quarta-feira, 31 de julho de 2019

CHEGA DE LEI ÁUREA

Vou revogar a tal da Lei Áurea, talkei? Vamos acabar com essa lacração de esquerdista que só atrapalha o crescimento do Brasil. Essa lei tem mais de 100 anos, não serve mais para o mundo de hoje. O Trump também está pensando em fazer a mesma coisa. O que o empresário brasileiro precisa é de escravos, não desse mimimi de direitos trabalhistas de gente que só quer mamar nas tetas do Estado. Sem Lei Áurea, esse povo vai ter que trabalhar! Vai ter que quebrar milho, como eu quebrei quando era criança. E não tem essa de que os escravos eram maltratados. Maltratado é o trabalhador que tem que pegar três conduções para chegar no emprego. Os escravos dormem no trabalho, olha só que luxo. Também não precisam se preocupar com comida nem roupa lavada: o patrão fornece tudo, e nem cobra nada por isso. Aliás, tem que ver isso aí. Acho justo o patrão cobrar alguma coisa, pô, porque se não, o escravo vai comer de graça? Tem que ter alguma contrapartida aí, senão cada um vai pesar mais de sete arrobas. Ah, e não é verdade que os portugueses capturavam os negros lá na África e traziam para cá à força. Onde foi que você leu isso? Aposto que foi na Foice de São Paulo! Você tem cara de quem acredita na mídia, onde só tem comunista. Eram os próprios negros pediam para vir pro Brasil. Não é mesmo, Hélio Negão? Não foi seu bisavô quem quis vir trabalhar nos cafezais brasileiros, porque lá na África tava ruim pra ele? E no Brasil ainda tinha muita mulher bonita, a negrada adorava. Quer dizer, todos os negros, não: os gays não gostavam. Mas desses a gente também não gosta. Esses têm que apanhar muito no lombo pra aprender!

terça-feira, 30 de julho de 2019

DOIS ANOS SEM TIRAR

Só para constar: hoje faz dois anos que eu assumi a coluna Multitela. É curioso como minha vida mudou por causa dela. Tenho coluna no F5 desde 2011, quase sempre entre as mais lidas do dia, e nunca me convidavam para nada. A Multitela sai no impresso e já me rendeu dezenas de premieres, junkets e sete viagens internacionais. Durante as quais, aliás, eu não deixei a peteca cair. Nunca falhei, jamais perdi um prazo - e como diz o Bozo, sem aditivos. Sou multitarefa!

SÓ FALTA O BIGODE

É cansativo. Eu tento mudar de assunto. Tento falar de cinema ou de televisão. Tento até falar de política, mas sem tocar no nome do Despreparado. Só que não dá. Por que não é só a total falta de preparo, ou de noção do que seja o cargo de presidente da República. É a total falta de caráter. Mijair tem a cabecinha de um bully da quinta série, daqueles que expõem os problemas da família do amiguinho para melhor machucá-lo. Também suspeito de falta de inteligência. Cada vez que o Bozo solta uma barbaridade, lá vêm os analistas dizer que é cortina de fumaça para desviar a atenção de algo mais grave, como se ele fosse um gênio do mal que sabe perfeitamente nos manipular. Mas a recente avalanche de mentiras, calúnias e empulhações, todas facilmente desmentíveis, demonstram que o Bostonazi não é apenas ignorante. É burro mesmo. A direita civilizada já está toda contra ele: Reinaldo Azevedo, Rachel Sheherazade, João Amoedo, até João Doria vêm reclamando (por mais oportunista que este sempre seja). Também não falta quem votou nele só para ser contra o PT e agora percebe a cagada que fez. Mas falta quem nos organize para ir às ruas. Falta um liderança que nos mobilize. Cadê?

segunda-feira, 29 de julho de 2019

FILHOS PRÓDIGOS

Outro dia, uma moça declarou no Twitter que se arrependia de ter votado no Bozo, Que era uma "analfabeta política", mas havia se emendado. E como foi que boa parte dos internautas reagiu? Com três pedras na mão. Ao invés de acolher a filha pródiga, xingaram-na, culparam-na por tudo que está aí e mandaram-na pastar. Semana passada, Janaína Paschoal disse que estava "chocada" com várias atitudes do Biroliro. Isto surpreende, até porque a deputada quase foi a vice do Despreparado. Mas não é melhor ela se horrorizar do que aplaudir os despautérios? Não para parte da web, que desceu a lenha na Jana. Ontem a Folha publicou uma entrevista em que Renan Santos, coordenador do MBL, se arrepende de ter contribuído para a polarização do país e a esculhambação do debate político. O MBL merece muitas críticas, especialmente por ter ido contra a mostra Queermuseu, mas não por querer se afastar do Boçalnaro. Não foi o que rolou nas redes, claro. É fascinante como quase toda a esquerda é um pote até aqui de mágoa, ainda com uma panela entalada na garganta, e extravasa esse ressentimento justamente em cima de quem deveria estar recebendo de braços abertos. Como é que vocês acham que a gente vai derrotar o Bostonazi? O cara teve 60% dos votos válidos, mas nem 30% votariam nele de qualquer jeito - e esse número deve ter caído ainda mais nesses sete meses de governo. Se não chamarmos de volta essas ovelhas desgarradas, Mijair se reelege em 2022. É isto mesmo o que queremos?

TARFILA DO AMARAL

Se eu morasse em outra cidade, talvez tivesse planejado há meses uma visita à exposição de Tarsila do Amaral no MASP. Teria comprado passagem, reservado hotel e garantido meus ingressos com saudável antecedência. Como eu moro a oito quadras do museu, deixei tudo para a última hora. Mas não enfrentei filas. Ao contrário da turba que levou até seis horas para chegar às bilheterias no vão livre, eu usei essa inovação tecnológica da qual poucos ouviram falar, a internet. Consegui comprar na quinta dois ingressos para as 16h30 de domingo, o último dia de "Tarsila Popular", e lá fomos nós. Entramos com relativa facilidade e circulamos lépidos pelos quatro ambientes da mostra. Sim, havia gente demais e até aglomerações na frente de obras como "Abaporu" ou "A Negra", mas quer saber? Adoro ver que, nesses tempos de obscurantismo, ainda tem um público enorme sedento de arte e cultura. E Tarsila se tornou um gene essencial do nosso DNA. Temos mais é que conhecê-la melhor. O "Abaporu" é a nossa "Mona Lisa", e acho ótimo que ele more em um museu estrangeiro - é sinal de prestígio da nossa arte. Mas sua autora foi muito além, criando uma obra pictórica original e, como ela mesma se gabava, profundamente brasileira. A deslumbrante exposição trazia quadros menos badalados como "A Cuca" ou "O Touro", muitos desenhos e esboços e inúmeros tesouros desconhecidos, que estão em coleções particulares. Mas senti falta de uma peça importante: a enorme tela "Operários", que fica no Palácio Boa Vista, do governo de São Paulo, em Campos do Jordão. Por que ele não foi para o MASP? Problemas de seguro? Pirraça do João Doria? Alguém sabe me dizer?

domingo, 28 de julho de 2019

SENHORA LIBERDADE

Se Ruth de Souza fosse branca, teria a mesma fama e o prestígio de Fernanda Montenegro. Porque o talento era equivalente, sem falar na coragem. Ruth abriu portas numa época em que elas estavam ainda mais fechadas do que hoje e se firmou como uma atriz de projeção internacional já na década de 1950. Chegou quarentona à televisão, mas não foi só por isto que não fez nenhuma protagonista de novela. Os tempos eram outros e, durante décadas, ela foi relegada a personagens coadjuvantes. Mas Ruth jamais recusou um papel de escrava ou de empregada a priori: o que lhe importava era o tamanho das falas e a importância na trama. Pelo menos, trabalhou até morrer. Sua última cena para o cinema foi rodada há apenas duas semanas. Agora, quem sabe, ela seja conhecida pelas novas gerações e reconhecida por aquilo que foi sempre foi: uma das maiores atrizes brasileiras de todos os tempos, ponto.

