terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

O PAI TE AMA

Já que eu não consigo tirar o "aviso de conteúdo" que há mais de seis meses tenta afugentar os leitores do meu blog, de vez em quando procuro justificá-lo publicando alguma foto de pau. Lá vai a deste mês, capturada diretamente da tela da TV: de um lado, Lena Dunham; do outro, Matthew Rhys (de "The Americans") lhe fazendo uma declaração de amor. Na cena completa - do terceiro episódio da sexta temporada de "Girls" - a personagem Hannah, meio que por instinto, abaixa a mão e pega no pau do sujeito. Pensei cá comigo: uau, nunca uma sitcom foi tão longe. Depois descobri que esse pau é uma prótese, mas não faz mal. O episódio, que se chama "American Bitch", é realmente ousado. Não tem tramas paralelas: só Hannah indo visitar um autor famoso, acusado de assédio sexual por algumas moças. Conversa vai, conversa vem, de repente lá estão os dois na cama e ele zupt, deixa o passarinho escapulir. O roteiro é uma interessante discussão sobre o momento em que uma paquera se torna abuso, sem maniqueísmos nem ideias pré-concebidas. Que pena que seja a última temporada: "Girls" vai fazer falta.

NÃO-DISNEY WORLD


Walt Disney criou um estilo de animação que se tornou o padrão vigente da indústria: animais antropomorfizados, cores fortes, muita música. Até hoje o estúdio que leva o nome de Disney e seu puxadinho, a Pixar, evoluem em cima dessas diretrizes, sem jamais romper com elas. São responsáveis pelos maiores sucessos de bilheteria do gênero e quase todo ano levam o Oscar de animação em longa metragem. Em 2017 não foi diferente, com "Zootopia", mas também é verdade que a Academia costuma indicar diferentes escolas ao prêmio. Foi o caso do brasileiro "O Menino e o Mundo" e também de dois títulos que estão em cartaz em SP sem a menor badalação. Um deles, "A Tartaruga Vermelha", é a primeira produção ocidental do badalado Studio Ghibli, do lendário Hiyako Miyazaki. Feito na Bélgica, é um filme adulto, sem diálogos e com uma boa dose de surrealismo (a família que sentou ao meu lado precisou ir embora depois que a criança começou a chorar). Um náufrago chega a uma ilha deserta e tenta escapar de lá numa jangada; a tartaruga do título não deixa. As metáforas propostas nem sempre são fáceis de decifrar, mas a experiência estética é incrível. É um bom filme para se ver depois de um beck.

Mais bonitinho é o suíço "Minha Vida de Abobrinha", que entretanto também está longe do cânone disneyano. O ponto de partida é barra pesada: um garoto vive só com a mãe alcóolatra, que o negligencia. Aí a mãe morre e o moleque vai para o orfanato. Mas o resultado é encantador, embora sem a explosão de felicidade que encerra títulos como "Moana". Apesar de ser feito com bonecos, "Abobrinha" é quase um filme realista. Pena que não foi dublado em português, o que o restringirá no Brasil ao circuito de arte. Mas é o meu predileto entre os cinco finalistas ao Oscar deste ano.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

A LUA ME TRAIU

Errei, errei rude. Minhas previsões para o Oscar foram quase todas tiros n'água - e mesmo assim emplaquei o segundo lugar no bolão da firma, porque o que aconteceu ontem desafiou qualquer expectativa. Mais do que eu, errou a PriceWaterhouse Cooper, que há décadas cuida da apuração dos resultados do Oscar. Foi um funcionário deles quem deu a Warren Beatty o envelope errado, idêntico ao do prêmio de melhor atriz que, minutos antes, fora para Emma Stone (e a PWC já pediu desculpas). O que se seguiu foi um dos momentos mais constrangedores da TV de todos os tempos, mas o pessoal de "La La Land" reagiu com dignidade e elegância. No final, acho que todo mundo ganhou. O musical ainda foi para casa com seis troféus, e "Moonlight" fez história ao ser o primeiro filme com protagonista gay a levar o prêmio máximo da Academia. Agora, em perspectiva, dá para perceber que o Oscar deste ano foi escancaradamente político. Muitos favoritos perderam a corrida no último minuto, em favor de concorrentes mais engajados. "White Helmets", sobre a guerra da Síria, foi o melhor documentário de curta-metragem, ao invés do fofo "Joe's Violin". "O Apartamento" bateu "Toni Erdmann", basicamente por ser o candidato iraniano. E "Moonlight", claro, derrotou "La La Land" quase que nos créditos finais. Ou seja: a festa inteira foi uma tomada de posição contra Donald Trump, que não se manifestou pelo Twitter até o presente momento. Sim, passei vergonha. Mas quero agradecer aos membros da Academia por mais esta noite inesquecível.

domingo, 26 de fevereiro de 2017

"LA LA" LÁ

Não perco uma entrega de Oscar desde 1976: a de hoje é, portanto, minha 41a. cerimônia. E estou mais animado do que em muito tempo, porque acho que vem novidade por aí. Se levarmos em conta que o anúncio das indicações, há um mês, quebrou o padrão vigente e adotou um formato muito mais arejado, pode ser que a maior noite de Hollywood também passe por um facelift. O apresentador Jimmy Kimmel não é muito conhecido por aqui, mas pelo menos não é seu xará Jimmy Fallon - que teve uma performance desastrosa nos Globos de Ouro e está se tornando uma espécie de bobo da corte do governo Trump. Mas vamos ao que interessa: quem vai ganhar o Oscar, e quem deveria?

MELHOR FILME
Vai ganhar: "La La Land".
Mas eu daria para... : "La La Land". Vi oito dos filmes indicados (só falta "Fences") e são todos bons. Mas esse musical é o mais ousado de todos, o mais ambicioso artisticamente e também o mais divertido. "La La" chegou lá.

MELHOR DIRETOR
Vai ganhar: Damien Chazelle.
Mas eu daria para... : Damien Chazelle, pelas mesmas razões que fazem de "La La Land" o melhor filme. E pensar que esse moleque tem só 32 anos. Que ódio.

MELHOR ATOR
Vai ganhar: Denzel Washington, que assim se tornará o primeiro ator negro com três Oscars - uma isca irresistível para este ano para lá de politizado.
Mas eu daria para... : Casey Affleck, que era o favorito até outro dia. Seu trabalho sutil em "Manchester à Beira-Mar" parece fácil para quem não é do ramo, mas na verdade é um tour de force. Pena que o cara seja um babaca na vida real, acumulando acusações de assédio e nunca penteando direito aquele cabelo.

MELHOR ATRIZ
Vai ganhar: Emma Stone, que cumpre todos os requisitos que a Academia gosta de premiar. É a nova namoradinha da América.
Mas eu daria para... : Isabelle Huppert, que está correndo por fora e periga atropelar as colegas no photo finish. Anteontem ela ganhou o César; ontem, o Independent Spirit. Será hoje o dia de sua consagração definitiva?

MELHOR ATOR COADJUVANTE
Vai ganhar: Mahershala Ali ou, quiçá, Dev Patel. O ator de "Moonlight" não se mostrou imbatível nos prêmios preliminares, e Patel ganhou o BAFTA há duas semanas. Além disso, seu filme "Lion" é produzido pelos irmãos Weinstein, que sabem fazer campanha pelo Oscar melhor do que ninguém.
Mas eu daria para... : Não estou torcendo muito por ninguém e qualquer resultado me faria feliz. Se fosse para votar, hmm, talvez em Michael Shannon?

MELHOR ATRIZ COADJUVANTE
Vai ganhar: Viola Davis.
Mas eu daria para... : Viola Davis. Nem vi "Fences", mas não há o que discutir.

MELHOR FILME ESTRANGEIRO
Vai ganhar: Embolou. Parecia estar no papo do alemão "Toni Erdmann", mas as escrotices do governo Trump deram alento ao iraniano "O Apartamento".
Mas eu daria para... : "Elle", que não ficou nem entre os nove semifinalistas.

