Em seu quarto longa-metragem, Monique Gardenberg finalmente acertou a mão. "Paraíso Perdido" é uma delícia de se ver, com um roteiro tão folhetinesco quanto as letras das canções de sua trilha sonora. Tem crime, tem várias modalidades de sexo e tem muita música, dentro e fora do cabaré que dá nome ao filme. Três gerações de astros da MPB se cruzam sem colidir: Erasmo Carlos, Seu Jorge e Jaloo. Os dois primeiros não são muito aproveitados pela trama, mas o terceiro é uma revelação como ator. A estrutura lembra a de uma novela, com onze personagens ligados entre si. No final, depois de muitas revelacões, quase que eu desenhei uma árvore genealógica para entender os parentescos. Sobraram umas pontas soltas, mas a maior lacuna é a falta de uma playlist com as canções.
quinta-feira, 31 de maio de 2018
NADA A TEMER
Michel Temer, o Velho, achou que ficaria no Planalto por mais de seis anos. Depois de derrubar Dilma em 2016, ele e sua gangue dariam um jeito na economia. Uma virada de jogo parecida com a do Plano Real, que elegeu FHC em 1994. Equipe técnica para isto ele tinha; o que faltou foi equipe política. Um círculo íntimo formado por Eliseu Padilha, Romero Jucá e Moreira Franco não tinha como dar certo no Brasil de hoje, que tem Lava Jato e redes sociais. Esse pessoal parou em algum momento dos anos 80, antes da chegada da TV a cabo - internet, eles não fazem a puta ideia do que seja. Cada tentativa canhestra de melhorar a imagem do governo deu com os burros n'água: das risíveis campanhas criadas por Elsinho Mouco à tentativa de transformar Marcela Temer, que tem carisma zero, em garota-propaganda. E mesmo que essas iniciativas fossem boas, seriam massacradas pela realidade. As gravações de Joesley Batista, as investigações sobre o porto de Santos e a greve dos caminhoneiros terminaram por enterrar a presidência do Velho sete meses antes do fim. Temer se mostrou inapto, corrupto, incompetente, despreparado. Nem quem apoia suas reformas gosta dele. Seus planos deram todos errado, sua reputação se arruinou, sua perspectiva a médio prazo é a cadeia. Agora teremos que conviver com esse fantasma desmoralizado até o final do ano. Um cachorro morto, um pato manco, um zumbi. Nem precisamos mais gritar "Fora Temer": ele já saiu, foi só sua casca que ficou.
quarta-feira, 30 de maio de 2018
NIGHT IN TUNISIA
Nos comentários do post sobre o aniversário do meu blog, alguém me parabenizou por comentar filmes que ninguém vê. É, não veem, MAS DEVIAM VER. É o caso de "A Amante", um raro título da Tunísia a estrear nos nossos cinemas. A história não podia ser mais simples: um homem prestes a se casar e trabalhando em um emprego do qual não gosta resolve jogar tudo para o alto ao se hospedar em um hotel e conhecer uma bailarina/animadora do lugar. É uma metáfora da situação dos tunisinos, que querem deixar para trás o passado autoritário e se tornarem um país moderno e democrático? Ou simplesmente uma situação pela qual quase todo mundo passa alguma dia? Tudo isso, e também uma atuação formidável de Majd Mastoura, o melhor ator no Festival de Berlim de 2016. Meio apático ao longo de quase uma hora e meia, ele explode em emoção no final. Com "A Amante" dá para se ir longe nesse feriadão de mobilidade limitada.
BRASIL PANDEIRO
"Brasileiro", o álbum em que o Silva redescobre o orgulho por suas raízes, chegou no pior momento possível. Letras como "Brasil, Brasil, ouvi dizer que é um lugar bom de se morar" caem tremendamente mal na semana em que os caminhoneiros paralisam o país AND pedem intervenção militar. Também não me desceu ele dizer que antes fazia um som genérico, internacional, e que agora sim, está feliz de usar pandeiro e cavaquinho. Pois eu me encantei pelo Silva em 2013 exatamente porque seu som não tinha medo dos teclados eletrônicos, nem de não soar explicitamente tupiniquim. Dito isso, "Brasileiro" é o melhor trabalho dele em anos, só perdendo em impacto para a estreia, "Claridão". Mas claro que agora Silva está muito mais maduro, tranquilo com sua bissexualidade e até fazendo dueto com Anitta. Misturando samba, bossa nova e, aham, treclados eletrônicos, "Brasileiro" já disputa com o "Deus É Mulher" de Elza Soares o troféu de melhor disco nacional de 2018.
terça-feira, 29 de maio de 2018
MÃE SÓ TEM DUAS
A "maternidade real", que vem ganhando visibilidade na internet graças a sites e blogs escritos por mães estressadas, finalmente ganha um filme digno da gravidade do assunto. Só que "Tully" é uma comédia, e das mais inteligentes. O roteiro de Diablo Cody (que ganhou um Oscar por "Juno") escapa das piadas fáceis e espalha um monte de pistas falsas, ao mesmo tempo em que cria personagens de carne e osso enfrentando problemas com que muita gente vai se identificar. Charlize Theron, aos 40 anos e com muitos quilos ganhos para o papel, nunca esteve tão bem. Ela faz uma mãe de três filhos pequenos que, sem tempo para mais nada, "ganha" do irmão rico uma babá noturna, que cuida de seu bebê recém-nascido para que ela consiga dormir bem. Aos poucos a moça (a Tully do título) vai se revelando uma ótima mãe, dona-de-casa, amiga e confidente - alguma coisa deve estar errada, não? Mas não é o que a gente imagina. Sem pudor de denunciar a dor de ser mãe, "Tully" está mais para delícia.
ADIRO AO CIRO?
As pré-candidaturas à Presidência da República estão decantando. Não teremos nenhum outsider no páreo, muito menos um Macron brasileiro. Na falta desses, temos que escolher entre os que já estão aí. Tive até vontade de anular meu voto, mas estou cada vez mais propenso a apoiar Ciro Gomes. Assisti ao "Roda Viva" de ontem e gostei de muita coisa do que ele falou, desde abaixar os juros escorchantes do Brasil até acabar com a praga do PMDB. Mas não estou entusiasmadíssimo: me incomodou o fato de Ciro justificar o fracasso da ditadura de Nicolás Maduro com um suposto bloqueio dos Estados Unidos (que nunca deixaram de comprar o petróleo da Venezuela, a única coisa que ela tem para vender). Mesmo assim, Cirão da Massa me parece o mais bem-preparado e bem-intencionado de todos. Vou prestar bastante atenção nele durante a campanha.
segunda-feira, 28 de maio de 2018
A GREVE QUE ASSIM É SE LHE PARECE
Em 2013, um grupúsculo de extrema esquerda, o Movimento Passe Livre, incitou as primeiras manifestações contra o acréscimo de 20 centavos nas passagens dos ônibus de São Paulo. Logo as passeatas se alastraram por todo o país, até em cidades onde não haveria aumento, e ampliaram o foco: eram contra a ineficiência dos serviços públicos, contra a truculência da polícia, contra todos os governos. Também foram cooptadas pela direita. Gente que não participava de protestos desde a Marcha da Família com Deus pela Liberdade foi para a rua, e o PT se desnorteou. Como assim, ainda existe direita? Como assim, tem quem ache que Dilma e Lula não são perfeitos? 2013 marcou a volta do conservadorismo explícito ao nosso debate político, para o bem e para o mal. Foi a única consequência concreta das Jornadas de Junho, que terminaram com os ataques dos "black blocs" que apavoraram a população. No ano seguinte, todos os políticos que eram alvo de protestos foram reeleitos.
