapajós. Mas o lado sadio da sociedade brasileira, apesar de apático, ainda não está morto. A grita foi grande, o Ministério Público interviu e o governador do Pará trocou o delegado responsável pela "investigação". Os rapazes foram soltos, mas Biroliro continua em sua narrativa enlouquecida de que são eles, junto com Leonardo Di Caprio, os responsáveis pelas queimadas na Amazônia. Não tenham dúvidas: esses milicianos vão tentar todos os dias, em diferentes pontos do país, destruir as instituições democráticas. Temos que gritar cada vez mais alto, senão os próximos presos seremos nós.

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

BACURAU À GOMES DE SÁ


Não consigo desvencilhar "A Vida Invisível" de "Bacurau". Os dois filmes foram dirigidos por cineastas nordestinos, saíram premiados de Cannes e disputaram voto a voto a escolha do Brasil para o próximo Oscar. "A Vida Invisível" levou, mas "Bacurau" é mais impactante. Mais pop, mais divertido, mais grandioso, além de perfeitamente conectado ao momento político que vivemos (e vem daí sua excelente performance nas bilheterias). Já "A Vida..." é intimista, com a câmera quase esbarrando nos atores (todos ótimos) e uma fotografia granulada, meio que suja de propósito. Mas os dois longas têm vários pontos em comum, e não estou falando do pau semi-duro do Gregorio Duvivier (Kléber Mendonça também já mostrou ereções em trabalhos anteriores). O vilão de ambos é o mesmo: o patriarcado branco-heteronormativo. Em "Bacurau", esse inimigo parte para a violência física desde o começo, de maneira escancarada e sanguinolenta. No filme de Karim Aïnouz, a violência é sutil, mas quase tão devastadora quanto. As irmãs Eurídice e Guida são separadas, a princípio pelo machismo do pai e depois por algumas coincidências algo forçadas, mas vá lá - o melodrama permite. "A Vida Invisível", então, pode ser visto como uma variante doméstica de "Bacurau", com tempero lusitano (o pai das moças é tuga). Um belo filme, mas o Oscar já é de "Parasita".

UMA FLIP PARA ELIZABETH BISHOP

Até anteontem, eu tinha Elizabeth Bishop na mais alta conta. Para além da qualidade literária, a poeta americana gostava do Brasil (mas não se furtava às críticas), onde morou muitos anos, e foi abertamente lésbica numa época em que isso estava fora de cogitação. Aí Bishop foi escolhida como a homenageada da Flip do ano que vem, e abriram-se as portas do inferno. Um de seus pecados foi ter elogiado, numa correspondência pessoal, o golpe de 1964, logo depois dele ter ocorrido. Galera esquece que Nélson Rodrigues e Guimarães Rosa, que já foram homenageados pela Flip, também apoiaram o golpe - até porque, em 1964, não se imaginava que ele degringolaria numa ditadura de mais de duas décadas. Bishop também é execrada por ser estrangeira, apesar de sua óbvia ligação com o Brasil (e foi aqui, e não nos EUA, que fizeram uma peça e um filme sobre ela). Haveria muitos outros escritores mais merecedores do que ela. Vou contar um segredinho: sempre haverá. Literatura não é ciência exata, gostos e avaliações flutuam, e viva a diversidade. Houve até quem achasse que a escolha de Bishop era uma subserviência ao atual governo, e chegou a circular nas redes que o próprio Biroliro iria à abertura da Flip. Desconsiderando que a agenda presidencial ainda não chega a julho de 2020, Mijair mal sabe ler, não faz a puta ideia de quem seja Elizabeth Bishop e, quando souber, vai ser recusar a prestigiar uma sapatona. O lado bom desse imbróglio todo é que estamos discutindo, mais uma vez, as diferenças entre um artista e sua arte. Bishop era uma pessoa complexa e produziu grande poesia. Não agrada todo mundo? Ótimo, vamos debater isto.

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

O MORTO-VIVO DE PALMARES

Tive todas as condições de me mandar do Brasil quando jovem e não fui. Nunca me arrependi, até chegar o ano da graça de 2019. Estou horrorizado com o país onde eu nasci. Não imaginei que, depois de mais de 30 anos de democracia, tanta gente ainda apoiaria um governo autoritário. E olha que a ditadura militar jamais teve ministros tão fracos e despreparados como Weintraub ou Damares. Os escalões mais baixos, então, são um esgoto a céu aberto. Hoje fomos apresentados ao inacreditável Sérgio Nascimento de Camargo, que, para usar seu sonhado título de "negro de direita", ainda precisa estudar muito. Jornalista de quem nunca ninguém ouviu falar, o novo presidente da Fundação Palmares começou seu mandato metendo o pau em Zumbi, o herói do quilombo que dá nome ao seu cabide de emprego. Também mugiu que Marielle não era negra, que o Brasil não tem racismo e que a escravidão foi benéfica. Nos sites de notícias, os comentários são de virar o estômago: um monte de brancos aplaudindo e dizendo "é isto mesmo o que eu penso". Camargo é um zumbi no mau sentido, fugido de um spin-off de "The Walking Dead". Suas ideias apodrecidas cheiram muito mal.

DIEGO HYPÓCRITA

Não sei se foram as décadas em que o Diego Hypolito ficou trancado no armário, sem muito contato com os anseios de seus irmãos LGBT, ou se ele só é burro mesmo. Só sei que estou admirado com a reação contrária da bicharada ao atleta. Logo depois de estrelar um ousado comercial do lubrificante KY, o hipócrita pisou no tomate. Não só visitou o Biroliro e se deixou fotografar ao lado dele, como ainda participou de um louvor ao lado do namorado evangélico e da primeira-dama Micheque. Diego pode fazer o que bem entender, tanto com seu fiofó como com suas crenças religiosas e preferências políticas. Mas não é mais um símbolo da luta por direitos iguais, nem representa ninguém além de si mesmo. Depois de ser recebido aos gritos de "Fora, Bolsonaro" em uma festa gay, o equivocado foi sumariamente substituído pela drag Dora Escher no novo filme do gel KY. A marca não confirma se Diego não aparecerá mais na campanha, mas sua ausência na nova peça preenche uma lacuna. Será que finalmente nossas opiniões estão sendo ouvidas?

