domingo, 31 de março de 2019

ELEFANTES NÃO ESQUECEM


Mas eu esqueço. Não lembro do plot do "Dumbo" original, que eu vi em 1635. Só que prendiam a mãe dele, e depois as trombas dos dois se enroscavam. Também lembro da sequência psicodélica, mas só porque Steven Spielberg a inclui em "1941". Sabe por que não lembro do resto? Porque a história é fraca. É uma variante circense do Patinho Feio, mais nada. Por isto, Tim Burton fez muito bem em jogar quase tudo fora em sua versão live-action do desenho animado. O roteiro acerta ao situar a ação em 1919: além de fazer exatos cem anos, o pós-1a. Guerra Mundial permite alguns detalhes mórbidos que intensificam o drama. Claro que o novo desfecho, muito diferente do da animação, é totalmente incongruente com a mentalidade de um século atrás, mas foi feito para ser visto hoje. Burton não se furta a alguns toques de horror, como é comum em sua obra, mas "Dumbo" é, de longe, seu filme mais infantil. Também é de enher os olhos. E só agora eu entendi porque o elefantinho tem esse nome. Que dumb que eu sou.

MENINO USA TUTU


Eu ri por dentro quando vi que a versão brasileira do musical "Billy Elliot" é "apresentada pelo Ministério da Cidadania". Pensei na Damares se contorcendo ao ver um espetáculo em que meninos dançam balé e usam tutu. Um deles até já se define como gay, aos 10 anos de idade. Claro que não foi a maluca quem aprovou o projeto: ela só o herdou, do extinto Ministério da Cultura. Talvez até gostasse. Esta montagem é um jorro de energia, principalmente por causa do elenco mirim. Vi com Pedro Sousa (são três atores que se revezam no papel principal) e fiquei maravilhado. Daqui a algumas décadas, poderei dizer: "eu vi a estreia de Pedro Sousa". Olho nele.

sábado, 30 de março de 2019

O CHANCELER QUE RELINCHA

Parece que eles combinam entre si. O escândalo de um ministro do governo Mijair nem arrefeceu e outro já explode no noticiário. Ainda não nos recuperamos da sova que Vélez Rodríguez levou da Tabata Amaral, e eis que Ernesto Araújo envergonha o Brasil ao dar uma entrevista dizendo que o nazismo é de esquerda. Não, não é, nunca foi. Em seu auge, o estado nazista exercia, sim, um poder imenso sobre a economia e a vida de seus cidadãos, como qualquer ditadura totalitária. Mas a raiz do nazismo não é o socialismo, muito pelo contrário. Todas as ideologias à esquerda têm algo em comum: o conceito de igualdade. De que nenhum ser humano é intrinsicamente superior ao outro (na prática é diferente, talkei?). O nazismo, no entanto, surgiu da noção de que os alemães são o suprassumo dos arianos, a única raça desenvolvida, e todo o resto da humanidade deve ser escravizado. Isto é extremíssima-direita. É direita para carambalhão. Não é por outra razão que Trump não ataca os supremacistas brancos nos EUA, todos nazistóides. Como é possível que o atual chanceler não saiba disso? Os exames de ingresso ao Itamaraty são rigorosíssimos. Também consta que Araújo era uma pessoa razoável até alguns anos atrás. De repente, bandeou-se ao olavismo e começou a escrever barbaridades em um blog pessoal, como que para atrair a atenção dos Bozinhos. Deu certo? Seu ministério já está sob intervenção branca dos militares. Só que isto não o impede de continuar relinchando por aí, e emporcalhando a imagem do Brasil no mundo.

(Comentários defendendo que o nazismo é de esquerda serão sumariamente rejeitados. Este assunto nunca esteve em debate. Ah, sim, e a Terra é redonda.)

sexta-feira, 29 de março de 2019

YOU CAN RING MY BELL

Vi "Gloria" há mais de cinco anos e achei legalzinho, mas não entendi porque o filme estava recebendo críticas tão boas. Hoje vi o remake americano e ta-rá! Gostei bem mais. Talvez por causa de Julianne Moore? Paulina Garcia, a atriz do original chileno, é uma baita atriz, mas não é uma estrela de cinema. Julianne é, e isto às vezes até atrapalha na construção de uma personagem que é para ser uma mulher comum. Uma cinquentona divorciada e ainda cheia de vida, com filhos crescidos e doida para arrumar companhia. Que ela arruma em boates onde só toca disco music, a trilha sonora de sua juventude. A história é a mesma e quase que todos os planos são iguaizinhos. Vai ver que foi o diretor Sebastián Lelio quem amadureceu, depois de ganhar o Oscar de melhor filme estrangeiro no ano passado por "A Mulher Fantástica". Ou vai ver que fui eu que amadureci.

BODAS DE SILICONE

No final de 2017, um longo artigo no BuzzFeed contou a vida de Ricardo Correa e mudou a vida de Chico Felitti. O repórter revelou, pela primeira vez, a história do "Fofão da Augusta", e continuou sua investigação mesmo depois da matéria publicada. Ricardo morreu logo depois, mas um novo personagem apareceu: Vânia, uma transexual brasileira que mora em Paris e namorou Fofão quando ainda era Vagner. Chico foi visitá-la na França e viajou inúmeras vezes a Araraquara, terra natal do casal, para entrevistar parentes e amigos. O resultado é o livro "Ricardo e Vânia", que já teve os direitos vendidos para o cinema. É um mergulho em duas vidas fora do mainstream (uma delas descambou completamente), e também um retrato do que era ser gay no Brasil nas décadas de 70 e 80, quando ninguém falava em direito igualitário. Uma época em que o silicone era visto como um passaporte para uma identidade feminina - os dois aplicaram tanto em si mesmos que acabaram ficando deformados (Vânia retirou muito do que havia injetado no rosto). Não é uma história especialmente agradável, mas o texto de Chico Felitti empresta leveza mesmo quando a barra pesa para valer. Assim como a reportagem que lhe deu origem, que foi um dos melhores textos de 2017, "Ricardo e Vânia" já é um dos grandes livros do ano. Leia antes de virar filme.

quinta-feira, 28 de março de 2019

TABATA TÁ BATENDO

Não votei na Tabata Amaral, mas ela me representa. A maneira como ela peitou ontem o Vélez Rodríguez, futuro ex-ministro da Educação, foi irrepreensível. Calma, incisiva, objetiva. E nem um pouco ideológica, o que está pirando o cabeção de muita gente. A direita já está xingando-a de tudo o que é nome, mas mais engraçada ainda é a reação de alguns adeptos do PT e do PSOL. Tabata não grita "Lula livre", nem defende a ditadura de Maduro - portanto, é uma agente da CIA infiltrada entre nós. Essa gente não consegue ver o surgimento de uma nova liderança, pois gostaria que o corrupto do Lula ficasse no poder mais tempo que os irmãos Castro. Depois não entendem porque tanta gente votou no Bozo. Mas, voltando ao assunto: com apenas 25 anos, credenciais impecáveis e uma atuação corajosa, Tabata Amaral é um nome para o futuro. Que já começou.

quarta-feira, 27 de março de 2019

MACKENZISMO CULTURAL

Poucas horas depois da lista de comunistas confirmados ter sido atualizada com a chegada do Lobão, ela recebeu um outro acréscimo de peso: o Mackenzie. Para quem é jovem ou não é de São Paulo, é importante esclarecer que o Mackenzie sempre foi um bastião de estudantes de direita. Foram mackenzistas defendendo o regime militar que quebraram o pau com o pessoal da Faculdade de Filosfia, Ciências e Letras em 1968, no que ficou conhecido como a Batalha da Rua Maria Antônia. Além disso, o Mackenzie é mantido pela Igreja Presbiteriana, e já teve (não se se ainda tem) um reitor que soltou um manifesto contra o "homossexualismo" e defendeu que se ensinasse o criacionismo na aula de biologia. Por isto, fiquei surpreso com os protestos de hoje, que amedrontaram o Mijair e fizeram-no fugir para as colinas. O tal do "clima de animosidade" reinante na instituição foi gerado por uma turba selvagem que incluía as filhas de 14 e 11 anos de uma amiga minha. Mas é disso mesmo que o fascismo tem medo: jovens, mulheres e até direitistas que não têm medo de expressar sua desaprovação. Biroliro não sobrevive muitas horas se sair das redes sociais. Até o Mackenzie assusta.

