quinta-feira, 31 de outubro de 2019

PAPAS MÓVEIS

Ufa. Acabou a Mostra. Ainda tem a repescagem, mas os poucos filmes que me interessam passam em horários complicados para mim. Já basta a cerimônia de encerramento de ontem, que começou com uma hora e meia de atraso e ainda entregou trocentos troféus antes de exibir "Os Dois Papas". Mas valeu a pena: o primeiro longa de Fernando Meirelles em mais de sete anos é magistral. Adaptado de uma peça do neozelandês Anthony McCarten, que cometeu o roteiro de "Bohemian Rhapsody" mas foi indicado ao Oscar por "A Teoria de Tudo e "O Destino de uma Nação", o filme só poderá ser visto por aqui na Netflix, onde estreia em dezembro. E não, não parece teatro filmado: tem muitas cenas na Argentina, muitos flashbacks e sequências espetaculares que parecem mesmo terem sido rodadas no Vaticano e em Castel Gandolfo, a residência papal de verão. Mas são os diálogos entre os então papa Bento 16 e cardeal Jorge Bergoglio que mais prendem a atenção. O argentino vai pedir sua aposentadoria ao alemão, num encontro que eu não sei se aconteceu de fato na vida real. Não importa: tudo soa verdadeiro. Jonathan Pryce provavelmente terá sua primeira indicação ao Oscar, pois está soberbo como o papa Francisco. Mas ele é quase ofuscado por um Anthony Hopkins em estado de graça, que consegue humanizar e até tornar simpática uma figura que eu sempre detestei, Joseph Ratzinger. Juntos, eles mostram como a Igreja tenta romper a imobilidade histórica e parar de perder fiéis (como eu, por exemplo). Há que se interessar por história, política e religião para gostar de "Os Dois Papas", a antítese de um filme de Marvel. Mas tem pelo menos um herói de carne e osso, a depender da sua inclinação política.

ESTANISLAO, LAO, LAO

O encrenqueiro
Do embaixapeiro
Que não tem pau, não tem pau, não tem pau, pau, pau
O encrenqueiro
Do embaixapeiro
Levou um crau da drag queen

O primeiro-filho
Do argentino
O Estanislao, Estanislao, Estanislao, lao, lao
O primeiro-filho
Do argentino
Humilhou o zero-três

O inseguro
Que faz arminha
Ficou de mal, ficou de mal, ficou de mal, mal, mal
O inseguro
Que faz arminha
Quer voltar com o AI-5

Mas é um covarde
E não é páreo
Pro Estanislao, Estanislao, Estanislao, lao, lao
Que disse "os amo"
Por isso estamos mais juntos do que nunca!


quarta-feira, 30 de outubro de 2019

GRITOS E SUSSURROS

O berreiro armado pelo Biroliro na madrugada da Arábia Saudita vai entrar para a história como um dos maiores vexames de uma carreira vexaminosa. Jamais um presidente brasileiro se comportou com tamanha descompostura. O chilique deixou claro que não há estratégia política alguma: só impulsos incontroláveis, que denotam uma personalidade tosca e mesquinha. Enquanto se investiga se alguém atendeu mesmo o interfone na casa 58, vamos comentar à boca pequena:

- As evidências de ligações entre o clã e a milícia são abundantes e cada vez mais visíveis. Não estou dizendo que o próprio Bozo seja o mandante de qualquer crime, mas a intimidade entre os lados está registrada em atos, fotos e áudios.

- É claro que os militares sabiam dessas ligações. Afinal, o Rio ficou sob intervenção das Forças Armadas durante quase um ano. O triste é que, mesmo sabendo disso, quiseram embarcar nessa canoa, na ânsia de voltar ao poder (e talvez na ilusão de que controlariam o Despreparado).

- Quem matou Marielle deve estar arrependidíssimo. Jamais imaginou que a eliminação de uma reles veradora em primeiro mandato iria evoluir para uma bola de neve de proporções planetárias, capaz de abalar a República.

- O 03 já avisou que "a história se repetirá" se o Brasil tiver protestos parecidos com os do Chile. Ou seja, ameaçou um golpe de estado. Tem gente no governo procurando pretextos e cavando apoio nas Forças Armadas. Não é por outra razão que Mijair vai em qualquer formaturazinha de sargentos. Mas vai ter respaldo popular? Duvido muito. De qualquer forma, a resistência já começou.

- Que ótima ideia comprar briga com a rede Globo, não é mesmo?

MOSTRA À QUATRE - part deux


Vi quatro filmes esquisitos nos últimos dois dias. O primeiro deles venceu o festival de Berlim: é o franco-israelense "Sinônimos", que já tem estreia garantida no Brasil. O protagonista é um bonitão que aparece pelado quase metade do tempo, mas sua beleza é amortecida pela personalidade. O cara é um puta chato. É um ex-soldado de Israel que quer se esquecer de seu país natal e se estabelecer na França; até hebraico ele se recusa a falar. "Sinônimos" discute identidade e pertencimento, sem oferecer propriamente uma trama. Isto não seria grave se o personagem gerasse empatia. Não gera.


Mais estranho ainda é "Monos", que irá representar a Colômbia no próximo Oscar. Um grupo de adolescentes guerrilheiros mantém uma americana refém no alto de uma montanha. Ponto. Por que eles lutam? Qual sua ideologia? É impossível não lembrar o longo sequestro de Ingrid Betancourt pelas FARC, mas os moleques do filme não passam de estagiários da guerrilha. A atriz americana Julianne Nicholson faz a cientista capturada pela gangue, e sua total disponibilidade para se arranhar, sujar e levar bofetadas certamente contará pontos na Academia. A trilha sonora eletrônica ainda reforça o clima estapafúrdio.

Outro que tentará o Oscar é "O Paraíso Deve Ser Aqui", concorrendo pela Palestina. Assim como o italiano Nanni Moretti, o diretor Elia Suleiman gosta de se colocar como personagem e assunto de seus filmes. Também sem um plot definido, ele percorre Nazaré, a cidade em que mora, e também Paris e Nova York, um pouco em busca de financiamento para filmar, um pouco porque sim. Um produtor francês diz que seu roteiro não é "palestino o suficiente", como se um cineasta vindo de lá só pudesse falar da crise eterna com Israel. Na verdade, Suleiman fala da "palestinização" do mundo, que ergue barreiras e postos de controle até para as populações supostamente locais. Muito lindo e esquisito.