(Não consegui embedar neste post o novo comercial, mas ele pode ser visto aqui)

terça-feira, 26 de novembro de 2019

QUE TUDO SE EXPLODA

O Brasil já teve grandes nomes de direita no comando da economia, como Eugênio Gudin e Roberto Campos. Sinto decepcionar meus amigos no mercado financeiro que votaram no Bozo, mas Paulo Guedes não entrará para esse panteão. O atual ministro da Economia é uma piada pronta. Um remix do Justo Veríssimo, o político criado por Chico Anysio que queria que pobre explodisse. Não é que Guedes não tenha a menor sensibilidade aos temas sociais: ele não tem sensibilidade para nada, ponto. Sua fala de hoje sobre o  AI-5 ajudou o dólar a subir ainda mais, e tem muito investidor passando ao largo do Brasil. Sou totalmente a favor de gente com perfil técnico em todos os escalões do governo, mas é indispensável que esses técnicos também tenham algum traquejo político. Isto já sabemos que Paulo Guedes nunca teve, e começo a me perguntar sobre suas credenciais.

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

LAST CHRISTMAS I GAVE YOU MY HEART


Existe uma curiosa tradição britânica de comédias românticas de Natal, cujo exemplar mais vistoso é "Simplesmente Amor". E o mais recente se chama "Uma Segunda Chance para o Amor", o título genérico com que o exibidor resolveu estragar "Last Christmas". Emma Thompson, que assina o roteiro e também faz a mãe da protagonista, se inspirou na canção de George Michael, e vários outros hits do falecido integram a trilha sonora. O longa também faz bom uso das locações londrinas, que aparecem quase sempre à noite e com luzinhas coloridas. Mas a história é uma bobagem até os 44' do segundo tempo: uma maluquete (Emilia Clarke), que trabalha vestida de elfo na loja de enfeites natalinos da sempre chiquérrima Michelle Yeoh, se envolve com um misterioso bonitão (Henry Golding, filho de Michelle em "Podres de Ricos") e... mais nada. Aí, quando o juiz está prestes a apitar, Gabigol marca um golaço, num truque baixo que me fez ir às lágrimas. O que é, o que é? Não vou dar spoiler, mas escondi um ovo de Páscoa - ou uma bola de Natal -  bem à vista de todo mundo.

O MELHOR PAÍS DA AMÉRICA DO SUL

Não é de hoje que eu sonho em me mudar para o Uruguai. Divórcio há mais de 100 anos, carnes de primeira, aborto descriminalizado, milanesa trufada, maconha vendida em farmácia, clericot, casamento gay, postre chajá... As vantagens são muitas. Neste fim de semana os uruguaios ainda deram um show de civilização, com partidários de Lacalle Pou e Daniel Martínez desfilando juntos pelas ruas. A mim não importa quem ganhe: nenhum dos dois candidatos é populista, ambos são bem-educados e o eleito terá uma vitória limpa (embora, ao que parece, por margem bastante estreita). Só lamento que o Biroliro tenha dito que "só morto" (quem dera) não irá a uma eventual posse do Lacalle. Ele deveria ir à posse de seja lá quem ganhe, e não só de quem ele acha que tem afinidade. Mas nem tanta: o próprio candidato de direita recusou polidamente o apoio do Mijair. Como não amar o Uruguai?

domingo, 24 de novembro de 2019

CHALAMET MINGUÊ


Fazia tempo que eu não ria tanto num filme do Woody Allen. Mas pelas razões erradas: "Um Dia de Chuva em Nova York" tem personagens ridiculamente inverossímeis e situações mal-construídas. O protagonista é uma rapaz rico chamado Gatsby, e eu suspeito que Woody só não o batizou de Riquinho Rico para não ter problemas legais. Gatsby fuma cigarros com piteira, toca piano no bar do hotel Carlyle e cita filmes antigos como se não houvesse "Star Wars". Ou seja, é o que Woody imagina como seria um playboy dos anos 1950. Mas o mancebo não é o único que está preso no passado. A mocinha espevitada feita por Selena Gómez usa "Gigi" como referência, e Diego Luna faz um astro latino que irrompe em cena vestido de Zorro. Tudo isso teria seu charme se "Um Dia de Chuva em Nova York" tivesse pé e cabeça. Mas o roteiro é pointless, movido a conicidências absurdas. O que não quer dizer que este longa, pronto há um ano e engavetado pela Amazon, seja ruim. Woody Allen não faz nada que não seja, no mínimo, agradável. E qualquer coisa com o Chalamet é boa, de acordo com o decreto-lei que eu me auto-impus.

sábado, 23 de novembro de 2019

GAROTO DOURADO

Se a história de Silvio Santos soa como um épico de superação, a de Gugu Liberato é quase um conto de fadas. Até o physique du rôle de um príncipe encantado ele tinha: cabelos louros, sorriso cativante, eterno ar de bom moço. Virou um astro de projeção nacional antes dos 25 anos de idade e nunca mais saiu dos holofotes, apesar dos altos e baixos comuns a qualquer carreira longa. Sua morte já era sabida nas redações desde a tarde de quinta-feira, mas não podia ser divulgada enquanto a família não soltasse um comunicado oficial. Mesmo tendo trabalhado no SBT em três momentos dos anos 90, eu não o conheci pessoalmente - acho que nem cheguei a vê-lo em pessoa - mas só ouço dizer como ele era generoso e fácil de trabalhar. Mais uma tragédia para a gente lembrar, outra vez, que a vida é um sopro. Abrace quem você ama, aproveite o momento e agradeça por tudo.

(O anúncio de 1988 que ilustra este post foi criado pela agência W/Brasil, quando Gugu voltou ao SBT sem sequer ter estreado na Globo, com quem assinara contrato no ano anterior. Até a propaganda era mais divertida naquela época)

sexta-feira, 22 de novembro de 2019

AS DONAS DO PEDAÇO


Não sei o que deu este ano, que até o candidato ao Oscar do Marrocos eu já vi, antes do brasileiro. Mas não sei se "Adam" tem muitas chances. É um filme pequeno, bem realizado, que se apoia no talento das atrizes Lubna Azabal e Nisrin Erradi. A trama até daria uma novela: uma moça grávida sem teto é acolhida por uma viúva amargurada, que tem uma filha de 10 anos. Aos poucos as mulheres se tornam amigas, e a mais velha recupera o gosto pela vida. Esta última tem uma padaria, onde as duas preparam bolos e biscoitos exóticos para nós, que dão vontade de morder a tela. Deveriam ser vendidos na saída do cinema. Não ia sobrar nada.