RECLAMANDO DE BOCA CHEIA

Uma das muitas polêmicas deste fim de semana foi o tuíte do ministro do Meio Ambiente com novo comercial acima. Ricardo Salles não se conteve e deu até uma de garoto-propaganda da marca, dizendo que "daqui para a frente, só de Chevrolet". É totalmente inapropriado um servidor público, ainda mais do primeiro escalão, fazer esse tipo de endosso a uma empresa privada. Mais inadequado ainda é o titular da pasta do Meio Ambiente se assanhar com o conceito da campanha: ainda se fosse a ministra da Agricultura, vá lá. Mas tem um dado que passou reto pela repercussão do anúncio na imprensa e nas redes sociais. A agência responsável é a W/McCann, a mesma que assinou o filme "Selfie" do Banco do Brasil - aquele que o Bozo mandou tirar do ar. Sim, um comercial "de esquerda" saiu da mesma agência que um comercial "de direita". Antes que alguém diga que a publicidade é mesmo uma merda e que vai atrás de quem pagar mais (e vai), é bom lembrar que nenhum grande anunciante faz nada sem pesquisas. Os dois filmes se adequam bem a seus públicos-alvos e aos objetivos do anunciante. O BB precisa atrair a garotada descolex que está fugindo para os bancos virtuais. A GM precisa agradar aos agroboys endinheirados. Entendo perfeitamente e não acuso ninguém. Só digo que não sinto saudade de agência.

sábado, 27 de julho de 2019

O ROMANCE DO ROMANCE

A França talvez seja o único país do mundo que tem talk show literário em emissora comercial aberta, no horário nobre. Um sobrinho do Mitterrand apresentava um nos anos 90, era um porre. Essa peculiaridade nacional aparece no protagonista de "O Mistério de Henri Pick": o esnobe anfitrião de um desses programas, feito por Fabrice Lucchini. O sujeito encasqueta que um romance publicado após a morte de seu autor não pode ter sido escrito por um humilde pizzaiolo que sequer tinha o hábito da leitura. E lá vai ele investigar esse caso rumoroso, com direito a flerte com a filha do falecido - Camille Cottin, da série "Dix Por Cent", dona do nariz mais fabuloso da atualidade. A resposta ao segredo é quase óbvia, mas as paisagens da Bretanha e algumas piadinhas seguram o interesse. Mas não sei se vão segurar o filme na minha memória: estou escrevendo bem rápido este post, com medo de esquecer tudo daqui a pouco.

sexta-feira, 26 de julho de 2019

O NÚMERO DA BESTA

Muitos países civilizados têm leis parecidas com a norma 666, publicada hoje por Sergio Moro, que prevê a deportação sumária de estrangeiros perigosos - o que inclui desde suspeitos de terrorismo até vândalos de torcidas de futebol. O problema foi essa portaria ser divulgada bem no meio do escândalo da Lava Jato. Será que a definição de perigo envolve Glenn Greenwald? O bom senso diz que não, mas é um artigo em falta no Brasil de hoje. O ministro da Justiça, a quem eu tanto já admirei, vem se revelando uma pessoa mais mesquinha a cada dia que passa, digno de ser um capacho do Biroliro. Moro trocou seu lugar de honra no panteão da história pela política mais comezinha e os métodos mais sorrateiros. É uma besta mesmo.

A RAINHA LEOA


Confesso que às vezes Beyoncé me dá preguiça. Dou total apoio às suas mensagens de empoderamento e autoestima, mas tem uma hora que me cansa vê-la posando de diva absoluta (e, antes que me acusem de qualquer coisa, digo que Madonna também me enjoa de vez em quando). Dito isso, adorei "The Gift", o álbum de inspiração africana que Bey lançou na esteira do "Rei Leão". É variadíssimo, mistura tradição e modernidade na medida certa e tem tantos feats que o egocentrismo da anfitriã fica diluído. Eu só removeria todos os diálogos do filme, que acabam por diminuir a envergadura do projeto. Afinal, não se trata de uma trilha alternativa, apesar da bombástica "Spirit" - o provável Oscar de melhor canção deste ano - tocar em uma cena do remake. No mais, Beyoncé só confirma seu direito ao trono.

quinta-feira, 25 de julho de 2019

JÁ PENSOU SE A MODA PEGA?

Ainda não digeri o que aconteceu em Porto Rico. Em um mundo onde a boçalidade conta pontos e ofender minorias garante eleições, é inacreditável que um governante renuncie por causa de declarações preconceituosas. É verdade que a economia da ilha vai mal há anos e que alguns escândalos de corrupção assombravam Ricardo Rosselló. Mas o estopim de sua queda foram as mensagens de WhatsApp vazadas por um jornal, onde ele insulta de Ricky Martin a deficientes físicos. A população foi às ruas e, depois de menos de duas semanas de crise, Rosselló anunciou na noite de ontem que renunciará na sexta. Alguns analistas temem agora a ascensão de um populista, como vem acontecendo na América Latina. Mas eu prefiro torcer que esse fato inédito e inesperado marque o início de uma virada em escala global.

quarta-feira, 24 de julho de 2019

MULHERES QUE A GENTE CONHECE

Fui uma pá de vezes a Paris e nunca me abalei até o Théatre du Soleil, onde reinam a diretora Ariane Mnouchkine e sua primeira-atriz, Juliana Carneiro da Cunha. Mas finalmente consegui ver uma montagem da companhia aqui em São Paulo mesmo, com elenco todo brasileiro. Trata-se de "As Comadres", um musical de origem canadense com cara de ter nascido e crescido por aqui. O plot é simplérrimo: uma mulher chama parentes e amigas para ajudá-la a colar um milhão de selos em cartelas e depois trocar tudo por prêmios em uma loja. São 15 personagens femininas, mas o elenco tem 20 atrizes que se revezam nos papéis. Cinco delas ficam em uma espécie de banco de reservas, mas no palco, cantando e interagindo feito um coro grego. A única que eu conhecia era Maria Ceiça; a própria Juliana não estava na noite em que eu fui. Vou falar um sacrilégio, pois ela não fez falta. De onde saíram essas atrizes todas, onde se escondiam? Todas sensacionais. E elas encarnam tipos que a gente conhece. Vi minha mãe, minha avó, minhas tias, a primalhada toda, a vizinha invejosa, as que moram juntas e se bicam o tempo todo. As músicas são ótimas (tem uma cuja letra são só os convidados de uma festa) e o riso corre solto na primeira parte. A segunda é mais dramática, mas o público se diverte o tempo todo. Uma das boas experiências teatrais de 2019. Corre, porque fica no Sesc Consolação só até domingo, dia 28.

O DOM DA INCLUSÃO

Um leitor reclamou que eu não comentei o comercial do perfume Dom para o Dia dos Pais. Pronto, engole esse choro, passou. O filme é bonitinho: não vai ganhar prêmio, mas é super inclusivo. Aliás, tanto a Natura como sua rival, O Boticário, estão de parabéns por sempre colocarem gays e negros em seus filmes. E quem se importa com o boicote dos bolsominions? Eles cheiram mal de qualquer jeito.

terça-feira, 23 de julho de 2019

ALL ALONE WITH THE MEMORY

Os jovens de hoje em dia choramingam quando um remake em live action da Disney não corresponde exatamente ao desenho animado original: "estragaram a minha infância!". Os millenials também berram quando se deparam com artefatos culturais vindos de outras eras, como está acontecendo com o trailer de "Cats". A peça de Andrew Lloyd Weber sempre teve gente vestida de gato, e o efeito ao vivo não era menos aflitivo do que se verá no cinema. Foi o primeiro grande musical que eu vi no exterior, no remoto ano de 1983. Na época, era a coisa mais transada do mundo; hoje em dia, a cafonice é evidente. Também está rolando uma polêmica porque uma atriz negra interpreta uma gata branca e teria sido, portanto, whitewashed - será que ninguém reparou que a protagonista Grizabella é feita por Jennifer Hudson? De qualquer forma, acho que vem bomba por aí.