DESAMARRANDO OS NÓS


"Nós" é um filme de terror acima da média, o que não quer dizer muito. O segundo longa de Jordan Peele tenta ir mais longe do que "Corra!", mas lhe falta fôlego. A proposta era ambiciosa: ao invés de discutir apenas o racismo, dessa vez o assunto parece ser a desigualdade. A distância crescente entre ricos e pobres - que, no fundo, são todos seres humanos. Nós somos eles e vice-versa. Só que Peele se preocupa em dar uma explicação concreta para que muitas pessoas (não apenas negros) estejam sendo atacadas e até mortas por seus duplos. A tal da razão é sem pé nem cabeça, e esvazia a grandeza do filme. Mesmo assim, é divertido caçar as referências espalhadas no roteiro, e tecer teorias estapafúrdias. O que significam os coelhos? E as "mãos através da América"? O plot twist final não invalida tudo o que veio antes? Lupiya Nyong'o está fantástica e deve ser indicada ao Oscar. Mas "Nós" está longe de ser o comentário social que vem sendo vendido aos incautos. Bem feito e aberto  a interpretações, mas só um terror acima da média.

terça-feira, 26 de março de 2019

OS IDOS DE MARÇO

Era óbvio que o Bozo iria mandar os quartéis celebrarem o golpe de 31 de março. Aposto que ele só não mandou as escolas públicas fazerem o mesmo porque a data cai num domingo este ano. Afinal, o despreparado sempre disse que nunca houve ditadura militar, e que essa ditadura que nunca existiu deveria ter matado mais gente. A reação veio rápida. Começou nas redes sociais e agora até o Ministério Público Federal quer proibir qualquer comemoração. Mas o primeiro objetivo do Mijair já foi atingido: causar barulho e distrair parte do público de sua inapetência para governar. Se bem que, para mim, faz tudo parte de um mesmo pacote. Biroliro é homofóbico, machista, defensor da tortura, desonesto, mesquinho e, last but not least, um tremendo de um incompetente.

A ÓPERA DA PADROEIRA


"Aparecida" não é o tipo de espetáculo que me atrai naturalmente. Não sou católico e não acredito na virgindade de Maria. Mas ganhei convites para a estreia para convidados, e lá fui eu conferir o primeiro musical escrito por Walcyr Carrasco. Na verdade, há bem pouco texto falado: quase tudo é dito nas letras de Ricardo Severo, sobre canções de Carlos Bauzys. Mas foi Walcyr quem criou a estrutura da peça, usando elementos que ele já conhecia desde que escreveu a novela "A Padroeira" e o caso de um milagre cujo favorecido, milagrosamente, sentou-se ao seu lado em um avião. Toda a saga da santa do Brasil está lá: da descoberta por pescadores no rio Paraíba, no começo do século 18, à restauração da imagem depois dela ter sido pulverizada por um maluco, em 1978. A encenação de Fernanda Chamma alterna momentos intimistas com outros espetaculares, usando muito bem as projeções e o elenco numeroso. Mas o mais marcante em "Aparecida" é mesmo a música, que passa longe do estilo da Broadway. A partitura tem influências afro, caipiras e até do rock, mas é quase uma peça erudita. Sem refrões fáceis para sair assobiando, ao contrário: algumas melodias são até bem difíceis, desafiando os atores e o espectador. Não há nenhum hit óbvio, mas o público não parece se importar. Sem pregação religiosa ostensiva, "Aparecida" está mais para uma ópera pop. Mas desde quando a ópera não é um gênero feito para as massas?

segunda-feira, 25 de março de 2019

AUTOGOLPISTAS

Várias notas e análises publicadas durante o fim de semana me deixaram de orelha em pé. Ao atacar o STF e fazer beiço com Rodrigo Maia, Mijair estaria preparando o terreno para dar um autogolpe. Com a reforma da Previdência e  o pacote anti-crime do Moro empacados no Congresso, ele teria a desculpa perfeita para fechar tudo e se declarar plenipotente, como Fujimori fez no Peru na década de 90. Para isto, é claro, Biroliro precisaria ter o apoio maciço da população. Sinceramente, não creio que ele seja capaz de tamanha maquiavelice política. Esse despreparado só pensa a curtíssimo prazo: a única coisa que lhe interessa é o aplauso de sua claque, mais nada. Mas tenho medo por causa dos filhos. 01, 02 e 03 me parecem, cada vez mais, os verdadeiros cabeças da gangue Solnorabo. O primeiro está meio de escanteio por causa de laranjas e rachadinhas, mas os outros dois seguem a todo vapor. Não duvido nada que sonhem em instalar por aqui uma ditadura hereditária, nos moldes dos países árabes. Ainda assim, nos restaria um consolo: os irmãos lutariam entre si até a morte, até sobrar só um.

UMA DROGA DE FILHO


Julia Roberts tomou tento na vida. De uns anos para cá, ela só vem emplacando trabalhos bem-sucedidos. Primeiro teve o estouro de bilheteria do filme "Extraordinário", depois o prestígio da série "Homecoming". Agora Julia colhe os maiores elogios com "O Retorno de Ben", em que ela faz a mãe de um rapaz viciado em drogas. O tema é idêntico ao de "Querido Menino", que ficou meia hora em cartaz. Aliás, é curioso como as carreiras de Lucas Hedges e Timothée Chalamet andam em paralelo. Os dois testaram para "Manchester à Beira-Mar" (Lucas ganhou o papel), atuaram juntos em "Lady Bird" e fazem filmes de assuntos semelhantes, como vício ou homossexualidade. "O Retorno de Ben" foi escrito e dirigido pelo pai de Lucas, Peter Hedges, e é uma ode ao amor de um pai pelo filho. A personagem de Julia é capaz de se embrenhar nas piores quebradas para salvar seu rebento, e a trama que se desenrola quase que em tempo real aumenta a urgência de seu desespero. Mesmo assim, "O Retorno de Ben" não passa muito além de um bom telefilme. Quem esperar que passe na TV não estará fazendo mau negócio.

domingo, 24 de março de 2019

AMOR, PORRADA E LAMA


Dois anos depois de estrear no Rio e já ter rodado quase todo o Brasil, finalmente "Tom na Fazenda" chega a São Paulo. Mas vai ficar pouco tempo: a temporada no Sesc Santo Amaro vai só até o dia 14 de abril. Portanto, largue o que você estiver fazendo e corra atrás de ingressos. Isto é uma ordem. Isto é para o seu bem. A peça do canadense Michel Marc Bouchard rendeu um filme de Xavier Dolan que eu nunca vi, mas duvido que seja melhor que essa montagem brasileira dirigida por Rodrigo Portella. O ponto de partida é simples: um rapaz vai ao funeral do namorado, morto em um acidente, na comunidade rural onde ainda moram a mãe e o irmão do falecido. Só que ela não sabe que o filho era gay. Talvez os dois sejam: o irmão avança no visitante, exigindo que ele não conte a verdade para a mãe, e logo o jogo violento entre ambos descamba para a sedução. Com muita porrada, lama e uma fisicalidade como há tempos eu não via em cena. Armando Babaioff produziu, traduziu o texto e está fantástico como Tom, e o resto do elenco não fica atrás. Todo mundo, héteros inclusive, vai babar por Gustavo Vaz, e a participação de Camila Nhary no final do espetáculo é contundente. E ainda tem Kelzy Ecard, atriz-revelação aos 54 anos de idade (ela fez a Nice na novela "Segundo Sol", onde Babaioff também atuou). "Tom na Fazenda" começa discutindo homofobia, mas vai muito além. Tem até momentos engraçados, que aliviam a surra emocional que levam os atores e a plateia. São mais de duas horas de peça, sem intervalo, mas tudo é tão intenso que eu nem lembrei que existe relógio. Falando sério: vai ver. É longe, mas dá para ir de metrô. Vai, para o bem de todos nós.