MELHOR ROTEIRO ORIGINAL
Vai ganhar: "Manchester à Beira-Mar" (talvez seja o único prêmio do filme).
Mas eu daria para... : "Manchester", mesmo. Apesar de "La La Land" ter um desfecho muito bem resolvido, o roteiro não é sua qualidade mais proeminente.

MELHOR ROTEIRO ADAPTADO
Vai ganhar: "Moonlight" - que, no entanto, foi considerado um roteiro original pelo Sindicato dos Roteiristas, porque a peça onde foi baseado é inédita.
Mas eu daria para... : "A Chegada". Li o ótimo conto original ("The Story of Your Life", de Ted Chiang), e sua transformação em filme é de fato impressionante.

MELHOR FOTOGRAFIA
Vai ganhar: "Lion", que venceu o prêmio do Sindicato dos Cinematógrafos.
Mas eu daria para... :"La La Land", que tem uma paleta de cores marcante.

MELHOR MONTAGEM
Vai ganhar: "La La Land". Quem ganha melhor filme também costuma levar este.
Mas eu daria para... : "La La Land", que não tem costuras aparentes.

MELHOR DIREÇÃO DE ARTE
Vai ganhar: "La La Land". O filme tem um look!
Mas eu daria para... : Ditto.

MELHOR FIGURINO
Vai ganhar: "Jackie"
Mas eu daria para... : "Jackie" mesmo, mas "La La Land" - com modelitos comprados prontos, não desenhados especialmente - tem um look, como disse.

MELHOR MAQUIAGEM E CABELO
Vai ganhar: Impossível saber. Chuto no sueco "Um Homem Chamado Ove": é um filme "de prestígio", e artistas estrangeiros já levaram esse prêmio antes.
Mas eu daria para... : Não vi nenhum dos três indicados!!!

MELHOR EDIÇÃO DE SOM
Vai ganhar: "Até o Último Homem". Filmes de ação costumam ganhar aqui.
Mas eu daria para... : "La La Land", tão injustiçado, tadinho.

MELHOR MIXAGEM DE SOM
Vai ganhar: "La La Land". Musicais costumam ganhar aqui.
Mas eu daria para... : Adivinha.

MELHORES EFEITOS VISUAIS
Vai ganhar: "Mogli, o Menino-Lobo", onde só protagonista é de verdade. Todo o resto - selva, bichos, etc. - é computação. Talvez devesse concorrer como desenho animado.
Mas eu daria para: "Mogli", que é um avanço tecnológico considerável.

MELHOR TRILHA SONORA
Vai ganhar: "La La Land", que é inteirinha assobiável.
Mas eu daria para... : Adivinha (2)

MELHOR CANÇÃO
Vai ganhar: "City of Stars", um futuro standard.
Mas eu daria para... : Adivinha (3)

MELHOR ANIMAÇÃO DE LONGA-METRAGEM
Vai ganhar: "Zootopia", que combina uma bilheteria astronômica com uma mensagem de inclusão. Ah, e é americano: só uma vez este Oscar foi para uma produção estrangeira, apesar delas serem indicadas todo ano.
Mas eu daria para...: ...uma produção estrangeira, o suíço "Minha Vida de Abobrinha". Fofinho, emocionante e curto - apenas 66 minutos!

MELHOR DOCUMENTÁRIO DE LONGA-METRAGEM
Vai ganhar: "O.J.: Made in America". Põe longa nisso: mais de sete horas de duração. Na verdade, trata-se de uma minissérie da ESPN que foi exibida durante uma semana num cinema em Los Angeles só para se qualificar para o Oscar. Os produtores de um filme sobre um bandido não deveriam roubar no jogo.
Mas eu daria para... : Não sei. Só vi dois dessa categoria, "13th" e "Fogo no Mar". Estão falando muito bem de "Eu Não Sou Seu Negro".

MELHOR DOCUMENTÁRIO DE CURTA-METRAGEM
Vai ganhar: "The White Helmets" ou "Joe's Violin".
Mas eu daria para... :  Não sei. Vi quatro dos cinco indicados, não me apaixonei por nenhum.

MELHOR CURTA-METRAGEM
 Vai ganhar: O espanhol "Timecode".
 Mas eu daria para... : Não vi nenhum, mas "Timecode" parece interessante.

MELHOR ANIMAÇÃO DE CURTA-METRAGEM
Vai ganhar: "Piper".
Mas eu daria para... :  Sei lá, hahahaha.

Amanhã a gente confere?

TOMO BANHO DE LUA


Sofri com "Moonlight" a mesma coisa que muita gente sofreu com "La La Land". Fui para o cinema com uma baita expectativa, que o filme não conseguiu preencher. Achei até irregular: das três partes que compõem a história, a primeira é mais ou menos, a do meio é ótima e a última se arrasta. E é justamente na primeira que aparece Mahershala Ali, favorito ao Oscar de ator coadjuvante. O cara está muito bem, mas para mim ficou faltando aquela cena "oooohh" que justificaria o prêmio. Mais impressionante está a inglesa Naomie Harris, que em apenas 14 minutos de tela compõe uma assustadora mãe viciada em crack. Já Trevante Rhodes, que faz a versão adulta do protagonista, não se parece em nada com seus dois antecessores. Mas claro que há momentos maravilhosos, com a luz do luar tornando azul a pele dos meninos negros (o título da peça inédita onde o roteiro foi baseado). A fotografia é incrível para uma produção de tão baixo orçmento, e a delicada trilha sonora estaria levando todos os prêmios se não fosse pela concorrência de um certo musical. Mesmo não sendo a obra-prima absoluta que andam dizendo por aí, "Moonlight" é mesmo bom. E sua maior façanha talvez seja ter emplacado a saga de um garoto preto, pobre, gay e traficante entre os títulos mais badalados do ano do cinema americano.

sábado, 25 de fevereiro de 2017

OLHA A COBRA


Preciso me controlar para não ficar babando ovo de graca pra Netflix, mas olha só o que eu encontrei no catálogo deles: "King Cobra", a história de um crime nos bastidores do pornô gay, estrelada por James Franco e Christian Slater. Já li muito a respeito do filme nos sites aviadados porque se trata de mais uma oportunidade para Franco ostentar sua nem tão latente homossexualidade. Dessa vez ele protagoniza algumas cenas bem ousadas, mas não é páreo para o novato Garrett Clayton. O mancebo se joga pra valer no papel de ninguém menos que Brent Corrigan, a beldade juvenil que acabou sendo o pivô de um assassinato. Com corpos belíssimos, direção segura e estrelas veteranas no elenco apesar do orçamento reduzido, "King Cobra" foi uma excelente maneira de começar o carnaval sem sair de casa.

(para ver como Brent Corrigan está batendo um bolão até hoje, clique aqui - MAS NÃO CLIQUE SE VOCÊ ESTIVER NO SEU TRABALHO PORRA CARALEO)

UN DANGER POUR LE MONDE


É impossível acompanhar daqui do Brasil a entrega do César. A TV5, único canal francês do meu pacote de TV a cabo, não exibe a cerimônia, que tampouco é transmitida pelo YouTube. Só mais tarde é que fiquei sabendo dos resultados, alguns bem surpreendentes. Indicado em 11 categorias, "Elle" só ganhou duas: melhor filme e, claro, melhor atriz para Isabelle Huppert. O divino "Divines" venceu três (filme de estreia, revelação do ano, atriz coadjuvante), e o que é que você está fazendo aí que ainda não viu essa maravilha no Netflix? Já "Apenas o Fim do Mundo" deu melhor direção para Xavier Dolan, que já fez coisa melhor antes. Esse longa canadense ainda pegou melhor ator (Gaspard Ulliel) e melhor montagem, mas perdeu melhor filme estrangeiro para "Eu, Daniel Blake" (que também bateu o nosso "Aquarius"). Mas parece que o momento mais divertido da noite foi o discurso do homenageado George Clooney. O sr. Amal Alamuddin falou da importância do cinema neste delicado momento político, o que foi imeditamente tradzido por seu amigão Jean Dujardin como "Donald Trump é um perigo para o mundo". Vai dizer que não é?