Para coroar essa tetralogia da estranheza, nada melhor que "O Farol". Um filme de terror ainda menos convencional do que "A Bruxa", o trabalho de estreia do diretor Robert Eggers. Dois homens - um mais velho, um mais novo - cuidam de um farol na costa da Nova Inglaterra no final do século 19, e demônios externos e internos aparecem para assombrá-los. Os dois brigam, se abraçam e quase se beijam, cercados por sereias, monstros e muita imundície. Robert Pattinson e Willem Dafoe estão ótimos, e a fotografia em preto-e-branco remete ao expressionismo alemão. Aliás, é quase um filme mudo, com pouquíssimos diálogos e um design de som fenomenal. Mas também é cheio de símbolos, sem uma mensagem óbvia e com um caminhão de referências. Vá com um amigo, para discutir depois.

terça-feira, 29 de outubro de 2019

SEM OPÇÃO, SEM OPÇÃO, SEM OPÇÃO

A esquerda anda se regozijando com o que vê como o fiasco das políticas neoliberais, com as manifestações no Equador e no Chile e a vitória de Alberto Fernández nas eleições argentinas. Mas faz vista grossa aos protestos contra a fraude evidente que Evo Morales cometeu na Bolívia, e não sabe como classificar os protestos em Hong Kong e no Líbano (que acabam de derrubar o premiê do país). Até o Iraque aderiu à onda, e os ativistas de lá adaptaram "Bella Ciao", popularizada pela série "A Casa de Papel": o refrão em árabe quer dizer "sem opção", um desabafo depois de anos de guerra civil. Pois o meu diagnóstico é mais simples: em tempos de internet, onde houver governo ruim e alguma democracia, a população irà às ruas para reclamar. não importa se o mandatário de plantão foi de direita ou de esquerda. A incompetência nunca teve ideologia.

HAKUNA MAMATA

O Leonardo Sakamoto já percebeu o padrão: toda vez que surge uma notícia embaraçosa para o governo, Carluxo tenta desviar a atenção com um tuíte escabroso. Mas o estrago cometido pela pica-cometa do áudio do Queiroz só aumentou com o vídeo do leão rodeado por hienas, postado no Twitter do Mijair e rapidamente removido. É engraçado listar quem o 02 percebe como inimigos: tem até o movimento feminista e a rádio Jovem Pan, que costuma ser simpática ao governo. Óbvio que Carluxo da Lua quer amealhar apoio para um golpe de estado, mas lá de dentro da bolha ele não vê que o apoio ao papi vem minguando. E ainda fornece munição à internet, que deitou e rolou em cima dele.

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

DESPERTA, AMÉRICA DO SUL

Neste domingo teve eleições presidenciais na Argentina e no Uruguai, e municipais na Colômbia, É de lá que vem a notícia mais animadora: a vitória de Cláudia López, a primeira prefeita assumidamente gay de uma capital da América do Sul (já houve outras e outros, no armário até hoje...). Nem sei qual é a plataforma da sra. López, mas o simples fato dela ter sido eleita em um país machista já é um sinal de progresso. No mais, torcendo para que Daniel Martínez vença o segundo turno no Uruguai (embora Lacalle Pou, o candidato de direita, seja palatável) e que, na Argentina, Alberto Fernández mantenha  a madame K longe dos cofres públicos.  Ah, e que as eleições brasileiras de 2020 não tardem.

BOOM

Jorge Fernando era uma explosão. Explodiu no vídeo em 1978, com apenas 23 anos, como um dos quatro amigos que iam morar juntos na série "Ciranda, Cirandinha", uma das coisas mais ousadas já feitas pela Globo (os outros três eram Fábio Júnior, Lucélia Santos e Denise Bandeira). Depois canalizou sua imensa energia para a direção e praticamente inventou o estilo "novela das 19 horas", com fartas doses de humor. No teatro, seu monólogo "Boom!" ficou anos em cartaz. Eu não o conheci pessoalmente, mas quem teve essa sorte só fala bem dele. Ontem o que explodiu foi seu coração. Sua morte precoce é mais uma nesse ano estranho, em que o planeta parece estar em convulsão. Que seus olhos gigantes continuem a brilhar, iluminando as trevas que querem nos engolir.

domingo, 27 de outubro de 2019

MOSTRA À QUATRE


Essa Mostra não termina nunca... Nos últimos dois dias eu vi quatro filmes de quatro países diferentes, mas confesso que estou um pouco cansado. Pelo menos três dos filmes foram muito bons. Talvez o mais interessante seja "Apenas 6,5", o maior sucesso do ano nas bilheterias do Irã. Estamos acostumados aos filmes de arte vindos de lá, mas este aqui é um thriller de ação para Hollywood não botar defeito. O título se refere aos seis milhões e meio de usuários de drogas que o país diz ter, e a trama mostra o embate entre um policial durão e um chefão do tráfico. "Apenas 6,5" é vigorosamente contra qualquer droga (inclusive o álcool, proibido pelo Islã) e não está interessado nas mazelas sociais que facilitam o consumo e o comércio de entorpecentes. Mas mostra uma realidade que, aqui no Ocidente, a gente não conhece: uma cracolândia bem no centro de Teerã. A duração podia perder uns vinte minutos para o meio ser mais ágil, mas começo e final são soberbos. Uma boa surpresa.


Um que me surpreendeu negativamente foi "Deus É Mulher e Seu Nome É Petúnia" (o exibidor brasileiro resolveu mudar o nome da protagonista, Petrúnia, com R). Premiado em Berlim, o filme da Macedônia do Norte (o segundo que eu vejo este ano!) tem uma boa premissa. Uma moça gorda e feia, frustrada com o desemprego, participa num impulso de uma cerimônia reservada aos homens: mergulha no rio e recupera uma cruz atirada n'água por um padre, o que lhe garantiria um ano inteiro de boa sorte. Segue-se um escândalo, Petrúnia vai parar na delegacia e daí não passa. Fiquei esperando uma reviravolta ou  um final satisfatório, mas não. O roteiro empaca, como as tradições do país.


Já o representante da Alemanha no Oscar é ótimo, mas duvido que tenha chances. O país só emplaca finalistas quando fala de nazismo ou comunismo; seus problemas contemporâneos não atraem a atenção da Academia. E o problema mostrado em "System Crasher" (a Mostra manteve o título em inglês) é até comum: Benni, uma garota de nove anos, é jogada de um lar adotivo para o outro, porque não consegue controlar suas crises de fúria. Tudo o que ela quer é voltar a viver com a mãe, que tem outros dois filhos pequenos e sempre um namorado desagradável de plantão. Todo o sistema de proteção social alemão se une para ajudar Benni, mas ela parece refratária a qualquer coisa que não seja morar com a mãe (e nem isso dá certo). Helena Zengler dá, talvez, a melhor performance infantil de todos os tempos, fazendo de "System Crasher" um filme para lá de incômodo (e com alguma semelhança com o "Mommy" do Xavier Dolan). Quem vai encarar?