O WOODY ALLEN BRASILEIRO

Hoje toda a imprensa brasileira está repetindo frases feitas como o título desse post, por uma razão singela: era verdade. Domingos de Oliveira foi o que tivemos de mais próximo de Woody Allen, com seus filmes semi-autobiográficos sempre ambientados na classe média alta carioca. Outra semelhança com a obra de Woody é que poucos deles se tornaram sucessos de bilheteria. O que é uma pena, porque títulos tardios como "Amores" e "Separações" são obras-primas. Sem falar, é claro, de "Todas as Mulheres do Mundo", que revelou ao mundo Leila Diniz, com quem Domingos foi casado. Não perca, se algum passar na TV em homenagem ao falecido. Aqui em casa, o clima é de pesar: Domingos de Oliveira foi fundamental para a carreira do meu marido, tanto de ator como de diretor. Mas eu mesmo nunca o conheci pessoalmente: só o vi no palco ou em eventos, sem nunca termos sido apresentados. Pelo menos seus filmes ficaram, e merecem ser redescobertos.

sábado, 23 de março de 2019

O BANANINHA DE OURO


Este era um dos apelidos secretos de Jorginho Guinle - até onde eu sei, por causa de sua baixa estatura e de sua imensa fortuna. Que ele dissipou da maneira mais agradável possível: com viagens, mulheres, joias e carrões. O que torna Jorginho diferente dos playboys escrotos de hoje era sua simpatia: ele não era esnobe, tratava todo mundo muito bem e vivia sorrindo. Um autêntico aristocrata, que não trabalhou um dia sequer na vida - até que foi tarde demais. Passou seus últimos anos atolado em dívidas e teve que se desfazer de praticamente tudo que tinha, até dos retratos dos pais. Tudo isso é contado no docudrama "Jorginho Guinle - $ó se Vive uma Vez", que mistura depoimentos de parentes e amigos, imagens de época e um pouco de dramatização para contar a história de um personagem que marcou o Rio de Janeiro do século 20. O filme fica um pouco aquém do glamour que promete: os grã-finos mal-ajambrados parecem fugidos de uma novela do SBT (e qual anfitriã milionária pergunta para o garçom se ainda tem caviar? Ela sabe que tem). Além disso, o drama de Jorge Guinle Filho, o primogênito que se tornou um pintor respeitado e morreu de AIDS nos anos 80, deixando um viúvo que precisou lutar pelo espólio, não é muito aprofundado. Mas o resultado final é agradável, e a moral da história é quase a mesma da fábula "A Cigarra e a Formiga". Com a diferença de que Jorginho Guinle, mesmo sem um tostão, nunca deve ter se arrependido de não ter trabalhado. Ele sim, foi o verdadeiro rei do camarote.

GLAMOUR CANSA

Apenas alguns meses depois de incorporar o espírito de Shirley Bassey, Conchita Wurst engata uma metamorfose interessante. Não aprecio muito o resultado - acho que ela envelheceu uns 200 anos - mas gosto da maneira como La Wurst desafia, mais uma vez, nossas concepções de gênero. E suspiro aliviado ao perceber que ela resolveu fazer música para os dias de hoje, ao invés de continuar revistando os standards do passado. Aguardemos pelo álbum completo.

sexta-feira, 22 de março de 2019

A GAROTA BELGA


É improvável que um adolescente transexual cresça em um ambiente mais favorável do que Lara, a protagonista de "Girl". Ela conta com o apoio irrestrito do pai, a simpatia das colegas da escola de balé e um atendimento médico de primeira qualidade. No entanto, Lara sofre. No corpo, ao retirar os esparadrapos que escondem seu pau, e na alma, por que nem os países mais civilizados estão preparados para os trans. "Girl" representou a Bélgica no último Oscar, foi indicado ao Globo de Ouro de filme estrangeiro e ainda ganhou o Caméra d'Or, o prêmio para cineastas estreantes do festival de Cannes. Causou um teco de polêmica, porque o ator Victor Polster é cisgênero - o diretor Lukas Dhont disse que procurou muito, mas não encontrou uma trans que dancasseo suficiente. O filme, disponível na Netflix, é sensível, delicado e também um pouco chato. Nada acontece durante boa parte do tempo, e o final é dos mais abruptos. Mas qualquer história de transexual  conta pontos nesses tempos de obscurantismo.

PRECES ATENDIDAS


As mais novinhas não fazem ideia do forrobodó do que foi o lançamento de "Like a Prayer", 30 anos atrás. Madonna já era a cantora que mais vendia no mundo, mas fazia quase três anos que não lançava um álbum só de inéditas. Portanto a expectativa era grande, e a Pepsi resolveu capitalizar em cima. Naquela época, a rival da Coca-Cola usava muitos astros do pop em sua propaganda, não só Michael Jackson, e Madonna nunca havia feito uma campanha publicitária de grande porte. Ela então rodou um comercial com jeito de videoclipe, ao som da faixa-título do disco novo e com um visual que nunca mais repetiria: cabelos escuros, com uma mecha branca na frente. Beleza, ficou lindo, todo mundo gostou. Só que, ao mesmíssimo tempo, Madge também lançou o vídeo propriamente dito de "Like a Prayer", que viria se tornar um dos mais famosos de sua carreira: aquele com as cruzes pegando fogo, em que ela beija um santo negro. Não era um ataque direto a nenhuma religião, mas a direita já se escandalizava com besteiras em 1989. O escândalo foi enorme e a Pepsi se viu obrigada a arquivar o comercial. Madonna não sofreu nenhuma punição: seu contrato não proibia que ela fizesse um clipe com a mesma música. Embolsou cinco milhões de dólares e ainda aumentou sua fama de transgressora. Mas o disco em si era realmente muito bom. Esta semana, saiu nos serviços de streaming uma versão comemorativa do 30o. aniversário de "Like a Prayer". Não tem nenhuma novidade: nada de demos, sobras de estúdio, faixas perdidas. Só os remixes lançados então, algumas faixas normais (como o esquecido dueto com Prince, "Love Song") e um lado B. Mas Madonna é Madonna. Mesmo com arranjos que hoje soam um pouco datados, "Like a Prayer" se impõe. Ouça o original, ouça os remixes, e chegue à mesma conclusão: rainha, né, mores?


quinta-feira, 21 de março de 2019

MEMER

Hoje foi difícil focar no trabalho. De cinco em cinco segundos, chegava um meme novo no WhatsApp. Temer apavorado porque vai ter que tomar banho de sol. Marcela sorrindo no Tinder. Gilmar soltando Temer na Austrália. Dilma rindo, escrevendo diário, rindo com Lula, indo presa também. Boulos gostando de saber que a casa do Temer está vazia. O japonês da Federal coberto de alho e crucifixos. Temer vendendo ingressos para o show de Sandy e Junior, porque não vai mais poder ir... Risos à parte, já estava mais do que óbvio que o ex-presidente merecia ir em cana. O que não é tão sólido é o motivo para a prisão espetaculosa: o velho oferecia mesmo perigo se continuasse solto? E será mesmo que ele foi pego dentro de um contexto muito maior, de briga entre o Executivo e o Legislativo? O Bozo sai bem na foto num primeiro momento, mas a reforma da Previdência se equilibra em telhados cada vez mais altos... No mais, nada tenho a comemorar. Nunca gostei de Michel Temer, e meu horror a ele só cresceu durante seus dois anos e meio no Planalto (ou melhor, no Jaburu). Mas pensar que moro num país onde uma presidenta incompetenta foi impichada, depois veio um golpista que foi parar na cadeia e agora estamos sob o comando de uma familícia aloprada me faz sonhar cada vez mais com a Nova Zelândia.