Algo parecido está acontecendo agora com a greve dos caminhoneiros. A paralisação da categoria tem uma razão objetiva, os aumentos quase diários dos preços dos combustíveis. Com isto, fica impossível calcular o valor do frete, e os prejuízos são frequentes. Mas há algo por trás, nem tão visível quanto um cartaz num posto de gasolina: há caminhões demais. Graças aos incentivos do BNDES durante o governo Dilma, nossa frota de caminhões aumentou em 83%, muito além do necessário. O resultado é que o preço do frete caiu, porque há oferta excessiva. Mas tergiverso: o que quero dizer neste post é que este movimento também já perdeu sua razão original. Foi rapidamente encampado pelas empresas de transporte, transformando-se no famigerado locaute - a greve patronal, que só atende às necessidades dos proprietários e fode ainda mais com os trabalhadores (sem falar no restante da população). E foi lido de maneiras diferentes por todo o espectro político, que em comum só tem uma coisa: a ojeriza ao governo Temer. A direita clama por menos impostos (o que é justo) e por intervenção militar (o que é um total descalabro). Até parece que durante a ditadura a gasolina era barata... Já a esquerda, ainda traumatizada com os panelaços de 2015, choraminga que quem protestou naquela época agora está calado (o que é puro fanfic) e que no governo Dilma tudo ia muito bem (o que é caso de internação).
O que acontece agora? Na melhor das hipóteses, um movimento consciente contra a tributação excessiva. Também seria bem-vinda uma discussão adulta sobre a Petrobras: a empresa precisa ter concorrentes no refino e na distribuição, e não pode aumentar seus preços sem pensar nas consequências para a sociedade. Mas o Brasil está numa fase em que o pior prevalece. A greve dos caminhoneiros pode ter sido um presente para o Bolsonazi, que quer que o circo pegue fogo para ele surgir de bombeiro (o que é um delírio, haja vista a folha corrida do candidato). Enquanto isto, o apoio aos caminhoneiros já diminui, com a falta de combustível nas bombas e até de alimentos nos mercados. E aí, pode apostar: a interpretação desse movimento vai mudar novamente. Isto é Brasil.
Algo parecido está acontecendo agora com a greve dos caminhoneiros. A paralisação da categoria tem uma razão objetiva, os aumentos quase diários dos preços dos combustíveis. Com isto, fica impossível calcular o valor do frete, e os prejuízos são frequentes. Mas há algo por trás, nem tão visível quanto um cartaz num posto de gasolina: há caminhões demais. Graças aos incentivos do BNDES durante o governo Dilma, nossa frota de caminhões aumentou em 83%, muito além do necessário. O resultado é que o preço do frete caiu, porque há oferta excessiva. Mas tergiverso: o que quero dizer neste post é que este movimento também já perdeu sua razão original. Foi rapidamente encampado pelas empresas de transporte, transformando-se no famigerado locaute - a greve patronal, que só atende às necessidades dos proprietários e fode ainda mais com os trabalhadores (sem falar no restante da população). E foi lido de maneiras diferentes por todo o espectro político, que em comum só tem uma coisa: a ojeriza ao governo Temer. A direita clama por menos impostos (o que é justo) e por intervenção militar (o que é um total descalabro). Até parece que durante a ditadura a gasolina era barata... Já a esquerda, ainda traumatizada com os panelaços de 2015, choraminga que quem protestou naquela época agora está calado (o que é puro fanfic) e que no governo Dilma tudo ia muito bem (o que é caso de internação).
O que acontece agora? Na melhor das hipóteses, um movimento consciente contra a tributação excessiva. Também seria bem-vinda uma discussão adulta sobre a Petrobras: a empresa precisa ter concorrentes no refino e na distribuição, e não pode aumentar seus preços sem pensar nas consequências para a sociedade. Mas o Brasil está numa fase em que o pior prevalece. A greve dos caminhoneiros pode ter sido um presente para o Bolsonazi, que quer que o circo pegue fogo para ele surgir de bombeiro (o que é um delírio, haja vista a folha corrida do candidato). Enquanto isto, o apoio aos caminhoneiros já diminui, com a falta de combustível nas bombas e até de alimentos nos mercados. E aí, pode apostar: a interpretação desse movimento vai mudar novamente. Isto é Brasil.
domingo, 27 de maio de 2018
ERREI DE VELA
Não vi "O Rei da Vela" na montagem original do teatro Oficina, em 1967, mas tenho uma ótima desculpa: eu era pequeno demais. Também não vi quando o Oficina remontou o espetáculo no ano passado, e dessa vez minha desculpa é péssima: quando eu dei por mim, os ingressos já estavam esgotados. Ontem finalmente me redimi, mas com a versão dos Parlapatões. E saí encantado, tanto com o texto de 1933 que parece ter sdo escrito pensando na greve dos caminhoneiros, como com o Hugo Possolo, um dos maiores atores brasileiros de todos os tempos. E ainda tem uma visita-surpresa de "Zé Celso", que diz a frase que dá título a este post. Mas ninguém errou nada, não. Afiado, divertido e pertinente, esse "Rei da Vela" é um acerto.
sábado, 26 de maio de 2018
TOGETHER FOR YES
Esta semana eu disse nas minhas redes sociais que o país que eu quero tem aborto, maconha e casamento homossexual legalizados. Concluí que esse país era o Uruguai, mas por que não a Irlanda? Lá ainda não se compram baseados nas farmácias, mas o referendo de ontem trouxe a Ilha de Esmeralda mais para dentro do século 21. Dois terços da população votaram para que a legislação vigente, que proíbe o aborto em qualquer hipótese, possa ser revisada pelo parlamento. A campanha pelo "yes" teve a participação de estrelas como Saoirse Ronan e Cillian Murphy, e o apoio do primeiro-ministro Leo Varadkar (que é de origem indiana e gay - mais uma razão para amar os irlandeses). Enquanto isto, no Brasil, a bancada religiosa quer que até mulheres que abortam nos casos previstos por lei prestem depoimento nas delegacias. Quanto custa uma passagem para Dublin?
sexta-feira, 25 de maio de 2018
ÁLBUM SOLO
Menos de seis meses depois de "Os Últimos Jedi", eis que surge mais um filme da franquia "Star Wars". A Disney não brinca em serviço: vai acelerar os lançamentos até que ninguém aguente mais, o que eu desconfio que já está acontecendo. Pelo menos "Han Solo" é divertido. A história é ágil, Alden Ehrenreich é o homem mais bonito do mundo nesse momento e não há uma única luta de sabre de luz. Mas é um filme imperdível? Só se você for um completista como eu, que entrou nesse universo aos 17 anos de idade. Passa da hora de dar uma bela chacoalhada em "Star Wars", mas isto só corre o risco de acontecer depois do Episódio IX, que sai em 2019. Até lá, que a paciência esteja conosco.
ONCEAÑERA
Foi ontem e nem me toquei, talvez porque eu tenha coisas mais graves com que me preocupar do que o 11o. aniversário do meu blog. De qualquer forma, fica aqui o registro: sem dúvida que é uma façanha manter essa porra no ar por uma década e um ano, ainda mais ao ritmo habitual de dois posts por dia. Dessa vez não espero o tradicional tsunami de cumprimentos, porque sei que boa parte do leitorado atual só vem aqui para catar "typos" e me xingar de esquerdista ou reaça. Acho até que pode ser útil. Daqui a mil anos, quando desentarrarem este blog dos escombros da civilização, os comentários servirão de cápsula desse tempo bizarro em que estamos vivendo.
quinta-feira, 24 de maio de 2018
POUCA AREIA, MUITO CAMINHÃOZINHO
Antes de sair dizendo que no tempo da Dilma é que era bom, é bom levar em consideração alguns detalhes. Longe de mim defender Temer, o Velho, mas a Petrobras precisa reajustar os combustíveis quase que diariamente por causa do rombo aberto nos anos do PT do poder. Além disso, o Brasil paga hoje o preço de ter se tornado dependente exclusivamente do transporte rodoviário. E aí a culpa é do Lula, do FHC, dos militares e de todos os governos que desmatelaram a rede ferroviária e não investiram em outra coisa que não estradas. Ser caminhoneiro requer pouco mais do que uma carteira de motorista: o resultado é que hoje temos caminhoneiros demais, que ganham pouco nas mãos das transportadoras por causa do excesso de mão-de obra. E assim formou-se uma tempestade perfeita, onde todos têm razão e ninguém sabe o que fazer. Enquanto isto, já começa a faltar comida, a gasolina sobe a dez reais e o WhatsApp ferve com fake news do apocalipse zumbi. Neste país, tudo o que está ruim pode piorar muito.