RABBI CORAGEM

Não sou judeu, mas Henry Sobel significou coisas diferentes para mim. Nos anos 80, eu e uns amigos adorávamos falar "Jerusosaralem" imitando o sotaque dele. Hoje em dia, não consigo pensar no rabino sem lembrar na hora do triste episódio em que ele foi flagrado roubando uma gravata em uma loja de Palm Beach. Mas a imagem que tem que ficar é esta: Sobel foi um herói, capaz de peitar o regime militar de um país que nem era o dele, correndo o risco de ser expulso ou preso. Não foi, porque a morte de Vladimir Herzog foi um ponto de não-retorno para a ditadura: forçaram a mão num momento em que não tinha mais apoio, e o tiro saiu pela culatra. O rabino ajudou muito, ao se recusar a enterrar Vlado no setor de suicidas do cemitério judaico. Tomara que não, mas temo que que precisaremos em breve de mais corajosos como ele.

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

CORRENDO NO VAZIO


"Ford vs. Ferrari" é propaganda disfarçada? Afinal, duas famosas marcas de automóveis aparecem no título do filme. E basta ver o trailer para sacar que a disputa entre elas é contada do ponto de vista dos americanos. Fui para o cinema esperando quase que uma peça da campanha "Make America Great Again", e não saí desapontado. Em muitos momentos, "Ford vs. Ferrari" resvala para a patriotada. Mas minha maior decepção foi mesmo com o roteiro. OK, vá lá, meu interesse por corridas é menor até do que pelo futebol, mas até que eu gostei de "Rush", que exagerava a rivalidade entre Nikki Lauda e James Hunt. O problema aqui é que, mesmo com atores como Matt Damon e o careteiro Christian Bale, eu não consegui me interessar pelos personagens. Não me empolguei nem com as sequências de ação, mesmo admitindo que são bem feitas. A única velocidade que me excita é a do processamento de dados.

SE QUISER ENTENDER A MULHER

...vai ter que levar um aparelho de surdez, porque não está dando para ouvir direito "A Viúva Alegre". A opereta de Franz Léhar está em cartaz no Theatro Municipal de São Paulo em montagem dirigida por Miguel Falabella, que também fez uma nova tradução do libreto e das letras das canções. Elenco, figurinos e cenários são coloridíssimos (apesar de um lustre que parece feito de pipoca). No entanto, em diversos momentos a voz dos cantores não chegou onde eu estava, numa frisa pouco acima da plateia. Já que se usam legendas, um recurso inexistente na ópera tradicional, porque também não apelar para a amplificação elétrica? Uns microfoninhos teriam ajudado bastante. O resultado é que, meio abafada, essa "Viúva" não se alegra. Falta brilho, falta a petulância tão necessária à opereta, uma das formas mais refinadas de entretenimento já criadas pela humanidade. Fica com gosto de champagne choca, que saiu do gelo há horas.

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

DEPOIS A LOUCA É ELA


Não li o livro de Maria Semple que deu origem ao filme "Cadê Você, Bernadette", mas aposto que é bem divertido. Seu tipo de protagonista excêntrica, cheia de problemas mas também encantos, costuma ser muito sedutora na página. Na tela é outra coisa. Custo a crer que a quarentona Bernadette, que abandonou a carreira de arquiteta por causa de um trauma profissional e hoje é uma sociopata entupida de remédios tarja preta, seja tão cativante como Cate Blanchett. Isto não quer dizer que o longa de Richard Linklater seja ruim. O diretor, que já fez obras-primas como "Boyhood" e a trilogia "Antes de...", comete uma comédia semi-fofa, que até tenta nos levar a lugares inesperados. No caso, a Antártica, para onde Bernadette foge depois de perceber que suas loucurinhas quase puseram sua família em perigo. Mas não há propriamente tensão: todos se amam tanto que ninguém dúvida do inevitável final feliz. Já os black label que eu conheço na vida real são um pouquinho mais complicados, sem o carinho ou dinheiro que rodeiam Bernadette.

A INCONSCIÊNCIA BRANCA

O que mais me apavora nesses tristes episódios ocorridos ontem no Congresso é sua espetaculosidade calculada. Explico: não é que o deputado Coronel Tadeu (PSL-SP) tenha tido um ataque incontrolável de fúria ao se deparar com a charge acima, de Latuff. Ele chamou seu cameraman, deu o piti e correu para postar o vídeo em suas redes sociais. Seu correligionário Daniel Silveira - o brucutu carioca que quebrou a placa de Marielle Franco - aproveitou para pegar carona no fuzuê, declarando no plenário que tem muito "negrozinho bandidinho" por aí. Nenhum dos dois está preocupado em propor políticas sérias que aumentem a segurança pública. Seguem à risca a cartilha do Mijair, que passou 28 anos na Câmara e só teve dois projetinhos aprovados, mas expeliu tantas barbaridades que acabou eleito Presidente da República. Tadeu e Silveira são escrotos porque existem milhares de escrotinhos dispostos a votar neles. Gente que não se informa direito sobre seus candidatos e para quem uma lacração reacionária impressiona bem. Sei que todo mundo está exausto da polarização, mas essa turma não merece respeito nem diálogo. É patético - e sintomático - que esses horrores tenham acontecido na véspera do Dia da Consciência Negra. Se os brancos brasileiros tivessem consciência, a escravidão não teria durado tanto.

terça-feira, 19 de novembro de 2019

GEÓRGIA NA MINHA MENTE


O Festival Mix Brasil termina amanhã, e eu não vou conseguir ver um dos filmes da minha lista: o chileno "O Príncipe" (tenho outro compromisso no mesmo horário). Mas duvido que seja melhor do que "E Então Nós Dançamos", o representante da Suécia no próximo Oscar. Que, no entanto, foi todo rodado na ex-república soviética da Geórgia, hoje independente, com diálogos no estranhíssimo idioma de lá. Esse pequeno país do Cáucaso parece uma mistura da Turquia com a Rússia e é um dos lugares mais homofóbicos do mundo. Por isto mesmo, o longa de Levan Akin se reveste de urgência. O protagonista é um rapaz que integra uma trupe de dança folclórica, uma tradição fortíssima na Geórgia. Seu mundinho sofre um abalo quando um novo membro entra para o grupo, e os dois terão que competir entre si por uma vaga no balé nacional do país. Ah, e sabe por que abriu a vaga? Por que seu antigo ocupante foi flagrado transando com outro homem (oooh), um armênio (oooooooh). Com uma trilha sonora exótica e vigorosa, coreografias incríveis e algumas cenas quentes feito um khachapuri, "E Então Nós Dançamos" já é um dos favoritos às indicações ao Oscar de filme internacional. Quem perdeu no Mix não precisa ficar triste: a estreia no Brasil está prevista para 19 de dezembro.