CAPITÃ WHATEVER


Rompi várias vezes meu juramento solene de nunca mais ver um filme de super-herói. De um ano e meio para cá, encarei "Mulher-Maravilha", "Pantera Negra" e até mesmo aquela gosma do "Aquaman". É que, toda vez que um desses longas transcende o mero estouro de bilheteria e se transforma em um fenômeno cultural, eu me sinto na obrigação de acrescentá-lo ao meu currículo. Foi assim que me convenci a ver "Capitã Marvel". É a primeira transexual do universo criado por Stan Lee: nasceu homem, passou por várias encarnações e, por razões diversas, virou mulher antes de chegar às telas. Eu não tinha a menor familiaridade com o personagem, então tudo foi novidade para mim. Também foi muito confuso. A história de Vers, uma Kree que luta contra os Skrulls no planeta C-53, tem o mesmo valor nutricional de uma sopa de letrinhas, só que bem menos gostosa. O filme também não facilita: tem flashbacks dentro de alucinações, e tantos pontos de virada que no final eu não ligava mais para quem era bonzinho e quem era vilão. Mas não é aborrecido, muito por causa do elenco. Brie Larson está OK, mas ela não é páreo para a deusa Annette Bening. Muito menos para o devorador de cenários Samuel L. Jackson - que aparece rejuvenescido por computador, já que a ação se passa em 1995 e seu personagem, Fury, participa de muitos outros filmes da Marvel. Resumindo: que legal que as mulheres agora podem etc. etc. Mas eu saí do cinema com fome de algo mais substancioso.

quarta-feira, 20 de março de 2019

COMPADRE WASHINGTON

Esperei o Bozo voltar para comentar sua viagem a Washington. Queria ver até onde ia o despreparo, a ignorância e o puxa-saquismo. Foram mais longe do que eu esperava, e ainda revelaram que não existe estratégia alguma entre os supostos gênios desse governo. faz sentido ir jantar com Steve Bannon logo no primeiro dia, sabendo que ele é um desafeto da Casa Branca? E para quê ofender os brasileiros que vivem ilegalmente nos EUA, sabendo que eles votaram no Biroliro achando que ele iria defendê-los? O fim do visto de entrada no país para americanos, canadenses, australianos e japoneses também tem cheiro de capacho, e os resultados financeiros são bem duvidosos. Turistas só virão para o Brasil quando o país for mais seguro e mais barato: praia bonita eles têm mais perto do que as nossas. Quanto à base de Alcântara, acho legal ganhar um troco algando-a para os gringos (lembrando que Mijair sempre votou contra quando era deputado). Mas o que me incomodou mesmo foi a forma da visita, nem tanto o conteúdo. Solnorabo é péssimo orador, escolhe as palavras erradas e transpira medo por todos os poros quando se aproxima de poderosos. Às vezes até  gostaria que ele declarasse guerra à Venezuela, pois assim os milicos o deporiam de uma vez. Veja a que ponto me rebaixei: eis-me aqui torcendo por uma intervenção militar.

TODA FAMÍLIA BEM FICA

Dá para imaginar um time brasileiro fazendo uma campanha por novos sócios como esta do Benfica? O clube português está alguns anos-luz à frente dos trogloditas que dominam o nosso futebol. Pelo menos, temos um conterrâneo na ficha técnica do comercial: o diretor de arte Eduardo Pastor, com quem eu trabalhei em priscas eras, hoje vivendo em Lisboa. Nem tudo está perdido, ó pá.

terça-feira, 19 de março de 2019

LINDA JACINDA

O mundo está carente de grandes líderes. Até os meus queridinhos Emmanuel Macron e Justin Trudeau estão passando por apuros. O presdiente francês enfrenta a revolta interminável dos "coletes amarelos", que junta as extremas esquerda e direita na mesma baderna. Já o premiê canadense está enrolado em uma crise palaciana que pode lhe custar a reeleição no fim do ano. Neste deserto de nomes, uma nova estrela acaba de despontar: Jacinda Ardern, a jovem primeira-ministra da Nova Zelândia. Nem me interessei em saber qual é a tendência política dela. Só o fato de Jacinda vestir véu para visitar alguns membros da comunidade muçulmana atingida pelo ataque da semana passada já prova que se trata de uma estadista. Depois a linda ainda avisou que jamais irá pronunciar o nome do terrorista, para não dar a ele nenhuma publicidade, e que as leis do país sobre armamentos serão revisadas. Enquanto isso, Trump passou o domingo reclamando no Twitter de problemas gravíssimos como uma reprise do programa "Saturday Night Live", e o nosso Biroliro levou algumas horas para se pronunciar sobre o massacre em Suzano. A Nova Zelândia é longe de tudo e influi muito pouco no panorama internacional, mas deveria servir de exemplo para todos nós. Depois da matança em Christchurch, muitos neozelandeses estão entregando suas armas para a polícia. Nunca tive tanta vontade de me mudar para lá.

DEATHFLIX


A morte está na moda. Três séries novas da Netflix tratam do assunto mais desagradável do mundo, mas de maneiras diferentes. A mais doce entre elas vem de um dos comediantes mais ácidos do mundo: Ricky Gervais, famoso por insultar meia Hollywood quando apresenta os Globos de Ouro. Seu personagem em "After Life" também é um sujeito sarcástico, que se sente autorizado a ser ainda mais impiedoso depois que sua mulher morre de câncer. Há momentos muito sombrios, outros de rir alto e alguns realmente enternecedores, como as conversas com a viúva feita por Penelope Wilton (de "Downton Abbey"). Tudo isto em uma cidadezinha fictícia de nome brasileiro, Cambury, feita com locações em diferentes cidades reais. Aposto que "After Life" será indicada a uma porrada de Emmys. Mas em qual categoria? Drama ou comédia?

"Boneca Russa" é uma doideira, parente de "A Morte lhe Dá Parabéns" e outras obras que usam o tema do "dia da marmota": a data que sempre se repete, num looping infinito. No caso, o bater de botas da protagonista, feita pela desagradável Natasha Lyonne. Seu personagem tem muito da persona da atriz, mais conhecida por "Orange is the New Black": egoísta, beberrona, inconveniente. Por causa dela, é difícil superar os dois primeiros episódios. Mas depois a coisa engrena, e "Boneca Russa" leva o espectador a um lugar realmente novo, difícil de classificar em termos dramáticos. Só que nenhuma razão é dada para as mortes recorrentes da personagem e de um outro cara, que aparece em meados da temporada. O último capítulo, então, é quase surrealista. Alguém saberia me explicar como se eu tivesse dois anos de idade?