"O Pássaro Pintado", que vai disputar o Oscar pela República Tcheca, tem uma curiosa simetria com "System Crasher". Aqui também o protagonista é uma criança em apuros, só que o mundo parece resolvido a eliminá-la. O romance de Jerzy Kosinski virou um filme com quase três horas de duração, que lembra a maratona de uma minissérie: é dividido em episódios, alguns bem cruentos. Tem uma maravilhosa fotografia em preto-e-branco e a participação de muitos atores interancionais, incluindo Udo Kier ("Bacurau"). A história se passa em algum lugar da Europa Oriental no que parece ser a Idade Média, mas logo percebemos que é durante a Segunda Guerra Mundial. O menino judeu e sem nome vai passando de mão em mão, sempre com alguém tentando explorá-lo economica ou sexualmente. De novo, não é para os mais sensíveis. Mas é um baita filme.

sábado, 26 de outubro de 2019

BRAXIT

As prováveis eleições de governos mais à esquerda na Argentina e no Uruguai são um ótimo pretexto para a corja bozoariana propor a saída do Brasil do Mercosul. Já surgiu até um neologismo, o "braxit". Só que uma união tarifária e comercial não é um clubinho de governos ideologicamente próximos: milhões de empregos podem ser perdidos, só para o Mijar continuar o teatro de tratar mal quem não comunga com ele. E para quem acha que, livre dos vizinhos, o Brasil estará livre para firmar contratos vantajosos com os EUA: ahã, sim, claro. Donald Trump manteve todas as promessas até agora, não é mesmo?

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

A FAMÍLIA QUE ASSUSTA UNIDA


Será que o Brasil finalmente aprendeu a fazer filme de terror? Depois do apavorante "Morto Não Fala", "O Juízo" é mais um digno exemplar nacional do gênero. O novo longa de Andrucha Waddington, que estreia em dezembro e está em cartaz na Mostra de SP, é um assunto de família. O roteiro é de sua mulher Fernanda Torres, e a sogrona Fernanda Montenegro faz uma participação especial. Além deles, uma nova geração entra em cena: Joaquim Torres Waddington, filho de Andrucha e Fernanda, com um cabelão e um olhar intenso que lembram a jovem Maria Bethânia. A trama é uma versão brasileira de um template básico do horror: a casa mal-assombrada, onde o espírito de alguém que foi injustiçado busca se vingar dos descendentes de quem o matou. No caso, um escravo e sua filha, que perseguem a família que herdou uma fazenda no interior do Rio. "O Juízo" tem poucos sustos e pouco sangue, compensados por um climão ameaçador que se sustenta até o final. Essa família é muito unida, mas também muito ouriçada...

ATREVA-SE A SABER

O último episódio de "Merlí" deu um salto de sete anos no futuro e mostrou como estavam seus alunos . Pol, o mais brilhante, não só era o novo professor de filosofia do colégio, como estava casadinho com o filho do mestre, Bruno. Mas o que aconteceu nesse meio tempo? É o que vai contar o spin-off "MerlÍ: Sapere Aude" (atreva-se a saber, em latim), que estreia na Espanha em dezembro. Alguns personagens antigos estão de volta, como Carmina Calduch, a mãe de Merlí, e nem todos os diálogos são no delicioso catalão. Mas o que chama mais a atenção é a quantidade de casinhos hétero e homo que Pol vai ter na faculdade. Estava mais que na hora de uma série "high profile" ter um protagonista bissexual. Se esse cara é o guapo do Carlos Cuevas, já estou contando os dias.

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

IMPIXE

No campeonato permanente de pior ministro do governo Mijari, hoje Ricardo Salles marcou mais pontos. O celerado adotou no Twitter a tática favorita dos bullies de mau-caráter: acusou quem ele enxerga como inimigo dos crimes de que é acusado, sem apresentar a mais mínima prova. O navio do Greenpeace que esteve nos mares do Nordeste brasileiro há cerca de um mês não é um petroleiro, nem tem capacidade para armazenar todo o óleo que atingiu as praias do Maranhão à Bahia. Nem é obrigação do Greenpeace ajudar a limpar o pixe: em primeiro lugar, essa tarefa cabe ao governo federal que, como se sabe, ignorou o desastre durante mais de um mês. Salles fala para os ignorantes e desinformados que votaram no Despreparado, mas assina seu atestado de canalha com esse tuíte e se esquece de que o mandato do Bozo um dia irá acabar. Pelo jeito, bem antes do esperado.

MOSTRA À TROIS - part deux


Sobrevivi a mais um round de pré-candidatos ao Oscar de filme internacional em exibição na Mostra de São Paulo. Um deles foi o representante da Noruega, "Cavalos Roubados", apontado pelos sites do ramo como um dos favoritos à indicação (a vitória já é de "Parasita" - desistam, fãs de "A Vida Invisível"). O filme é um drama que se passa em duas épocas: 1999, quando o protagonista é feito por uma cara conhecida, Stellan Skarsgård, e durante a 2a. Guerra, quando o país estava ocupado pelos nazistas. A fotografia é belíssima, os atores são incríveis e os inúmeros acidentes - desastres de carro, quedas de cavalo, troncos que caem - são filmados com perícia. Mas alguma chave não me girou, porque eu não consegui me conectar emocionalmente ao longa. Próximo!

Achei que iria acontecer o mesmo com "O Jovem Ahmed". Afinal, eu nunca fui muito fão do estilo lacônico dos irmãos Luc e Jean-Pierre Dardenne. Mas não é que eu gostei? Não há um único frame a mais ou a menos na história do moleque belga de 14 anos que, influenciado por um imã radical, entra em vias de se tornar um terrorista islâmico. Ele tenta assassinar a professora "impura", que ousa ensinar árabe com a ajuda das letras de canções populares, e vai para o reformatório, onde finge se recuperar. A temática é parecida com a do recente "Adeus à Noite", mas o resultado é bem melhor. Os Dardenne mereceram o prêmio de direção no último festival de Cannes, uma espécie de 3o lugar.


"La Mala Noche" é o candidato do Equador, um país que tem uma produção cinematográfica pequena e irregular (este é apenas o segundo filme de lá que eu vejo na vida). Trata-se de um drama sobre escravidão sexual, protagonizada por uma ótima atriz chamada Noëlle Schönwald. Mas a narrativa da diretora Gabriela Calvache é meio confusa, e o desfecho, embora realista, deixa um gosto amargo no olho do espectador. Acho que não tem muita chance entre os membros da Academia. De qualquer forma, é curioso como a escravidão, em suas diversas formas, entrou para a ordem do dia. Talvez estejamos dispostos a acabar com ela?

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

SOIS REI? SOIS REI?