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

LINDO, LEVE, SOLTO

E por falar em sistema prisional, o que dizer da súbita libertação do goleiro Bruno? Pela lei brasileira, ele já deveria ter progredido para o semi-aberto quando completou um sexto da pena, e a esta altura já cumpriu um terço (foi condenado a 22 anos, está preso há quase sete). Mas soltar assim, de repente, ainda mais por um ministro do STF chegado a rompantes, é mesmo de nos franzir o cenho. Não duvido que Bruno esteja plenamente recuperado para o convívio em sociedade e que nunca mais se envolverá em nenhum item do código penal. Se fosse um crime qualquer, ninguém estaria ligando muito para essa soltura. Mas o que mais irrita em Bruno é sua insistência de que Eliza Samudio está viva. Ele poderia ao menos mostrar onde ela foi enterrada, ou quais cachorros devoraram o cadáver da ex. Sem falar que, apesar do goleiro ter se casado com a dentista da prisão, agora vai chover mulher na horta dele. Enquanto isto, Macarrão e os outros comparsas continuam presos.

BLACK IS THE OLD BLACK


"13th" é um dos cinco indicados ao Oscar de melhor documentário de longa-metragem e um dos três desse grupo que tratam da questão racial nos Estados Unidos. A tese defendida pela diretora Ava DuVernay (a mesma de "Selma") é provocante: a 13a. emenda à constituição americana, que aboliu a escravidão, foi o pontapé inicial do sistema carcerário que vigora hoje por lá. Os EUA têm nada menos que 25% dos prisioneiros do mundo, e uma fatia absolutamente desproporcional dessa população é composta por homens negros. Com a ajuda de depoimentos e arquivos de época, DuVernay explica didaticamente como os escravos recém-libertos foram imediatamente demonizados, e como a "guerra às drogas" foram artificialmente infladas desde o governo Nixon. O resultado é que hoje rapazes negros são presos e até mortos sem terem feito nada, o que deu origem ao movimento "Black Lives Matter". O documentário é daqueles que dão vontade de pegar em armas, mesmo as simbólicas, ainda mais agora na era Trump. E é desolador lembrar que, por mais horrível e injusto que seja o complexo prisional de lá, o daqui é milhares de vezes pior. Devíamos estar discutindo isto, não essa bobagem do turbante.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

DORIA LÁ?

A renúncia de José Serra ao Ministério das Relações Exteriores só reforçou uma ideia que me ocorreu ontem: João Doria será o candidato da direita dita "civilizada" na eleição presidencial do ano que vem, com fortes chances de ganhar. Loucura? Vamos lembrar que, pouco mais de um ano atrás, o prefeito de São Paulo nem político era, e hoje ele comanda a maior cidade do país depois de ter sido eleito no primeiro turno. Além disso, seus números de aprovação estão altos, mesmo com todas as fantasias do Village People que ele enverga em suas aparições marqueteiras (ou talvez por isto mesmo). Por outro lado, os nomes mais manjados de seu campo ideológico estão derretendo feito sorvetes ao sol. Serra está praticamente fora de combate; Aécio e Alckmin, cada vez mais citados na Lava-Jato, despencam nas pesquisas. Já Michel Temer, o Velho, precisará de um milagre na economia para viabilizar um segundo mandato. E Roberto Justus, que sonha em se candidatar depois da vitória de Trump, é parecido demais com Doria (até "O Aprendiz" eles apresentaram), com a desvantagem da inexperiência em cargo público. O alcaide paulistano é fotogênico, hiperativo e, até o momento, não está envolvido em nenhum escândalo. Pode ser o nome capaz de evitar um segundo turno entre Lula e Bolsonaro (e não, este post não é uma declaração de apoio a Doria, OK?).

Já existe até uma versão de como ficará o hino nacional depois que o futuro presidente Doria vender os "naming rights" da letra para alguns patrocinadores:

Um posto da Ipiranga às margens plácidas
De um Volvo heróico a Brahma retumbante
E a Skol da liberdade em raios fúlgidos
Brilhou na Shell da pátria neste instante...

OUVIR, SABER, OSCAR

Fui convidado pela Casa do Saber para uma palestra do crítico Sérgio Rizzo sobre o Oscar. Achei que sairia de lá sem nada que eu já não soubesse antes, mas qual: foi uma noite instrutiva e divertida sobre um assunto que me consome há mais de 40 anos. Rizzo contou bastante da história da Academia, explicou como funciona o sistema de votação e chamou atenção para o fato de que nenhum dos nove indicados a melhor filme deste ano foi financiado por um grande estúdio. Pena que durou só duas horas e pouco. Por mim, estava lá até agora.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

OCÊ NUM MANDA INHEU

Nesses tempos em que a nomenclatura das identidades LGBT muda a cada cinco minutos (e ai daquele que usar a de cinco minutos atrás), o termo "drag queen" foi um dos mais ressignificados. O que já foi sinônimo de travesti passou por uma fase em que era considerado um estágio pré-trans, mas hoje já é encarado como o que de fato é: uma performance. Drag queen é uma arte, prima do teatro kabuki e com seus próprios códigos. É uma tração de sarro não das mulheres, mas dos homens - ou da ideia convencional da masculinidade. Pensando assim, porque não pode ser feito por uma mulher biológica? Fo o que aconteceu outro dia num evento beneficente no lendário Stonewall Inn de Nova York, marco zero da luta pelos direitos igualitários. Ninguém menos que a über-tudo Cate Blanchett subiu ao palco para dublar "You Don't Own Me", com gestual e maquiagem dignos do "Ru Paul's Drag Race". Como diz a letra da música: ninguém manda nessa racha.

CADERNO-QUESTIONÁRIO

- Se você fosse uma árvore, qual seria?
- E um bicho? Ai, não vale dizer "pantera"!
- E uma música do Roberto Carlos?
- Você já namorou com alguém por pena?
- O que você acha de homem que faz balé?
- E de mulher que não se depila?
- Qual foi sua primeira impressão de mim?
- Qual seu signo no horóscopo chinês?
- Qual sua série favorita de todos os tempos?
- Qual série você está assistindo agora?
- Você prefere gato ou cachorro?
- É melhor ser rico ou ter amigos?
- Qual superpoder você gostaria de ter?
- O que você perguntaria para Deus?
- Olha, por mim, tá aprovado!

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

DELÍCIAS CREMOSAS


O vídeo acima está fazendo sucesso nas redes sociais, mas ele não é exatamente uma versão animada do setor central do tríptico "O Jardim das Delícias Terrenas", de Hyeronimous Bosch, como se tem anunciado. Basta conferir o original aí ao lado para ficar claro que  a obra seminal do pintor flamengo é apenas a inspiração para o trabalho dos holandeses do Studio Smack. De qualquer maneira, essas duas interpetações fantásticas dos prazeres carnais empalidecem perto dos bloquinhos.

MILO PORQUE QUI-LO

Será o fim de Milo Yiannopoulos? A estrela gay da alt-right - uma tentativa de ressignificar o mau e velho racismo - finalmente teve a publicação de seu livro "Dangerous" cancelada. Também foi desconvidado a falar na CPAC, a Comic Con dos consveradores americanos. Pena que os protestos dos liberais não contribuíram em nada para essa derrocada. O que de fato afundou com Milo foi uma entrevista a um podcast onde ele defende tranquilamente o amor entre homens adulos e garotos de 13 anos. E não, isto não seria pedofilia, que no entender dele é apenas a atração sexual por crianças: afinal, um garoto de 13 anos já está com seus órgãos sexuais funcionando. Quando um dos entrevistadores reclama que isto soa como defesa dos predadores sexuais da Igreja, Milo ainda agradece ao padre Michael, que o teria ensinado a chupar tão bem. Essas declarações provocaram um barata-voa tão intenso que até funcionários do Breitbart News (o site de ultradireita de onde saiu Steve Bannon, a eminência parda de Trump) estão ameaçando pedir demissão se a biba continuar escrevendo lá. Demorou, hein? Será que ninguém percebeu que o livro inédito de Milo Yiannopoulos tem o mesmo título que um disco de Michael Jackson, notório apreciador do amor entre homens adultos e garotos de 13 anos?