O BOZO INGLÊS

É com pesar que constato a chegada de mais um bufão populista de direita ao comando de um país importante. Boris Johnson foi confirmado hoje como o próximo premiê do Reino Unidos, prometendo fazer o brexit nem que a população, os números e a realidade sejam contra. O único aspecto positivo dessa patuscada é que o ex-jornalista de caráter dúbio (ele falsificou algumas reportagens) e ex-prefeito de Londres tem uma vida pessoal agitada, algo que a inepta Tehresa May não tinha. Periga ser derrubado por um escândalo sexual, uma tradição da política britânica. Enquanto isso, teremos que ver o berço das instituições democráticas do Ocidente  ser liderado por um palhaço, tanto que seu apelido na imprensa é BoJo - lembra alguém que a gente conhece?

segunda-feira, 22 de julho de 2019

AQUÉM DO ARCO-ÍRIS

Em sua edição desta semana, a revista polonesa "Gazeta Polska" trará como brinde este adesivo aí ao lado, que mostra as cores do arco-íris riscadas por um X. A legenda é de cair o queixo: "zona livre de LGBTs". Trata-se de uma publicação de extrema-direita que faz campanha incessante contra gays, lésbicas e trans, em um dos poucos países da União Europeia onde não existe sequer a união civil entre pessoas do mesmo sexo. Talvez não exista tão cedo. A Polônia avança a passos largos para se tornar uma ditadura, desde que o partido ultraconservador Lei e Justiça (PiS) voltou ao poder em 2015. Mesmo assim, essa cafajestada está gerando protestos intensos dentro e fora do país. Varsóvia tem a maior parada gay da Europa Central e do Leste, e líderes LGBT têm acusado a revista de incentivar a violência. Além de tudo, o logo remete aos símbolos usados pelos nazistas contra os judeus. Mas os editores da "Gazeta Polska" não só alegam liberdade de expressão, como se proclamam paladinos contrários à instalação de uma ditadura gay no país. Um discurso idêntico ao de vários apoiadores do Biroliro. Corremos o risco de algo parecido no Brasil? Sim, claro, mas a causa igualitária avançou bastante por aqui, e mais da metade da população já está do lado das guei. Infelizmente, não é o caso na Polônia, onde o PiS é o favorito para vencer as eleições de outubro.

ATUALIZAÇÃO: Depois de publicar este post, li no Põe na Roda que vândalos da extrema-direita atacaram a primeira Parada do Orgulho LGBT na cidade polonesa de Bialystok com pedras, garrafas e até fogos de artifício. Nada parecido jamais aconteceu no Brasil, mesmo nas paradas realizadas em rincões distantes dos grandes centros. Muito medo dessa onda de violência chegar até aqui.

domingo, 21 de julho de 2019

SÊ NEGÃO


Os road movies com criança são todo um subgênero do cinema, com exemplos que vão do tcheco "Kolya" a "Central do Brasil". A premissa básica é a mesma: um adulto embarca meio sem querer em uma longa viagem com um menor abandonado, geralmente para devolvê-lo à família, e acaba descobrindo um monte de coisas sobre si mesmo. "Jornada na Vida" não foge à regra, mas tem um cenário original: o árido norte do Senegal, onde o deserto do Sahara teima em não acabar. O protagonista é um famoso ator francês negro, feito pelo mais famoso dos atores franceses negros - Omar Sy, de "Intocáveis". O personagem vai a Dakar lançar um livro e conhece um fã mirim que veio de carona de sua aldeia só para pegar um autógrafo. Carcomido de saudades do próprio filho e curioso por conhecer o país de seu avô, o astro resolve levar o moleque de volta para casa. É uma viagem iniciática, apesar de tudo ser bastante previsível -  como o momento em que o carro quebra - mas também é lindo de se ver. E nada mais bonito do que Fatoumata Diawara, que faz uma cantora de cabaré totalmente dona de seu nariz. Fiquei com vontade de ver um filme que contasse a jornada da vida dessa mulher.

O GUIA GENIAL DOS POVOS


Madonna teve um cicerone em suas andanças por Lisboa: Dino d'Santiago, descendente de cabo-verdianos e um dos novos expoentes da música lusófona. Foi ele quem apresentou Madge à Orquestra Batukadeiras, que participam da faixa "Batuka" do "Madame X" e que sairão em turnê com a cantora. Dino esteve no Brasil na semana passada e fez show na Flip, e foi uma matéria sobre ele na Folha que me chamou a atenção para seu álbum "Mundu Nôbu", do final do ano passado. É o tipo de som que eu aprecio: raízes tradicionais, temperadas pela diáspora e pela unrbanização. Gosto ainda mais do remix de Moullinex para "Nova Lisboa", presente em um EP recém-lançado. E estou chocado com o clipe de "Batuka", que não se parece com nada do que Madonna fez antes e traz uma mensagem de empoderamento feminino contra todos os tipos de escravidão. Quero mais guias como Dino d'Santiago.

sábado, 20 de julho de 2019

TERRAPLANISMO MENTAL

Em menos de 24 horas, Mijair Biroliro soltou pelo menos quatro barbaridades sem o menor fundamento. Na tarde de quinta-feira, o Despreparado disse que a Ancine não faria mais filmes como "Bruna Surfistinha" - que ele não viu e nem quer ver. Na manhã de sexta, em um café da manhã com a imprensa estrangeira, o Bozo disse que não existe fome no Brasil, porque não se vê gente esquelética nas ruas (gozado, aqui em volta da minha casa está cheio). Mentiu que Miriam Leitão havia mentido sobre ter sido torturada durante o regime militar e que ela iria para a guerrilha no Araguaia. E ainda desacreditou o diretor do Inpe, porque os dados sobre o desmatamento da Amazônia não corresponderiam à realidade.

Jair Bolsonaro nunca disse que acredita na Teoria da Terra Plana, mas não importa. Ele já deu sobejas provas de que é um terraplanista mental. Assim como os incels que duvidam que o planeta seja esférico, Bostonazi só acredita em seus próprios sentidos. Se não dá para ver a olho nu, do chão, que a Terra é redonda, então ela é plana. Se não tem esqueletos ambulantes no bairro, então não existe fome no Brasil. Se está fazendo frio, então o aquecimento global é balela. Se eu acho que não tem desmatamento, não adianta vir com números e estatísticas. 

Terraplanistas mentais só acreditam em outros terraplanistas mentais. Ignoram a ciência, a imprensa, o senso comum, a realidade. A tia Valcy do grupo da família tem mais credibilidade que um jornalista que ganhou o prêmio Pulitzer. Aliás, deve ser mentira esse prêmio. Alguém já viu um Pulitzer? Por falar nisso, alguém sabe dizer o nome de algum embaixador? O que é que eles fazem? Nenhum faz nada! Diz aí, no que a sua vida melhorou por causa de um embaixador? Em nada!


Esse é o raciocínio de tiozão do churrasco, do qual o Boçalnaro se tornou o prota-estandarte. Se não prejudicou a mim ou à minha família, então foi ótimo. Se inexiste na minha vizinhança, então inexiste no mundo inteiro. Se o jornal diz que aconteceu, então não aconteceu mesmo. O exemplo mais fulgurante é a ditadura: você conhece pessoalmente alguém que foi torturado? Então não teve ditadura!