Poucas vezes na vida eu vi um look mais jeca do que o que o Biroliro usou ontem na entronização do novo imperador do Japão. Não sei o que dói mais na vista: se a faixa presdencial, que jamais deveria ser usada nesse tipo de cerimônia, ou se o colar, que jamais deveria etc. etc. Pelo menos, não por um presidente da República. Mas o Despreparado já deixou claríssimo que se vê como um monarca absolutista, fundador de uma dinastia. Um monarca jeca, é claro, que acha que a culinária jpaonesa se resume ao sushi e que prefere comer hambúrguer em Tóquio. Por falar em hambúrguer, o embaixapeiro desistiu mesmo de ir para Washington, ufa, e agora terá que demonstrar uma habilidade política que não possui para liderar o governo na Câmara. Vamos ficar calados enquanto a familícia se encastela?

terça-feira, 22 de outubro de 2019

MARVEL NÃO É CINEMA

Estou com o Scorsese e o Coppola: a Marvel não faz cinema. Faz parques temáticos audiovisuais, faz diversão para a família inteira, mas cinema-cinema, ah, mas isso não faz mesmo. Ou não fazia: "Thor - Ragnarok" já foi um belo passo à frente, e "Joker" - que não é da Marvel, eu sei, é da D.C., mas ainda nasceu do gênero super-herói - é um dos melhores longas de 2019. Mas o resto, incluindo todas as franquias Vingadores, Homem-de-Ferro, Homem-Aranha, etc. etc. etc., pode embrulhar e jogar fora. Elas estão para o cinema assim como o fast food está para a gastronomia. São até gostosas, quebram um galho e de vez em quando dá vontade. Mas não chegam aos pés de um único frame da obra desses dois gigantes. Prontofaleinãotônemaípravocês.

TERRA EM TRANSE

O que está acontecendo na América do Sul? São ventos vindo do El Niño? O Chile, tido como um exemplo para toda a região, está enfrentando uma onda de protestos piores que as nossas Jornadas de Junho. O presidente do Equador quase caiu por causa de um aumento no preço da gasolina. O Peru dissolveu o Congresso e convocou eleições gerais para janeiro. E, no caso mais grave de todos, Evo Morales fraudou as eleições na Bolívia. Sua própria candidatura já era uma fraude: a Constituição que ele mesmo promulgou proibia que ele se candidatasse novamente, e o plebiscito que ele mesmo promoveu decidiu que não, ele não poderia se candidatar mais uma vez. Aí Evinho invocou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, apenas, alegando que era seu direito humano se eternizar no poder, e um tribunal camarada validou sua pretensão. Então os bolivianos levaram o resultado para o segundo turno, mas o proto-ditador (cada vez menos proto) suspendeu a apuração por quase um dia. Quando voltaram a contar os votos, supresaaa: Evo Morales havia sido reeleito em primeiro turno. Agora a Bolívia também está sublevada. Não duvido nada que, daqui a pouco, esses ventos soprem no Brasil.

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

ANIVERSÁRIO NA TV

Sou colaborador do programa "Metrópolis", da TV Cultura, há quase dois anos. Mas só na sexta passada que eu fui ao estúdio pela primeira vez, para conversar com o apresentador Cunha Junior. O assunto era a série "Por Que Odiamos?", a cuja pré-estreia eu fui em Los Angeles a convite do canal Discovery, e que a Cultura também está exibindo. No papo eu conto maaaais uma vez do meu encontro com Spielberg, que está rendendo até agora. O programa foi ao ar ontem, dia do meu aniversário. Nada mau estrear idade nova em cadeia nacional.

(eu apareço na altura do 4'36" e fico até o final do primeiro bloco)

O BEIJO DA MULHER-CINEASTA

Bárbara Paz foi ovacionada por um Municipal lotado até a torrinha. Nem era para menos: seu filme "Babenco - Alguém tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou" é mesmo uma beleza. Vencedor de um prêmio no Festival de Veneza e exibido em sessão de gala dentro da Mostra de São Paulo, o documentário sobre a vida e a morte do marido de Bárbara não só emocionou a plateia, como adicionou à atriz uma nova condição: agora ela também é uma cineasta completa. Sensível sem ser piegas, em glorioso preto-e-branco e com imagens tão impactantes como a cena de Marília Pera em "Pixote", "Babenco..." é uma declaração de amor ao cinema, à vida e a um homem ímpar. Pena que ainda não haja um trailer nem uma data de estreia, mas o filme ainda terá algumas exibições na Mostra. Corra, como os personagens de Hector Babenco costumavam correr.

domingo, 20 de outubro de 2019

QUASE IDOSO

Hoje eu cheguei aos 59. Daqui a um ano serei oficialmente da terceira idade: pagarei meia-entrada no cinema e no teatro, andarei de graça de metrô e de ônibus e terei caixa preferencial nos bancos. Como diz o Prof. Farnsworth de "Futurama", ficar velho só tem vantagens! A maior de todas, é claro, é não se preocupar com bobagem e saber que tudo passa, inclusive você mesmo. Obrigado por me aguentar. To infinity and beyond!

MOSTRA À TROIS


"'Hotzek e a Pedra'. Um camponês se apaixona por uma pedra. 380 minutos, em preto-e-amarelo. Falado em albanês, com legendas em servo-croata. Atenção: o ventilador do cineclube está quebrado". Esta dica de filme de arte saiu no "guia" do "Planeta Diário" há mais de 30 anos. E continua atual, pois lembra a descrição de "Honeyland": a última coletora de mel silvestre da Europa... O representante no Oscar da Macedônia do Norte (a boa e velha Macedônia, obrigada a acrescentar um "do Norte" ao nome para não melindrar a vizinha Grécia) é um documentário que, se passasse no canal Nat Geo, ninguém ia prestar atenção. Mas ganhou prêmio em Sundance e virou um filme badalado: o gigantesco Cinearte estava lotado na tarde deste sábado. A protagonista parece a irmã pobre da Rossy de Palma e tem os dentes mais feios que eu já vi. Mora numa choupana de pedra com a mãe doente e leva uma vida duríssima, mas nunca perde o bom humor. É bonito, contemplativo e um bom perfil de personagem real. Ah, sim, e é falado em turco.


Já "Buoyancy" (rebatizado como "Empuxo" pela Mostra) é o candidato da Austrália, mas é falado em khmer e tailandês. E é um baita filme: a história do garoto que foge de casa e acaba escravizado em um navio de pesca é tensa, envolvente e ainda tem um final surpreendente e satisfatório. Como nenhum dos atores é conhecido, também passa a sensação de estarmos vendo um documentário. Num momento em que a escravidão voltou à ordem do dia, o longa nos lembra que ela ainda não acabou em muitos lugares do mundo Anote o nome do diretor Rodd Rathjen, porque ele fatalmente será cooptado por Hollywood para dirigir filmes da Marvel. Foi o melhor até agora.