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

DOM CASMURRO VAI À GUERRA


Ela é ou não é? Fez ou não fez? A dúvida que carcomeu o mais famoso personagem de Machado de Assis se mistura com "Casablanca" em "Aliados", o novo filme de Robert Zemeckis. O diretor de "Forrest Gump", "Uma Cilada para Roger Rabbit" e "De Volta para o Futuro" não tem um estilo definido: ele gosta de provar que é capaz de fazer qualquer coisa, do terror à comédia boba. E dá para perceber que aqui ele sonhou em rodar um romance épico, à moda antiga, bem cinemão tradicional. Só que não há uma boa razão para "Aliados" ter sido feito neste momento. A trama de época não reflete nenhuma preocupação atual, e o roteiro mão pesada - onde um espião suspeita que sua mulher, também espiã, na verdade jogue para o time oposto - tem muitos momentos em ponto morto, quando deveria ser eletrizante. Some-se a isto Brad Pitt numa das piores interpretações de sua carreira. Aos 53 anos, ele está velho demais para o papel, e o resultado é que seu rosto parece congelado de tanta maquiagem e/ou botox. Quem se salva, como sempre, é a divina Marion Cotillard, embalada em figurinos luxuosos que renderam ao filme sua única indicação ao Oscar. "Aliados" ainda foi prejudicado pelos rumores de que suas estrelas teriam engatado um casitcho, determinante para o fim do "Brangelina". Mas eu duvido: na vida real, aposto que o ex-senhor Jolie não tem lá muito assunto, e que a sofisticada Marion é muita areia para seu resplandecente caminhãozinho.

ARRASTA A SANDÁLIA

Quando eu era pequeno, não existia carnaval de rua em São Paulo. No Rio, só os cordões tradicionais desfilavam pelo centro da cidade, como o Bola Preta ou o Bafo de Onça. A folia rolava em ambientes fechados e pagos, como o desfile das escolas de samba ou os bailes em clubes que faziam a alegria das revistas. Aí surgiu a Banda de Ipanema; mais para a frente, o pessoal do Sudeste começou a frequentar os carnavais nordestinos, que nunca se escondeu entre quatro paredes. De uns quinze anos para cá, os blocos se metastizaram no Rio e finalmente alcançaram SP. Ao ponto de eu ter encontrado uma amiga carioca que tomou a Ponte Aérea neste fim de semana só para pular no Baixo Augusta. Só eu é que não consigo me animar. Talvez por ter tido que trabalhar no domingo, talvez por não ter no DNA - só sei que a empolgação esbarra em mim como a gordura numa frigideira de Teflon. Até fui dar uma espiada na concentração do Baixo Augusta, a uma quadra da minha casa, mas não deu liga. Culpa da luz do dia? Culpa do cheiro vil, já àquela hora da tarde? Mais provavelmente, culpa da minha sobriedade. É a mesma coisa com as boates: preciso chegar já meio bêbado, se não fico achando todo mundo feio e pensando no que é que eu esou fazendo ali.

domingo, 19 de fevereiro de 2017

O BONDE DO TIGRÃO

Fui ao Rio ontem e resolvi inovar quando saí do Santos Dumont. Ao invés de morrer numa grana com um taxista que vai tentar me levar para Ipanema via Niterói, preferi conhecer esse prodígio que é o VLT, o nome irado que ganhou a versão moderna do velho bonde. O problema começou já na hora de comprar o bilhete. Uma das máquinas da estação só aceitava dinheiro, e claro que não dava troco. A outra tinha uma fila imensa de argentinos, tentando navegar as instruções em português. Quando finalmente adquiri meu RioCard, as portas do trem se fecharam na minha cara... Ainda bem que o próximo não demorou e, em menos de 10 minutos de trajeto deslizante, desci na Cinelândia, bem na frente de um acesso do metrô. Que, evidentemente, estava fechado. Uma placa avisava: "Entrada pelo acesso D no Passeio". Sem mapa, sem tradução para outra língua, sem nada. Como sou carioca e tenho noção de que lado fica o Passeio, toquei para o acesso D. Chegando lá, mais uma surpresinha: bilheterias fechadas. Sim, em pleno sábado pré-carnaval, numa das maiores estações da cidade. Felizmente o RioCard vale no metrô, e lá fui eu rumo à Praça General Osório. Resumo da ópera: o Rio continuará não tendo jeito enquanto não se assumir como cidade turística, que depende do dinheiro de quem vem de fora. Não adianta construir um bonde futurista se o mínimo de infra-estrutura em torno dele simplesmente não funciona.

sábado, 18 de fevereiro de 2017

UM FILHOTE DE LEÃO, RAIO DA MANHÃ


"Lion" só foi indicado ao Oscar de melhor filme por causa da expertise em garimpar prêmios de seus produtores, os lendários irmãos Weinstein. Porque só a primeira metade é realmente excepcional: com um mínimo de diálogos (em hindi e em bengali), o diretor australiano Garth Davis reconstrói a saga do menino Saroo, que se perde do irmão mais velho numa estação de trem no interior da Índia e vai parar em Calcutá, a 1.600 km de distância. Saroo tem apenas cinco anos, acha que sua mãe se chama "Mãe" e mal sabe pronunciar o nome de sua aldeia. Depois de muitas peripécias, consegue ser adotado por um casal da Austrália. Vinte anos depois... aí começa a parte menos interessante. Agora homem feito, Saroo está obcecado em reencontrar o lugar de onde veio, que ele não faz a menor ideia de onde fica. Com a ajuda de uma namorada (na vida real foram duas) e do Google Earth, ele inicia uma jornada silenciosa, cheia de olhares tristes e alguma barriga narrativa. Dev Patel - com uma juba que valoriza seu perfil e remete ao título do longa, quando o Saroo verdadeiro tinha cabelos curtos - está indicado ao Oscar de ator coadjuvante, mas na claro que é o protagonista. Melhores do que ele estão Nicole Kidman (também indicada), como sua mãe adotiva, e o minúsculo Sunny Pawar,  o Saroo guri. "Lion" é bonito, bem acabado, com um final de lavar a alma. Mas sua segunda metade, prejudicada ainda mais pela mosca morta que é Rooney Mara, não justifica tanta badalação.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

CAMPANHA DESEDUCATIVA

Ao contrário de muita gente, não acho ruim a ideia do governo usar youtubers para divulgar as mudanças no ensino médio. Não é nenhum segredo que a maioria desses influenciadores digitais topa tudo por dinheiro, e eles realmente têm uma entrada fantástica com a galera mais jovem. Agora, quem fez o casting precisa levar umas palmadas. Como é que contratam o tal do Lukas Marques sem checar as barbaridades que esse babaca escreve no Twitter? Precisou vir o Sensacionalista, logo quem, para apontar essa escorregadinha óbvia. A equipe de Temer, o Velho, realmente não faz a mais puta ideia do ano em que nós estamos.