ERREI, SIM

Luiz Gama está pedindo desculpas. Serão sinceras? Duvido. Depois dos tuítes asquerosos sobre Matheus Ribeiro e Maju Coutinho, o cara ainda foi à rádio reclamar que tem muito viado no mundo. Aí pintou o processinho que Ribeiro quer mover contra ele, e Gama afinou. No vídeo acima, ele ainda acha que todo mundo é idiota, ao dizer que nããããão, imagina, não era o seu conterrâneo a quem ele estava se referindo (deve ter sido então a algum outro jornalista goiano gay que ancorou o "Jornal Nacional" no dia 9 de novembro). Mesmo assim, é melhor Gama se desculpar do que insistir no erro, à la Baixo Augusto Nunes. Não que isso irá livrá-lo do processo: homofobia e racismo continuam sendo crimes.

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

ROMA 2

Os mexicanos gostaram tanto de ganhar um Oscar com "Roma" que, para a próxima premiação, mandaram o filme mais parecido possível. "A Camareira", da estrante Lila Avilés, também acompanha o cotidiano extenuante de uma moça de origem indígena na Cidade do México. Assim como sua colega do longa de Alfonso Cuarón, ela faz camas e passa aspirador. Uma diferença é que não é numa casa da classe média alta, e sim num hotel de luxo (que eu reconheci como o Intercontinental, no bairro de Polanco). A outra diferença é que, dessa vez, não tem história mesmo, uma reclamação que muita gente fez de "Roma". Há alguns personagens curiosos, como a colega mais velha meio sapatona e a hóspede argentina sem noção e com um bebê. Mais nada. Só fui ver porque quero ver o máximo de candidatos. Se você não é obcecado como eu, nem precisa se mexer.

QUE PRÍNCIPE SOU EU?

Uma discussão bizarra tomou conta das redes sociais brasileiras na semana passada. Luiz Philippe de Orleans e Bragança, deputado federal pelo PSL e quase-vice do Biroliro, não seria príncipe coisa nenhuma, porque a monarquia foi abolida no Brasil com a proclamação da república. Teve gente que chegou a dizer que ele era "autoproclamado", feito o Juan Guaidó na Venezuela ou a Jeanine Áñez na Bolívia. Lamento, mas Luiz Philippe é príncipe sim. Ele faz parte da Casa Imperial Brasileira, que não foi extinta. Não há mais trono, mas os Orleans e Bragança ainda são reconhecidos pelo Almanach du Gotha, o catálogo oficial da nobreza mundial. O que não temos mais no Brasil são duques, barões e condes. O Império distribuía esses títulos como honrarias equivalentes ao "sir" britânico, sem terras atreladas a eles. Tampouco eram hereditários: filho de barão não herdava o título do pai. Mesmo assim, a república continuou tratando os nobres do Império como tal, até que eles morressem. Um exemplo fulgurante é o Barão do Rio Branco, que era chamado assim mesmo sendo o chanceler de diversos governos republicanos, entre 1902 e 1912. Até pouco tempo, a polêmica não existia, porque nossos príncipes mais visíveis são adoráveis. Dom Joãozinho é um cara bacanérrimo: culto, simpático, despretensioso, ótimo fotógrafo e anfitrião de uma badalada feijoada em Paraty. Sem falar na DJ Princesa Paola de Bragança, que tal? São todos do ramo de Petrópolis, que leva adiante o legado cosmpolita e iluminado de D. Pedro II. Mas tem também o ramo de Vassouras, composto por figuras lúgubres e ligadas à TFP, do qual Luiz Philippe faz parte. Sinto informar, mas não é porque não gostamos dele que o quase-vice deixou de ser príncipe. Pelo menos no título.

domingo, 17 de novembro de 2019

TINTA FRESCA


Martin Scorsese é um dos meus cinco cineastas favoritos. Nunca vi um filme dele que não fosse pelo menos muito bom. Dá para imaginar como estava minha expectativa para "O Irlandês", ainda mais depois que as primeiras críticas vieram esplendorosas. Comprei meu ingresso com uma semana de antecedência para uma das sessões especiais que a Netflix está promovendo esta semana em S. Paulo. Preparei um farnel para enfrentar as três horas e meia sem fome nem sede, e quase levei uma almofada para o cinema. E aí... gostei. O filme é mesmo muito bom. Mas não achei espetacular. O que há de errado comigo? Vai ver que eu estava esperando pelo Scorsese exibicionista, aquele que faz um plano-sequência com 15 minutos de duração, ou por alguma montagem de arrepiar os cabelos feita por sua editora de sempre, Thelma Schoonmaker. O que há é um storytelling maduro, sem pressa, mas também sem enrolação. O ritmo cai de vez em quando, mas a sensação é mesmo a de que estamos maratonando uma boa série. Robert De Niro e sua eterna boca virada para baixo não me seduziu, mas Al Pacino está em chamas e Joe Pesci, em fogo baixo, queima tanto quanto. O efeito o de rejuvenescimento dos atores também está perfeito, e quem disser o contrário só está sendo implicante. Mas o drama do não-arrependimento e não-redenção do protagonista não me pegou. Talvez o filme ainda cresça dentro da minha cabeça. Talvez eu tenha que esperar a tinta secar na parede, como a do título do livro original: "Ouvi Dizer que Você Pinta Casas" (ou seja, é um matador de aluguel).

sábado, 16 de novembro de 2019

LA LA EXPO

Ontem eu passei mais de duas horas dentro da exposição "Musicais no Cinema", e foi pouco. A mostra, criada originalmente para o Musée de la Musique de Paris, ficou ainda maior e melhor em sua versão no Museu da Imagem e do Som de São Paulo, É uma imersão na história dos filmes musicais, e não só de Hollywood. Tem muitas produções francesas, claro, mas também do resto do mundo: Índia, Japão, China, Alemanha e, claro, Brasil. O visitante ganha um par de fones de ouvido na entrada (não precisa devolver na saída), para poder se plugar nas dezenas de telas espalhadas pelo MIS e se deleitar. Tem os clássicos que todo mundo conhece, mas também não faltam curiosidades. Como "My Fair Lady" na voz de Audrey Hepburn, que acabou sendo dublada por uma cantora melhor (mas não muito), ou Elza Soares bem novinha sambando em três filmes de Mazzaropi.
Toda a parte brasileira tem curadoria do jornalista Duda Leite, e está simplesmente sensacional. Tem a chanchada, claro, mas também os filmes de Roberto Carlos, musicais new wave dos anos 80 como "Bete Balanço" e coisas inclassificáveis de tão esquisitas. Carmen Miranda ganhou sua própria ala, recheada de vestidos e acessórios vindos do acervo de seu museu (que está fechado há anos, no Rio de Janeiro). Duda também conseguiu trazer dois figurinos originais de "Rocketman", que deve receber uma indicação ao Oscar da categoria. Uma seção é voltada para as crianças, com muitos desenhos animados e Mary Poppins, e não faltam cenários para a gente pagar mico e postar no Instagram. Em suma: deslumbrante. Preciso voltar antes que acabe, em fevereiro.