Não é preciso ser de extrema-direita para sofrer de terraplanismo mental. Na verdade, o segundo antecede a primeira. É a descrença na educação, a preguiça de aprender, a inveja de quem sabe mais que a gente, que facilitou a ascensão de governos autoritários pelo mundo afora. Temos um casinho bem bobo aqui no Brasil, mas representativo desse fenômeno: é o "juntos e shallow now" da Paula Fernandes. Não, não estou dizendo que a cantora seja bolsominion, muito menos seus fãs. Mas Paula não se esforçou para verter a letra da música de Lady Gaga, e achou que uma frase que não faz sentido em língua nenhuma funcionaria como "homenagem" ao original. Ainda proferiu que a língua portuguesa é "pouco melódica", ofendendo nossos grandes letristas e passando recibo de tapada. Pelo menos a reação negativa foi enorme, a ponto de Luan Santana, que gravou "Juntos" com ela, ter sido aconselhado pela gravadora a não participar do clipe.

Esse tipo de reação é cada vez mais necessária. Não dá para normalizar tanta estupidez. Por que é disso que se trata: não é um embate entre direita e esquerda. É civilização versus barbárie. Tanto que muita gente de direita já está se afastando da familícia, que de conservadora não tem nada. Pelo contrário: são corruptos à moda antiga, que mamam há décadas nas tetas do Estado sem traçar políticas públicas consistentes. O apelo deles é que são pessoas "comuns", iguais ao povão que não teve estudo. Mas é diferente não ter estudo do que não querer ter estudo. O terraplanismo mental prega a volta à Antiguidade, povoada de deuses e demônios. Nos quais, aliás, os terraplanistas acreditam piamente, mesmo sem jamais terem visto um de verdade. Não deixa de ser irônico.

FRITANDO HAMBURGO

Não faltam elementos desagradáveis em "O Bar Luva Dourada". O novo filme de Fatih Akin tem sujeira, feiúra, velhice e uma violência de dar inveja ao Grand Guignol. O roteiro é baseado em uma história real: no começo da década de 70, um sujeito horroroso catava putas decadentes em um bar infecto de Hamburgo, levava-as para seu apartamento e, volta e meia, cobria-as de porrada ou pior. O cara matou quatro dessas mulheres, que depois esquartejava. Os pedaços eram guardados em um buraco na parede, e o cheiro era atribuído à família grega do andar de baixo, "que cozinha com muito alho e cebola". Por que fazer um filme assim? Por que ver um filme assim? Porque há humanidade por baixo dessa imundície toda. E porque Akin é um baita diretor, incapaz de fazer um filme chato.

sexta-feira, 19 de julho de 2019

O CÍRCULO DA VIDA


Um grande estúdio de cinema dá à luz um pequeno filme. O rebento é apresentado como o futuro rei das bilheterias, e toda a indústria cinematográfica lhe dá as boas-vindas. O filme cresce, devora alguns concorrentes e reina supremo durante um bom tempo. Depois sai de cartaz, é lançado em DVD, vai para o streaming, a TV a cabo e a TV aberta. Finalmente, é sepultado na memória de todos os que o assistiram. Seus vestígios também servem para alimentar a ambição do estúdio que o gerou. Essa ambição finca raízes, se desenvolve e dá frutos. Devolve o filme ao mundo, agora em nova embalagem, e o ciclo recomeça. Todo mundo o saúda, etc. etc. Eis aí a saga de "O Rei Leão" contada por outro ângulo. Essa nova versão é uma beleza e um prodígio técnico. Além de não ter barriga: as duas horas fluem feito uma manada de gnus correndo pela savana. Mas algumas estranhezas persistem. Uma vem do original em animação: nenhum animal em sã consciência fica feliz com a chegada de mais um predador, néam? Essa forçada de barra fica mais difícil de perdoar agora, com os bichos parecendo de verdade. O look realista também prejudica a emoção: os rostos não transmitem mais emoções como alegria, tristeza ou raiva, fazendo com que as vozes dos atores soem fora de lugar. Mas é inútil discorrer sobre isto, porque "O Rei Leão" já é um blockbuster. Até quem já era grande quando saiu o primeiro (tipo eu) vai gostar.

quinta-feira, 18 de julho de 2019

PINTURA ÍNTIMA

A intelectualidade francesa na virada do século 19 para o 20 era uma panelinha: todo mundo conhecia todo mundo, para não dizer comia. O que eu não sabia é que nessa turma havia dois amigos de infância, Émile Zola e Paul Cézanne, desde os tempos da escola em Aix-en-Provence. O primeiro, de família pobre,  logo se tornou um escritor badalado; o segundo, que era rico, só teve algum reconhecimento como pintor no final da vida. Não há muito mais drama do que isso na relação entre ambos, mas a diretora Danièle Thompson espreme dela um filme de duas horas. É lindo de se ver, com paisagens belíssimas do sul da França e primorosa reconstituição de época, e um elenco cheio de atores que acrescentam "de la Comédie-Française" aos sobrenomes. Mas o roteiro evita o caso Dreyfuss, o momento mais intenso da carreira de Zola, e prefere se fixar nas esposas e amantes. O resultado merecia, no máximo, o Salon des Refusés.

BOLSOKID VEM AÍ

Os últimos dias deixaram mais claro o que já era transparente feito vodka: o verdadeiro negócio da familícia Biroliro é mamar nas tetas do governo. A indicação do 03 para a embaixada em Washington nada tem de ideológica, muito menos de pragmática. É só nepotismo mesmo. Mas, como todos os três primeiros filhos estão dando pobrema - ainda que em diferentes graus - o CEO da companhia já pôs na rua uma nova campanha de marketing. Ontem o Mijair desembarcou em Rosário acompanhado pelo 04, cujos dois prenomes correspondem a dois dos políticos mais execráveis do país. Chamêmo-lo, pois de Bolsokid, apelido que já vem circulando na imprensa. Bolsokid tem 21 anos e está na faculdade de Direito, mas até o começo deste ano seu claim to fame era gostar muito de jogar videogame. Agora é ter namorado a filha do assassino de Marielle Franco, vizinho do papi na condomilícia da Barra da Tijuca. Mas o que o moleque foi fazer na Argentina? Ué, foi aparecer nas fotos. Ano que vem tem eleição municipal, e já está mais que na hora do 04 se candidatar a vereador. Afinal, os outros três já estão dando chabu.

quarta-feira, 17 de julho de 2019

UN PASITO PA' LANTE

Is this the real life? Is this just fantasy? Ou Porto Rico está mesmo livin' la vida loca, com protestos CONTRA um governante por causa de suas declarações machistas e homofóbicas? Custo a crer que isso esteja mesmo acontecendo, numa época em que ser grosseiro e preconceituoso = dizer o que todo mundo pensa. Mas está: até o portorriquenho mais famoso do planeta, Ricky Martin, foi ao Instagram para convocar passeatas pela renúncia do governador Ricardo Barcelló, que teve milhares de mensagens por WhatsApp vazadas e divulgadas pela imprensa da ilha. Não deixa de ser reconfortante saber que os aplicativos de mensagens, tão cruciais para a eleição de energúmenos pelo mundo afora, agora estão fazendo água e contribuindo para a queda desses caras. Um baita passo à frente.