GOVERNO ARCAICO

Fernando Morais quis devolver, em meados do ano passado, um prêmio literário que ganhou do governo do Distrito Federal. Tudo porque o governador na época da premiação era Cristóvam Buarque, que votou pelo impeachment de Dilma Rousseff. O hoje senador criticou o escritor: "Não fui eu que dei o prêmio, foi o governo do DF, selecionado pelo mérito de seu maravilhoso livro. Mas ele acha que foi uma bolsa-escritor. Porque, para ele, não há diferença entre partido-governante-governo-estado". Concordo com Buarque. Corta para a manhã de hoje, quando Raduan Nassar recebeu o equivalente ao Nobel em língua portuguesa: o prêmio Camões, decidido todos os anos por comissões apontadas pelos governos do Brasil e de Portugal. O recluso intelectual aproveitou a ocasião para espinafrar Michel Temer, o Velho, e prontamente levou na cara um discurso agressivo de Roberto Freire. O atual ministro da Cultura alegou que Nassar deveria ter recusado o prêmio. Hmmm, sei não. Para começar, o Camões é um prêmio binacional, e a maior honraria das letras no nosso idioma. Acho mais contundente fazer o que fez o autor de "Lavoura Arcaica": aproveitou a ocasião para se manifestar, o que é perfeitamente legítimo numa democracia. Mas claro que a gritaria seria intensa se, por exemplo, ainda estivéssemos sob o governo do PT e um direitista tivesse aceitado a láurea. O cara seria chamado de aproveitador para baixo. Então arcaicos somos todos?

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

CURTOS E GROSSOS

Eu nem sabia, mas a categoria de melhor documentário em curta-metragem é considerada a mais deprimente do Oscar, pois os temas abordados costumam ser pesaaados. Não sabia porque os filmes jamais chegavam por aqui: lembro de ter visto um na HBO há alguns anos, mais nada. Mas, dos cinco indicados deste ano, quatro podem ser vistos online. E sim, três deles são, no mínimo, inquietantes. Vou postar abaixo os dois "short docs" que estão disponíveis no YouTube:

"Joe's Violin" é o único fofo do grupo. Um sobrevivente do Holocausto atende a uma campanha da prefeitura de Nova York e doa seu violino, que ele já não toca mais, para uma escola pública. O instrumento vai parar nas mãos de uma menina-prodígio, e o encontro dos dois violinistas é calibrado para arrancar lágrimas de emoção. Não por acaso, "Joe's Violin" já é o favorito ao prêmio.
"4.1 Miles" é uma reportagem do "New York Times" sobre imigrantes afegãos tentando fazer a travessia da costa da Turquia para a ilha grega de Lesbos. O material nem parece ter sido editado, e contribui, com a falta de locução, para dar um sentido de urgência ao drama que se desenrola. Tem um certo parentesco com "Fogo no Mar", o filme italiano que venceu o Fetsival de Berlim de 2016 e está indicado ao Oscar na categoria de documentário de longa-metragem.

Os outros dois títulos estão dando sopa no Netflix: "The White Helmets" é sobre um batalhão de voluntários na guerra civil da Síria, e "Extremis" fala das decisões de médicos e familiares a respeito de doentes erminais numa UTI. Este último, em especial, não é para os fracos. Se alguém conseguir ver "Watani - My Homeland", por favor, me avise onde tem. Vai ser engraçado chegar à cerimônia do Oscar tendo visto todos os indicados dessa categoria que já foi um mistério.

(Minhas previsões para o Oscar deste ano estão na minha coluna de hoje no F5.)

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

CAJU AMIGO

O governo de Temer, o Velho, perdeu qualquer resquício de vergonha na cara. Agora é salve-se quem puder e fodam-se as aparências. O Angorá foi acintosamente promovido a ministro, só para ter foro privilegiado (e a decisão de Celso de Mello confirmando-o no cargo só comprovou que o STF é mesmo leniente com os poderosos). O Índio foi acintosamente eleito presidente do Senado, e o Botafogo, reeleito presidente da Câmara. O Sonlo vai presidir a Comissão de Justiça. O Primo deu uma palestra explicando como funciona o esquema de troca de cargos por votos. E o Caju propôs nada menos que uma emenda constitucional para blindar o Índio e o Botafogo, que contou com o aval de nada menos que 27 de seus amigos senadores - entre eles, Marta Suplicy e Aécio Neves. Mas a repercussão foi tão ruim que Romero Jucá, já consagrado por sua vontade confessa de "estancar a sangria" da Lava-Jato, retirou a PEC no mesmo dia, talvez para representá-la em breve, numa sessão às quatro horas da manhã. No ano que vem, vão todos tomar caju. Nas urnas.

TOCANDO O TERROR EM TEERÃ


Uma mulher apavorada corre pela rua de madrugada, com a filha pequena no colo. De repente, cruzam com uma patrulha. E o que acontece? A mulher vai em cana, porque está fora de casa sem o véu lhe cobrindo os cabelos. Esta é um dos momentos mais fortes de "À Sombra do Medo", o filme de terror falado em persa que representou a Grã-Bretanha neste Oscar (não ficou nem entre os nove semi-finalistas). E olha que a cena não tem nada de sobrenatural: a trama se passa em Teerã em 1988, no final da guerra entre o Irã e o Iraque. O medo já fazia parte do cotidiano, pois a cidade era bombardeada por mísseis quase todos os dias. Como se não bastasse, a revolução islâmica consolidava a ditadura religiosa que perdura até hoje. A nível pessoal, a protagonista do filme ainda enfrenta dois problemas: não pode voltar para a faculdade de medicina, e seu marido é convocado para o front. Portanto, é bastante razoável que ela comece a ver djinns, uma espécie de espírito maligno, lhe assombrando a casa. Esta produção de baixo custo e muitos sustos já está disponível há meses no Netflix, mas eu só fiquei sabendo disso depois que ela ganhou o prêmio de melhor primeira obra no BAFTA, o Oscar britânico. Nem sou chegado ao gênero, mas não resisto a um terror iraniano.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

O DITADOR ENROLADO

O governo mandou a Folha de São Paulo e O Globo retirarem da internet algumas matérias que esses jornais publicaram na semana passada, revelando parte da troca de mensagens entre Marcela Temer e o gênio que achou que seria uma boa ideia chantagear a mulher do presidente. Mas essa censura fora de época não pôde retroagir: quem leu as reportagens não consegue mais deslê-las. Os gênios que deram essa ordem também se esqueceram de proibir o resto da imprensa de divulgar o conteúdo das conversas, e o resultado é que elas foram mostradas até no "Jornal Nacional". Ou seja, agora MUITO mais gente sabe que o chantagista ameaçou revelar podres de Michel Temer, o Velho. Esta é a turma que está no poder: são ditadores meia-sola, que mal conseguem esconder o espírito autoritário ao mesmo tempo em que fazem um serviço de porco. Estão precisando melhorar muito para ser do mal.

DAS TRIPAS, EXPLOSÃO


Mel Gibson é um pornógrafo da violência. Todos os seus três filmes anteriores como diretor tinham cenas cruentas: pele sendo arrancada do osso a chicotadas, corações arrancados a faca, torturas medievais. Depois de dez anos sem filmar, ele retorna com mais uma obra que espirra sangue.O pretexto de "Até o Último Homem" é contar a história de um soldado da 2a. Guerra que se recusava a pegar em armas, e que conseguiu salvar dezenas de seus colegas feridos no campo de batalha. Mas o que Gibson quer mesmo é mostrar tripas explodindo, e isto ele faz com garbo em três longas sequências que equivalem a toda uma temporada de "Game of Thrones". O pior é que a narrativa clássica e sem firulas prende mesmo a atenção, e o heroísmo do protagonista chega ser comovente. Teve até gente que aplaudiu na sessão em que eu estava. Mas, no fundo, "Até o Último Homem" preenche a cota dos filmes de direita entre os indicados ao Oscar (todo ano tem pelo menos um). É envolvente, mas também é caretão, religioso e sádico, tudo ao mesmo tempo.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

HELLO FROM THE OTHER SIDE

Tenho certeza de que foi o fantasma de George Michael que fez Adele errar durante seu segundo número na entrega dos Grammys. A grande vencedora da noite de ontem foi encarregada da homenagem ao cantor morto no Natal, e resolveu transformar a dançante "Fastlove", cuja letra fala da mais desavergonhada pegação gay, num hino fúnebre. O pavoroso arranjo tinha até um pianinho que insistia sempre na mesma nota, como se fizesse parte da tortura chinesa da água. Mas Adele não entendeu a mensagem do além, soltou um palavrão como é do seu feitio e recomeçou o massacre. Também derrotou Beyoncé nas três categorias onde competia com a amiga e rival: eu comento a maior surpresa da cerimônia na minha coluna de hoje no F5. E suspeito cada vez mais que o rapper Frank Ocean, que se recusou a concorrer este ano, tem toda a razão: o Grammy é um prêmio ultrapassado, com resultados constrangedores.