"Love Death + Robots" é a única que traz a morte no título, mas ela nem sempre está presente nas tramas. Mal comparando, é uma variante de "Black Mirror" em desenho animado. Trata-se de uma antologia, exclusiva para adultos: os 18 episódios podem ser vistos em qualquer ordem, pois não têm relação entre si. Nenhum dura mais que 17 minutos (alguns, apenas seis). Cada um usa uma técnica diferente, e muitos são deslumbrantes. Outros deixam a gente sem saber se está vendo atores de carne e osso ou gerados pelo computador. Meu favorito até o momento é o terceiro curta, "A Testemunha", mas pode ser que eu mude de ideia: ainda não vi tudo.

segunda-feira, 18 de março de 2019

EL AMOR DESPUÉS DEL AMOR


Ricardo Darín tem um público cativo no Brasil. O cinema em que eu fui ver "Um Amor Inesperado" no sábado à tarde estava quase lotado, e depois fiquei sabendo que vários amigos foram ver o filme no fim de semana da estreia. Devem ter gostado, porque este é um Darín dos bons: tem roteiro burilado e ótimas interpretações, dois fatores que nos fizeram amar o cinema argentino. Mas também é longo demais: dura 2h15, uma eternidade para uma comédia romântica. Para piorar, a história é para allá de previsívei. Um casal de meia idade se separa depois que o filho sai de casa, porque acabou o assunto (ela é Mercedes Morán, uma atriz fabulosa). Passam algum tempo se aventurando no Tinder, até que então... Estou dando spoiler? Alguém achou que o final seria diferente? "Um Amor Inesperado" não faz feio, mas tampouco entra para o rol dos melhores dos nossos vizinhos. É uma boa empanada, mas não chega a asado.

WHO'S BAD?


Desde 1993, quando surgiram as primeiras denúncias, que eu não tenho a menor dúvida: Michael Jackson gostava de garotinhos. Não. Tenho. A. Menor. Dúvida. Não vou usar o termo "pedófilo" por causa de uma filigrana: ao contrário dos velhos tarados que costumam ser associados à prática, Jackson também era um garotinho. Ou, no máximo, um adolescente recém-chegado à puberdade. Sua sexualidade estacionou por volta dos 13 anos de idade e nunca mais evoluiu um milímetro. Todo mundo se habituou a dizer que MJ era uma criança, que estava tendo a infância que lhe havia sido roubada, mas entre quatro paredes ele era um pouquinho mais velho. Só um pouquinho.


Neste ponto, o documentário "Deixando Neverland" não me trouxe novidade alguma sobre o finado Rei do Pop. Só detalhes, como as preferências do astro (ele era ativo!). E não me fez mudar de ideia. Antes de ver o filme de Dan Reed, escrevi uma coluna para o F5 dizendo que eu não deixaria de ouvir Michael Jackson (não que eu ouça muito, mas vá lá). Algumas pessoas me avisaram que o choque dos depoimentos de Wade Robinson e James Safechuck me encheriam de horror a "Thriller" - só que não. A música continua tão boa como já era antes.

Se Michael Jackson não tem muitos segredos para mim, não posso dizer o mesmo sobre seus acusadores. Não entendo muito o sofrimento pelo qual estão passando Wade Robson e James Safechuck. O primeiro venceu um concurso de dança aos cinco anos de idade, cujo prêmio era conhecer MJ em pessoa - e ele acabou contratado, fazendo parte do show até os 14 anos. O segundo fez um comercial de Pepsi com Jackson quando era pequeno, e logo entrou para o círculo íntimo do cantor. Ambos foram abusados por ele, mas admitem que era gostoso e divertido. Ambos testemunharam a favor do astro no processo de 1993. Foi só no segundo processo, em 2003, que a ficha parece ter caído. Só então eles se recusaram a participar. Mais tarde, casados e com filhos, se deram conta do horror por que passaram. Mas se deram mesmo? Ou foram induzidos a achar que sofreram? Porque, na época, saíram da experiência sem maiores problemas. Sim, participaram de brincadeiras sexuais com um adulto, e isto não é aceitável por qualquer ângulo. Mas sem violência física e, ao que parece, psicológica.

Não estou defendendo Michael Jackson, nem passando pano no que ele fez. Para mim, trata-se de uma figura trágica, que foi vítima do próprio sucesso e não soube buscar apoio profissional. Pagou com a própria vida, e privou o mundo de um talento gigantesco. Mas acho no mínimo curioso que Robson e Safechuck estejam passando AGORA por um sofrimento atroz. Robson até tentou processar o "estate" de Jackson em 2010, mas um juiz não deixou, alegando que já havia passado tempo demais. Não há inocentes nessa história.

"Deixando Neverland" tem quatro horas de duração, mas não precisava tanto. O diretor ficou com dó de cortar o farto material que coletou, e o resultado é meio chato e repetitivo. Além do mais, a discussão que propõe não deveria ser sobre a reputação de Wacko Jacko ou a permanência de sua obra. Vou fazer uma provocação, totalmente contrária aos ventos que sopram hoje em dia: será que toda relação entre um menor e um maior de idade é necessariamente ruim? É possível que não haja cicatrizes nem traumas? Veja bem, não estou afirmando, só perguntando. E perguntar é sempre bom e necessário.

domingo, 17 de março de 2019

TERÇA INSANA

Uma das poucas consequências positivas da desastrosa eleição do Mijair foi jogar mais luz sobre a extensa rede de fakenewseiros que trabalha para ele. Habituada a pregar aos convertidos, agora esses difamadores vêem suas mentiras confrontadas pela imprensa séria e pelas agências de checagem, e estão todos se borrando nas fraldas. É o caso de Allan dos Santos, responsável pelo abominável site Terça Livre. Só pelo vídeo acima dá para sacar o nível do sujeito. Como é que, em pleno ano da graça de 2019, alguém ainda chama a masturbação de "perversão sexual"? E ela ainda por cima queima neurônios...

Allan dos Santos foi quem espalhou no Brasil a mentira publicada na seção de blogs do site francês Mediapart, acusando Constança Rezende, do Estadão, de querer derrubar o governo. O próprio Bozo, em sua grandeza de estadista, repetiu o tuíte, e a repórter recebeu todo tipo de ameaça - por uma coisa que ela nunca disse, by the way. A potoca foi logo desmentida, mas adivinha se Allan se retratou? Claro que não. Até que, nesta sinistra sexta-feira, um outro jornalista do Estadão foi bater à sorrelfa à porta de sua casa...

Jornalistas, como todo mundo sabe, andam armados até os dentes, e vão às casas das pessoas para exterminá-las. Pelo menos é isto o que acha esse bobalhão, que não faz a mais puta ideia do que seja jornalismo de verdade. O coitadinho está até agora no Twitter se lamuriando do gravíssimo perigo que ele e sua família correm, como se todo mundo usasse das mesmas táticas sujas de perseguição e desmoralização que ele usa. Imagina se eu fosse ter um chilique cada vez que o acessor (com c mesmo) da cantora Francilayne mandasse uma mensagem para o meu celular, que eu só dou para quem eu conheço pessoalmente? Mas a verdade é que devemos agradecer ao Allan dos Santos. Nesses tempos sombrios, ele assumiu para si o papel de palhaço, e está nos divertindo a todos. Deus sabe como estamos precisando rir.

sábado, 16 de março de 2019

FALTA DE JUÍZA


Quando eu era pequeno, sabia de cor a escalação da seleção brasileira que venceu a Copa de 70. Hoje eu sei os nomes de todos os 11 juízes do STF, e se espremer acho que também saem quase todos da Suprema Corte americana. Esses magistrados fazem parte do nosso cotidiano, e alguns deles afetaram o planeta inteiro com suas decisões. É o caso de Ruth Bader Ginsburg, a fodona feminista que, na reta final de seus anos, se tornou uma heroína feminista e um ícone da cultura pop. No fim do ano passado saíram dois filmes em sua homenagem. Um deles é o excelente documentário "RBG", indicado a dois Oscar e já comentado aqui no blog. O outro, "Suprema", não chega aos calcanhares de sua biografada. O roteiro se prende a um caso emblemático, que deu o pontapé à carreira fulgurante de Ginsburg na defesa dos direitos igualitários. Mas o caso em si não é dos mais palpitantes, e Felicity Jones nem se esforça para captar a centelha que arde em sua personagem. Sobra um filme morno, quase aborrecido e nada obrigatório. Quem quiser conhecer essa mulher impressionante tem que ir atrás de "RBG".