ALEMÃO À OBRA


Por que "Nunca Deixe de Lembrar" não estreou nos cinemas brasileiros? Por que tem mais de três horas de duração? Um dos cinco indicados ao último Oscar de filme em língua estrangeira, o mais recente trabalho do diretor alemão Florian Henckel von Donnersmarck - que já havia vencido a categoria em 2006, com "A Vida dos Outros" - só está disponível por aqui nos serviços sob demanda. Espero que a minha TV tenha dado conta da belíssima fotografia, que também concorreu ao prêmio da Academia: Caleb Deschanel (que também fez "O Rei Leão") combina cores vívidas com desfoques pontuais, dando ao longa a aparência de um clássico colorizado. Já a trama deslancha como um folhetim dos bons, e as primeiras duas horas passam voando. O protagonista nasce no início do nazismo, perde quase toda a família na guerra e, já sob o comunismo, se apaixona pela filha de um médico - sem saber que o sujeito foi quem diagnosticou sua tia esquizofrênica, que acabou na câmara de gás. Depois que todos passam para o Ocidente, a ação ralenta, e o tema do filme vira a busca de um artista por seu próprio estilo. O resultado também é lindo - o título original quer dizer "Obra Sem Autor" - mas não empolga tanto quanto prometia. Estou sendo chato, é claro. Com ótimos atores e uma realização primorosa. "Nunca Deixe de Lembrar" é um dos bons títulos do ano. Mas bem que podia durar só duas horas e meia.

terça-feira, 16 de julho de 2019

VISIT AND SHALLOW NOW

Eis a nova marca que irá promover lá fora o turismo no Brasil. A Embratur está se gabando de ter desenvolvido tudo internamente, sem nenhum gasto com agências especializadas. De fato, o logo parece ter sido feito pelo Rubens do RH, aquele cara que "mexe" com computador, enquanto o slogan deve ser da autoria da Shirley do Contas a Pagar, que está no segundo ano do Yázigi. A estatal ainda ressalta o tom patriótico do troço - como se sabe, o patriotismo é um quesito importantíssimo para o estrangeiro que pensa em vir para cá, assim como as nossas mulheres. Mas os gays não são bem-vindos, mesmo que sejam ricos.

FIFTY QUID

A Itália já havia colocado Leonardo Da Vinci nas antigas notas de mille lire, mas não sei se ele conta. O pintor da Mona Lisa não era "oficialmente" gay, até porque o conceito não existia em sua época. Acho que a honra de ser o primeiro homossexual a adornar uma cédula de dinheiro vai mesmo para Alan Turing, que irá ilustrar as próximas notas de 50 libras esterlinas. É uma honra mais do que merecida: o matemático Turing foi um dos pais da informática, e exerceu um papel-chave ao decifrar os códigos nazistas na 2a. Guerra Mundial. Também foi um mártir, submetido à castração química depois que sua viadagem foi descoberta. Até hoje rola o debate se ele se matou mordendo uma maçã envenenada, ou se foi um acidente. O simbolismo desse gesto do governo britânico é profundo, mas também levanta uma questão. Nesses tempos obscurantistas, quantos homofóbicos não concordariam com a condenação de Turing, mesmo sabendo que ele prestou relevantes serviços à pátria? Que medo.

segunda-feira, 15 de julho de 2019

REI JÍAR

Biroliro é o rei da marcha-à-ré. Não é raro que ele solte uma barbaridade e depois a retire, ou nunca mais toque no assunto, se a reação nas redes sociais for ruim. Por isto, é curiosa a insistência na indicação do 03 para a embaixada em Washington, mesmo depois de quatro dias de má repercussão. Nem os minions mais fanáticos se uniram para apoiar a ideia: por motivos diversos, até Janaína Paschoal e Olavo de Carvalho se manifestaram contra. Entretanto, hoje o Bozo disse que, se está sendo criticada, então a proposta está certa. Hmm, e se fosse o contrário? Que lógica é essa?

A Luciana Coelho, minha colega na Folha, teve a coragem de apontar algumas vantagens no 03 como embaixador na corte de Donald Trump - claro que com muitas ressalvas. Ela vê coerência na atitude do Mijair. Eu também vejo, e é por isto que estou apavorado. Mais do que o despreparo evidente do rapaz para o cargo, mais até do que o próprio nepotismo do gesto, o que esta indicação revela é o desejo do Boçalnaro de fundar uma dinastia. Tal qual o déspota de um país do Oriente Médio, ele quer que os filhos sejam os herdeiros naturais de seu poder. Os próprios "garotos" (nenhum com menos de 35 anos) já se comportam como príncipes, mesmo sem terem cargos no Planalto. Esse desejo, afinal confesso, talvez traga em si a semete de sua própria destruição. Muitos (não todos) que votaram em Bostonazi não querem um ditador perpétuo, nem um monarca absolutista. E o favorecimento dos filhos é um sinal inequívoco de que não, a mamata não acabou. Como o "Rei Lear" de Shakespeare, o presidente se revela um mandatário inepto. Só falta seus três filhos mais velhos lutarem abertamente pelo trono. Mas não deve faltar muito.

domingo, 14 de julho de 2019

ÉDIPO COMPLEXO

"Tebas Land" começa com o ator Otto Jr. se apresentando para a plateia e explicando que queria montar um espetáculo sobre um prisioneiro de verdade, com o próprio em cena. Só que a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo não deixou, então o que se vê no palco é o ator Robson Torinni representando o preso. Os encontros entre os dois são reencenados: Martim matou o pai a garfadas, e os detalhes e a motivação do crime vão surgindo aos poucos. Mas Robson também volta a ser ele mesmo, e os dois discutem o texto que estão fazendo. Eu estava acreditando em tudo, até que lembrei que o texto é do uruguaio Sergio Blanco e já foi montado no mundo inteiro. Nada é real na peça, só as emoções. "Tebas Land" é uma variante interessantíssima do mito de Édipo e um jogo de espelhos teatral como há tempos eu não via. Fica só mais uma semana em cartaz no Sesc 24 de Maio, em São Paulo: eu recomendo para quem gosta de se perder em labirintos.

sábado, 13 de julho de 2019

LA ROSALÍA

Conheço essa música há mais de dois meses, mas talvez fosse melhor não conhecer. Sou súdito da espanhola Rosalía desde a virada do ano e acho sua mistura de flamenco com batidas eletrônicas uma das melhores coisas do pop atual. Também não vejo a hora dela medir forças com Anitta em um clipe. Os mesmos feats elas já têm: J Balvin participa da contagiosa "Con Altura", que não sai da minha cabeça por causa do "la Rosalía" lá pelo final. Vou atravessar a rua, olho para um lado, olha para o outro, la Rosalía. Busco um copo d'água na cozinha, abro a geladeira, la Rosalía. Ligo a TV, la Rosalía. Mudo de canal, la Rosalía, mudo de novo, la Rosalía, desligo, La Rosalía. La Rosalía. La Rosalía.

sexta-feira, 12 de julho de 2019

SE EU FOSSE OUTRO EU

Quando eu tinha uns 13 anos, meu maior medo era cair em um universo paralelo. Uma matéria na extinta revista "Planeta", especializada em assuntos esotéricos, me deixou apavorado. Mas hoje em dia eu gosto desses filmes que mostram o que aconteceria se o personagem não fosse quem fosse. Uma realidade alternativa, onde outras possibilidades se concretizaram - mas no fundo ele continua o mesmo. Esse mote é reciclado em "Amor à Segunda Vista", uma bobagem romântica que foi bem de bilheteria na França e acaba de estrear no Brasil. O protagonista é um escritor famoso, casado com uma mulher frustrada por não ter seguido a carreira de pianista. Um belo dia, ele percebe que sua vida não é mais a mesma. O pobre não passa de um professor de literatura, e agora está solteiro. Sua mulher - que nem o conhece mais - é uma pianista de sucesso, e está noiva de outro. Ele então decide reconquistá-la. Essa premissa bonitinha é diluída ao longo de duas horas (tempo demais para uma comédia), e lá pelas tantas o roteiro patina. Mas o desfecho salva o dia: além de ligeiramente surpreendente, é generoso,  e está em perfeita sincronia com os dias de hoje.