MANUAL DE SOBREVIVÊNCIA NA SELVA
Ontem foi lançado em São Paulo o Manual de Comunicação LGTBI+, que se propõe a ser um guia para ajudar jornalistas e comunicadores bem-intencionados a empregarem o palavreado mais correto quando se referirem a bichas e afins. Acho uma iniciativa para lá de louvável, dado que ainda tem gente que fala "opção sexual" em pleno século 21. Como eu sou espírito de porco, também catei uns defeitinhos no manual. O tom, por exemplo, é o de um livro de catecismo. Parece que estão admoestando os infiéis a lidar direito com as escrituras sagradas, caso contrário, arderão no fogo dos infernos. Nunca é demais lembrar que o vocabulário LGBTetc. está em constante mutação. A começar pela própria sigla, que está sempre ganhando uma inicial a mais. Até outro dia transexual era uma coisa, transgênero era outra, depois as duas se confundiram, se separaram e agora estão tentando reatar. Sem falar na minha eterna pinimba com "a" travesti, que dói nos meus ouvidos cultos até hoje. De qualquer maneira, o Manual é útil e necessário, e merece ser divulgado. Baixe o seu daqui: é grátis.
quarta-feira, 23 de maio de 2018
AZEDOU PRO AZEREDO
Hurra! Um tucano foi preso! Um tucano de plumagem rala e cores esmaecidas, mas ainda assim um tucano. E justo aquele no epicentro do mensalão mineiro, que ameaçava ficar sem punição, enquanto vários nomes do mensalão petista apodrecem na cadeia. A prisão de Eduardo Azeredo foi digna do lema na bandeira de Minas Gerais: tardou, mas não falhou. Com ela, a Justiça se livra um pouco da pecha de não prender filiado ao PSDB. E deixa uma batata quente no colo de Geraldo Alckmin, que pelo menos passou o dia dizendo que não vai atacar as instituições nem sair por aí gritando "Azeredo, guerreiro / do povo brasileiro". Mas acho que não vai adiantar. O PSDB perdeu o trem-bala da história ao não expulsar Aécio do partido quando este se viu enrolado com Joesley. Já votei muito nos tucanos. Agora, só voto de novo se o segundo turno for entre o Alckmin e o Bolsonazi.
terça-feira, 22 de maio de 2018
GAJO POR LEBRE
Embora não seja das mais originais, até que a premissa do filme "Alguém Como Eu" é simpática. É mais uma variação no tema da troca de corpos, inventada por Méliès no jardim de infância. Uma brasileira (Paolla de Oliveira) em Lisboa sente-se entediada com o namorado português (Ricardo Pereira) e pede a Deus por alguém mais parecido com ela. Como Deus existe no cinema, a brasileira passa a ver o namorado como mulher. Esta situação poderia render sacadas do tipo ela gostar mais de transar com alguém do mesmo sexo ou, depois de um tempo, se irritar com as frescuras de mulherzinha da nova companheira. Mas essa troca de corpos não dura nem meia hora, e aí "Alguém Como Eu" vira apenas a história de um casal em crise. Nem de comédia pode ser chamado, porque quase não há piadas. Trata-se, portanto, de propaganda enganosa: o trailer acima vende uma coisa, o filme entrega outra. É um caso para a Deco, o Conar de Portugal.
O EX-PAÍS DO FUTEBOL
A seleção brasileira chegou à Copa de 1966, na Inglaterra, como franca favorita (o Brasil havia ganho as duas Copas anteriores), mas foi eliminada logo na primeira fase. Um vexame histórico. Quatro anos depois, às vésperas da primeira Copa do México, o país se energizou de forma nunca vista. Foi o tempo dos "90 milhões em ação", até hoje o hino mais empolgante do nosso futebol. O fenômeno se repetiu nas Copas seguintes: não importava muito o resultado anterior, nós sempre nos tingíamos de verde-e-amarelo. A publicidade, então ia à forra. Criava personagens (quem lembra do Pacheco?), lançava campanhas milionárias, faturava para o ano inteiro e o próximo. Eu participei, eu estava lá.
Mas estou com a nítida sensação de que essa euforia acabou. Ligo a TV e quase não vejo comerciais falando da Copa. Não tem bandeirinhas nas ruas, muito menos os grafites coloridos que cobriram o Rio em 1982. Falta menos de um mês para jogarmos contra a Suíça e parece que ninguém está nem aí. Tem até pesquisa que mostra que apenas 20% dos brasileiros se importam com o futebol. Por um lado, acho isso ótimo. Nossa vitórias em campo sempre foram usadas politicamente pelos políticos de plantão, como o governo militar ou o asqueroso Paulo Maluf. E o frenesi futebolísitco tinha mesmo cara de ópio do povo, para nos distrair dos problemas de verdade. Mas alguma coisa aconteceu, talvez por causa do 7 a 1. Aquela derrota para a Alemanha foi vendida pela mídia como se fosse um 11 de setembro, uma tragédia irreparável em nossa psiquê. Mas a verdade é que, para a maioria dos brasileiros, aquilo foi apenas uma partida de futebol. É chato perder, mas ganhar não paga as contas. O desemprego e a violência são bem mais chatos. Isto é sinal de amadurecimento, claro. Mas também há um lado ruim: estamos desalentados, brochados, sem ânimo para nada. A crise que já dura anos e a falta de perspectivas nos deprimiu. Nem a seleção do Tite, a mais eficiente em décadas, consegue nos tirar da pasmaceira. Claro que uma vitória arrasadora logo de cara vai nos dar um up, e não duvido nada que o Brasil se sagre hexacampeão na Rússia. Mesmo assim, sinto que não podemos mais ser definidos como o país do futebol. Mudamos, e ainda não sei se para melhor.
segunda-feira, 21 de maio de 2018
RCHLO VTNC
Fernandinha e Fernandona tiveram a integridade que o gay Hugo Gloss não teve: se recusaram a fazer propaganda para a Riachuelo, por causa do Flavio Rocha. As duas foram convidadas para a campanha do Dia das Mães, mas preferiram não faturar com um boçal que persegue os gays abertamente (sim, ser contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo é perseguição). Já o "influenciador" Gloss (na boa, quem se deixa influenciar por esse cara?) continua firme na incoerência, tão brasileira. Ah, e antes que me acusem de incoerência por ter promovido o hashtag da Jovem Pan aqui no blog: mea culpa, mea maxima culpa. Conheço o povo do "Morning Show", já fui ao programa e sei que de homofóbicos eles não têm nada. Mas a campanha estava mesmo mal formulada, e com a maior cara de ter sido criada por héteros. O fato é que muita gente lá dentro da JP também estava incomodada, e quem viu/ouviu o "Morning Show" do dia 17, com Fefito e Mel Candy falando sobre a violência contra os LGBT, sabe que temos aliados naquela rádio. Mas eu prometo que vou tomar mais cuidado antes de aderir a qualquer coisa que me propuserem.
VENEZUELA PODRIDA
Nicolás Maduro (que alguns locutores dos nossos telejornais insistem em chamar de "Nícolas") se reelegeu na Venezuela, para surpresa de ninguém. Na prática, apenas um em cada três eleitores votou no ditador - e isto se os dados oficiais forem confiáveis, o que provavelmente não são. Mesmo assim, seria preciso um milagre para que as urnas confirmassem as pesquisas, que apontavam Henri Falcón na frente. O chavismo fez de tudo para não perder: da ridícula cédula eleitoral acima, onde Maduro aparece dez vezes, ao fechamento da fronteira para impedir que os refugiados voltassem para votar na oposição. A Venezuela caminha célere para se tornar uma nova Cuba, onde o governo autoritário não cai porque deu poder e benesses aos militares. Só que a situação venezuelana já está além do desespero, e tende a piorar. Nossos partidos de esquerda têm que parar ontem de apoiar esta farsa, porque não se trata mais de uma questão ideológica. O regime de Maduro é corrupto e incompetente, mais nada. Quem elogiá-lo perderá votos em outubro. Agora, vamos ver como o povo venezuelano irá reagir. No fundo, o responsável por essa desgraça é ele mesmo. Se não consegue derrubar a ditadura, que a aguente.