sexta-feira, 15 de março de 2019

ECCO LA MARCIA REALE

"Marcia Reale" era o nome do antigo hino imperial italiano, usado até o país se tornar uma república. Também serviu para inspirar o nome artístico de Eunice Alves, a grande atriz brasileira que morreu nesta sexta. Foi ela própria quem me contou a origem de seu pseudônimo: trabalhamos juntos na segunda temporada de "Ô, Coitado!" no SBT, onde eu era um dos roteiristas, em 2000. Logo depois eu a indiquei para o que acabou se tornando um de seus últimos trabalhos: o filme "Avassaladoras", lançado em 2002, em que ela fez a avó da personagem da Giovanna Antonelli. Márcia Real era uma mulher linda, mesmo já entrada em anos, e uma profissional de primeira. Chegava ao estúdio sempre com o texto decoradíssimo e dava broncas nos colegas mais indisciplinados. Mas nós sempre nos demos bem, e eu agora lamento tê-la perdido de vista nos últimos anos.

A CULPA NÃO É DO BULLYING

Dois gatilhos vêm sendo apontados como os responsáveis por despertar a sanha dos assassinos de Suzano: os videogames, e o bullying que eles teriam sofrido na própria escola Raul Brasil. De game eu não entendo picas, mas o bullying eu senti na pele. Fui alvo de gozações em dois colégios diferentes: primeiro aos 11 anos de idade e depois aos 14. Saí na porrada duas vezes. Não adiantou, as gozações continuaram. E aí sumiram, de uma hora para outra. Um ano depois, meus algozes me cumprimentavam como se nada. Mas eu sei que tive bastante sorte.

Bom, vamos lá. O bullying é uma coisa gravíssima, mas nem de longe é o maior culpado por esses crimes bárbaros. Meninos gays e meninas gordas são as vítimas preferenciais do bullying (que costuma ser praticado por meninos brancos e héteros, iguaizinhos aos assassinos de Suzano). Você já soube de algum gay assumido ou de alguma gordinha voltar à escola onde sofreu bullying e abrir fogo contra os outros alunos? Pois é. 

Como quase toda bicha da minha geração, eu também não escapei, como já contei lá em cima. Fiquei com cicatrizes, mas essa não foi a pior coisa que já me aconteceu. Cresci e me tornei essa pessoa ma-ra-v-lho-sa que vocês tanto adoram. Hoje em dia eu abro fogo, sim, mas com as palavras. 

Nem por isto defendo o bullying. Não acho que ele "enrijece o caráter", como já vi alguns pais dizerem, ou te ensina a te defender. É uma coisa horrorosa, eu sofria muito. Não precisava passar por isto. Mas ninguém - nenhum professor, diretor, bedel, pai de aluno, meus próprios pais, NINGUÉM - fazia nada para me defender. Só interferiam quando descambava pra porrada.

O bullying tem que ser evitado na hora. Tolerância zero. A vítima precisa saber que ela não está sozinha e que seus gozadores é que são os errados. Mas os atiradores que grassam mundo afora não podem se escorar no bullying para justificar seus crimes. O problema é bem mais complexo.

Minha teoria? Estamos assistindo, em escala global, à reação dos homens héteros (não necessariamente brancos) ao avanço das minorias. Trump, Bozo, Duterte, Erdogan, Orbán, o Estado Islâmico, os ataques às mesquitas da Nova Zelândia, os massacres nas escolas: são todas faces de um mesmo monstro, chamado ressentimento masculino. A sensação desses homens de estarem perdendo poder. Só que eles não entenderam que não perderam direito algum - só a possibilidade de explorar e humilhar os demais. Foram os outros que conquistaram mais direitos, só isto. Mas a igualdade incomoda a quem goza de privilégios.

Mulheres em posto de comando não são ameaça. Homossexuais se beijando em espaço público não são ameaça. Negros nas novelas não são ameaça. TODO MUNDO ganha com a igualdade. - inclusive dinheiro O preconceito é ruim para a sociedade como um todo. Ele faz mal para todos, até para os preconceituosos. Mas, enquanto essa ficha não cair, continuaremos presenciando injustiças e até mortes estúpidas.

quinta-feira, 14 de março de 2019

MELÔ DO PI-RI-PI-PI

Cansei de fazer post pesado. Cansei de reagir a cada desgraça que sai no noticiário. Quero celebrar o Pi Day, o dia do Pi, porque a data desta quarta, em inglês, se escreve 3/14 - o começo do número mais mágico de todos, que hoje sabemos ser seguido por 31 trilhões de outros algarismos. O Pi é um vislumbre do infinito, porque ele vai ficando cada vez menor, mas nunca acaba. É a chave dos mistérios, desde a Antiguidade. Para entender esse paradoxo, só mesmo comendo torta, o outro significado do dia em inglês. Ou levando um torta na cara.

QUE ÓDIO

Este post era para ter subido ontem, mas o massacre na escola em Suzano o adiou para hoje. Só que não é uma tragédia nova que me fará esquecer da tragédia anterior. A prisão dos assassinos de Marielle Franco traz um novo insulto à memória da vereadora e à inteligência de todos nós. É um acinte que setores da polícia carioca tentem caracterizar a ação de Ronnie Lessa e Elcio Vieira de Queiroz como "crime de ódio". Quer dizer então que os dois, que levam vidas de um luxo incompatível com as rendas que têm e mantêm um arsenal de dar inveja às Forças Armadas, passaram três meses tramando em detalhes o assassinato de Marielle e de seu motorista Anderson Gomes, só porque não gostavam das ideias dela? Porque não suportavam uma negra lésbica feminista na política? Ah, tá boua? O escândalo só cresce quando lembramos que, toda vez que um homossexual ou transexual é morto no Brasil sem motivo, a direita raivosa logo espuma que não existe crime de ódio por aqui. Mas se a vítima for filiada ao PSOL, aí sim, não é mesmo? Até os bebês que ainda não nasceram já sabe que tem gente graúda por trás dessa selvageria. Muitos indícios apontam para o MDB fluminense, que há décadas sufoca o estado e é o maior responsável pelo caos em que este se encontra. Pessoalmente, não acredito que o clã do Mijair esteja diretamente envolvido. Mas não dá para negar que eles vivem na maior promiscuidade com os milicianos, depois de tantas homenagens, empregos, vizinhanças e até namoros. A prisão dos executores foi só primeiro passo. Ainda faltam muitos, e não sei se seremos capazes de percorrê-los todos.

quarta-feira, 13 de março de 2019

TIROS NO BRASIL

Dois anos atrás, eu participei da sala de roteiro de uma série que ainda não foi produzida, chamada "Tiros no Paraíso". O argumento era livremente inspirado pelo massacre de Realengo: um garoto vítima de bullying matava metade de sua classe em uma escola fictícia na periferia de São Paulo, a Alberto Paraíso. Hoje, vendo as reportagens pela TV, fiquei impressionado: a E. E. Raul Brasil, em Suzano, é quase idêntica ao colégio que imaginávamos. Até as casas das vítimas e dos assassinos se parecem com as que pensamos para o programa. Só não chegamos ao nível de horror dos dois matadores da vida real: já surgiram indícios de que eles participavam do Dogolochan, um fórum na dark web onde incels e outros malucos se incentivam uns aos outros ao suicídio - e que levem junto com eles a "escória", i.e., mulheres, negros e gays. Que cultura doente é essa em que vivemos, que propiciou tamanha barbaridade? E, sim, o Bozo e suas arminhas nas mãos fazem parte do mesmo fenômeno. A glorificação da violência como solução dos conflitos, a ilusão da superioridade branca e masculina, está tudo amarrado e banhado de sangue. Tomara que essas mortes de hoje não tenham sido em vão. Que elas sirvam para o Brasil repensar essa alucinada política de rearmamento. Para não virarmos uma cópia piorada dos EUA, onde esses ataques já são rotina.