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

A MANCHA DE VINHO


Ainda gosto do Xavier Dolan? Claro: ele continua uma teteia. Mas como diretor, sei não. "The Death and Life of John Donovan", seu penúltimo filme - e o primeiro falado em inglês - teve críticas tão horrorosas que quase sumiu do mapa. Ninguém sabe, ninguém viu. Mas Dolan não deixou a peteca cair e lançou, logo em seguida, "Matthias & Maxime", em cartaz no Mix Brasil. É uma volta ao seu estilo tradicional: baixo orçamento e atores desconhecidos falando o impenetrável francês do Québec. Suspeito que ele também tenha voltado à adolescência. Porque a trama só faz sentido para alguém de 16 anos: dois amigos se beijam em um filme caseiro, e pinta aquela dúvida cruel. Acontece que os personagens têm 30 e já deviam se conhecer melhor a essa altura da vida, ainda mais nos dias de hoje. Dolan faz Maxime, que tem um sinal no rosto conhecido como "mancha de vinho" (aquele do Gorbachev). O francês de origem lusa Gabriel D'Almeida Freitas é Matthias, um tipão, mas a química entre os dois nunca entra em ponto de combustão. Com algumas cenas magníficas e outras jogadas fora, "Matthias & Maxime" parece um amontoado de ideias soltas e cruas. Deve ter sido mesmo rodado às pressas.

CONHECE-TE A TI MESMO

Uma das justificativas mais usadas pelas celebridades gays para não se assumirem é a perda de contratos de propaganda (sem falar do cargo de vice-presidente da República). Diego Hypolito acaba de provar que existe vida publicitária depois da saída do armário. Seu comercial para o gel KY não vai ganhar leão em Cannes, mas é totalmente pertinente e um teco atrevido. A Johnson & Johnson, antiga fabricante do produto, jamais teria a coragem de fazer um filme como este (hoje o KY é da Hipermarcas). Deslizou fácil e entrou gostoso.

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

TABLEAUX VIVANTS

E voilà, começou mais um Festival Mix Brasil. Nem me recuperei ainda da Mostra e ontem lá estava eu novamente no Auditório Ibirapuera. O filme de abertura foi "Retrato de uma Jovem em Chamas", um romance lésbico dirigido por Céline Sciamma e estrelado por sua mulher na vida real, Adèle Haenel. A fotografia primorosa evoca quadros de Vermeer e as duas únicas vezes em que a música é usada são sublimes. Curiosamente, com tantas qualidades formais, o longa foi premiado em Cannes justamente por seu ponto mais fraco: o roteiro. Tem horas em que simplesmente não vai para a frente a história da jovem aristocrata francesa e a pintora que vai fazer seu retrato, para enviá-lo a um rico pretendente na Itália. As cenas de sexo até que são discretas. O que perturba mesmo é um aborto, feito sobre uma cama onde também brincam duas crianças pequenas.

ARRUAÇA CONTRA O BRASIL

Tudo o que a familícia faz visa seu próprio benefício. O Brasil é a última de suas preocupações. Nos últimos dias tivemos dois exemplos. Primeiro, Mijair extinguiu o DPVAT, um imposto de custo baixíssimo para quem paga, mas essencial para o SUS. Ele quer simplificar a carga tributária? Não, só atingir o dono do PSL, Luciano Bivar, que possui uma seguradora. Ontem rolou a invasão da embaixada da Venezuela em Brasília por partidários de Juan Guaidó, e o 03 correu ao Twitter para apoiar essa patacoada. O objetivo era só manter a base energizada, mas Dudu colocou em risco nossos diplomatas: já pensou se uma milícia pró-Maduro resolve retaliar e invadir nossa embaixada em Caracas, fazendo todo mundo de refém? Os Biroliro se habituaram a falar merda quando eram apenas parlamentares do baixo clero, sem muito poder real. Ainda não entenderam onde estão agora, o que indica que não estarão por muito tempo.

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

A SURUBA IMPERIAL

Já disseram que o Brasil é escrito por um roteirista ruim, e eu concordo. Essa história de que o Biroliro teria vetado o príncipe Luiz Philippe de Orléans e Bragança para ser seu vice, depois de ter recebido fotos de Sua Alteza participando de uma orgia gay, é digna de uma série bem ruim. As fotos teriam sido repassadas ao Mijair pelo Gustavo Bebbiano, já caído em desgraça, e o lance foi relevado pelo Alexandre Frota, outro que já rompeu com a familícia. Se o deputado federal, hoje no PSDB, fizer mesmo pixulecos de todo o clã Bostonaro, sou até capaz de perdoá-lo por ter me processado em 2016 (para quem não lembra: ele perdeu, coitadinho).

ACQUA ALTISSIMA

A acqua alta é um fato da vida em Veneza. Enfrentei o fenômeno logo na primeira vez em que visitei a cidade, no canranval de 1983. Imagine a Piazza di San Marco transformada em discoteca ao ar livre, cheia de gente com máscaras de commedia dell'arte e água até as canelas. Mas a que está acontecendo agora chegou a um metro e meio de altura: a maior em 50 anos. Culpa do aquecimento global? É provável. A meteorologia enlouqueceu no mundo inteiro, e não dá para dizer que isto é um padrão cíclico. Enquanto isto, Greta Thunberg é ridicularizada pelos boçais. Enquanto isto, a Catedral e o Palazzo Gritti estão inundados.








terça-feira, 12 de novembro de 2019

PASSA-ANEL

A familícia Biroliro ostenta um defeito que nada tem a ver com ideologia: mau gosto visual. Todos os logos do governo são pavorosos. Parecem ter sido feito pelo estagiário a bordo de um Windows 95. Hoje o 03 apresentou a identidade visual do que seria o nono partido do Mijair. O nome é meio de boiola: aliança lembra anel que lembra você sabe o quê, e os dois círculos em verde-e-amarelo parecem representar exatamente isto. A mistura de tipos em caixa alta e baixa é gratuita e aleatória, totalmente livre de significado.Não tem a empatia de um tucano, nem a portabilidade de uma estrela vermelha. Nem mesmo charme vintage: é só feia mesmo. Bem digna dos Biroliro.