domingo, 20 de maio de 2018
ZONA CINZA
Somos quem achamos quem somos ou só um amontoado de células expostas a tempestades químicas? "Você Desapareceu", que representou a Dinamarca no último Oscar, se pergunta até que ponto temos livre arbítrio. O filme não conseguiu a indicação nem chegou aos cinemas brasileiros, mas pode ser alugado no sob demanda. Só que eu já vou avisando: não é um programa levinho, muito menos enternecedor. A protagonista é a mulher de um professor que está sendo acusado de desviar milhões da escola que dirige. Ele tem uma ótima desculpa - um tumo no cérebro, que de fato vem alternado seu comportamento. O sujeito perde a noção do perigo, dirige feito um doido, grita sem pensar e sente um tesão incontrolável o tempo todo. Mas será que esse tumor também o fez roubar? Em alguns momentos, a mulher se pergunta se vale a pena continuar casada, na dúvida se ele tem recuperação ou se é mesmo honesto. Embora o dilema moral se dilua na duração excessiva, é um filme que cai bem em uma tarde cinzenta.
sábado, 19 de maio de 2018
A CANTORA MAIS IMPORTANTE DO BRASIL
Chega pra lá, Gal. Fica na moita, Marisa. Vai cuidar das gêmeas, Ivete. Vocês todas são ótimas, mas neste momento - neste exato momento - ninguém está faznedo um trabalho mais importante que Elza Soares. Aos 87 anos, Elza acaba de lançar o sucessor de "A Mulher do Fim do Mundo", seu aclamado álbum de 2015. "Deus é Mulher" segue a mesma fórmula: músicas inéditas compostas por jovens (algumas, especialmente para ela), com arranjos eletrônicos e letras que falam do Brasil de agora. Não são musiquinhas bonitinhas para relaxar depois de um dia de trabalho, nem hits para se jogar nas pistas. Algumas são até difíceis de ouvir: a voz rascante de Elza, as palavras incômodas, o acompanhamento pesado. São para prestar atenção, e se deslumbrar. Elza está lúcida e indignada. Seu repertório, que sempre teve um pé no social, agora reclama de machismo, homofobia, racismo, intolerância religiosa e repressão. Uma resposta afiada ao caos que vivemos hoje, sem cair na banalidade do "Fora Temer" ou "Lula Livre". "Deus É Mulher" não vai tocar no rádio nem no Faustão, mas talvez já seja o melhor disco brasileiro do ano. Que privilégio termos alguém como Elza Soares.
sexta-feira, 18 de maio de 2018
COLHENDO MADURO?
Não sei quase nada sobre Henri Falcón, só que ele é ex-chavista (o que não é exatamente uma boa credencial). Mas claro que estou na torcida por ele, o mais forte candidato oposicionista na eleição presidencial que acontece na Venezuela neste domingo. As pesquisas mais recentes apontam a vitória de Falcón e uma derrota fragorosa de Nicolás Maduro, talvez o ditador mais incompetente de todos os tempos. Com a economia em frangalhos, a violência fora de controle e a população para lá de desesperada, isto é o que aconteceria em qualquer democracia normal. Só que a Venezuela não é mais uma democracia, e essas previsões devem ter acendido todos os alarmes na cúpula do governo. Já têm denúncia de que Maduro estaria pagando para colombianos atravessarem a fronteira para votar nele, e não será surpresa se houver bloqueios e initimidações de todo tipo. Maduro não vai cair graciosamente, mas tomara que seja colhido pelo Falcón.
A PARTE DO LEÃO
Passei um ano envolvido com uma produção de "O Leão no Inverno" que não vingou. Fiz uma tradução do maravilhoso texto de James Goldman, que já é um clássico do teatro contemporâneo. A peça se passa no Natal de 1183, na corte do rei inglês Henrique II. Especialmente para as festas, ele liberta sua mulher Eleonora - que está presa em um castelo por ter tramado contra o marido - e o que se segue é uma mistura fabulosa de conspiração política com episódio de sitcom. Sim, "O Leão no Inverno" é uma comédia, com tiradas impagáveis, apesar do amargor e das espadas em cena. Existem duas versões filmadas: o longa de 1968, que deu o Oscar a Katherine Hepburn, e o telefilme de 2003, que deu o Globo de Ouro a Glenn Close. Mas todos os papéis são bons, o que só aumenta o mistério dessa obra-prima, por mais de 50 anos, não ter sido montada no Brasil.
Já estávamos autorizados a captar recursos para o projeto quando soubemos que não só os direitos da peça haviam sido comprados por outros, como que também já havia uma montagem em andamento. Ontem fui assistir à pré-estreia dessa montagem em São Paulo, com uma certa apreensão: será que vou detestar? E se a montagem for sensacional, será que vou detestar ainda mais? Ah, o ciúme.
Prestei especial atenção à tradução de Marcos Daud. Ele manteve os nomes dos personagens no inglês original - inclusive com a pronúncia inglesa dos franceses Alaïs (que soa como "Élis") e Phillipe. Eu preferi verter todos os nomes para o português, porque dois dos filhos de Henrique II são conhecidos por aqui como Ricardo Coração de Leão e João Sem Terra. Mas o que me incomodou mesmo foi um erro crasso: lá pelas tantas, o rei diz que "não no meu relógio". O texto original é "not on my watch", que não tem nada a ver com relógios de pulso (aliás, inexistentes no século 12). Uma tradução ao pé da letra seria "não no meu turno". Em português mais corrente, "não enquanto eu estiver vivo" ou "não se eu puder evitar". Mas enfim, qual é o tradutor que nunca cometeu um deslize?
Mais grave é a concepção do diretor Ulysses Cruz. Alegando falta de verba, ele começa a encenação como se fosse um ensaio, com os atores já no palco antes do início do espetáculo (o que, para mim, quebra boa parte da magia do teatro) e, uma vez começado, com o texto na mão, como se não tivessem decorado. Cenários e figurinos feiosos também não ajudam a criar clima (mas a luz do Caetrano Vilela está linda, como de costume). Ulysses Cruz adere ao vício recorrente dos modernos diretores brasileiros: querem ser maiores que o texto, acrescentando percussão ao vivo, coreografias, efeitos, etc., que não servem ao autor (e, portanto, também não servem ao espectador). Já vi duas montagens brasileiras de "Quem Tem Medo de Virginia Woolf?", por exemplo, que jogavam no lixo o texto do Albee. Aí vi uma encenação ortodoxa na Broadway e pirei...
Mesmo durando quase duas horas, sem intervalo, o texto sofreu alguns cortes importantes. Aí a culpa é do público nacional, que não tem saco para um espetáculo mais longo. Mesmo assim, os diálogos geniais de Goldman prevalecem. Ainda mais porque os dois atores principais, Regina Duarte e Leopoldo Pacheco, estão à altura do dramaturgo. Ela, então, está esplêndida, com tempos exatos de comédia e uma profunda compreensão do que está dizendo. Eu, que já impliquei com Regina outras vezes, agora virei seu súdito.
Dito tudo isso, este primeiro "O Leão no Inverno" brasleiro vale demais a pena. Quase todo o texto precioso de James Goldman está lá, na boca de dois gigantes das nossas artes cênicas. É a parte do leão, e não é pouca coisa, não.
quinta-feira, 17 de maio de 2018
ES CONTAGIOSO
E já que estamos no Dia Internacional de Combate à Homofobia, o que você opina deste comercial argentino do canal TyC Sports? Eu achei ótimo tirarem sarro da escandalosa homofobia oficial do governo russo, mas tanta gente problematizou que o filme saiu do ar. Tem uma ONG que diz que ele "banaliza a gravíssima situação da população LGBT na Rússia". Para mim, é exatamente o contrário: o comerical lembra que a bicharada paga um dobrado no país-sede ca Copa, e ainda ridiculariza o Putin e seus asseclas. Isso sim é que é contagioso.
VAI TER LUTA, VAI TER BEIJO
É a velha história: o Dia Internacional de Combate à Homofobia tem que acabar. Só quando não precisarmos mais de datas como esta é que poderemos dizer que L, G, B, T e todas as siglas ainda por surgir são cidadãos plenos, reconhecidos como tal por toda a sociedade. Enquanto isto, a luta continua. Nos mais variados fronts: até no "Morning Show" de hoje (no ar no momento em que escrevo este post!), com um segmento voltado ao tema.
O programa da rádio Jovem Pan está promovendo um tuitaço com a tag #MinhaÚltimaMúsica, convidando a galera a contar qual seria a música que ela pediria se fosse vítima de um ataque homofóbico (a minha seria "Que Delícia Ser Viado", para agredir meus agressores e mostrar que nem me matando eles conseguem destruir o prazer de ser quem eu sou). E chamou o jornalista Fernando "Fefito" de Oliveira e a cantora Candy Mel, do programa "Estação Plural" da TV Brasil, para debater o assunto. Nunca é demais lembrar que o Brasil é o país onde mais se matam gays e trans - mais de um por dia, que tal?