GRANDE DIA

Foi uma terça-feira surreal. Pela manhã, as notícias chocantes chegavam com a velocidade de balas de metralhadora. Prenderam os assassinos de Marielle! Um deles mora no mesmo condomínio do Mijair! A filha dele namorou com o 04! Pois é, também fiquei chocado dem saber que o 04 gosta de mulher. À tarde começou a palhaçada. Passando um recibo maior do que o gigantesco Vivendas da Barra, onde ninguém conhece ninguém, os bolsomijons adotaram a sofisticada estratégia de subir a hashtag #CelsoDaniel, porque né? Sempre deu certo! Afinal, se os petistas têm esqueletos no armário, isto significa que o nosso lado é totalmente inocente, talquei? Foi divertido ver os mesmos que reclamavam, um dia antes, da "extrema imprensa" (um termo que eu acho até elogioso), apelarem para um argumento digno da quinta série. "Ãin, mas pode ser tudo coincidência". Poder, pode. Mas já pensou o fuzuê se descobríssemos que o Adélio mora no mesmo prédio que o Lula em São Bernardo, que eles têm foto juntos e que os filhos já namoraram?

terça-feira, 12 de março de 2019

VIVENDAS DA BARRA

Não vamos dar muita importância ao fato do Bozo morar no mesmo condomínio que Ronnie Lessa, um dos suspeitos pela morte de Marielle Franco que foram presos na manhã de hoje, não é mesmo, pessoal? O Vivendas da Barra é imenso, quase do tamanho da Rocinha, e o Bozo tem apenas dois imóveis lá dentro. Mesmo que ele conheça seu vizinho Ronnie, isso não quer dizer nada, talkei? Eu mesmo já morei no mesmo prédio que o Wanderley Cardoso, e nunca gravamos uma única música juntos. Aliás, um sargento da reserva da PM morar no mesmo condomínio que o presidente da República deve ser uma coisa super normal, que acontece em qualquer lugar do mundo. E o Mijair ter atacado a imprensa que investiga as milícias, na véspera do suspeito ser preso no mesmo condomínio em que ele mora? Co-in-ci-dên-cia, galera. Só isso. Parem de ver maldade em tudo.


Bom, ainda não sabemos se o Bozo conhece seu vizinho Ronnie Lessa. Mas o ex-PM Élcio Vieira de Queiroz, o outro suspeito preso na manhã desta terça...

segunda-feira, 11 de março de 2019

LIGAÇÃO PERIGOSA


É oficial: a Netflix tem mesmo  filmes mais interessantes do que os que estão em cartaz nos cinemas. Uma boa surpresa esta semana foi a chegada à plataforma de "Mademoiselle Vingança", indicado a seis Césars e vencedor de um, melhor figurino. É uma produção luxuosa, ambientada em meados do século 18 e livremente inspirada em um livro de Diderot. A trama parece um esboço de "Ligações Perigosas", que seria escrito alguns anos depois. Uma viúva nobre resolve se vingar de seu ex-amante, fazendo-o apaixonar por uma bela jovem - só que ele não sabe tudo sobre sua nova paixão. Lento a princípio, com diálogos literários, o filme aos poucos se revela uma história cruel, em que a feiúra das almas contrasta com a beleza das imagens. Não tem o impacto do clássico com Glenn Close, mas é uma iguaria fina.

UM ESGOTO A CÉU ABERTO

O Bozo se supera. O despreparado que finge comandar a nação conseguiu postar um tuíte pior ainda do que o do vídeo obsceno do carnaval, menos de uma semana depois. É simplesmente criminoso um presidente difamar uma jornalista e espalhar fake news, baseado em um caso já desmontado pelas agências de checagem de notícias. Constança Rezende está sendo perseguida, entre outras coisas, porque seu pai Chico Otávio é um repórter carioca que está virando do avesso o submundo das milícias. Sentindo o cerco se apertar, o clã Boçalnaro apela para a única coisa que sabe fazer: baixaria virtual. Querem calar a imprensa profissional. Não é nenhuma surpresa, mas é gravíssimo. Mas sabe o que me apavora mais? É claro que os militares sabem dos laços dos Bostonazi com os milicianos. Sabem e não fazem nada, porque dependeram da popularidade do Mijair para voltar ao poder. Até quando esse esgoto vai correr a céu aberto, empesteando o país?

domingo, 10 de março de 2019

VAMOS À FODA

Já tem programa para o último fim de semana de março? Quem estiver por terras lusas não pode perder a III Feira da Foda, em Pias de Monção. Foda é o nome da delicada iguaria local, um cordeiro assado inteiro. O vídeo acima me deixou com água na boca, até porque em dado momento aparece um cartaz onde se lê "não há foda sem chouriço". Mas o locutor vai desanimando: "o primeiro dia é fantástico, o segundo é ótimo e o terceiro é divertido". Foda todo dia cansa.

CENTRAL DO EGITO


Quem quer ver filme de leproso? Eu quero! Quer dizer, eu quis ver "Yomeddine", o candidato do Egito ao último Oscar, que também foi exibido no festival de Cannes do ano passado. Mas não voi negar que também tenho um pouco de curiosidade mórbida... As vítimas da hanseníase parecem vindas diretamente da Antiguidade remota. São a lembrança da praga mais temida pela humanidade, tanto que o próprio nome original da doença - lepra - hoje é politicamente incorreto. Mas hoje ela está quase extinta, porque é facilmente curável. Resiste em bolsões de pobreza, como na periferia do Egito que aparece em Yomeddine. Quase nenhum ponto turístico aparece na tela: só um país feio povoado de gente quase sempre má. O filme de estreia de A. B. Shawky conta a história de um homem curado, mas coberto de cicatrizes, que deixa a colônia onde mora depois da morte da mulher e parte na companhia de um órfão rumo à sua cidade natal. Tudo acontece no caminho, e alguns momentos são bem difíceis de aguentar. Mas o tom é otimista, e a trama guarda um parentesco distante com o nosso "Central do Brasil". "Yomeddine" mostra que a humanidade não presta em nenhuma cultura, mas que também vale a pena manter a fé nela. Nem que seja na própria humanidade.

sábado, 9 de março de 2019

A RESISTÊNCIA SAI DA SOMBRA

A brincadeira do José de Abreu começou do jeito errado. Ele se autoproclamou presidente para ironizar Juan Guaidó, o legítimo mandatário da Venezuela. Mas aí Mijair e os bolsomijons levaram a sério, e o que era só uma piada está em vias de se tornar um "shadow cabinet". Este conceito é próprio da política britânica: o partido que perde as eleições monta um "ministério", que serve de contraponto às decisões do governo de verdade. Zé de Abreu já apontou Marielle Franco como sua primeira-dama e promete indicar uma maioria de mulheres, índios e negros para as outras pastas. Não sou fã da ideologia do ator, mas esta performance chegou na hora certa. Enquanto isso, os chupadores de laranja subiram #ZehdeAbreuNaCadeia, passando recibo de que estão mesmo apavorados com a boutade. Talvez devam estar mesmo: o Bozo também começou em forma de piada, e até hoje não se deu conta da seriedade do cargo.

sexta-feira, 8 de março de 2019

ALVO ATROZ


"Albatroz" é uma doideira. Um fotógrafo famoso lida com três mulheres ao mesmo tempo: a esposa, a amante e uma namorada de adolescência que reaparece clamando que ele ainda é dela. Ou não. Será tudo um sonho? E as agulhas que ele tem enfiadas na cabeça? Eletrodos? O que cazzo a neurociência tem a ver com isso tudo? No que poderia ser um plot, o cara fotografa um atentado terrorista em um restaurante em Jerusalém. Primeiro recebe prêmios, depois, críticas por não ter ajudado as vítimas. Mas por que ele é sinestésico? Vai saber. Com direção, fotografia e montagem alucinantes, "Albatroz" não tem parentes próximos no cinema nacional. Nada na obra de Bráulio Mantovani, roteirista de "Cidade de Deus", me fazia prever algo assim. Que sorte. Supresa de vez em quando é bom.