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

O GOLPE MILICIANO

Não tem lado certo na Bolívia. Não dá para torcer nem para o Evo Morales, nem para as forças que o apearam do poder. Só para que a normalidade democrática seja reestabelecida o mais rápido possível. Mas isto ainda parece longe de acontecer, porque o país está um caos. Sim, houve um golpe por lá, mas não foi o clássico golpe militar sul-americano. Estamos diante de um novo tipo de levante: o golpe miliciano, nas palavras felizes do Pedro Doria. Foi parte da polícia quem se rebelou, não as Forças Armadas, insufladas pelo tenebroso Luós Fernando Camacho, um empresário de extrema direita ligado às igrejas neopentecostais. Policias mascarados participaram de depredações e perseguições - ou seja, agiram feito milicianos. O lado bom é que essa gangue não teve força para assumir o controle do país; o lado mau é que agora o caos reina na Bolívia. Tomara que esse neologismo não cruze a fronteira com o Brasil.

JOYLESS

"Joy", o representante da Áustria no próximo Oscar, tem um título irônico. Poucas coisas são menos alegres do que este filme sobre uma prostituta nigeriana em Viena. Ela tem uma dívida quase impagável, sofre agressões diariamente e ainda tem uma família que inventa doenças para ela mandar mais dinheiro. O que torna "Joy" palatável é a interpretação estóica de Anwulika Alphonsus (se ela chorasse o tempo todo ia ser um suplício para o espectador) e a direção sem firulas de Sudabeh Mortezai. O longa está disponível na Netflix desde maio, mas só me chamou a atenção depois que foi inscrito no Oscar. Merece a sua também.

ATUALIZAÇÃO: Logo depois que eu subi este post, a Academia anunciou que "Joy" foi desclassificado do páreo pelo Oscar. O motivo: dois terços dos diálogos são em inglês. A mesma razão que levou à desqualificação do nigeriano "Lionheart" na semana passada. O prêmio não se chama mais "melhor filme em língua estrangeira", e sim "melhor filme internacional", mas a regra do idioma continua a mesma. Por um lado, acho justo: isto evita que filmes britânicos e australianos dominem a categoria. Por outro, tem coisa mais internacional do que uma nigeriana na Áustria?

domingo, 10 de novembro de 2019

DESMORALESADO

Mais cedo ou mais tarde, todos os líderes populistas cometem o mesmo erro, sejam eles de direita ou de esquerda. Caem na tentação de se eternizar no poder, certos de que o amor que o povo nutre por eles é mais forte que qualquer instituição. Fujimori fez isto no Peru, Chávez fez isto na Venezuela e não duvido nada que a ideia tenha passado pela cabeça de Lula. Na de Evo Morales, isso estava claro desde 2016, quando ele não aceitou o resultado do plebiscito que ele mesmo convocou para alterar a Constituição que ele mesmo defendeu. Por isto, não foi surpresa nenhuma sua tentativa canhestra de fraudar as eleições deste ano. Tivesse Morales concordado com o segundo turno, ainda teria uma chance de legitimar seu quarto mandato consecutivo. Mas ele preferiu interromper a contagem dos votos quando começou a perder. Seguiram-se manifestações, quebra-quebra e até algumas mortes. Hoje, a auditoria que ele foi forçado a contratar revelou que "não podia dar fé" aos resultados - ou seja, houve fraude mesmo. Primeiro Morales anunciou novas eleições; depois, renunciou, sob pressão do Exército. Foi golpe? Depende de qual narrativa você acreditar. Eu acho que o golpe começou quando o caudilho boliviano ignorou as urnas e se candidatou de novo, e continuou pela tentativa de fraude. Mas o que virá em breve é que determinará o que de fato está acontecendo. Se houver eleições limpas e transparentes, então a Bolívia estará salva. Se um estado de exceção se prolongar como no Brasil pós-64, já era. De qualquer maneira, é triste ver toda a esquerda latino-americana lamentando a queda de Evo Morales. Significa que eles também seriam capazes de qualquer coisa para se manter no poder?

sábado, 9 de novembro de 2019

ELZA LIVRE

Finalmente vi "Elza", o musical que homenageia nossa maior cantora viva. Vou ser bem chato e começar pelo que eu não gostei. A duração: duas horas e meia sem intervalo. Não precisava. Tem até uma pausa natural, que serviria de ponto para uma breve interrupção. Também tem uns vinte minutos sobrando. Cortes pontuais fariam um bem desgraçado. O visual: OK, nunca há dinheiro, mas o cenário e os figurinos acinzentados deixam o visual monótono, para não dizer pobrinho. É um alívio quando, na segunda metade, as atrizes entram com roupas coloridas. O roteiro: tem que ter uma boa noção da vida de Elza Soares para não se perder, porque os fatos e as canções não seguem uma ordem cronológica. Dito isto, vamos ao que eu AMEI. As atrizes: de onde foi que saiu essa mulherada? Algumas me pareceram familiares, mas não lembro de onde. Todas fabulosas. Sete timbres diferentes (e só o de Larissa Luz evoca o de Elza), intensa presença em cena, carisma, beleza, talento. Algumas marcas da direção: há ótimas soluções com latas d'água, e a cena em que todas cobrem com elas as cabeças, permanecendo em silêncio pelo que parece uma eternidade, é incômoda e poderosa. O repertório: aí é covardia, né? Todos os hits da carreira de Elza estão lá. A banda, também só de mulheres: pãtaqueoparêo. E o fato de eu ter ido justo na noite de ontem, com as pessoas bem mais exaltadas do que de costume. Aplaudiram de pé o penúltimo número, vê se pode? No final, plateia e elenco fizeram arminha com a mão. Mas com o indicador para cima.

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

LULA SOLTO

Teve até beijo na boca. Fico contente pelo clima de empolgação e esperança que contagiou boa parte do país. Biroliro finalmente terá um adversário à altura; na verdade, mais alto do que ele. Mas também fico apreensivo. Será que, uma vez livre, Lula irá morder a isca e tentar incendiar o Brasil? É só isto o que a familícia espera, para ter um fiapo de pretexto para um golpe militar. Continuo não achando que Lula seja inocente - as provas contra ele são muitas - e também sigo a favor da prisão depois da segunda instância, como acontece na maioria dos países civilizados. Mas a Vaza-Jato deixou claro que o julgamento do ex-presidente foi parcial e precipitado. Lula merece, no mínimo, ser julgado de novo. Agora é torcer que baixe nele o Nelson Mandela, para quebrar a polarização vigente. Mas Lula será capaz disso? Quando que ele pôs o interesse nacional na frente de suas ambições pessoais?