Mas também acho fundamental lembrar que a homofobia não se manifesta apenas por violência física. Não podemos cair nessa armadilha, muito usada por evangélicos e reacionários. Homofobia é qualquer atitude que discrimine os LGBTQetc. Basta um olhar enviesado para o sujeito ser considerado homofóbico. Basta não reconhecer que temos os mesmos direitos e deveres que todo mundo, sem nenhum privilégio especial. E que podemos nos beijar na frente das crianças.
É nesse sentido que muitos beijaços acontecem hoje, em vários países do mundo. Aqui em São Paulo vai ser no vão livre do MASP, das 18h às 19h, promovido pelo aplicativo Hornet. Mas não precisa ter o app instalado (e eu aposto que você tem) para participar. Bora beijar estranhos, amigxs!
quarta-feira, 16 de maio de 2018
I'VE HUNGERED FOR YOUR TOUCH
O ator pornô gay brasileiro Rafael Alencar está prestes a se aposentar e, numas de saideira, deu uma entevista entregando algumas celebridades que usaram de seus serviços. Tudo com muita discrição e elegância, é claro: alguém aí faz ideia de quem seriam Mommy Hilfinger ou Malvin Klein? Mas o nome que mais me chamou atenção foi o de Matrick Swayze, que eu tenho quase certeza que era o ator de "Ghost". Matrick não está mais aqui para confirmar ou não essa história, e no fundo isso não importa muito. Só digo que ele estava bastante convincente como uma drag discreta e elegante no filme "Para Wong Foo, Obrigada por Tudo! Julie Newmar".
LA CASA DE MICHEL
Eita eita. Quem imaginaria que o nosso presidente @MichelTemer, mesmo com todo o corre que o cargo exige, ainda arruma um tempo pra assistir série e, olha só, ainda indica umas pra gente! Arrasou! pic.twitter.com/6aMekpJDTw— Governo do Brasil (@governodobrasil) 15 de maio de 2018
Com tanta série no mundo para indicar, Temer, o Velho, disse que estava vendo "La Casa de Papel". Não ocorreu aos gênios que cuidam da comunicação do Planalto que este talvez não seja um bom programa para se associar a um presidente que teve um assessor flagrado correndo* pela rua com uma mala de dinheiro, como se houvesse acabado de assaltar a Casa da Moeda. Eita eita eita.
(* o corre que o cargo exige)
(* o corre que o cargo exige)
terça-feira, 15 de maio de 2018
GUARANTEED TO BLOW YOUR MIND
Acaba de sair o primeiro trailer de "Bohemian Rhapsody", a cinebiografia autorizada de Freddie Mercury. O filme teve uma produção para lá de acidentada, que se arrastou por anos. Primeiro era Johnny Depp quem ia fazer o papel de Freddie, depois Sacha Baron-Cohen, depois Ben Whishaw e, finalmente, Rami Malek. Em comum com Faroukh Bulsara, o astro de "Mr. Robot" tem ascendência no Oriente Médio: um era de origem persa, o outro, de egípcia. Mas só vendo as primeiras imagens do filme eu me convenci de que a escalação foi acertada. As filmagens ainda foram afetadas pela demissão do diretor Bryan Singer, envolvido em casos de assédio sexual. E tem ainda um complicador: Brian May e Roger Taylor, que controlam os direitos do Queen, exigiram que o longa tivesse um final feliz. Pois é. A história agora acaba no Live Aid de 1985, seis anos antes da morte de Freddie. O mote é que ele teria descoberto naquela época que estava com AIDS, e que mesmo assim foi em frente. The show must go on! (embora, pelo que eu lembro, ele só soube que estava doente em 1987). De qualquer forma que o vento sopre, eu acompanhei em tempo real todos os desdobramentos da carreira da minha banda favorita de todos os tempos. Mesmo sabendo que essa é uma obra chapa-branca, tremo em pensar que lá pelo final do ano eu vou ver na tela a trajetória (ou parte dela) do maior dos meus ídolos. Dynamite with a laser beam!
segunda-feira, 14 de maio de 2018
AQUI, AGORA E NUNCA MAIS
Descobri "Here and Now" tardiamente - talvez um pouco tarde demais. A série foi exibida pela HBO entre fevereiro e abril, mas só fui vê-la agora, quando todos os episódios já estnao disponíveis no sob demanda. E adorei, como sempre acontece com uma série nova criada pelo Alan Ball."Here and Now" tem, inclusive, um parentesco nítido com "A Sete Palmos", um dos marcos da TV na década passada. Ambas falam de famílias ligeiramente disfuncionais, com um filho gay e uma caçula rebelde. A diferença é que, no seriado mais recente, três dos quatro filhos do casal são adotivos, de raças diferentes. Há um vietnamita tão obcecado pela perfeição que resolve ser celibatário; uma africana que se ressente um pouco por não ter sido criada por uma mãe negra; e um colombiano que tem visões estranhas, talvez um sintoma de esquizofrenia. Ramon, este último, é que é o personagem gay, e é desnecessário dizer que estou apaixonado pelo ator que o interpreta, o costarriquenho Daniel Zovatto - tão lindo que faz jus ao apelido de "Baby Jesus" que tem no programa. Também há uma interessante família muçulmana, em que o pai psiquiatra tem uma ligação misteriosa com Ramon, e o filho consegue ser religioso e gender-fluid ao mesmo tempo. Ou melhor, havia: eu ainda não havia terminado de ver quando a HBO anunciou que não fará uma segunda temporada de "Here and Now". E isto apesar do último episódio terminar com todas as pontas abertas, sem resolver nada. Ou seja, já era. Mesmo assim, valeu a pena.
ASSALTO À MÃE ARMADA
Um ladrão tem que ser muito mané, ou então estar sob o efeito de tóchicos, para assaltar um grupo grande de pessoas em plena luz do dia. A chance de ter alguém armado no grupo é razoável - e, na frente daquela escola em Suzano no sábado passado, tinha. Os mais cínicos diriam que o rapaz foi vítima da seleção natural. Além de tudo, o cara apontou uma arma para crianças na presença das mães. Ou seja, cutucou leoas com vara curta. Infelizmente ele morreu, o que fez com que a internet se dividisse entre os que exaltam sua morte e os que acham que a mãe-PM reagiu com violência desnecessária. Eu não acho: a mulher deu três tiros no sujeito, mas só exagerou para quem não tem uma cria para proteger. No entanto, eu também lamento mais essa tragédia brasileira. O ladrão era negro, pobre, pé-rapado. Não vou dizer que ele era inocente, porque tem muita gente que nasce nas mesmas condições adversas e mesmo assim não descamba para o crime. Mas, convenhamos, um país onde um assaltante é baleado em frente a uma escola não é um bom lugar para se viver. O pior é que este caso pode dar munição aos asnos que defendem que todo mundo ande armado, não só policiais que passaram por treinamento rigoroso. Nossas cidades podem virar um bang-bang ainda mais sanguinário do que já são. Agora, vou confessar algo de que não me orgulho: revi várias vezes o vídeo, por causa da expressão de dor e surpresa do assaltante. Como muita gente, eu também tenho um lado sádico e vingativo.