A MULHER DO DIA

Quando eu era publicitário full-time, os anúncios em homenagem ao Dia da Mulher eram quase todos naquela base "flores para outra flor". Para a propaganda, a data era antifeminista: dia de celebrar a delicadeza, a sedução, a inferioridade do segundo sexo. Mas as mulheres avançaram, e hoje vemos no mundo inteiro um fortíssimo movimento de contrarreação a esses avanços.  Bozo, Trump, Duterte, Orbán, Erdogan, são todos sintomas da mesma onda que tenta recuperar espaço para os homens. Mas é só isto mesmo: uma onda, vai passar. Nas empresas que eu frequento hoje em dia, tem sempre mulher em postos-chave - quando não na maioria dos cargos, algo cada vez mais comum. Também estão mais frequentes as notícias sobre feminicídio: reparou que no "Jornal Nacional" tem pelo menos uma, todo santo dia? Pode até ser que se esteja matando mais mulher do que antes, mas acho mais crível que se esteja é reportando mais esses crimes. É absurdo que os homens sejam educados para não suportar um reles pé na bunda. As mortas de hoje em dia nem precisaram trair, só dizer que queriam sair da relação. Mas a consciência está mudando e está crescendo. Agora há pouco, quando fui ao cinema na Paulista, havia uma imensa manifestação, com palavras de ordem e cartazes da Marielle. Ainda bem.

quinta-feira, 7 de março de 2019

MANGUEIRA TEU CENÁRIO É UMA BELEZA

Já entrou para a história: este foi o carnaval da resistência. O Brasil mostrou que está longe de ser essa boçalidade unânime que imaginam os bolsomijons. A agenda reacionária do governo não tem esse apoio todo, haja vista os gritos de guerra contra o Bozo, as fantasias de laranja, as homenagens a Marielle no sambódromo carioca, a vitória da Mangueira. Enquanto isto, Mijair continua metendo os pés pelas mãos: a declaração de hoje, de que a democracia só existe se as Forças Armadas assim o quiserem, foi mais uma crise artificial e desnecessária. O resultado é que o mercado já está se dando conta de que o candidato que ele apoiou não é confiável e que são cada vez menores as chances de uma reforma da Previdência razoável ser aprovada. Em um momento em que deveriam estar buscando o máximo de apoio possível, os Solnorabo tentam dividir o Brasil ainda mais. É uma corja desprezível, que nem de conservadora merece ser chamada - falta-lhe a honra para tanto. Mas um país em que um bloco fica em silêncio para uma mãe encontrar seu filho, em que o Seu Peru desfila sob aplausos com quase 100 anos de idade, em que a Mangueira levanta a Sapucaí com um enredo político - sim, esse país ainda tem jeito. Mas precisa despertar desse pesadelo.

AGENDA LOTADA


Faz três anos que os Pet Shop Boys lançaram seu último álbum, o ótimo "Super". Portanto, já estava na hora de Neil Tennant e Chris Lowe se manifestarem. Só que, ao invés de um long-play com 10 ou 12 faixas, os rapazes preferiram um formato muito em voga nesses tempos de streaming: o EP, ou extended play. "Agenda" tem apenas quatro músicas, mas todas têm potencial para hit single. Em especial "The Forgotten Child", que encerra este que é o mais abertamente político trabalho dos Pets - uma dupla que, aliás, nunca fugiu ao debate. Com críticas às redes sociais e à desigualdade do mundo, "Agenda" devolve relevância a esses veteranos, na estrada há mais de 30 anos. Daqui a pouco saem os remixes para as peeshtas.

quarta-feira, 6 de março de 2019

#MIJAIR

O Carluxo, ou seja lá quem cuide das redes sociais da presidência e seu entorno, está precisando da orientação de um adulto responsável. Foram dois tiros de canhão nos próprios pés durante o Carnaval. O primeiro partiu do 03, que deplorou o direito de Lula de comprecer ao enterro do próprio neto. O segundo veio ontem e está mais para uma saraivada, porque os disparos ainda não pararam. O mais recente é esta pergunta aí ao lado, que vem recebendo respostas maravilhosas no Twitter. Gargalhadas à parte, passa da hora de alguém rever a estratégia digital dos Solnorabo. Ela pode servir para mobilizar a base, mas não está conquistando novos fãs. Se a economia não reagir, o governo estará mijando em si mesmo.

(Minha coluna de hoje no F5 se aprofunda no assunto e lamenta a indginidade do presidente - e olha que ela foi escrita antes do tuíte do golden shower)

G.R.E.S. UNIDOS DA NETFLIX


Nesta semana pós-Oscar, tem muito mais filme que me interessa no streaming do que em cartaz nos cinemas (até porque eu já vi tudo). Por isto, me aconteceu uma coisa inusitada neste carnaval: fui uma única vez ao cinema, e me afundei no catálogo da Netflix. Uma das minhas primeiras escolhas foi o curioso "Pelas Ruas de Paris", lançado mundialmente com exclusividade pelo serviço. Trata-se de um filme francês sem muita história: menina conhece menino numa rave, tomam ecstasy juntos e se beijam mooointo, menino se muda para Barcelona e menina quer visitá-lo. Mas o avião que ela tomaria cai, e então ela entra em uma longa reflexão sobre o significado da vida e da morte. Tudo isso sob uma trilha eletrônica excelente e lindas imagens psicodélicas da capital francesa. Faz algum sentido? Não muito. É bonito? Ô se é.

Depois me aventurei pelo badalado "Velvet Buzzsaw". O diretor Dan Gilroy reúne os atores de seu aplaudido "O Abutre", Jake Gylenhaal e Rene Russo (sua mulher na vida real), e ainda junta Toni Colette e John Malkovich no elenco - além da inglesa Zawe Ashton, que está se tornando figurinha fácil em tudo quanto é filme. A história é digna de um terror de quinta categoria: as obras de um pintor que morreu sem alcançar a fama são mal-assombradas, e matam qualquer um que chegar perto delas. As cenas de sanguinolência parecem ridículas de propósito, com braços decepados e muita gritaria. Era para ser uma sátira ao mercado da arte? No final é só uma bobagem luxuosa, que diverte mas não instrui.

O espanhol "Árvore de Sangue" se pretende muito mais denso, e quase consegue. O diretor Julio Medem já assinou trabalhos importantes como "Os Amantes do Círculo Polar" e "Lucía e o Sexo". Dessa vez ele se arrisca em uma rocambolesca saga familiar que tem espaço até para a máfia da antiga república soviética da Geórgia. Mas a fotografia é belíssima e o elenco traz dois atores que se tornaram conhecidos por aqui graças à enxurrada de séries não-anglófonas dos últimos tempos: a espanhola Úrsula Cerberó, a Tokyo de "A Casa de Papel", e o guapo canastrão argentino Joaquín Furriel, de "O Jardim de Bronze". Não é uma obra-prima, mas ainda é melhor do que ser roubado no bloquinho.