domingo, 18 de setembro de 2016

DIVINAMENTE HUMANO


Em 1988, "A Última Tentação de Cristo" provocou um escândalo em escala global. O filme de Martin Scorsese mostrava Jesus aceitando uma proposta do diabo enquanto agonizava na cruz. O demo o tirava dali, e ele assumia a vida de um homem comum: casava-se com Maria Madalena, ficava viúvo, depois se amigava com as irmãs Marta e Maria, e morria velhinho cercado por filhos e netos. O fato de toda essa sequência ser um delírio de Cristo, que no final acabava mesmo morrendo crucificado, não sossegou os censores (a maioria nem deve ter visto o filme). O infame prefeito Jânio Quadros, um dos maiores poços de hipocrisia que este país já viu, chegou a proibir "A Última Tentação..." nos cinemas de São Paulo. Quase 30 anos depois, um filme talvez ainda mais "blasfemo" (aspas, muitas aspas) está passando batido, e não só por aqui. "Últimos Dias no Deserto" foca naquele período em que Jesus saiu de Jerusalém para meditar e se encontrar com Deus; diz a Bíblia que ele foi diversas vezes tentado pelo demônio. Nesta obra corajosa de Rodrigo García, filho de Gabriel García Márquez, o capeta assume as feições de Ewan McGregor, que também interpreta o Jesus mais sexy de todos os tempos. É uma escolha ousada e perfeitamente aceitável: quem vai dizer que nosso pior tormento não somos nós mesmos? Mas a audácia não para por aí. Este Jesus não pratica milagres, e só levita em sonhos - aliás, seus sonhos são os mais óbvios possíveis: está se afogando, está sendo perseguido por lobos, está voando. Um Jesus tão humano que até ri quando alguém peida, e incapaz, como todo mundo, de entender as crueldades de Deus. Sua relação com o Pai está espelhada na de um pastor com seu filho, cheia de conflitos e amor. O roteiro também é de Rodrigo García, que já merece ser citado entre os grandes cineastas do nosso tempo. E a fotografia sublime é do lendário "Chivo", o fotógrafo mexicano Emmanuel Lubezki, que ganhou o Oscar três vezes seguidas nos últimos três anos. "Últimos Dias no Deserto" consegue ser um trabalho extremamente religioso, sem apelar para o sobrenatural em momento algum. É um filme seco, para se discutir, incômodo e belíssimo. Uma obra-prima.

10 comentários:

  1. Esse filme estreiou 25 de janeiro de 2015 em Sundance??? Que demora pra chegar no circuito comercial. Quero ver o Trainspotting+20 que prometeram pra este ano.

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  2. O mio babbino caro
    Vai indo vai indo, até "Jesus" enche o saco.

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  3. Pelo trailer e pelo Jesus loiro de olhos azuis nem assistiria, mas seu post me instigou a assistir. Obrigado pela dica. Depois conto o que achei.

    Abs.

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  4. Grande cinesata do nosso tempo, que exagero, o cara só fez filme médio pra baixo.

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  5. Lembrando que o David Bowie interpretou o Pôncio Pilatos no filme do Scorcese, de 88. É muito amor esse filme, trilha sonora belíssima.

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  6. Tentar humanizar Jesus e desqualifificar qualquer forma de transcendência são as meninas dos olhos da esquerda, em seu lixo "cultural".

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  7. Não vi nada de demais nesse filme. Achei monótono. Nem Jesus/Ewan o salva.

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  8. jorge luis borges decia en sus aulas en la vieja facultad de filosofia de buenos aires que " las escrituras son los mejores cuentos de literatura fantastica ya escrito"
    abrazos
    ya vi tu blog, hoy un poco tarde . ahora trabajar en el suplemento del domingo.
    eugenio zanetti y andres segovia estan colaborando.
    bari mitre

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