(O título original deste post era "O Dia da Mãe", mas mudei para esta sugestão do Rodirgo Guaxupé)
(O título original deste post era "O Dia da Mãe", mas mudei para esta sugestão do Rodirgo Guaxupé)
domingo, 13 de maio de 2018
EU SEI QUE NÃO SE AMA SOZINHO
Eu me encantei pelo Eurovision em 2009, depois de ler uma matéria no "New York Times" sobre o festival. Aí descobri que a Televisión Española transmitia a final para o Brasil, e me converti. Desde então, o Eurovision virou assunto recorrente aqui no meu blog, e também na minha coluna no f5 - meu sétimo texto sobre o concurso já está no ar. Não tenho muito mais a acrescentar: apesar de realizada em Lisboa, a edição deste ano não gerou uma música antológica, e as candidatas que se atropelaram na reta final empalidecem diante de "Amar pelos Dois", que ganhou participação de Caetano Veloso no intervalo. Mas foi divertido acompanhar o espetáculo de ontem pela segunda tela. Facebook e Twitter já estão cheios de brasileiros que aderiram ao Euro, e rola até briga. Ano que vem o festival se transfere para Israel, com tensão política e tudo. Se eu ganhar na loteria, ou se finalmente tiver meu talento reconhecido, lá estarei em pessoa.
sábado, 12 de maio de 2018
O LOOPING DE MARINA
Depois de quatro anos na moita, Marina Silva ressuscita às vésperas de uma nova eleição presidencial. As primeiras pesquisas mostram a candidata muito bem posicionada, com chances de captar votos à esquerda e à direita. Ela então quebra o silêncio e começa a dar entrevistas, proferindo platitudes. Até que ressurge a pergunta que não quer calar: e as guei, Marina? Evangélica de carteirinha, a ex-senadora tem um histórico de hesitação quanto a este assunto. Mas eis que, ó surpresa, Marina se posiciona a favor dos direitos igualitários! Festa no Vale dos Homossexuais, show de Pabllo Vittar, agora podemos votar nela! Calma lá, pessoal, não é bem assim. Marina diz que sim, apoia, mas que não assina embaixo nem assume compromisso. Precisa refletir. E reflete. E reflete. E reflete.
Há oito anos que embarcamos no looping marinesco. Eterna postulante ao Planalto, Marina Silva não resolveu até hoje o conflito entre sua fé e as demandas de boa parte de seu eleitorado potencial. Coitada, não teve tempo, né? Precisa refletir. Pois eu não reflito mais. Minha gota d'água foi o fato de Marina ter dito no "Roda Viva" de 1o. de maio que tinha assinado a mesma carta de compromisso com os direitos LGBT que Ciro Gomes e Manuela d'Ávila, e depois ter desmentido o que foi dito. Teria apenas recebido a tal da carta, a qual ainda estaria analisando. VTNC, Marina. Vai analisar as dobras do Malafaia. O momento político exige clareza e firmeza, duas coisas que você provou PELA TERCEIRA VEZ que não tem. Eu ia votar em você, ainda mais depois da desistência do Joaquim Barbosa, mas agora percebo que não dá. Cansei do seu looping. Chega.
sexta-feira, 11 de maio de 2018
SE CASAR, NÃO JOGUE
Existe todo um subgênero de comédia americana em que noites que deveriam ser divertidíssimas descabam para o caos e a violência. Muitas vezes são despedidas se solteiro/a, mas também há aquelas em que casais pacatos são tragados para tramas que envolvem a máfia ou coisa pior. Este é o caso de "A Noite do Jogo", que tem elenco estrelado e trailer engraçadíssimo, mas fica aquém do que promete. O roteiro é pródigo em pegadinhas, mas para mim faltou o mais importante: risadas. Claro que uma sala mais cheia teria ajudado, porque algumas sacadas são mesmo ultrajantes. De qualquer forma, filme que tem Sharon Horgan (da ótima série "Catastrophe") + cachorrinho coberto de sangue merece a minha atenção.
QUE CIRO FOI ESSE?
Lula foi atingido por uma bala ainda mais mortífera do que sua prisão. Se Ciro Gomes for eleito em outubro - e as chances são grandes, ainda mais se seu adversário no segundo turno for o Bolsonazi - a carreira política do ex-presidente estará enterrada de vez. Cirão da Massa vai precisar fazer um governo pior que o da Dilma para que Lula tenha alguma chance em 2022 - se Lula já estiver solto, é claro. Não é por outra razão que a ala petista liderada por Gleisi Hoffman foge de Ciro feito o diabo da cruz. O que ideologicamente não faz o menor sentido: se o PT se aliou a Maluf, Sarney e aos evangélicos, por que essa ojeriza com alguém que lhe está tão próximo no espectro político? Os mais ajuizados do partido sabem que o caminho para a sobrevivência passa por Haddad como vice de Ciro. Mas isto também significa virar a página de Lula, que passaria para a história ainda em vida.
quinta-feira, 10 de maio de 2018
FORA, GEISEL
Ernesto Geisel foi o mais sensaborão dos presidentes do regime militar. Não metia medo feito Emilio Garrastazu Médici, nem era um pateta como João Batista Figueiredo. Parecia um pastor luterano bem rígido e estóico, incapaz de rir nem de sentir qualquer espécie de prazer. Mas, na minha cabeça, ele não era de todo mau. Foi Geisel quem enquadrou o general Frota, que tentou tornar a ditadura ainda pior, e quem deu início ao leeento processo de distensão política. Mas o documento da CIA divulgado hoje joga o nome do general na lama, para todo o sempre. Geisel sabia das execuções de "subversivos perigosos" autorizadas por seu futuro sucessor, Figueiredo. Isso mostra o quão sanguinária e paranoica foi a ditadura militar, até em seus últimos tempos. E tem imbecis que sonham com a volta dela, como se não houvesse inflação nem corrupção nesses anos de chumbo. Havia, e também execuções sumárias de presos políticos. O horror, absoluto e imperdoável.
POSITIVAMENTE CONCHITA
Minhas andanças pelos sites que falam do Eurovision me levaram a uma notícia que já tem um mês, e que talvez eu tenha perdido por estar viajando: Conchita Wurst, vencedora do festival de 2014, se assumiu HIV-positiva via Instagram, depois de ter sido chantageada por um ex-namorado. Incrível que a essa altura da guerra ainda tenha escroto que use o HIV como arma de chantagem. Ainda mais porque Conchita se trata há anos e sua carga viral hoje é indectetável, como acontece com quase todos os positivos que recebem cuidados. Então ela deveria ter contado tudo isto há mais tempo? Claro que não: ninguém é obrigado a tormbetear aos quatro ventos seu status de HIV. Mas fraulein Wurst se revelou quando chegou a hora, tirou um peso nas costas e, como se fosse ainda pouco, também ajudou a diminuir o estigma que ainda cerca o vírus. Ou seja: ergueu-se feito uma fênix.
quarta-feira, 9 de maio de 2018
JUNTINHOS EM LISBOA
Esqueci de mencionar no post anterior sobre o Eurovision que a canção-candidata da Irlanda se classificou para a final, provavelmente por causa dos dois moçoilos que fazem uma dança interpretativa que pouco tem a ver com a letra.
O sucesso do vídeo foi tamanho que lá estavam os rapazes ontem, no palco, ajudando Ryan O'Shaughnessy a superar a mediocridade de sua musiquinha. E não é que, ao contrário do esperado, a TV russa exibiu este número na íntegra?
TODOS A BORDO
Nesta terça começou a minha obsessão de todo mês de maio, e não é o Festival de Cannes. Claro que eu estou falando do Eurovision, que, para piorar, este ano acontece em um dos meus lugares favoritos do universo: Lisboa. Eu seria capaz de levar malas de dinheiro para o Temer só para estar lá agora, no meio daquele público cheio de bibas vindas de toda a Europa e torcendo sei lá por quem. Porque a seleção de 2018 não é das melhores... Está duro escolher um favorito.
A Televisión Española só transmite a grande final no sábado, mas eu consegui ver a primeira semi-final ao vivo pelo YouTube. A música mais cotada pelas casas de apostas londrinas ficou entre as dez classificadas: é a bobagem israelense "Toy", interpretada por uma moça chamada Netta que lembra a Björk depois de algumas feijoadas. A única vantagem dessa trashera vencer é que o festival do ano que vem seria realizado em Tel Aviv, um dos points mais viados do planeta.
Por que é que todo ano o Eurovision tem pelo menos uma ária operísica entre os concorrentes? Em 2018 esta honra coube à canção inscrita pela Estônia, "La Forza", com letra em italiano e tudo. Também passou para a final de sábado, inclsuive graças ao sensacional vestido trajado por Elina Nechayeva. Avanti!
Mas nenhuma das 43 candidatas (já ouvi todas) chega a dois quilômetros dos pés de "Amar pelos Dois", a campeã de 2017, elegantemente lembrada pelos rivais derrotados de Salvador Sobral no clipe acima. Não faz mal: é comum que o Eurovision não tenha nenhuma musiquinha que preste. Nem por isto vou deixar de assistir. Já estou a bordo, como bem pede o slogan da edição deste ano.