ATUALIZAÇÃO: Troquei o nome do post. Lula não está livre: continua condenado em segunda instância e ainda responde a nove processos. Tampouco pode se candidatar, pois se encaixa na Lei da Ficha Suja. "Solto" é o termo correto para este momento.

FILMES QUE COMEÇAM COM RE


Matei a saudade da Mostra assistindo dois filmes na mesma noite. Um deles tem toda a pinta de "filme da Mostra", mas não fazia parte da programação. É o peruano "Retablo", que vai representar seu país no próximo Oscar. Retábulos (em português) são aquelas caixinhas que, originalmente, eram cheias de santos e colocadas em altares, mas depois evoluíram para pequenos museus portáteis. O protagonista de "Retablo" é um garoto de 14 anos, filho de um artesão dessas maravilhas. Um dia os dois pegam carona num furgão, e o rapaz, na caçamba, vê sem querer o pai batendo uma para o motorista. Eles moram numa comunidade tão primitiva que ladrões são açoitados em praça pública; imagine como a homossexualidade é bem recebida. "Retablo" é falado em quechua e um pouquinho lento. Na hora, achei meio chato. Hoje percebo que o filme está crescendo dentro da minha cabeça. Um sinal inequívoco de que valeu a pena.


Não posso dizer o mesmo de "O Relatório" (este, sim, fez parte da Mostra). O pedigree é impecável: direção e roteiro de Scott Z. Burns, que também escreveu "A Lavanderia", e um elenco de primeiríssima linha encabecado pelo feio-bonito Adam Driver. Baseada em fatos reais, a história tem a ver com o Brasil de hoje. Porque o tal do relatório é u calhamaço denunciando as torturas cometidas pelos americanos para extorquir informações de supostos terroristas. Por aqui, não ia faltar minion querendo que esses barbudos (nem todos culpados, veja bem) sofressem mais (por lá também não falta). Mas as instituições dos EUA são bem mais sólidas do que as nossas, e barbaridades medievais não costumam cair bem por lá. Annette Bening pode ser indicada ao Oscar de coadjuvante pelo papel da senadora democrata Dianne Feinstein, mas o filme como um todo parece um episódio aborrecido e mal-iluminado de "House of Cards". E eu nem orecisava ter me apressado: antes do fim do mês, "O Relatório" já estará disponível na Amazon Prime Video.

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

"VOCÊ É UM COUVARDE"

Homofóbicos, entendam de uma vez por todas: não mexam com os filhos dos gays. Não levantem dúvidas sobre a legitimidade ou sobre a capacidade de educarmos crianças. Esse tipo de insinuação não é "um ataque bem-humorado", como tentou se justificar hoje de manhã o Augusto Nunes, durante um debate com Glenn Greenwald na rádio Jovem Pan. Glenn enfiou o dedo no nariz de Augusto, que se descontrolou ao vivo e a cores para todo o Brasil. Os dois trocaram sopapos, mas eu dou toda razão ao Glenn. Aliás, mexer com os filhos, sejam eles de gays ou não, é sempre covardia. Que o diga a Joice Hassellman.

HELENINHO

O general Augusto Heleno é um homúnculo. Não na estatura física, mas na moral. Quando jovem, ele integrou o grupo linha-dura de Sylvio Frota, que queria prolongar a ditadura militar e eliminar qualquer chance de abertura política. Mais tarde, chefiou a missão brasileira no Haiti, que teve alguns problemas mas terminou com saldo positivo. Heleno poderia ter sossegado na reserva e deixado um retrato simpático na história, mas preferiu embarcar de cabeça na aventura protogolpista de Mijair. Foi apontado por vários como a eminência parda do atual desgoverno, mas isto não o poupou de levar um chega-pra-lá do 02 quando um comissário de bordo da comitiva presidencial foi pego com quilos de cocaína no aeroporto de Barcelona. Como já viu outros colegas de farda serem defenestrados em choro nem vela, Heleninho aderiu à cartilha olavista. Disse que "tem que estudar como vai fazer" quando perguntado sobre o AI-5 proposto pelo 03. Depois tentou intimidar o Reinaldo Azevedo no Twitter, mas foi posto em seu devido lugar. Ontem, questionado pela deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) se apoiava mesmo a volta da ditadura, o mini-milico reagiu com um "você vai me torturar?". Essa figurinha patética, sem o menor traquejo político nem respeito pelo estado de direito, tenta bajular a familícia para se manter à frente do Gabinete de Segurança Institucional. Boa sorte, general: no futuro, o senhor não merecerá mais do que uma notinha de rodapé, da mesma altura do seu caráter.

quarta-feira, 6 de novembro de 2019

DOU-LHE TRÊS

Então teve o megaleilão do pré-sal. Mas o dia em que o Brasil entregaria suas riquezas de mão beijada às potências estrangeiras acabou tendo um desfecho diferente do anunciado pela esquerda: só arrecadaram-se 70 dos 100 bilhões esperados e, na prática, a compradora foi a Petrobrás - a mesma empresa que descobriu os campos. Já tem meme tirando sarro do semi-fiasco, mas eu vou ser elegante. Prefiro comparar com a deliciosa cena do leilão de "A Família Addams",

A MAIOR DERROTA DA HISTÓRIA DO MUNDO

No desencontrado calendário eleitoral americano, ontem alguns estados escolheram novos governadores. O Mississipi reelegeu um republicano, mas Virginia e Kentucky - considerados "vemelhos" no jargão de lá - de repente azularam. O primeiro não só deu a vitória a um democrata, como também a maioria do Legislativo estadual ao partido da sra. Warren. No segundo, a decisão foi no photochart: o democrata Andy Beshear bateu o republicano Matt Beavin por menos de meio ponto de diferença, mas não faz mal. O que importa mesmo é que Donald Trump se abalou até lá e, num comício pró-Beavin, implorou ao público: "Se perdermos, a imprensa vai dizer que Donald Trump sofreu a maior derrota da história do mundo. Vocês não podem deixar isso acontecer comigo!". Pois é, tarde demais. Nesta terça, 5 de novembro de 2019, nas eleições para governador do estado do Kentucky, Donald Trump sofreu a maior derrota da história do mundo.

