segunda-feira, 3 de setembro de 2018

UM PAÍS DE QUINTA

Imagine se, nos dias de hoje, um incêndio conseguiria consumir todo o Palácio de Buckingham. Ou o Museu do Louvre, que era o palácio real francês antes da construção de Versailles. Com. Tudo. Dentro. Não dá, né? Porque esses países levam a sério a história e a cultura, e dedicam verbas consideráveis para a preservação do patrimônio. Que é mais do que incalculável: é irrecuperável. Depois de destruído, não há dinheiro no mundo que o traga de volta.

O Museu Nacional nunca passou por uma fase boa. Frequento o lugar desde pequeno, e sempre foi visível a má conservação do prédio e das peças. As múmias que D. Pedro II trouxe do Egito chegaram a sofrer com uma goteira, que quase dissolveu uma delas. Alas inteiras sempre estiveram fechadas ao público - que, aliás, preferia emporcalhar com piqueniques os jardins da Quinta da Boa Vista do que entrar no Palácio São Cristóvão e conhecer um pouco de si mesmo.

O Palácio não foi feito para ser museu. Erguido por D. João VI em 1818, ainda no tempo da colônia, serviu como residência oficial para a família imperial. D. Pedro II nasceu lá, assim como a Princesa Isabel. O exterior foi reformado em 1862, para se assemelhar ao palácio de Nápoles onde cresceu a imperatriz Teresa Cristina. Boa parte da nossa história no século 19 aconteceu lá dentro.

Depois da Proclamação da República, o palácio foi saqueado. Os jardins viraram mato. Fazia parte da estratégia de consolidação republicana apagar os vestígios da Casa de Bragança. A República Velha acabou em 1930, mas deixou um legado que persiste até hoje: desprezamos quase tudo que nos sobrou da nossa monarquia, uma das duas únicas da América pós-colonial.

A outra foi o México, governado pelo imperador Maximiliano (primo de D. Pedro II) durante apenas três anos, de 1864 a 1867. O castelo onde ele morou está em perfeitas condições, e é uma das atrações do Parque de Chapultepec, na Cidade do México (estive lá algumas vezes). E olha que Maximiliano morreu fuzilado...

Já está rolando briga nas redes sociais, tentando jogar a culpa pela catástrofe na direita ou na esquerda. Isso é miopia e ignorância. O Museu Nacional JAMAIS foi bem cuidado, sob qualquer regime. Teve que fechar as portas durante um tempo em 2015, porque não conseguia pagar os salários dos funcionários - e isto em pleno governo Dilma. Seu ínfimo orçamento anual, de apenas 521 mil reais, não era repassado na íntegra desde 2014 (também sob Dilma). Meio milhão de reais, convém lembrar, era o que tinha na mala que Joesley Batista prometeu mandar para Temer, o Velho, TODA SEMANA, durante VINTE ANOS.

Preferimos construir estádios padrão FIFA em cidades como Manaus ou Cuiabá, que não têm grandes times de futebol. O próprio Rio de Janeiro torrou bilhões na Olimpíada (que acabou fazendo mal para a nossa imagem no exterior) e construiu museus novos, como o belo Museu do Amanhã - que é do quê mesmo, aliás?

Há tempos que o Museu Nacional implorava por socorro. É só dar uma googlada e dar de cara com várias reportagens, algumas bem recentes. Enquanto isso, tem candidato prometendo acabar com o Ministério da Cultura e a Lei "Ruaney", que, segundo sua turma, só servem para Pabllo "Vilar" comprar apartamento em Paris.

Somos um país de quinta categoria. Não merecemos a Quinta da Boa Vista, nem o Palácio São Cristóvão, nem todos os 20 milhões de peças do Museu Nacional.

Salvou-se o Bendegó. O meteorito, que sobreviveu a um incêndio muito maior quando penetrou na atmosfera terrestre, parece rir da estupidez dos brasileiros. Um símbolo pungente do meteoro que nós mesmos chamamos para nos destruir.

41 comentários:

  1. Concordo com tudo...
    ...menos a parte sobre os frequentadores da quinta que soou totalmente elitista. Quem disse que quem frequenta toda semana pra fazer piquenique não visita uma vez ao ano? É um programa totalmente família. Aliás, a cobertura da Globo (a melhor, disparada) não teve como não vincular o museu à memória afetiva das pessoas que visitaram o museu quando crianças. Verdade, o museu precisava de mais adultos também. Mas esse trecho do texto vai fazer chover críticas e desviar o foco do resto que ficou esplendoroso como um afresco neo-rococó.

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    1. A visitação ao Museu era muito menor do que ao resto da Quinta. Isso não é opinião elitista: são fatos. Somos um povo que não vai a museus, não lê livros e que apoia candidatos que vão contra a ciência e a cultura.

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    2. Mas no Brasil toda construção antiga é degradada, serve apenas de passagem, não são ambientes em que se possam viver! Para que, né? Ae compramos nossas passagens para vivermos nas construções antigas da Europa com direito a muitas selfies, como aliás, são tiradas no Museu do Amanhã, que ironia!