(Se tiver duas horinhas de vida sobrando, asista aqui à semi-final de ontem)
terça-feira, 8 de maio de 2018
PEDIU PARA SAIR
Eu estava mesmo inclinado a votar em Joaquim Barbosa, mesmo cansado de saber do temperamento mercurial do ex-ministro do STF e de sua falta de jogo de cintura. Parece que essas duas características, aliadas à oposição da família, foram o que deram cabo de sua pré-candidatura. É uma pena: Barbosa era o único "outsider" com chances de chegar ao segundo turno, e um nome capaz de juntar eleitores da esquerda e da direita. Agora vou de Marina? Não sei... Confesso que acho a chapa Ciro-Haddad interessante, inclusive por uma razão que poucos lembraram até agora. Se eles foram eleitos e fizerem um bom governo, Lula está liquidado para todo o sempre! E Lula sabe disso, por isto fica insistindo que vai ser candidato. Agora as possibilidades vão se estreitando. Só espero não ter que votar em qualquer um para barrar o Bolsonaro.
PARKINSON DE DIVERSÕES
Ontem eu mediei o debate que se seguiu à sessão gratuita de "Todos os Paulos do Mundo", promovida pela Folha em São Paulo. Participaram os diretores Gustavo Ribeiro e Rodrigo de Oliveira e a atriz Helena Ignez, que aparece no filme. Foi difícil manter a objetividade jornalística: eu simplesmente adorei o documentário sobre Paulo José, um ator que me acompanha desde que eu sou criança. Foi uma delícia rever cenas de que eu me lembrava perfeitamente, como a da briga com Marília Pera em "O Rei da Noite", ou outras que estavam escondidas na memória, como o especial "O Ovo" (de um tempo em que a Globo exibia textos de Eugène Ionesco no horário nobre). Mas o que me impressionou mesmo foi a forma que os realizadores encontraram para o filme. Ele é quase todo feito por imagens dos longas e programas que Paulo José fez ao longo de quase 60 anos, com algumas fotos de arquivo no começo e algumas tomadas recentes, com ele já fragilizado pelo mal de Parkinson. Todo o texto vem do próprio Paulo José, e é dito por ele mesmo (em antigas entrevistas) ou lido por seus colegas de profissão, como Fernanda Montenegro, Selton Mello, Fernanda Torres e Helena Ignez. A montagem impecável também ressalta a arma secreta de Paulo José: o olhar, instigante, vulnerável, sempre procurando respostas e/ou uma rota de fuga. E ainda tem a relação admirável dele com a doença, que nunca o derrubou. Ao contrário: o Parkinson fez com que ele produzisse mais nos últimos anos, fizesse aulas de canto, se mexesse (o título deste post é uma expressão do próprio ator, que, no entanto, não é dita no filme). O cinema brasileiro tem se revelado pródigo em documentários sobre grandes figuras da nossa cultura, e "Todos os Paulos do Mundo" ocupa um lugar de destaque neste gênero. É um filme rigoroso e emocionante, à altura de seu homenageado.
segunda-feira, 7 de maio de 2018
ESCI DA SOTTO
"O Matrimônio Secreto" é uma opera buffa, mas também poderia ser um episódio cantado de "Sai de Baixo" ambientado no século 18. Depois de se casar em segredo com um empregado de sua casa, uma moça rica atrai a atenção de um nobre, que prefere se casar com ela do que com sua irmã mais velha. Esse fiapo de trama alimenta mais de três horas de espetáculo, quee às vezes parece não andar para frente - os seis cantores, todos ótimos, estão lá para mostrar a coloratura de suas vozes, o que os faz repetir cada frase várias vezes. Mas esse arcaísmo é compensado pela montagem de Caetano Vilela que carrega nas tintas cômicas, com muita careta e macaquice. O resultado é que a plateia aplaude em cena aberta, sacrilégio!, como se estivesse no Faustão. Mas assim eram os domingos de dois séculos atrás. "O Matrimônio Secreto" fica em cartaz em SP até 13/05, e serve tanto para dar risada como para aprender um pouco de história.
QUEM SAI AOS SEUS RIO DE JANEIRO
Taí um bom teste para a capacidade de votar dos brasileiros. Será que conseguimos aprender alguma coisa toda com essa crise toda, ou continuamos os mesmos imbecis de sempre? O resultado da campanha de Danielle Dytz da Cunha para a Câmara será um bom parâmetro. A filha de Eduardo Cunha e Cláudia Cruz vai se candidatar a deputada federal pelo MDB do Rio de Janeiro, disputando os mesmos votos que elegeram seu pai: os evangélicos da Baixada Fluminense. A moça é bonitinha, simpática, e vai ver que fala bem. Aposto que também vai dar mais destaque para o sobrenome Dytz, para que os desavisados nem percebam quem são seus genitores. E os evanjas não são exatamente o eleitorado mais consciente do Brasil: votam em quem o pastor mandar, ou em quem prometer acabar com a terrível ameaça do casamento gay. Mesmo assim, ainda tenho esperanças. O MDB-RJ terá dificuldade em eleger quem quer que seja, depois de ter destruído o estado a machadadas. E Danielle que vá se preparando para ser apedrejada online, dada a popularidade do papi. Oremos.
domingo, 6 de maio de 2018
ORDEM NO TRIBUNAL
Quem não gosta de um julgamento dramático? Uma testemunha contradiz a outra, os advogados brigam entre si, o juiz bate o martelo e no final alguém se levanta no meio da audiência e confessa, "Sim, fui eu! E eu me sinto ótimo". O cinema americano nos ensinou a gostar desses conflitos judiciais, mas antes dele já havia peças de teatro que exploravam o filão. Um bom exemplo é "A Noite de 16 de Janeiro", de Ayn Rand - que, apesar da fama da autora, não tem maiores conotações políticas. O texto da década de 1930 finalmente ganha uma montagem brasileira, com 18 atores no elenco e previsão de ficar sete meses em cartaz, duas raridade nos tempos que correm. Claro que ajuda muito o fato do diretor ser Jô Soares, que também tomou para si o papel do juiz. O caso sendo julgado parece simples: uma mulher que teria matado o amante milionário, jogando-o do alto de um prédio em Nova York. Mas as versões diferentes vão se empilhando, e cabe a um júri formado por pessoas da plateia decidir se a ré é culpada ou inocente. Ou seja, uma grande e divertida brincadeira - e, ao contrário do que Jô diz no vídeo que abre o espetáculo, sem a menor ligação com a Lava-Jato ou a situação política do Brasil. Os atores todos estão ótimos, mas eu vou destacar duas amigas minhas: Tuna Duek, que expõe seu dom para os sotaques como a governanta da vítima, e Guta Ruiz, finalmente com um papel de mulher fatal que a deixa deitar e rolar. Mas também senti alguns problemas. A peça é monótona visualmente, com um cenário estático e pouca movimentação do elenco pelo palco; isto talvez pudesse ser resolvido com uma iluminacão mais variada, o que, por outro lado, diminuiria o realismo. Também tive alguma dificuldade para acompanhar o que dizem os atores mais para o fundo da cena (Jô inclusive), porque os microfones direcionais sobre eles me soaram mais baixos do que os da frente. Mas tudo isto são detalhes: "A Noite de 16 de Janeiro" é teatrão bem feito, e um bom jogo em todos os sentidos do termo.
sábado, 5 de maio de 2018
MODA CIGANA
Os ciganos entraram na moda de um jeito que não acontecia desde a icônica coleção de Yves Saint-Laurent nos anos 70. A série e o filme "Suburra" (ambos disponíveis na Netflix) usam com galhardia essa população marginalizada na Europa há mais de mil anos. Dois filmes recentes também penetram nesse unvierso paralelo. O mais 'high profile" é "Ciganos da Ciambra", que representou a Itália no último Oscar, e que acaba de estrear no Brasil. O diretor Jonas Carpignano resvala para aquele estilo moderninho que eu detesto, a câmera ligada a esmo que capta o que lhe passar pela frente. Mas não é que dessa vez eu gostei? A (pouca) história é centrada no jovem adolescente Pio, interpretado por um jovem adolescente também chamado Pio (sim, é esse tipo de filme). Toda a família que aparece na tela também é a família do rapaz na vida real, com nomes verdadeiros e tudo. Mas Pio se diverte e se desespera por fazer parte de uma comunidade à margem da sociedade italiana: é ótimo ter um clã barulhento onde se apoiar, mas é horrível ser tratado feito lixo pelo resto do mundo. Não é um filme para as multidões, mas quem tiver sensibilidade agucada vai gostar.