#VAI TER TODOS DE TURBANTE SIM

A polêmica sobre a famigerada “apropriação cultural” voltou a sacudir a imprensa e as redes sociais neste final de semana. Foi enorme a repercussão do caso da garota branca Thauane Cordeiro, que se defendeu de uma ativista que a repreendia por estar usando um turbante “exclusivo” das mulheres de ascendência africana. Muita gente aplaudiu a resposta da moça: “Tá vendo essa careca, isso se chama câncer, então eu uso o que eu quero. Adeus". Eu também aplaudo, mas tiraria a parte do câncer. Todo mundo tem direito de usar o que quiser, ponto.

Além do mais, essa problematização do turbante é imbecil em vários níveis. Para começar, turbantes não são exclusivos da África. De Madame Grès à Viúva Porcina, passando por toda a Índia e o Oriente Médio, milhões de não-africanos amarram panos na cabeça de milhares de jeitos diferentes, há milhares de anos.

“Ãin, mas tem um jeito que é só das africanas”. Tem, e que sabe o que as africanas de verdade fazem com ele? Convidam as de fora a experimentá-lo. Foi matador o tuíte do africano Bidú Azeez Bidú, lembrando que em seu continente o pessoal é para lá de hospitaleiro. Aliás, a África costuma se apropriar de outras culturas sem a menor cerimônia - na música, na moda, na culinária, na religião - e os resultados são es-pe-ta-cu-la-res. Uma sugestão: ouça Francis Bebey, que que se apropriou dos sintetizadores ocidentais para fazer música eletrônica nos Camarões em plena década de 1970.

Mas o pior de tudo é que as reclamações contra a “apropriação cultural” só nos dividem mais ainda. Elas erguem um muro tão ruim quanto o do Trump, pregando que cada um permaneça para todo o sempre em seu quadrado. Não passam de uma modinha importada das universidades americanas, que se esborracha gostosamente contra a realidade da miscigenação brasileira. Ninguém vai deixar de ser racista por causa dela, e os militantes que insistem nessa estupidez acabam hostilizando o pessoal que já está do lado deles. Fora que ninguém pode se apropriar da cultura do outro, porque a cultura não é propriedade de ninguém. Se existe dono, ele é um só: toda a humanidade. Ponto.

domingo, 12 de fevereiro de 2017

O PAI, A FILHA E O ESPÍRITO DE PORCO


Não, "La La Land" não é o filme mais divisivo desta temporada de prêmios. A honra dúbia deve ir para a comédia alemã "Toni Erdemann", uma contradição em termos: a Alemanha não é exatamente conhecida por seu humor contagiante. A bem da verdade, o favorito ao Oscar de filme em língua estrangeira passa longe do que a maioria das pessoas acham engraçado. Para começar, é longuíssimo: tem quase três horas de duração, e ficaria mais potente com meia hora a menos. Também tem muitas cenas sérias que pouco acrescentam à história - inclusive uma trepada bizarra envolvendo um canapé. O estilo da diretora Maren Ade faz lembrar "Aquarius" de vez em quando, tantos são os detalhes do dia-a-dia que ela não consegue deixar de fora. Mas a trama principal é boa: um pai fanfarrão tenta reconquistar a filha workaholic, e acha uma ótima ideia ir importuná-la quando ela está atendendo um cliente importante em Bucareste. Quando este approach não dá muito certo, ele tenta algo ainda pior. Veste uma peruca horrenda e uma dentadura falsa, e se apresenta a todo mundo como Toni Erdmann: às vezes o embaixador alemão, às vezes o coach pessoal da própria filha, sempre um constrangimento. O ritmo esquisito afugentou amigos meus, que talvez gostem mais do futuro remake americano estrelado por Jack Nicholson e Kristen Wiig. Mas quem ficar até o fim vai ser premiado com uma sequência de festa que beira o surrealismo de Buñuel, cômica e emocionante ao mesmo tempo. Mais não posso contar... Portanto, aguente firme: "Toni Erdemann" vale a pena.

OH YELLO


Talvez você nunca tenha ouvido falar do Yello, mas certamente conhece "Oh Yeah". Esta faixa lançada em 1985 já foi usada como trilha sonora de incontáveis filmes e comerciais, e tornou-se tão popular que precisou ser incluída, de uma forma ou de outra, em quase todos os discos da banda desde então. Felizmente, está fora de "Toy", o primeiro trabalho inédito dessa dupla de senhores suíços desde 2009 - e o primeiro que chega aos meus ouvidos em mais de 20 anos. Eu ouvi muito Yello nos anos 80, mas depois eles sumiram completamente do meu radar. Mas nunca pararam de gravar, e agora, pela primeira vez em quase 40 anos de carreira, estão fazendo shows ao vivo. Claro que "Oh Yeah" faz parte do setlist, mas a base do repertório é mesmo o excelente "Toy". Que não traz grandes inovações musicais mas, até aí, o Yello sempre soou à frente de seu tempo. O single "Limbo" está no mesmo nível de clássicos como "The Race" ou "Vicious Games", mostrando que esse cruzamento de Kraftwerk com Pet Shop Boys continua tão afiado como sempre. Que delícia ouvir Yello de novo: parece que encontrei vivo alguém que eu achava estar morto.

sábado, 11 de fevereiro de 2017

INTELIGÊNCIA NÃO TEM COR


"Estrelas Além do Tempo" acaba de ultrapassar "La La Land" nas bilheterias americanas e já é o mais bem-sucedido entre todos os nove indicados ao Oscar de melhor filme. Aqui no Brasil as salas também andam lotadas, o que é até surpreendente: elenco principal negro não é algo que costume agradar às nossas plateias. Mas "Estrelas..." também é cinemaço do bom, com protagonistas injustiçadas por quem vale a pena torcer. E, claro, final feliz, algo de que estamos precisando nesses tempos que correm. Mas não é entretenimento desmiolado, pelo contrário. É bastante didático: dói pensar que há meros 50 anos (eu já era nascido!), o sul dos Estados Unidos ainda praticava um apartheid asquersoso (que pelo menos não era escondido como o que vigora por aqui até hoje). Taraji P. Henson faz uma personagem que é o oposto da Cookie de "Empire": séria, compenetrada, bem-educada, ela só perde a linha numa única cena, a melhor do filme. Até o Kevin Costner, a quem geralmente eu odeio, está bem. A história das matemáticas negras da NASA chega na hora certa, em que a alt-right tenta dar verniz hipster à supremacia branca. E embalada como um filme que agrada ao povão, com muita superação e beijo na boca. Ou seja: Trump perdeu mais uma.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

A TURMA DO CHÁVEZ


O canal pago TNT já está transmitindo a minissérie "El Comandante" para quase toda a América Latina, mas não para o Brasil. São 60 capítulos sobre a vida de Hugo Chávez, e é claro que o governo da Venezuela já está chiando. O trailer acima é tão mirabolante que deixa "House of Cards" no chinelo, mas a caracterização me incomodou um pouco. Mesmo com muita prótese e maquiagem, o ator colombiano Andrés Parra - o mesmo de "Pablo Escobar, el Patrón del Mal" - não se parece nada com o caudilho que afundou nosso vizinho do Norte. Quero ver o programa apesar disso, ainda mais sabendo que ele irritou Nicolás Maduro e sua turma.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

PASSANDO MELANIA NA CARA

A primeira-dama dos EUA jamais deveria ter processando o blogueiro que postou que ela foi prostituta de luxo nos anos 90. Agora o mundo inteiro ficou sabendo que existe o boato de que ela foi prostituta de luxo nos anos 90. Piores ainda foram os argumentos apresentados em sua defesa: Melania Trump estaria arriscada a perder contratos multimilionários para emprestar seu nome e imagem a marcas de vestimentas, cosméticos, sapatos, acessórios e perfumes (no ano passado, ela até anunciou uma grife de skincare, que não chegou a ser lançada). Ou seja: esse lance de primeira-dama é só um bico para ficar ainda mais famosa e faturar ainda mais milhões. O mercantilismo da família Trump é de uma vulgaridade chocante, reiterada pelo tuíte onde o próprio presidente criticou a rede de lojas Nordstrom por não vender mais a linha de produtos de sua filha Ivanka. E confirmada pela sua incompetentérrima assessora Kellyanne Conway, que foi à Fox News pedir para o público comprar produtos Ivanka. Só faltou dizer que existe um boato de que Melania Trump foi prostituta de luxo nos anos 90.