TERRIVELMENTE NEPOTISTA

Sabe quem costuma nomear os próprios filhos como diplomatas? Ditadores africanos. Emires árabes. Déspotas em geral, que comandam monarquias disfarçadas. Por que é nisto o que a familícia Biroliro quer transformar o Brasil: numa capitania hereditária, onde eles se tornariam uma dinastia. Mijair acha que despachar o 03 para Washington vai pegar super bem com o Trump, como se não nosso embaixador nos EUA não precisasse ter boa relação com o Congresso de lá (que é majoritariamente democrata). Tomara que o STF barre essa molecagem. Este é mais um chute nos militares, que se venderam ao Bozo mas não ganharam nada em troca. E mais um downgrade na nossa combalida imagem internacional.

quinta-feira, 11 de julho de 2019

DEPUTÁBATA

Não estou eufórico nem furioso com a reforma da Previdência. Sei que ela é necessária e acho que a que foi aprovada, até agora, foi a possível. Claro que acho absurda a pressão dos policias por mais benefícios. Também não entendo por que as mulheres poderão se aposentar antes que os homens, com menos tempo de contribuição: elas não vivem mais que eles? Mesmo assim, defendo uma das líderes da bancada feminina, a Tábata Amaral. A deputada federal pelo PDT-SP é firme, coerente e preparada, ao contrário do que choraminga a esquerda saudosista. Ciro Gomes estará sabotando a si mesmo se expulsá-la do partido (e nem será a primeira vez). Não votei na Tábata nas últimas eleições, mas vou considerá-la com carinho para tudo a que ela se candidatar daqui para a frente. Quer dizer... se ela se bandear para o Novo, a versão gourmetizada do PSL, nem fodendo.

AVE DE RAPINOE

Estou preparando uma galeria com os grandes heróis da resistência deste ano, e a mais nova integrante é Megan Rapinoe. A capitã da seleção americana de futebol feminino não é só uma baita jogadora: também é uma líder política, sem medo de peitar Donald Trump. Sua recusa em visitá-lo na Casa Branca e suas declaracões pró-inclusão mostram que ela é mesmo uma águia, dessas que voam alto e enxergam longe. Enquanto isso, aqui no Brasil, os craques do escrete canarinho gritam "mito!" e fazem fila para cumprimentar o Bozo. Até o Marquinhos, que passou reto pelo Despreparado, jurou que já haviam se confraternizado antes. Só o Tite agiu com um mínimo de decência, porque nunca se mistura com políticos.

quarta-feira, 10 de julho de 2019

NO-SHOW

A desistência de Nick Minaj em se apresentar na Arábia Saudita levanta uma questão interessante: um artista deve se apresentar em ditaduras? A minha resposta é... depende. Quando o convite é para cantar na festinha particular do ditador, como Jennifer Lopez já fez no Turcomenistão, é claro que não. Mas sou a favor de Milton Nascimento fazer show em Israel, ou Madonna na Rússia. OK, esses dois países não são exatamente ditaduras. Mas Israel oprime os palestinos e a Rússia persegue os gays. Vale a pena boicotá-los? Eu respeito quem acha que sim, mas acho mais producente ir lá e se apresentar para um público que, não raro, também é vítima do regime. Madonna e Lady Gaga até correram o risco de ser presas, por se manifestarem a favor dos LGBT em terras de Putin. Mas a Arábia Saudita é diferente. É uma tirania asquerosa, de forte pendor teocrático, que decapita domésticas que matam seus estupradores. O príncipe Mohammad Bin Salman vem tentando modernizar o país: foi ele permitiu quem que os cinemas voltassem a abrir, e que as mulheres tirassem carteira de motorista. Também foi ele quem ordenou a morte do jornalista Jamal Kashoggi, além de muitas outras barbaridades. É decente colaborar com o plano de poder de um déspota sanguinário? Fora que o festival em que Nicki Minaj se apresentaria é segregado, com homens e mulheres em lados separados. E por que os pudicos sauidtas convidaram a cantora do escandaloso "Anaconda"? Ha, eu acho que sei por quê.

A PRIMEIRA VÍTIMA?

Vou admitir: eu não era muito fã do Paulo Henrique Amorim. Até gostava bastante de seu estilo incisivo e coloquial - uma novidade na época em que ele despontou na Globo, em meados dos anos 80. Depois PHA passou por várias emissoras até se fixar na Record, onde foi útil enquanto o PT esteve no poder. Veja bem, minha pinimba não era o fato dele ser petista roxo. É desejável que um jornalista seja imparcial, mas não é obrigatório. Acontece que, em seu afã partidário, muitas vezes PHA cometeu injustiças, divulgou notícias mal apuradas e até agiu de modo grosseiro com colegas. Também foi um dos responsáveis pela criação da sigla PIG (Partido da Imprensa Golpista), que ajudou a minar a credibilidade do jornalismo profissional. Mas não deixo de me condoer com seu destino cruel. Só sua viúva poderá confirmar se ele andava cabisbaixo depois de ter sido tirado do "Domingo Espetacular" e encostado pela emissora, onde ainda tinha dois anos de contrato pela frente. Impossível não lembrar de Paulo Francis, que também morreu jovem do coração, acossado por um processo movido por um executivo da Petrobras. Terá sido Paulo Henrique Amorim a primeira vítima fatal do expurgo em andamento na imprensa pró-Bozo? Mais do que nunca, é preciso resistir. Ninguém solta a mão de ninguém.

terça-feira, 9 de julho de 2019

SOB O SIGNO DE LAGOSTA

A notícia saiu no domingo, mas eu estou rindo até agora com o #Lagostagate. Dessa vez a culpa não é do Bozo, mas não é incrível como ele atrai esse tipo de trapalhada? A Embaixada de Israel em Brasília cometeu o photoshop mais tosco de todos os tempos, ao pintar de preto (e sem cobrir direito) os lagostins que Biroliro e o embaixador de seu país favorito saborearam em um almoço. É estranho o cerimonial do Alvorada cometer uma gafe dessas: crustáceos não são kosher, portanto não podem ser comidos por judeus  religiosos. Vai ver é um olavete quem cuida agora dos cardápios presidenciais, e ele ainda conferiu se os bichos foram pescados perto da muralha de gelo que circunda a Terra Plana.

segunda-feira, 8 de julho de 2019

MATCH POINT

Agora já sabemos para que servem as lives que o Biroliro faz toda quinta no Facebook: para lançar um tema aleatório, absolutamente irrelevante para a crise que vivemos, que vai ocupar a mídia e as redes sociais nos dias seguintes e desviar a atenção do desmonte da educação e da destruição do meio ambiente. Semana retrasada foram as pulseiras de nióbio. Na passada, o trabalho infantil, algo que não está em discussão há mais de 100 anos. O Bozo se jactou de ter "quebrado milho" aos nove anos de idade, no que foi prontamente desmentido pela própria mãe. Na sequência, o gado amigo passou a compartilhar os terríveis esforços que foram obrigados a fazer no escritório do papi ou na loja da mami, que lhes custaram a infância e os marcaram para sempre. Até a Leda Nagle, que muita gente ainda não sabia ter sido cooptada pelo lado negro da Força, aderiu. O lado bom é que não faltou declaração ridícula, nenhuma mais do que a tuitada pela deputada federal Bia Kicis (PSL-DF):  

"Aos 12 anos de idade, eu fazia brigadeiros para vender na minha escola. E o mais interessante era que eu não precisava, mas eu sentia uma enorme satisfação de pagar as minhas aulas de tênis com o esse dinheiro. Eu me sentia criativa e produtiva".  (dei uma melhorada na sofrível pontuação da parlamentar)