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    3. Nota: os que menos vão são os membros ‘das elites’

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    4. Veja só a Dilma, primeiro livro que leu foi ‘germinal’

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    5. A Lala Rudge fez faculdade?

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    6. Apenas duas correções: 1 A fachada foi inspirada do Palácio da Ajuda em Lisboa e não no de Nápoles. . 2. No gráfico da Folha, o orçamento de manutenção do Museu era de 500 mil por ano (pouco), mas Temer o Velho o reduziu ainda mais: em 2018 o museu recebeu apenas 54 mil de manutenção em todo o ano de 2018, DEZ vezes menos do que o Museu costumava receber. É uma tragedia anunciada, um crime de descaso e abandono que o MP deveria punir.

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  2. Em janeiro levamos
    Nosso sobrinho para Petrópolis e depois Rio de Janeiro. Como estivemos na cidade imperial, pensamos em tb visitar a casa da família real no Rio. Fomos desaconselhados por todos, desde amigos a pessoas que trabalhavam no Paço Imperial e no museu Histórico Nacional devido a sua má conservação. Agora nunca mais...

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  3. A foto da estatua de Pedro II com o prédio do museu nacional pegando fogo é uma das imagens mais desoladoras que vi na minha vida. E a gente discutindo se criança vendo performance de arte contemporânea é pedofilia ou qual lado "lacra" mais que o outro. Quanta ignorância, quanto pensamento raso, quanto descaso.

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    1. Né? O museu tinha um acervo enoooooorme ainda nem estudado! O povo da pós da UFRJ teve o seu trabalho reduzido a pó! Tinha gente estudando várias teses sobre a chegada do homem no continente americano. Pqp meu deus

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  4. To chorando mais por esse museu do que por muito parente que já morreu. Não sei se ser carioca e aluno da ufrj aumenta o apego que a gente tinha a ele.

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  5. Eu disse em comentário anterior que não ia sobrar cultura no Brasil. Sou profeta. Profetizo a decadência do nosso país.

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  6. Tony, perfeito! O BRASIL AINDA NÃO SAIU DA REPÚBLICA VELHA, o Getúlio foi suicida-se pela continuação da república de café com leite que temos até hoje.

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  7. Recomendo a todos do blog ler o Jessé de Souza. O Brasil realmente não saiu da república velha, a dívida “pública” e a transferência de riquezas da sociedade inteira (por ano são 500 bilhões do bolso do contribuinte) pro bolso de meia dúzia pra que eles possam comprar seus carros casas em Miami, o super juros, o Itaú, Bradesco, o golpe contra a Dilma. Fazem parte da mesma tragedia, simplesmente somos controlados por uma elite perversa, escravocrata que me dá nojo. E temos que ou fazer algo sobre isso ou emigrar.

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    1. E voce acha que eles não foram - e são - escravocratas lá fora também??

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  8. O Mio Babbino Caro
    Gostaria de acreditar que não é verdade tudo o que dizes.
    A ganância e estupidez de nossa burguesia sufoca e envergonha a todos nós.

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    1. Mio caro bambino, o egoismo das pessoas é algo que espanta. Como o cara pode ter bilhões no bolso e querer mais? e mais? é algo que só freud explica.

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    2. Babbino = paizinho, papai

      Bambino = garoto

      O Mio Babbino Caro = ária da ópera "Gianni Schicchi", de Giacomo Pucini.

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    3. Hmmm alguém teve um date delícia na ópera, quem será que foi?

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    4. Grato Tony!
      Isso porque beira quase dez anos quase que diários de Babbino.

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  9. This is why we can't have nice things.

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  10. Ontem postei comentários sobre uma visita recente ao Museu Nacional, narrando detalhes que observei que denotavam o abandono da instituição. A ausência de placas na entrada e dentro da Quinta já demonstrava o estado de invisibilidade do museu - o visitante percorria o parque sem qualquer orientação de como localizá-lo. Uma invisibilidade tornada real ontem, com o incêndio.

    Ao tentar entrar no museu, você era abordado, tinha que dar seus dados. Nunca vi isso em qualquer instituição dentro da UFRJ, onde estudei por sete anos. Sempre transitei livremente, como deve ser o campus de uma instituição pública de ensino. O museu tinha um status diferente, mas era parte da UFRJ. Deveria ser livre tal como ela.

    Ao entrar no museu, o visitante encontrava um restaurante a quilo, de péssima qualidade, funcionando dentro de um espaço descaracterizado dentro de um prédio histórico. Vejam: não falei que era um absurdo o restaurante ser ruim. Tratei do absurdo de um prédio histórico ter um recinto logo em sua entrada com uma espécie de cantina-restaurante, totalmente destoante da relevância histórica do espaço.

    Todos esses pequenos detalhes simbolizam algo. Simbolizam a decadência, a falta de transparência, a falta de autonomia de uma instituição mais antiga que a própria UFRJ. Também simbolizam o descaso do governo Temer, representado em números alarmantes.