E o pior foi "O Último Amor de Casanova". O erro começou na hora em que peguei o ingresso: o filme entra em cartaz em novembro, então eu não precisava tê-lo visto na Mostra e economizado minha credencial para coisas mais raras. E continuou na tela, porque o tratamento que o diretor Benoit Jacquot dá ao que teria sido a derradeira paixã de Giacomo Casanova é para lá de sombrio. Vincent Lindon faz o famoso sedutor sem um pingo de sedução, e pouco mais do que nada acontece durante uma hora e meia (ainda bem que é curto). O melhor filme sobre o personagem continua sendo "Casanova e a Revolução".

sábado, 19 de outubro de 2019

O BREXIT JÁ DEU

Era para ser um dia histórico. A primeira sessão do parlamento britânico em um sábado desde 1982 selaria a saída definitiva do Reino Unido da União Europeia, cumprindo a deadline marcado para 31 de outubro. Só que não. Ninguém concordou com nada e a novela continua, num looping eterno. Boris Johnson já avisou que não é obrigado por nenhuma lei a esticar o prazo em mais 90 dias, e os MPs tentarão derrubá-lo. O fato é que o Brexit já deu: ninguém mais tem saco para essa aberração, que só os nacionalistas fanáticos ainda defendem. A única saída, cada vez mais cristalina, é a convocação de um novo plebiscito. Para ontem.

sexta-feira, 18 de outubro de 2019

NOTAS FALSAS

Quem diria? Mesmo depois do #EleNão e dos 47 milhões de votos para o Haddad, mesmo com uma rejeição recorde para esta altura do mandato, o maior inimigo do Biroliro é ele mesmo. Ele e os três filhos, que acham que são príncipes mas não passam de bobos da corte.

Agora o 03 enfrenta a fúria de uma mulher rejeitada, depois de zoar a Joice com a elegância típica de um embaixador. Pra quem eu torço nesse fuzuê? Para que não acabe a pipoca.

AR DE ARGÉLIA


Na década de 1990, um partido islâmico radical venceu as eleições na Argélia, mas não levou. Os militares não deixaram. Seguiram-se então anos de guerra civil, cheia de atos de terrorismo que tiveram pouca repercussão no resto do mundo. Esse período sombrio é o pano de fundo de "Papicha", o representante argelino no próximo Oscar. O filme entra em cartaz no fim do mês, mas eu já o vi na Mostra: é a história angustiante de uma menina ocidentalizada (a Papicha do título) que, sonhando em ser estilista, só pensa em realizar um desfile de moda em sua escola. Viver numa sociedade machista já é duro; quando o mero ato de andar sem véu pode custar uma vida, é sinal de que talvez seja a hora de ir embora. Essa questão percorre todo o filme da diretora Mounia Meddour, que abusa um pouco dos planos muito fechados. Mas "Papicha", na verdade, está em busca de ar. E serve como um aviso do que periga rolar aqui.

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

BOLSONÁUSEA

Biroliro achou que havia sido eleito ditador. Vinte e oito anos no Congresso não ensinaram a ele como funciona uma democracia. O Despreparado acreditou nos gritos de "mito!" e, embriagado por seu inegável sucesso nas urnas - venceu todas as eleições que disputou - pensou que, uma vez no Planalto, estava fundando uma dinastia. Um regime onde só ele e os filhos têm de fato poder, ignorando solenemente os oportunistas que entraram para o PSL e colaram no Bozo par se eleger. Mas um presidente que não sai da bolha irá estourar com ela: taí o Lula, que também se sentia imbatível. Agora Mijair passa pelo vexame do áudio vazado em que um líder de seu próprio partido promete "implodir" o "vagabundo". O recuo já começou, e o 03 não será mais embaixador nos EUA. Daqui a pouco vão convocar a minionzada às ruas, mas vai dar certo? Quantos ainda apoiam esse projeto mequetrefe de poder?

PÁSSARO FERIDO


O livro "O Pintassilgo" foi um best-seller nos países de língua inglesa, e sua autora Donna Tart ganhou até o prêmio Pulitzer. Mas era considerado infilmável: tem mais de 800 páginas, e em muitas delas não acontece nada. Em outras, acontecem coisas demais. Talvez valesse uma minissérie? O diretor John Crowley (que teve seu "Brooklyn" indicado a vários Oscars) achou que dava um longa. Deu um looooonga: no cinema, "O Pintassilgo" ficou com duas horas e meia, e o ritmo varia do marasmo ao frenesi. A história do menino que perde a mãe em um atentado terrorista ao museu Metropolitan, em Nova York, mas consegue roubar de lá um quadro famoso, é contada em muitas locações com um elenco de peso, mas não chega a emocionar o espectador. Dessa vez, o Oscar irá fazer seu ninho em outro lugar.

quarta-feira, 16 de outubro de 2019

A LISTA DOS DESEJOS

A 43a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo começa amanhã para o público. Também já começaram os pedidos para que eu indique alguns filmes. Bom, o melhor de todos, eu acho que já vi: o coreano "Parasita", que teve exibição especial para a imprensa há alguns dias e estreia no Brasil no começo de novembro. Portanto, não é preciso desespero para vê-lo logo, ainda mais porque as sessões deverão estar lotadas. Também, mais cedo ou mais tarde, entram em cartaz os títulos nacionais. Era por isto que eu costumava pulá-los na Mostra, mas hoje em dia eu virei uma pessoa requisitada. Amigos me convidam para suas pré-estreias: assim, verei a comédia romântica "O Amor Dá Voltas", do Marcos Bernstein, e o documentário "Babenco - Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou", da Bárbara Paz. A Folha também me escalou para fazer a crítica de "Depois a Louca Sou Eu", adaptado do livro da Tati Bernardi (já vi e vou dar spoiler: é bom!). E o resto? Bom, nos últimos anos eu adotei um critério que tem se mostrado certeiro: dou preferência aos títulos escolhidos por seus países para representá-los na disputa pelo próximo Oscar  de filme internacional (ex-filme em língua estrangeira). Alguns deles estão na progamação deste ano, tais como:
"Empuxo", da Austrália
"Cavalos Roubados", da Noruega (e um dos favoritos a finalista);
"Honeyland", da Macedônia do Norte;
"La Mala Noche", do Equador;
"Monos", da Colômbia;
"A Odisseia dos Tontos", da Argentina (vai entrar em cartaz);
"O Paraíso Deve Ser Aqui", da Palestina
"O Pássaro Pintado", da República Tcheca; 
"Papicha", da Argélia (vai entrar em cartaz) ;
"System Crasher", da Alemanha; 
e, claro, "A Vida Invisível", do Brasil. Mas este só vai ter uma sessão de gala no Municipal e já estreia no dia 31 de outubro. Hmm, e o que mais? "Wasp Network",  o filme de abertura, "The Lighthouse" (ambos produzidos pelo brasileiro Rodrigo Teixeira) e "Dois Papas", do Fernando Meirelles, o filme de encerramento (e que em dezembro estará na Netflix). Claro que, como todo ano, a lista dos de fato vistos sairá bem diferente disso. Vou atualizando por aqui,