HOW TO GET AWAY WITH SCANDAL


Não é que "Armas na Mesa" seja ruim. O filme é razoavelmente bem escrito, a direção é tensa, os atores estão todos bem. Mas, depois de uma enxurrada de advogadas fodonas na TV, fiquei com sensação de ter feito binge-watching numa boa minissérie da Shonda Rhimes. A essa altura da guerra, a personagem da pálida Jessica Chastain já é um padrão da indústria: a super profissional fria e calculista, workaholic, inescrupulosa, com traços de humor e uma vida pessoal catastrófica. A trama também não traz novidades para quem já viu Glenn Close ou Viola Davis em papéis parecidos na telinha. Traições, agentes infiltrados, dossiês, tiroteios, o cardápio completo. Talvez por isto "Armas na Mesa" (que é um bom título em português, até que enfim!, porque o caso retratado é sobre a regulamentação das armas de fogo nos EUA) tenha decepcionado tanto nas bilheterias como na atual temporada de prêmios. É diversão de qualidade, mas para ser desfrutada no conforto do seu lar.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

EXPLODE, CABEÇÃO

O colunista Lauro Jardim garante que Eduardo Cunha já sabia há dois anos que tem um aneurisma, e que ele vinha realizando exames periódicos em São Paulo. Por que cargas d'água, então, o "Caranguejo" da Odebrecht se recusa a ser examinado na cadeia? E por que não entregou à Justiça os comprovantes de sua condição médica? O anúncio de ontem, em plena entrevista a Sergio Moro, tem cheiro de teatro mal-ensaiado. Cunha pode estar tentando se aproveitar da comoção em torno da morte de Marisa Letícia e arrancar piedade das quatro velhinhas que ainda acreditam nele. Só que, como diz o Reinaldo Azevedo, aneurisma não é razão para alguém ser mantido em liberdade. O sujeito se opera, e aí volta para a prisão. Essa veia defeituosa, se existir mesmo, não pode arrebentar antes de Cunha contar tudo o que sabe.

AMERICAN JESSICA STORY

Existe uma tradição de fotografar estrelas da atualidade incorporando estrelas do passado. Alguns anos atrás, Jennifer Aniston posou de Barbra Streisand, e arrancou elogios da própria. Nos anos 90, a versão brasileira da revista "Interview" vestiu Glória Pires de ícones de Hollywood, e o resultado foi um desastre - o biotipo semi-indígena de Glorinha não combinou com Rita Hayworth.
O ensaio que o fotógrafo Sandro fez com Jessica Lange para a revista "New York" ficou no meio do caminho. Impressiona o cuidado da produção: claro que não é possível encontrar figurinhos e acessórios idênticos aos originais, mas a luz, os ângulos e as intenções foram reproduzidas com fidelidade. Mas, em algumas imagens - como a que imita a doyenne fashion Diana Vreeland, acima - parece que o rosto de Jessica foi inserido via Photoshop. E que rosto imenso ela tem!

Ms. Lange escolheu sete lendas femininas/feministas, e a galeria completa pode ser conferida aqui. Não deixe de ver também o vídeo, com detalhes do making of.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

MOQUECA CAPIXABA

Há menos de um mês, o Espírito Santo foi apontado como exemplo de estado que soube apaziguar suas prisões, onde não morre ninguém há anos. Há menos de um mês, o Espírito Santo recebeu elogios por manter contas e salários em dia, enquanto que estados mais ricos como Rio de Janeiro ou Minas Gerais afundam na inadimplência. Uma das causas dessa boa situação econômica é o controle dos gastos públicos: servidores estão sem aumento há anos, mas pelo menos são pagos em dia. Agora uma dessas categorias sem aumento resolveu transformar os capixabas em moqueca, em mais uma prova de que não se pode elogiar. A greve da PM (pois é greve, por mais que jurem que são os parentes que não os deixam sair dos quartéis) mostra como é fraca a cola que une a sociedade brasileira. Basta não haver policiamento para que lojas sejam saqueadas até por gente comum - claro, a ocasião faz o ladrão.O Espírito Santo arde, como numa igreja neopentecostal.

GAME OF TRUMP

O vídeo aí em cima foi criado um ano atrás, quando Donald Trump ainda era visto como uma ameaça distante ao Trono de Ferro à presidência dos Estados Unidos. Já está na hora de surgir uma continuação, com o Rei da Noite sendo indicado para o Conselho de Segurança Nacional de Westeros e Melania desfilando nua pelas ruas de King's Landing. Opa, peraí, parece que ela já fez algo do gênero.

(obrigado pela dica, Marta Matui. Deus lhe dê em dobro - duas dicas!)

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

CARECA DE IDEIAS

No frigir dos ovos, havia apenas duas opções: o magistrado medieval que acredita que a mulher deve obedecer ao marido, ou o ministro trapalhão que acredita que a maconha pode ser erradicada da face da Terra. Como esta última crença é a menos daninha (por mais impossível de ser posta em prática), talvez devêssemos ficar contentes por Michel Temer, o Velho, ter indicado Alexandre de Moraes para a vaga de Teori Zawascki no STF. Então agora teremos um juiz do Supremo filiado a um partido político (o PSDB), amigão do governo de plantão e com competência bastante duvidosa. Ata.

O TOCANTINS INTEIRO PARA ELA

A maior surpresa do show de Lady Gaga no Super Bowl? Não houve surpresas. Nenhum convidado especial, nenhuma música fora de seu repertório, nenhum momento ultrajante. Nada de dedo médio levantado para a câmera ou "wardrobe malfunction". Mas não dá para reclamar (muito). A performance foi impecável, confirmando que a Germanotta é mesmo uma das maiores "entertainers" da atualidade. Também é assombroso o apuro técnico: juro que eu pensei que aqueles 300 drones flutuando atrás delas durante a abertura no topo do estádio eram um efeito digital. Gaga preferiu unir a plateia global ao invés de dividi-la ainda mais com uma diatribe contra Donald Trump, e Deus sabe como estamos precisando de união. Mas será que perdeu a oportunidade de protestar contra o banimento dos muçulmanos, a desregulamentação do mercado financeiro e a construçnao do muro na fronteira mexicana? Foi ridícula no sentido da ESPN, ou no sentido original? Leia mais sobre o assunto na minha coluna de hoje no F5.

domingo, 5 de fevereiro de 2017

FILME DE MENINO


Dos nove indicados ao Oscar de melhor filme, "A Qualquer Custo" é o único que não foi feito pensando em prêmios. É o mais despretensioso do grupo e um dos dois com mais testosterona (o outro é "Até o Último Homem", que eu estou juntando coragem para ver). Foi lançado em agosto nos Estados Unidos, longe da temporada de prêmios, mas chegou até ela graças ao boca-a-boca e a ótimas críticas. Por causa disso fui esperando uma experiência quase tarantinesca, mas o roteiro é sóbrio e passa longe das piadinhas. Um cara que está prestes a perder a fazenda da família conta com a ajuda do irmão, recém-saído da cadeia, para roubar uma série de agências do banco para o qual eles devem uma fortuna. Aí, um tira às vésperas da aposentadoria - sim, isso mesmo, tiveram coragem - parte ao encalço da dupla. "A Qualquer Custo" até se propõe a ir além do bangue-bangue e meditar sobre o interiorzão americano empobrecido, aquele que achou que um magnata apresentador de reality show iria trazer de volta os bons velhos tempos. Não tem gordura sobrando, mas para mim faltou aquele momento "ooooh" que justificasse as quatro indicações ao Oscar. Talvez seja para menino demais?