terça-feira, 5 de novembro de 2019

MEU REI


A peça "Henrique V" de Shakespeare foi levada duas vezes ao cinema, com Laurence Olivier e Kenneth Branagh encarnando o monarca inglês. Os dois atores já eram velhos demais para o papel: Henrique V tinha só 28 anos quando venceu os franceses na batalha de Agincourt. Timothée Chalamet, no esplendor dos 23, passa uma ideia mais realista do personagem histórico em "O Rei", disponível na Netflix. O filme de David Michôd não é uma adaptação do texto teatral, mas têm alguns pontos em comum com o palco. Como o "sidekick" Falstaff e o famoso discurso que inflamou as tropas (mas com palavras diferentes das shakespeareanas). Eu sou suspeito para falar do Chalamet: rendi-me a ele assim que o conheci, dois anos atrás, em "Me Chame Pelo Seu Nome". Aqui ele só confirma o enorme talento, compondo um rapaz que perde qualquer razão para sorrir depois que sobe ao trono. Se tivesse um lançamento convencional nos cinemas, "O Rei" estaria cotadíssimo para o Oscar - nos EUA o longa até passou em algumas salas, para poder concorrer na Academia. Mas a Netflix tem outros filmes no páreo, como "O Irlandês" e "Marriage Story", de perfil mais alto. Não faz mal. Timothée Chalamet é do quilate de Leonardo Di Caprio, um tipo de ator que surge muito raramente, e sua carreira mal começou. As joias de sua coroa ainda não foram lapidadas.

segunda-feira, 4 de novembro de 2019

ACENDERAM O PAVIO?

Vem bomba por aí. É o que dizem alguns jornalistas que circulam nos bastidores do poder. Isso explicaria o destempero da familícia nos últimos dias, ainda mais estridente do que o habitual. Também seria a razão da saída do governo do general Santa Rosa, secretário de Assuntos Estratégicos, seguido por três outros militares. Mas que petardo seria esse? O caso Marielle Franco? Hoje foi anunciado que o porteiro que se ouve falando na gravação periciada em tempo recorde não é o mesmo que anotou o número 58 na planilha de visitantes ao condomínio Vivendas da Barra no dia 14 de março de 2018. Ou será que a bomba é o escândalo do laranjal do PSL? O Bozo sabia de tudo, é claro. Mas também não duvido que nada que seja algo ainda mais escabroso. Por via das dúvidas, tapem os ouvidos. E os narizes.

O BACURAU DA ARGENTINA


Pronto, já identifiquei qual é o tema dominante do cinema em 2019: é a vingança. Basicamente, a vingança contra o sistema ("Coringa", "Parasita". "Bacurau"), mas também contra a boçalidade e a própria história ("Era Uma Vez... em Hollywood"). "A Odisseia dos Tontos" não está no mesmo patamar de qualidade dos filmes citados, mas é bastante bom. O representante da Argentina no próximo Oscar tem como protagonistas as pessoas simples de uma cidadezinha do interior, como o nosso "Bacurau", e também conta como elas lidaram com uma situação extremamente injusta. Só que, ao contrário do nosso longa, aqui ninguém parte para a ignorância. Ao contrário: o plano é elaborado, complicado a ponto de ralentar o ritmo do longa em certos momentos. Nossos heróis depositaram uma bolada no banco e foram vítimas do "corralito", o decreto baixado pelo governo em 2001 que limitava os saques das contas correntes. Mas a revanche deles não é contra nenhum político, e sim um banqueiro que tira vantagem da situação. Mais não posso contar. Além do roteiro, outra ótima razão para embarcar nessa odisseia é o elenco, captianeado pelo onipresente Ricardo Darín, embelezado por seu filho Chino e abrilhantado por dois veteranos sensacionais, Luis Brandoni e Rita Cortese. Para se comer frio.

domingo, 3 de novembro de 2019

LIGUE DJÁ!

O mundo fica menos engraçado sem o Walter Mercado. O astrólogo portorriquenho ficou famoso em toda a América Latina e construiu um império que chegou até o Brasil nos anos 90, quando seu bordão "Ligue djá!" se popularizou por aqui. Mas quem ligasse se desapontava: não era ele quem atendia, claro, mas algum assistente anônimo. Seu look atemporal também remetia a uma época em que algumas bichas não sabiam envelhecer: preferiam se transformar em bonecas de porcelana Walter morreu hoje sem saber que me inspirou um projeto de série de TV, que já circulou por várias produtoras mas continua engavetada. Quem sabe agora, que passou para outro plano, ele não me dá uma forcinha?

sábado, 2 de novembro de 2019

VIRGEM DE NOVO


Lília Cabral teve dois enormes sucessos no teatro na última década e meia. O primeiro, "Divã", virou filme e depois série de TV. O segundo, "Maria do Caritó", deve seguir pelo mesmo caminho. A história da mulher mantida virgem para pagar uma promessa do pai (ou seja, guardada no caritó, a prateleira alta de algumas casas nordestinas, longe do alcance das crianças) ficou menos frenética na tela do que no palco, mas tão engraçada quanto e com um final um teco mais contemporâneo. "Cine Hollyúdi" provou que dá para fazer humor popular na televisão sem baixar o nível nem a audiência. Não duvido que já tenha gente na Globo pensando na primeira temporada de "Maria do Caritó".

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

LAVOU, TÁ NOVO


Agora já dá para dizer que existe um novo subgênero em Hollywood: a comédia ácida que satiriza o mercado financeiro, com elenco fabuloso e atores dando falas malandrinhas diretamente para a câmera. Depois de "A Grande Aposta" e "O Lobo de Wall Street", o mais novo membro do clube é "A Lavanderia", que está disponível na Netflix. Talvez a palhaçada seja o único jeito de tornar palatável um assunto tão árido? Aqui o alvo é o escândalo conhecido como Panama Papers, cujo epicentro foi o escritório de advocacia Mossack Fonseca, especializado em abrir empresas-fantasmas em paraísos fiscais. E, para tornar o prejuízo palpável, a protagonista é uma viúva americana que só quer receber o seguro pela morte do marido. Quando ela descobre que a seguradora meio que não existe, resolve investigar por conta própria. O roteiro é divertido ao ponto de, lá pela metade, eu ter tido a impressão de que um problema técnico havia interrompido o filme original e começado um outro, com outra história e outros personagens. Tudo se junta no final, é claro, com uma longa tomada única que sublinha pela enésima o talento espantoso de Meryl Streep, Gary Oldman e Antonio Banderas. "A Lavanderia" é o melhor filme em mais de uma década de Steven Soderbergh, um diretor que já assinou obras-primas mas que, nos últimos tempos, só fazia ligeirezas. Este aqui não vai entrar para a história, mas é limpinho e engomado.