terça-feira, 15 de outubro de 2019

BREAKING WORSE


Com apenas seis anos e meio de atraso, finalmente sabemos o que aconteceu com Jessie Pinkman depois que "Breaking bad" acabou. "El Camino", o filme que acabou de estrear na Netflix, serve como epílogo e também como "reunion special", aquele formato que a TV americana adora fazer alguns anos após o final de uma série. Muitos personagens importantes reaparecem, inclusive Walter White. Só que é difícil entender o que é flashback e o que é fantasma: o roteiro não é linear e pula do passado ao presente o tempo todo. Só o tamanho do cabelo do Jesse é que dá a pista (e Aaron Paul está formidável). Mas nem isso abala o padrão Vince Gilligan de qualidade: posições de câmera, uso da trilha sonora, diálogos, elipses, tudo o que fez de "Breaking Bad" um marco da história da TV (e um elemento essencial para a consolidação da Netflix no Brasil) está lá, tão bom como sempre. Ou piorrr.

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

LOUCO PELO PATRICIO

Patricio Bisso foi o artista mais genial que eu tive o prazer de conhecer pessoalmente. O cara era multitalentoso: excelente performer, brilhante figurinista, exímio ilustrador. Assisti muitas vezes a seu show "Louca pelo Saxofone". Tenho emoldurado um de seus desenhos para o extinto "Jornal da Tarde", que me foi presenteado por um namorado que também era muito amigo dele. Foi assim que nos conhecemos, mas nunca fomos chegados. Ele até foi numa festa minha, mas saiu decepcionado: "achei que só teria rapazes...". Depois sumiu, foi embora do Brasil, passou anos na moita. Reapareceu no Facebook e nos reconectamos. Sua morte neste domingo, causada por um infarto fulminante, me pegou mais ou menos de surpresa - ontem mesmo eu pensei, "por onde andará, será que...?" Pena que tenham sobrado tão poucos vídeos dele em ação, a maioria de seu alter ego Olga del Volga. Mas Patricio Bisso era muito mais: era um entertainer completo e uma pessoa adorável, apesar da língua impiedosa. Que sorte eu ter vivido nos anos 80 e testemunhado de sua fase mais brilhante (conto um pouco dessa época no obituário que escrevi para a Folha, junto com o Gustavo Fioratti).

COM TODAS AS LETRAS

A primeira edição brasileira da CPAC, a conferência teoricamente conservadora, deixou claríssimo o que de fato é: uma celebração do bozoarismo, cuja única ideologia é o bem-estar da familícia e seus agregados. Ninguém ali de fato acredita no estado mínimo, na autonomia do indivíduo ou em qualquer outra pauta realmente conservadora. Foi mais uma sagração do 03 como o principal herdeiro político de seu pai, já que o 01 está enrolado em rachadinhas e o 02 fala um idioma ininteligível no Sistema Solar. O fritador de hambúrguer ainda cometeu a gracinha de posar com uma camiseta propondo um novo significado para a sigla LGBT. Só esqueceu que faltam várias letrinhas, como o Q de "queer" - que, na versão bostominion, tem um significado evidente, embora meio difícil de encontrar.

domingo, 13 de outubro de 2019

EUZÃO E EUZINHO

Ang Lee é um cineasta irregular. Faz filmes maravilhosos e outros que a gente nem sabe se são ruins, pois passam despercebidos. Foi o caso de "A Longa Caminha de Billy Flynn", que se seguiu ao esplêndido "As Aventuras de Pi". Agora, talvez precisando encher o caixa, o diretor taiwanês ressurge com um filme de ação de roteiro bastante convencional. A ideia por trás de "Gemini Man" é boa, mas parece batida: um assassino profissional com anos de serviços prestados ao governo passa a ser perseguido por um clone dele mesmo, 25 anos mais novo. O que faz com que o longa mereça ser visto é sua tecnologia. A façanha mais óbvia é o rejuvenescimento digital de Will Smith: sua versão xóvem é perfeita, e eu não consegui catar nenhum dos defeitinhos que os críticos mais cri-cri estão achando. O outro feito é a técnica de filmagem, com mais frames por segundo do que o convencional. O resultado é uma imagem limpíssima, tão nítida que dá medo nas cenas de explosão, e que tem que ser vista em 3D na maior tela possível. Também tem uma perseguição de moto pelas muralhas de Cartagena que consegue ser original. Mas falta aquele toque transcendental, de um homem que se vê face a face com ele mesmo em idades diferentes. Saí do cinema crente que eu também estou sendo perseguido por um clone de mim mesmo. Só que o meu é bem mais velho do que eu me sinto. É um custo fazê-lo sair de casa: tudo o que ele é ficar vendo séries no sofá.

sábado, 12 de outubro de 2019

A PREGAÇÃO DE MOUHAMED

De vez em quando o teatro brasileiro pare um enorme sucesso de bilheteria, que fica décadas em cartaz. É o caso de "Trair e Coçar... É Só Começar", que é encenada ininterruptamente desde 1986, e parece ser o caminho de "A História de Nós 2", que estreou em 2009. Ontem eu finalmente assisti à peça de Lícia Manzo, que sempre teve Alexandra Richter como uma de suas protagonistas. Acabei indo ver justamente o primeiro dia de Mouhamed Harfouch no papel de metade de uma relação, que a plateia acompanha do namoro ao divórcio ao... Eu já o conhecia da televisão, achava-o bom ator, mas Mouhamed é mais do que isso: é um astro, pleno de carisma e domínio de cena. Carioquíssimo apesar do nome árabe (e, pensando bem, não há "apesar" nisso), ele tem imediata cumplicidade com sua parceira e com o público. O texto, leve e profundo ao mesmo tempo, é comercial sem ser apelativo, e os dois dão um baile. Vai ficar mais uns cem anos em cartaz. Mas não sei se com Mouhamed: ele já está pronto para voos ainda maiores.

