quarta-feira, 5 de julho de 2017

A MENINA E O PORCÃO


A primeira hora de "Okja" é espetacular, e merecia mesmo ser vista em tela grande. Uma órfã sul-coreana, que vive nas montanhas com seu vovozinho, brinca com a personagem-título, uma porca gigante que está mais para um hipopótamo com orelhas de abano. O bicho é tão bem feito que a gente até esquece que é uma ilusão computadorizada. Acontece que ele não pertence à garota, e sim a uma cruel multinacional produtora de "proteína animal" (o eufemismo da moda para a carne) - que no entanto não me pareceu pior que a JBS. Os capitalistas querem Okja de volta, talvez para transformá-la em salsicha. Seguem-se várias cenas de tirar o fôlego, culminando com uma perseguição nas lojas do metrô de Seul. Aí o filme - que é exclusivo da Netflix, e concorreu em Cannes sob polêmica - puxa um breque de mão daqueles. O líder de um bando radical explica em detalhes o que está acontecendo, estragando o clima de "Sessão da Tarde" on acid que imperava até aquele momento. Depois o pique é recuperado durante uma visita aterrorizante a um matadouro, e "Okja" termina de maneira satisfatória (dica: aguarde pela cena que vem depois dos créditos finais). Mas o todo se ressente dessa barriga no meio, muito mais do que a aparente confusão de gêneros. Afinal. trata-se de um passatempo para crianças ou de um manifesto vegetariano? Tudo isso e também uma farsa exagerada, com Tilda Swinton usando dentadura em dois papéis diferentes. Ou seja: é mesmo uma obra original, que dificilmente encontraria financiamento se visasse um lançamento tradicional nos cinemas. Podem reclamar à vontade que o Netflix quer matar o circuito exibidor, mas não dá para negar que a plataforma está viabilizando filmes bastante ousados - e que depois podemos desfrutar no conforto de nossos lares.

2 comentários:

  1. Tony, já viu os outros filmes do Joon-ho Bong? Ele é mestre em atirar para todos os lados e acertar, sempre com os dois pés na sátira. Desde o aparelho que a Tilda usa até o Mirando que lembra Monsanto. Veja O Hospedeiro, que conversa muito bem com Okja.

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  2. Em entrevista em Cannes Joon-Ho Bong disse que correu estúdios da Asia, Europa e EUA em busca de financiamento e só o obteria se fizesse alterações na história. Apenas a Netflix se dispôs a bancar o projeto sem impor "condições". Eu prefiro assistir um projeto de um cineasta na tela pequena do que não assisti lo em tela alguma.

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