Vamos respirar fundo antes de repetir? Aulas. De. Tênis. A desonestidade intelectual (para não dizer burrice) dessa minionzada supera qualquer previsão, sem falar nas profundezas a que eles são capazes de rebaixar, só para defender um misógino racista homofóbico defensor da tortura e totalmente despreparado para o cargo. Pelo menos, Bia Kicis se mostrou uma ótima redatora para os memes da Barbie Fascista. Por isto, de hoje em diante, ela será chamada de Barbie Kicis aqui no meu blog. Só espero não ter que falar muito dela.

domingo, 7 de julho de 2019

PAVÃO DESMASCARADO

É fascinante o perfil de Carlos Biroliro publicado na revista Piauí deste mês, de autoria da jornalista Malu Gaspar. Eu confesso que esperava mais detalhes da infância e adolescência, mas o texto dá muitos rasantes na problemática do 02. O trecho mais instigante diz que o pai não gosta de brigar com o filho, pois tem medo que ele cometa um "gesto extremo". Não que a gente não desconfiasse, claro. O texto também revela que Carluxo e Léo Índio estão rompidos, depois que o primeiro-primo andou abusando de seu suposto poder político, mas não entra na discussão do será-que-ele-é. O grande assunto é, na verdade, a estrutura que o vereador carioca montou para atiçar a minionzada nas redes sociais. Li o artigo justo no fim de semana em que o tal do Pavão Misterioso voltou a voar no Twitter, com supostos prints de mensagens entre Glenn Greenwald, Davi Miranda, Jean Wyllys e Marcelo Freixo. O gado ficou todo excitadinho, mas não demorou muito para que internautas mais sérios percebessem que tudo não passa de uma farsa grosseira. E todos os indícios apontam para a verdadeira identidade do pavão: é óbvio, é o Carluxo, que se acha um gênio do mal mas é só do mal mesmo.

SINAN FECHADO



Poder de síntese não é o forte do diretor turco Nuri Bilge Ceylan. Seus filmes costumam durar mais de três horas, como é o caso do recente "A Árvore dos Frutos Selvagens" - que eu não teria visto, não fosse o representante da Turquia no último Oscar. Preparei uma matula com mantimentos, aproveitei que o marido estava ocupado com outra coisa e encarei o troço com a maior das boas vontades. Gostei mais do que esperava, risos. O protagonista é um jovem escritor chamado Sinan que está juntando economias para publicar seu primeiro livro; seu maior conflito é com o pai, que tem dívidas de jogo e vive surrupiando trocados do filho. Também tem uma ex-namorada de infância que vai se casar com outro, a mãe, a irmã, o cachorro e um poço cheio de metáforas. E muita, mas muita falação. Cada cena pode levar até 20 minutos corridos, com Sinan conversando com um editor ou com o prefeito de sua cidade. Tem horas em que é fascinante. E tem horas que enche o saco.

sábado, 6 de julho de 2019

O HOMEM, O MITO, O CHATO

Vamos falar a verdade; João Gilberto era chato pacaralho. Pobre de quem tinha que lidar com ele, produzir um show, gravar um disco. A gente releva porque ele era mesmo genial - e se hoje não soa genial para nossos ouvidos blasés, é preciso lembrar que os cantores brasileiros empostavam a voz antes dele, num estilo que ficou insuportável (basta escutar Francisco Alves). Além da obra, João Gilberto deixou para a posteridade um rosário de lendas, que podem ou não ter um pé na verdade. Consta que Caetano Veloso, ao produzir o último álbum de estúdio de JG, teve um ataque de nervos e mandou tudo às favas - e olha que Caetano talvez seja o mais devotado súdito do cara de todos os tempos. Mas a melhor história mesmo é protagonizada por Elba Ramalho. Ela teria telefonado para João um belo dia e, para sua surpresa, ele estava simpaticíssimo. Até perguntou se ela tinha um baralho. Elba saiu de casa eufórica, comprou um baralho e foi bater na porta do apartamento do eremita, crente que eles iriam varar a noite jogando um carteado. Chegando lá, João Gilberto se recusou a recebê-la. Só pediu para Elba passar as cartas por baixo da porta. Uma por uma.

sexta-feira, 5 de julho de 2019

O PAU MANDADO

Louis Garrel vem se revelando um diretor de filmes fofos. Em "Um Homem Fiel", seu personagem tem o mesmo que em seu longa de estreia, "Dois Amigos", e é ainda mais bonzinho. Para não dizer que é um pau mandado: ele obedece sem pestanejar tudo o que as mulheres lhe pedem. Quando sua namorada avisa que engravidou de seu melhor amigo e que quer que ele saia de casa, ele sai. Quando os dois se reencontram nove anos depois, no enterro do amigo, ela quer que ele volte para ela, e ele volta. Mas agora a irmã menor do falecido também o quer: a primeira mulher então sugere que durmam junto para ver qual é, e ele aquiesce. É meigo, mas também não é nada de mais. Sobra a beleza do elenco: Laetitia Casta, Casada com garrel na vida real, foi top model e já interpretou Brigitte Bardot, e Lilly-Rose Depp é a filha de Johnny Depp com Vanessa Paradis. Sem falar no próprio Garrel, que fez mais um filme em homenagem a si mesmo.

LINHA DE PASSE

Para não pensar em besteira quando eu acordo no meio da noite, costumo fazer joguinhos mentais que eu mesmo invento. Um dos mais populares é listar os personagens de "Game of Thrones" em ordem de importância, alternando homens e mulheres. Mas nesta semana eu fiquei obcecado por outro desafio: traçar uma linha contínua ligando todas as unidades da federação do Brasil, sem nunca passar duas vezes pelo mesmo lugar (lembrando que o Distrito Federal tem uma curta divisa com o município de Cabeceira Grande, no norte de Minas Gerais). As pontas dessa linha têm que ser, obrigatoriamente, o Amapá e o Rio Grande do Sul: esses dois estados só são limítrofes a um único outro. Pois bem. Torci essa linha de tudo quanto é jeito, fui na diagonal, no zigue-zague, no periquito-maracanã, e nada. O máximo que eu consegui foi deixar o DF de fora. Hoje finalmente eu consultei um mapa e, 30 segundos depois, lá estava a linha ininterrupta, rindo da minha cara. Tão óbvia, tão ululante. Alguém aí se habilita?

quinta-feira, 4 de julho de 2019

QUEM SAMBA NA BEIRA DO MAR É SEREIA

Que a internet abriu as comportas do pior do ser humano, isso todos nós já sabemos. O que surpreende são as formas perversas que assumem o racismo, o machismo e a homofobia, sempre disfarçados de liberdade de expressão. Hoje subiu nos TTs mundiais a hashtag NotMyAriel, levantada pelos escrotinhos que se revoltaram com a escalação de Halle Bailey para o papel principal da versão live action de "A Sereiazinha". Afinal de contas, não existe sereia negra, não é mesmo? São todas brancas de cabelos vermelhos. Os babacas choramingam que a Disney estaria traindo suas memórias de infância, como se esses remakes caça-níqueis tivessem a obrigação de saírem idênticos aos desenhos. Que sejam, portanto, coerentes, e exijam uma atriz azul para interpretar a feiticeira Úrsula.