O SALMO DE DAVI


Eu até que tentei gostar da extinta Banda Uó. Comprei CD na época em que CD ainda existia e ouvi várias vezes, mas nenhuma música me pegou. Hoje eu descobri que Davi, que vem frequentando minhas playlists desde o ano passado, era um dos Uós, ao lado do Mateus Carrilho e da Candy Mell. Mas o som atual do rapaz tem outra pegada: ensolarado, relax, praiano. "Coisas da Bahia" faz com que eu me sinta à beira-mar, com um drink na mão. Mas esta é só a melhor faixa de "Ritual", o excelente álbum-solo de estreia do rapaz. Até ontem, eu achava que ele era um surfista garotão porém sofisticado, perto de quem um Vítor Kley soa feito sertanejo universitário. Agora eu sei que Davi integra a nova MQB - música queer brasileira - e já me converti.

sexta-feira, 11 de outubro de 2019

O NOBRE DA PAZ

Os brasileiros passaram a ter algum interesse na Etiópia depois que começou o voo direto de São Paulo a Addis Abeba, de onde se pode pegar conexões bem baratinhas para quase toda a África e a Ásia. De resto, o país mal frequenta o nosso noticiário - alguém aí sabia do tratado de paz entre etíopes e eritreus, que pôs fim a uma guerra de quase 30 anos? Agora sabemos todos, graças a Nobel da Paz para o primeiro-ministro  Abiy Ahmed. Pelo que eu li por aí, o cara não é só um exímio diplomata, como também o artífice de uma nação moderna e democrática. Não é pouca coisa não, ainda mais em tempos de autoritarismo em alta. Fico triste pelo Raoni, claro, primeiro por ele já estar bem velhinho e segundo pela saia justa que apertaria o Bozo, obrigado a desdenhar do primeiro Nobel 100% brasileiro. Mas a Academia sueca costuma dar preferência a gente que de fato acaba com guerras de verdade, onde morre muita gente, e este não é bem o caso do glorioso cacique. Mas, do jeito que a coisa vai, em breve teremos guerra civil, e aí nossas chances aumentam!

O JARDIM E A HORTA

O livro "Revolutionary Road", de Richard Yates, gerou o filme "Apenas um Sonho", que marcou o reencontro na tela de Leonardo Di Caprio e Kate Winslet, 11 anos depois de "Titanic". Agora a história vira a peça "Jardim de Inverno",  que acaba de entrar no ar em São Paulo. Não é um espetáculo fácil: ao longo de mais de duas horas, o público assiste à lenta dissolução de um casamento, frustrado pelo cotidiano banal e pelos sonhos não realizados. A direção de Marco Antoônio Pâmio transforma algumas das marcas no palco em belas coreografias, ma exagera ao colocar uma versão jovem e quase muda dos cônjuges sombreando as ações. Fabrício Pietro (que também adaptou o texto) e Andréia Horta estão muito bem como os protagonistas. Mas, tal como aconteceu no filme, o melhor papel (e a melhor atuação) é o do filho da vizinha, que tem problemas mentais e só traz verdades. Michael Shannon foi indicado ao Oscar de coadjuvante pelo personagem; Iuri Saraiva, que já havia me chamado a atenção no ano passado, faz a versão brasileira, e merece todos os prêmios que vêm aí.

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

MULHERES A BORDO


Sempre levo um livro na mala de mão, mas tenho lido cada vez menos nos voos internacionais. A razão é simples: o serviço de entretenimento de bordo dos aviões agora oferece centenas de filmes, séries, documentários e games, para que o passageiro encha o menos possível o saco das aeromoças. Assim, aproveito para ver o que não chegou no Brasil, ou o que chegou e eu perdi. O primeiro caso é o de "Late Night", uma comédia escrita e estrelada por Mindy Kaling, e dirigida por uma mulher também de ascendência indiana, Nisha Ganatra. Mindy faz uma roteirista principiante que consegue emprego no talk show de uma comediante britânica feita por Emma Thompson. Não existe nenhuma anfitriã mulher no horário nobre da TV americana, o que enfraquece um pouco a pegada feminista do filme. Mais grave é a falta de simpatia das duas personagens. A de Emma é uma esnobe cruel e não especialmente engraçada, o que torna seu sucesso ainda menos crível. A de Mindy não sossega o discurso empoderado (tem até uma piada com isso no roteiro), e suas tiradas tampouco são particularmente boas. "Late Night" flopou nos cinemas americanos e provavelmente só poderá ser visto por aqui na Amazon Prime Video. Queira muito recomendar, mas não consigo.

"Booksmart" é muito melhor. O filme entrou em cartaz por meia hora no Brasil em julho passado, como "Fora de Série", e já pode ser alugado nas boas plataformas do ramo. Talvez tivesse ido melhor por aqui se o título fosse "As CDFs", mais fiel ao espírito anárquico da trama. Também não foi bem nas bilheterias dos EUA, mas merecia mais. Porque é um ótimo exemplo de cinema feminino, de cabo a rabo. Tem roteiristas mulheres, produtoras mulheres, diretora mulher (a atriz Olivia Wilde, estreando atrás das câmeras) e conta a história de duas garotas de uma perspectiva feminina, mas nada mulherzinha. As duas são sexualizadas, desbocadas e em nada subservientes aos garotos. São colegas de escola e BFFs que, no último dia de aula, percebem que todos os alunos vagabundos entraram em faculdades tão boas quanto elas. Ou seja: não adiantou nada ter estudado tanto e perdido tantas festas. Por isto, para celebrar o final da high school, elas resolvem se jogar, e traçam tudo que aparece pela frente: drogas, bebidas, vaginas, o que for. Mas quase tudo dá muito errado, e "Booksmart" acaba lembrando "Depois de Horas", uma das muitas obras-primas de Martin Scorsese. Este eu recomeeendo.

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

O POMAR DAS LARANJEIRAS

Passei três dias fora, pensando em Judy Garland e Steven Spielberg. Mas claro que não parei de ler as notícias do Brasil, e voltei hoje com Biroliro ameaçando sair do PSL. Diz que ele quer se afastar dos escândalos laranjísticos que assolam o partido, como se não fosse pai do 01 e amigão de Fabrício Queiroz. Talvez seja a deixa para que surja no país um partido organizado de extrema-direita, coisa que existe na Europa, mas não por aqui. Ou talvez seja só mais um sintoma da barafunda que alguns confundem por estratégia. O Bozo só tem um plano: o bem-estar dele próprio e de sua família, mais nada. Arminha, valores cristãos, combate à corrupção, tudo isso é só da boca pra fora. O que interessa mesmo é a mamata.

terça-feira, 8 de outubro de 2019

LA LA LAND

Esta foi a sexta vez em que eu estive em Los Angeles. Nas duas primeiras eu ainda era pequeno e meus maiores interesses eram o Mickey e o Pateta. As três seguintes, todas nos anos 90, foram a trabalho: respectivamente, fiz escala a caminho de uma feira de TV em Las Vegas, vim acompanhar as gravações de um comercial e fiz estágio no set de "The Nanny". Dessa vez, não foi diferente. De fato, vir muito L.A. só faz sentido para quem circula no showbiz e adjacências. A cidade, ou as cidades que a formam, não é especialmente bonita, nem mesmo à beira-mar. Tudo é longíssimo e só agora, com o surgimento do Uber, que alugar um carro se tornou opcional. Mesmo assim, é sempre um frisson estar aqui. O calor da porra, as distâncias absurdas e a artificialidade de um lugar regido pelo automóvel são compensados pelo glamour da indústria do entretenimento, que se reflete até nas salas de cinema - talvez as melhores do mundo. Até já, La La.