Esta semana também fui a uma cabine para a imprensa de "Se Você Soubesse", que chega ao Brasil direto no sob demanda. Trata-se di primeiro filme francês estrelado pelo mexicano Gael García Bernal, que até que não se sai mal em mais um idioma. Ele faz um cigano excluído pelos demais depois que seu melhor amigo morre em um acidente, do qual ele não teve culpa. O roteiro não segue a ordem cronológica, e às vezes é difícil entender o que vem antes ou depois. O tom sombrio também não proporciona nenhuma catarse. Mas Gael ainda é um prazer de se ver, e qualquer coisa sobre os misteriosos ciganos sempre vai me interessar.
O LADO SOMBRIO DA FORÇA
Essa foto aí do lado resume tudo o que está errado com João Doria: oportunista, superficial, equivocado. O ex-prefake de São Paulo quis pegar carona no "Star Wars Day", 4 de maio (a data foi escolhida porque "May the 4th" em inglês soa como "May the force..."). Só que a força definitivamente não está com ele: João Trabalhador não se deu ao trabalho de pesquisar o universo da franquia, e posou todo pimpão ao lado de um stormtrooper, um soldado do Império - os malvados de "Star Wars". E ainda fez o sinal da bucetinha com as mãos... Que a força esteja conosco, para impedir que esse estróina se eleja governador de São Paulo.
sexta-feira, 4 de maio de 2018
NOSSO 11 DE SETEMBRO
O incêndio e o desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida pode deixar em São Paulo uma cicatriz tão grande quanto a do ataque que derrubou as Torres Gêmeas em Nova York. A diferença, é claro, é que aqui os terroristas somos nós mesmos: não precisamos de nenhum Osama bin-Laden para produzir esse desastre. O lado bom é que, além de ter feito poucos mortos, a tragédia do Largo do Paissandu lançou luz para um problema gravíssimo, que no entanto tem solução. Vamos passar por cima dos comentários estúpidos nas redes sociais: muito mais interessante e produtivo é saber que a união, o estado e o município tem centenas de imóveis desocupados, muito deles bem localizados, e que poderiam ser reformados para se transformarem em moradias populares. Mas precisamos cobrar isso das autoridades, e eleger autoridades que estejam a fim disso.
quinta-feira, 3 de maio de 2018
UMA VERDADEIRA PRINCESA
Faz oito anos que eu digo aqui no blog que Janelle Monáe é um talento de primeira linha, desses que aparecem poucos a cada década. O problema é que ela nunca emplacou um grande hit: suas músicas são ótimas, mas carecem de refrões pegajosos que grudem na orelha das pessoas. Isto talvez mude um pouco com seu terceiro álbum, "Dirty Computer": o primeiro single, "Make Me Feel", teve a participação de Prince no arranjo, que cita explicitamente a clássica "Kiss" do falecido. Mas o fato é que Janlle não precisa tocar no rádio. Ela é uma artista conceitual, e seus discos merecem ser escutados de uma só sentada. Ou olhada: boa parte de "Dirty Computer" ganhou visual no média-metragem acima, onde a cantora faz uma mulher que precisa ser "limpa" por não se encaixar nos padrões da sociedade. Ela também se assume "queer", admite que também gosta de mulher e canta a faixa mais erótica de sua carreira em "Pynk", uma ode às parte baixas femininas. Com convidados do calibre de Brian Wilson e Stevie Wonder (não creditado), "Dirty Computer" vem recebendo ótimas críticas, e aposto que será lembrado nos próximos Grammys. Com sua sonoridade moderna e empoderada, Janelle Monáe se firma como a mais legítima herdeira do trono púrpura de Prince.
FREAK LE BLOOM BLOOM
Troye Sivan já tinha entrado para a história como o primeiro popstar da sua idade (22 anos) a se declarar gay desde o início da carreira. Agora o rapaz também é o responsável pela, se não me engano, primeira música mainstream sobre o prazer de fornecer o rabicó a outro rapaz (corrija-me se eu estiver errado). Ele ainda tentou despistar ao dizer que a recém-lançada "Bloom" é sobre flores, depois soltou um tuíte confirmando que é mesmo sobre bottoming. Ah vá, miga sua loka.
quarta-feira, 2 de maio de 2018
O FIO DA MEADA
Quem mais está com a sensação de que, se puxarem o fio do abuso sexual, o esporte brasileiro vai se desmanchar feito um suéter velho? Até que demorou para surgir o primeiro grande escândalo, envolvendo o técnico Fernando de Carvalho Lopes, da ginástica artística. Mas é o tal negócio de sempre: alguém cria coragem, para denunciar, dezenas de outros vão atrás. Essa história específica tem um complicador extra, a homossexualidade: não duvido que bolsonazis e afins a usem para "comprovar" que todo gay é tarado, como se não existissem milhares de outros casos onde o abusador é hétero. Como eu nunca trabalhei ou estudei em um ambiente onde acontecessem coisas desse tipo, me espanta um pouco o silêncio das vítimas. Mas que abram a boca, e ajudem a mudar essa cultura.
LA MAUVAISE
"Baseado em Fatos Reais", o novo filme de Roman Polanski, é uma variação interessante do tema de "A Malvada", o clássico com Bette Davis e Anne Baxter: o fã obcecado que se aproxima do ídolo para, na verdade, tomar o seu lugar. Também tem ecos de "Louca Obsessão", a adaptação de um romance de Stephen King que deu um Oscar a Kathy Bates: a leitora ávida que sequestra seu autor favorito, para que ele lhe escreva um livro sob medida. Mais não posso falar, porque este elegante thriller psicológico tem lá suas pegadinhas. Só adianto que Eva Green é até soturna demais no papel da admiradora que invade a vida de uma autora famosa, feita por Emmanuelle Seigner (mulher de Polanski na vida real). E, para não dar mais spoilers, convido a quem já viu o filme a debater o final nos comentários.
terça-feira, 1 de maio de 2018
A LOBA E OS BOBOS
Além da covardia e de atacarem sempre em grupo, outra característica dos bullys é a pele extremamente delicada. Reagem sempre de maneira exagerada a qualquer crítica ou reclamação, e adoram acusar suas vítimas da mesma coisa que fazem contra elas. Um exemplo cristalino de tudo que eu listei é o chororô do governo Trump por causa do stand-up de Michelle Wolf durante o tradicional jantar anual dos correspondentes da Casa Branca. Não é a primeira vez que um comediante espezinha o presidente de plantão no evento, mas, ei - isto é o que comediantes fazem. Não existe humor a favor. E o gabinete Trump, com sua porta giratória, secretários despreparados, mentirosos, racistas e homofóbicos, é um alvo óbvio demais. Mas deixa estar: novembro está cada vez mais perto.
TRAGÉDIA PAULISTANA
O incêndio e desabamento de um prédio público abandonado há 15 anos e ocupado por dezenas de famílias sem-teto é um resumo trágico de tudo que está errado com São Paulo. Como que um edifício que era o auge da modernidade em 1968 permaneceu tanto tempo vazio? Como que a Polícia Federal sai de lá em 2003, e ninguém faz nada com o lugar? Ou melhor, fizeram: deveria ser óbvio que ele seria invadido. E foi, por movimentos organizados que, no entanto, não se preocuparam com a segurança dos moradores. Esquerda e direita ajudaram a empilhar um equívoco atrás do outro, e a pilha desmoronou na madrugada desta terça. Há dezenas de outros prédios em situação idêntica na região do largo do Paissandu: quem sabe agora alguém toma uma providência? E a sarabanda do suplício ainda teve um momento cômico quando Temer, o Velho, aproveitou que estava em SP para o feriado e resolveu dar as caras, achando que seria bom para sua imagem. O presidente levou uma tunda do populacho, que o expulsou dali a pontapés. Agora que se queimou, ele também vai cair na real?
(Leia aqui a excelente análise do Raul Juste Lores sobre essa tragédia dantesca)
(Leia aqui a excelente análise do Raul Juste Lores sobre essa tragédia dantesca)
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