    Logo chegaram comentários deturpando o que eu havia dito. Um disse que eu criticava a segurança e a qualidade da comida - coisas que nunca disse - e outra disse que eu falava mal de uma universidade pública. Não falei mal do ensino público. Apenas pontuei questões que me chocaram e que devem, além da crítica ao governo federal, que desmantela a educação pública no Brasil, também motivar uma crítica para dentro. Ambas essas pessoas não estudaram na UFRJ. Uma é membro da aristocracia do alto escalão do serviço público e recebe mensalmente quase o que o museu recebeu em 2018.

    Lembro que durante os anos no direito da UFRJ éramos críticos em relação a todos os níveis. Sempre fui. E isso englobava, também, aspectos internos da universidade. O que não significa desqualificar o ensino público. Pelo contrário: significa lutar por este, de modo a garanti-lo e aperfeiçoá-lo. A ausência de placas era apenas um detalhe; um detalhe simbólico e que poderia ter sido remediado sem grandes investimentos. Por isso o citei como exemplo. Enfim, fica o desabafo.

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    1. Não entendi o "descaso do governo Temer". O museu sofre de abandono crônico há várias décadas, agravado no período Dilma. Temer foi quem conseguiu um investimento significativo para o museu, que já estava aprovado mas, infelizmente, não foi empregado a tempo de salvá-lo.

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    2. Anônimo, é verdade que o MN sempre sofreu um boicote total. Mas houve, sim, uma redução expressiva de repasses em 2018.

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    3. Anônimo, você está ligado que Temer, o culto, é presidente desde agosto de 2016, ne? Você realmente está dando crédito a ele? O nível mais baixo durante o governo Dilma foi 400 mil/ano. Neste ano o museu sobreviveu com 50 mil reais. Parabéns para você e seu presidente.

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    4. 16:06 É vergonhosa a forma como ainda essas pessoas se põem de prontidão para defender um governo absolutamente podre como este. O mínimo que teriam a fazer era um Mea culpa.
      G-

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  11. A gente pediu tanto pro meteoro vir que não percebemos que ele já tinha chegado e foi o único sobrevivente do incêndio do museu.

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  12. Pois é... e dinheiro para um fundo partidário indecente o país tem, que nação de merda!

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  13. Será que não vamos aos museus porque eles estão deteriorados ou eles estão deteriorados porque ninguém os vai visitar?

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  14. É a mesma coisa que aconteceu com aquela boate em Santa Maria (RS). Ou com o prédio que queimou e desabou no centro de SP. O descaso é o mesmo, seja com pessoas ou com o patrimônio cultural. Muitos outros virão.

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  15. Quem sabe eles constroem mais um templo como fazem com vários prédios antigos

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  16. Também visitava o museu desde a infância e estive lá em fevereiro último. Ratifico o que dezenas já disseram: o estado de conservação era péssimo e contrastava com a importância do prédio e do acervo.

    Uma coisa que eu notei e cheguei a comentar numa conversa há algumas semanas foi o desgaste da vedação das vitrines: era perfeitamente plausível que alguém mal intencionado roubasse ou manuseasse algumas peças. Além disso, as plaquinhas explicativas pareciam feitas numa impressora caseira. Só faltava a fonte Comic Sans. Triste.

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  17. Me pergunto, se a UFRJ sabedora das condições precárias e de risco ao acervo do museu, por que não interditou o prédio e transferiu e guardou o acervo em local seguro até a completa adequação do mesmo? Por que o Corpo de Bombeiros deixou o Museu funcionar nestas condições?! Esse Museu não deveria estar sujeito a UFRJ e seus humores, e sim deveria ser uma administração autônoma, e receber verba tanto da União, quanto do Estado e Município do Rio.

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  18. A UFRJ e o lobby sindical fizeram suas escolhas para a destinação dos mais de três bilhões de reais em verba, que aumentou significativamente desde 2014, apesar da crise. O resultado está aí.

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  19. Com o perdão da dívida do ITAÚ dava pra manter o museu por 49 mil anos

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  20. Estou confuso: o palácio foi construído pela família real ou adquirido de um certo ricaço por D. João VI??? Esclareça-me please....

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    1. Começou como um casarão onde morava um rico comerciante de escravos. Esse cara doou o lugar a D. João VI, que o ampliou e transformou-o num palacete. D. Pedro II ampliou ainda mais, construindo a ala de trás a alterando a fachada. Virou um palácio.

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    2. Que pena que comerciantes de escravos ainda existem né

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  21. O cuplado de tudo isto não é governo A B C D ou E, são todos independente de partido,e nós também somos responsáveis, décadas e mais décadas de descaso, e isto é nacional, uma vergonha, uma catástrofe anunciada, agora é tarde, tudo agora são cinzas eternas!

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  22. Amaldiçoado 15-11-1889!Foi o pior golpe dos golpes, quem discorda, vai a merda!

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