SPIELBERG ET MOI

Chegamos ao Museu da Tolerância às cinco e pouco, para registrarmos nossos nomes na lista de jornalistas e passarmos logo pelos procedimentos de segurança. O bufê da recepção aos convidados para a pré-estreia da série "Por Que Odiamos" estava terminando de ser disposto, e o bar já estava aberto. Eu e Claudia Carvalho Silva, do jornal português "Público", pegamos gins tônicas e fomos circular pelo museu, que parecia estar vazio. Até que, numa sala no subsolo, vimos um grupo de pessoas onde havia um rosto familiar. Chegamos perto e conferimos: era mesmo Steven Spielberg, criador e produtor da série. Chegamos ainda mais perto assim como quem não quer nada, e vimos que ele estava falando para alguém sobre o remake de "West Side Story", que acabou de filmar. Aí eu sorri e disse: "mas tem que ter muita culhão ("balls") para refazer "West Side Story"! Spielberg riu e perguntou de onde éramos. Aproveitei e engatei uma conversa sobre seu novo filme: quando sai? Já está em pós-produção? Como foram as filmagens? Quando eu ia perguntar sobre a série - o motivo, afinal, por que o canal Discovery me convidou a vir a Los Angeles - uma assessora de imprensa nos percebeu e nos afastou. "Vocês não podem ficar aqui com copos na mão!". Ela nos empurrou delicadamente para longe, mas era tarde demais. Agora já incluí Steven Spielberg no meu currículo.

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

MORRE UMA ESTRELA


"Bohemian Rhapsody" estabeleceu um novo padrão para as cinebiografias de gente do showbiz. Depois de passar por muitas agruras, o biografado termina o filme de maneira apoteótica, recebendo os aplausos de uma plateia em delírio. Aí a imagem escurece e surge um letreiro na tela: fulano morreu x meses depois. Dessa forma, a plateia é brindada com um final aparentemente feliz. É o que acontece com "Judy", que eu vi aqui em Los Angeles mas ainda não tem data de estreia no Brasil. O roteiro se fixa numa temporada que Judy Garland cumpriu em Londres em 1969, seis meses antes de bater as botas. Ela estava endividada, exausta, com saudades dos filhos e mais frágil do que nunca. Tomava remédio para não ter fome, para dormir e para acordar. Alguns flashbacks mostram que foi o estúdio MGM que a viciou quando adolescente. E, mesmo assim, se estivesse inspirada, ela fazia um espetáculo arrasador. O problema é que nem sempre ela estava inspirada. Renee Zellweger, assim como Joaquin Phoenix por "Coringa", já pode ir abrindo espaço na estante para o Oscar. Ela realmente está impressionante no papel. Sim, Renee beira o overacting em alguns momentos - mas a verdadeira Judy também era exagerada, sempre com as emoções à flor da pele. O espectador só lembra que está vendo a mesma atriz de "O Diário de Bridget Jones" quando Renee aperta os lábios de um jeito muito seu, como que se tivesse chupado um limão. A melhor transcrição para a tela da vida de Judy Garland continua sendo a minissérie "Life with Judy Garland: Me and My Shadows", de 2001, com Judy Davis como a protagonista. Mas "Judy" é uma boa condensação, apesar da família da homenageada contestar várias cenas. Se você é gay e não conhece direito Judy Garland, tem que preencher esta lacuna.

FEITIÇO DA VILLA

John Paul Getty não era flor que se cheirasse. O homem mais rico do mundo não só cometeu todos os pecados capitalistas, como ainda foi um péssimo chefe de família. Mas deixou um legado incontornável: o Museu Getty, o mais próximo que Los Angeles tem de um Louvre ou um Metropolitan. Eu já conhecia sua maior unidade, um prédio moderno recheado de arte europeia de diversas épocas. Ontem fui conhecer a outra: a Getty Villa, um palácio encarapitado em frente à praia de Malibu. Trata-se de uma reconstituição aproximada da Vila dos Papiros, uma mansão romana que até vem sendo escavada nos arredores de Pompeia. Suas salas mostram peças impressionantes de todas as fases da história da Grécia, começando com os cretenses, e de Roma, começando com os etruscos. Uma exposição temporária ainda traz o esplendor da Assíria, emprestado pelo British Museum. Tudo isso de graça: só é preciso marcar hora pela internet, porque a lotação é limitada. Agora que existe Uber, então, não há mais desculpas.

domingo, 6 de outubro de 2019

TONYZINHO DE BEVERLY HILLS

Desembarquei na manhã deste domingo em Los Angeles, cidade onde eu não punha os pés há 21 anos. Vim a convite do canal Discovery, para comparecer à pré-estreia mundial da minissérie "Why Whe Hate" (Por Que Odiamos), produzida por um tal de Steven Spielberg. É em esquema bate-e-volta: só duas noites em um hotel de Beverly Hills, sem tempo nem grana para dar um rolé à la pretty woman. Ah, e sem carro, o que faz falta em LA. Mas vai dar pra pegar um cineminha.

sábado, 5 de outubro de 2019

OS INFILTRADOS


Quis o destino que eu visse, em menos de 24 horas, os vencedores dos festivais de Veneza ("Coringa") e Cannes. "Parasita" foi mostrado hoje à imprensa, logo após a coletiva da 43a. Mostra de Cinema de São Paulo. E olha: é bom pacaraille. Fez por merecer a Palma de Ouro e é fortíssimo candidato ao Oscar de filme internacional, um prêmio para o qual a Coreia do Sul jamais foi indicada. O começo é digno de uma novela das sete: uma família de vigaristas vai se infiltrando aos poucos na casa de uns ricaços. Primeiro o filho adolescente se torna professor particular da burguesinha, depois sua irmão vira uma espécie de babá de um menino problemático, e por fim os pais assumem as funções de chofer e governanta. Tudo muito engraçado, mas... para variar, mais não posso contar. Só digo que o começa como comédia de costumes vira um drama de denúncia da desigualdade, um tema dominante no cinema de 2019. Os reaças que se cuidem.