TENHO CHORADO PRA CACHORRO

Assisti da plateia a quase todas as edições do VMB. Ajudava muito meu irmão ser diretor da MTV Brasil, é claro. A premiação acabou junto com a emissora, e foi substituída pelo Miaw nessa nova encarnação da MTV. O novo troféu ignora os videoclipes e dá muita ênfase à internet, o que é compreensível para os tempos que correm. Fui convidado para a festa do ano passado e não fui, mas este ano relevei a desfeita. Quase me arrependi. Peguei um trânsito infernal para chegar ao Credicard Hall, me recusei a pagar 60 reais no estacionamento e deixei meu carro na rua. Na entrada, outra surpresa desagradável: não tem lugar sentado. Só pista, o que é um pouco demais para um ancião como eu. Por sorte, os shows que eu queria ver foram todos no começo. Abriu com Anitta e Ludmilla, depois teve Anavitória com Vitor Kley e, por fim, Emicida feat. Majur e Pabllo Vittar. Eu ainda não tinha ouvido "AmarElo" e fiquei impactado: trata-se de um hino, mas quem mais merece louros é o Belchior. O refrão, além de tudo, combina com esse período de luto que eu ainda estou vivendo. Terminado o terceiro bloco, me mandei. Nem o glamour do Hugo Gloss, nem a picardia de Sabrina Sato compensavam a minha exaustão.

quarta-feira, 3 de julho de 2019

NÓIS É CAUBÓI

Nunca fui muito ligado em rap. Até já comprei discos de Jay-Z e Kanye West, mas não consegui gostar - acho que por causa da minha idade e/ou da minha cor. Mas precisei dar uma conferida em "Old Town Road", a mistura de trap (a variante do momento) com música country feita por Lil Nas X, que se tornou o maior sucesso do ano até agora nos Estados Unidos. A versão com Billy Ray Cyrus, o pai da Miley, está unindo o país, mesmo depois de Lil Nas X ter se revelado gay. Palmas para a coragem do moço, que só tem 20 anos, e viva esse mistureba. Que também rola por aqui, com resultados diversos: alguém aí gosta de funknejo?

TOCANDO O TERROR


Em novembro de 2008, um grupo de terroristas paquistaneses chegou a Mumbai, na Índia, de bote inflável. Desembarcaram em uma praia sem que ninguém os incomodasse, dividiram-se em táxis e promoveram matanças em 12 lugares diferentes. O mais fotogênico deles foi o hotel Taj Mahal Palace, o equivalente local do Copa, onde cerca de 30 pessoas morreram ao longo de três dias intermináveis. Essa história horripilante é contada em detalhes gráficos em "Atentado ao Hotel Taj Mahal". O filme de estreia do diretor australiano Anthony Maras é tenso do começo ao fim, com ótimas atuações e uma reconstituição minuciosa do interior do hotel. Mas é entretenimento? Será que é moralmente justificável transformar esse horror da vida real em atração de cineplex? A pergunta foi feita por muitos críticos americanos, e eu respondo que sim. "Atentado..." não é, de maneira alguma, para quem busca escapismo. Mas a verdadeira questão que ele levanta é interessante: o que você faria numa situação como essa? Muitos funcionários do hotel optam por dar no pé, outros ficam para proteger os hóspedes. Um traficante de armas russo que gosta de putas se comporta de maneira repugnante, até o momento em que age como um herói. Muitos dos personagens são fictícios ou compostos por várias pessoas reais, e os três dias de suplício são condensados em uma única noite. No final saí exausto, certo de ter visto um baita filme. Mas Deus me livre de ver de novo.

terça-feira, 2 de julho de 2019

PFFFFFFFF

Minha admiração por Sergio Moro sofreu o primeiro abalo quando ele divulgou o áudio daquela conversa entre Lula e Dilma. O conteúdo do diálogo era mesmo escandaloso, mas Moro estava infringindo as regras - e, por consequência, pondo em risco a própria Lava-Jato. Operações anteriores, como a Castelo de Cartas ou a Satiagraha, foram anuladas porque não andaram na linha. Mesmo assim, dei uma relevadas, justificando para mim memso que não dava para enfrentar um esquema tão grande sem jogar sujo de vez em quando. Hoje eu faço um mea culpa: ética é que nem gravidez. Não existe pela metade.

Um golpe mais forte aconteceu quando Moro aceitou ser o ministro da Justiça do Bozo. O simples fato dele participar do governo de um celerado já era grave o suficiente. Mas o pior era mostrar que, sim, ele sempre teve um lado, e estava se beneficiando da prisão de Lula, a quem ele mesmo condenara. Mas quem sabe o ex-juiz não funcionaria como um contrapeso moral aos excessos birolíricos?

Agora não sobra mais nada. Não tenho mais respeito, admiração, simpatia. Moro se revelou um sujeito tíbio, carreirista, de pouca fibra. Os vazamentos do Intercept comprovam que ele nunca foi imparcial. Seu depoimento de hoje no Congresso reiteram sua venalidade. Mandar o Coaf investigar as finanças de Glenn Greenwald é um ato digno da Venezuela chavista. Moro está cada vez menor - ou talvez só agora eu me dê conta de seu real tamanho. Ele e o Bozo se merecem.

No mais, é lamentável que o Brasil continue precisando de um salvador da pátria. É uma herança do sebastianismo? Um reflexo da nossa pouca educação? O grave é que esses super-heróis, mais cedo ou mais tarde, são desmascarados. Getúlio, Jânio, Collor, Lula... passamos por isto algumas vezes, não aprendemos nada e estamos passando de novo. Nós também merecemos o Bozo e o Moro.

MAJOR MISTAKE

Eduard von Westernhagen era mesmo nazista? O major alemão foi de fato condecorado por Hitler, por atos de bravura durante a Segunda Guerra Mundial. Mas não foi julgado por crimes contra a humanidade. Tanto que se reincorporou ao exército da Alemanha em 1955, quando ele foi recriado. Tampouco estava clandestino no Brasil, quando foi morto - por engano - por um grupo de extrema-esquerda em 1968. Mesmo assim, pega mal pacaray essa homenagem que o nosso querido Exército resolveu prestar a ele, ainda mais nesse momento de intensa polarização. O intuito maior parece ser provocar a esquerda, mas a que custo? Meu pai, que lutou na Itália pela FEB, ficaria ultrajado se vivo fosse. Por que o Exército insiste nessa vergonha? Que falta que faz um bom RP, hein?

segunda-feira, 1 de julho de 2019

PULGA PARA SE COÇAR


Como titular da coluna Multitela da Folha, eu tenho a obrigação de saber quais são as melhores séries e onde que elas estão. Mesmo com tanta responsabilidade, só vim a descobrir "Fleabag" agora, quando saiu a segunda e última temporada. É apenas uma das melhores séries cômicas de todos os tempos, ainda que com uma boa dose de tragédia. A descrição lembra "Girls" e um montão de outras: uma moça irreverente enfrenta com galhardia e bom humor os desafios da vida moderna, olha só que original. Mas Phoebe Waller-Bridge faz toda a diferença. A atriz principal também é a criadora da série - e também a de "Killing Eve" e de "Run", que estreia em breve na HBO. Ou seja, um major talent, de quem ainda ouviremos falar muito. "Fleabag" tem ao todo só 12 episódios, com menos de meia hora cada. Dá para ver tudo de uma enfiada só e ainda sair se coçando para ver mais.

A NOVA NANA GOUVÊA

Imagine se um déspota feito o Putin ou o Erdogan levasse seu pimpolho às reuniões do G20. A imprensa ocidental ia cair matando, e com razão. Mas porque a grita é relativamente pouca quando Ivanka Trump ou Eduardo Biroliro circulam entre os líderes mundiais? O filho 03 ainda tem a desculpa de ser deputado federal, mas ms. Kushner nem cargo oficial tem. O vídeo dela tentando se imiscuir numa conversa entre Macron, May, Trudeau e Christine Lagarde, do FMI, é priceless. Como a internê nada perdoa, já abundam os memes de Ivanka photobombing momentos cruciais da história. E assim fica nítido mais um traço perturbador dos novos autocratas: a pretensão de fundarem dinastias, como se fossem ditadores árabes.