sábado, 4 de fevereiro de 2017

WTF À BEIRA-MAR


Juro, às vezes dá vontade de bater com chinelo na cara dos distirbuidores brasileiros. Quem foi o gênio que rebatizou o filme francês "Ma Loute" (uma tradução difícil, admito) de "Mistério na Costa Chanel"? Não existe nenhum litoral dedicado à criadora do tailleur. O que há é "the CHANNEL Coast", com dois N: o termo em inglês para as praias do Canal da Mancha, que separa a França da Inglaterra. Dito isto, talvez não haja nenhum título possível para essa doideira do diretor Bruno Dumont. O que aparenta no trailer ser uma comédia de época na verdade é um amontoado de ideias descosturadas e inconsequentes. E o pior: bem pouco engraçadas. Há uma família de pescadores canibais, uma menina hermafrodita, uma mansão que lembra um templo egípcio, um casal de irmãos incestuosos e um inspetor obeso de polícia que flutua feito um balão. Tudo isso com interpretações afetadíssimas (Juiette Binoche nunca esteve tão mal) e nenhum "timing" cômico. Como que esse WTF foi indicado a uma pá de Césars?

A INVENÇÃO DE CAMELOT


Jacqueline Bouvier Kennedy foi a primeira-dama americana mais popular de todos os tempos, até o advento de Michelle Obama. Na sua época as esposas dos mandatários não precisavam aparentar "simplicidade" e fala direto com o povão; ainda se valorizava uma allure aristocrática, e Jackie era o mais próximo de uma princesa que os EUA foram capazes de produzir. Essa figura emblemática já foi assunto de dezenas de filmes e séries, mas acho que nunca foi tão bem retratada como em "Jackie", dirigido pelo chileno Pablo Larraín (o mesmo de "Neruda"). Natalie Portman, uma atriz por quem não nutro muita simpatia, consegue emular à perfeição a voz vaporosa e os gestos delicados da mulher de JFK, e também cumprir o objetivo do roteiro: mostrar que, por baixo daquela aparente dondoca, havia uma mulher forte e inteligente. Toda a ação de "Jackie" se passa na semana seguinte ao assassinato que chacoalhou o mundo, em dois níveis interessantes. O primeiro foca nos detalhes absurdos, como o banho que ela toma em estado de choque, para se lavar do sangue do marido. O segundo conta como Jackie insistiu num funeral grandioso, para que John não fosse esquecido - afinal, ele passara apenas três anos na presidência, e mal passara das promessas de campanha. A turma que frequentava a Casa Branca em seu mandato ficou conhecida como "Camelot", a lendária corte do Rei Artur (e também o nome de um musical popular à época), por reunir o crème de la crème da arte e da cultura mundiais. Mas o filme insiste que Camelot é um mito, inflado por Jackie depois que ela voltou a ser uma cidadã comum. "Jackie" seria mais potente se perdesse algumas cenas (toda a sequência com o padre feito pelo recém-falecido John Hurt, por exemplo), mas é um excelente estudo de uma das mulheres mais marcantes do século 20.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

ÍNDIO E BOTAFOGO

Qualquer esperança de que o Brasil esteja mundando para valer esmaece quando vemos os recém-eleitos presidentes do Congresso. Na Câmara, Rodrigo "Botafogo" Maia revelou sua podridão quando, no ano passado, tentou aprovar na calada da noite um projeto que descriminalizava o caixa dois. No Senado, Eunício "Índio" Oliveira é apenas a versão remix de Renan Calheiros. Ambos são citados na Lava-Jato. Tudo bem que as reformas são urgentes (a política mais do que todas), mas confiar o Legislativo a esses dois codinomes não dá. Enquanto isto, Temer, o Velho, dá foro privilegiado a seu cupincha Moreira Franco. Não é questão de direita x esquerda: é de decência mesmo. Nojo.

DIVIDIR CANSA

A foto ao lado causou comoção nas redes sociais. Teve até internauta dizendo que nunca tinha visto Lula e FHC juntos, ignorando que os dois são amigos de longa data (chegaram a dividir uma casa alugada no litoral norte de São Paulo). O tucano, inclusive, portou-se como um lorde na transição da presidência para o petista, mostrando a ele os recônditos do Alvorada. E Lula também foi perfeito quando morreu Ruth Cardoso, oito anos atrás, indo ao enterro e decretando luto oficial. A triste verdade é que PT e PSDB, quando surgiram, eram a nata da política brasileira, com os melhores quadros e um histórico limpo de escândalos. Quis o destino que eles se antagonizassem logo na segunda eleição direta para presidente, vencida por FHC. Desde então, o partido que está no poder é obrigado a se aliar com o PMDB e outras gelecas que nunca vão para a oposição. A história teria sido outra se nossas duas grandes siglas tivessem trabalhado mais juntas. Agora seus líderes se reaproximam num momento de dor (é a segunda viuvez do Lula, tadinho), e a reação ao seu abraço no hospital mostra como tem gente cansada da divisão que há anos consome o Brasil. Adversários políticos não são inimigos, muito menos os familiares desses adversários. Seria um alívio se todos nós baixássemos as armas por um tempo.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

A ESTRELA DISCRETA

Hoje de manhã postei a seguinte frase no Facebook: "Alguém duvida de que o Lula vai por a culpa no Sérgio Moro?". Apaguei-a minutos depois, pois a área de comentários havia se transformado num ringue de MMA. Sabia que o assunto era delicado, mas eu queria criticar a politização da morte de Marisa Letícia - aliás iniciada por Lula anteontem, quando ele disse que "a pressão e a tensão" haviam levado sua mulher a esse ponto. Só que minha intenção passou batida: não tardou a surgir gente desejando coisas ainda mais horríveis para a ex-primeira-dama, outros vieram contra-atacar esses urubus, e o bate-boca pegou fogo. Uma energia tão pesada que eu preferi deletar logo o post.

Não há muito o que dizer sobre Marisa Letícia, porque ela não fez muita coisa enquanto primeira-dama. A militância do PT já está chamando-a de "guerreira do povo brasileiro" (um epíteto que eu vou associar para sempre ao Zé Dirceu sendo preso), mas ela não assumiu sequer as funções habituais da esposa de um presidente. Não encabeçou campanhas de conscientização, não geriu entidades assistenciais, não ligou seu nome a nenhuma causa. Foi até mais discreta que suas antecessoras, e olha que o Brasil tem tradição de primeiras-damas discretíssimas (com uma ou outra exceção como Dulce Figueiredo, que queria mesmo era se divertir). Não é justo comparar Marisa Letícia a Ruth Cardoso, que tinha mestrado e doutorado. Mas o fato é que ela jamais agiu na esfera pública.

Lamento sua morte prematura, claro, e sinto pela família. Agora, querer transformar Marisa em mártir da Lava-Jato é um pouco demais. AVC também acontece com quem está tranquilo, feliz, sem nenhum problema sério. Basta ter um aneurisma no cérebro. Por falar nisto, é bom marcar logo alguns exames.


(Não estou chamando Marisa Letícia de "dona" porque acho ultrapassada essa mania brasileira. Não chamamos as primeiras-damas estrangeiras desse jeito: dona Michelle Obama, dona Carla Bruni, dona Cristina Kirchner... Isso é machismo e patriarcalismo. Mas, pelamor, a minha falta de cerimônia não implica em nenhum desrespeito à sra. Lula, nem a qualquer cônjuge de político, OK?)