segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

AGORA FODEU?

José Eduardo Cardozo sempre me pareceu um sujeito decente, desde os tempos do mensalão. Seu nome nunca foi enlameado por nenhum escândalo, ao contrário do de muitos de seus correligionários. E sua atuação frente ao Ministério da Justiça vinha sendo marcada pela isenção, o que evidentemente irritou seu partido. Consta que Dilma teria oferecido a cabeça de seu assessor como oferenda de paz a Lula, com quem está ficando de mal. Também consta que o próprio Cardozo não aguentava mais tanto fogo amigo e pediu água. O fato é que agora ele vai para a AGU e cederá o posto a Wellington César, que é ligado a Jaques Wagner. Aí que mora o perigo: nada será feito neste momento que é para não dar na vista, mas é o-bó-vio-dãã que o diretor-geral da Polícia Federal também será trocado. O que está por trás de tudo isso é apenas uma tentativa de melar a Lava-Jato de uma vez por todas e garantir a impunidade, se não a reputação, da cúpula petista. Por outro lado, essa mudança de ministro pode precipitar a tal delação-bomba que a PF andou sinalizando ter na manga. De repente, explode tudo de uma vez?

CHUPA, VATICANO

Eu já esperava que "O Regresso" não fosse mesmo levar melhor filme, ainda mais depois de "Mad Max" ganhar seis Oscars de enfiada. Achei que o épico de George Miller poderia surpreender, ou então, "A Grande Aposta" - o queridinho da crítica americana. Mas a Academia acabou premiando um dos meus favoritos: "Spotlight" (o outro é "O Quarto de Jack"). Pelo jeito, preferiram o título mais político de todos, e o que tem mais chances de provocar alguma mudança no mundo real. Porque é um baita constrangimento para o Vaticano que esse filme-denúncia saia vencedor. Ainda mais em tempos de papa Francisco, que se faz de fofo mas na prática não moveu muitas palhas para punir os pedófilos da Igreja. Essa vitória foi uma das três supresas da noite. As duas outras foram o ótimo Mark Rylance batendo o canastrão Sylvester Stallone como ator coadjuvante, e a fraca "Writing's on the Wall" faturando melhor canção. Falo mais dessa dêbacle na minha coluna de hoje no F5. Que era para se restringir ao que aconteceu no palco do teatro Dolby em Los Angeles, mas não deu. A erupção de Glória Pires como comentarista da Globo se fez mais forte. Se ela tiver senso de humor, vai faturar em cima de seu recém-descoberto não-talento: participações no "Tá no Ar", no júri do "The Voice", no desfile das escolas de samba... Bacana. Acessível. Não vi.

domingo, 28 de fevereiro de 2016

THE WALKING DOGS


O diretor e roteirista de "White God" teve uma grande ideia para uma cena: pelas ruas desertas de Budapeste, uma matilha de cães persegue uma garota de bicicleta. Uma imagem tão forte que abre o filme e está no poster. Foi  partir dela que ele construiu a história, que parece um "live action" da Disney dos anos 60 - "criança perde cachorrinho, mas ele encontra o caminho de volta" - dirigida por Alejandro G. Iñárritu. Aqui também há muita violência, muitos malvados e as rinhas de luta que marcaram "Amores Perros", o estreia em longa do mexicano. Mas "White God" - que representou a Hungria no Oscar do ano passado - não é realista: da metade para o fim, o filme se transforma numa metáfora sobre a brutalidade, com o cão protagonista se vingando de um por um de seus detratores. Ele lidera um bando de fugitivos que se comportam como uma versão canina dos "walking dead", tocando o terror de forma absurda. Teve até uma hora em que, numa vitrine ensaguentada, eu achei que alguém iria encontrar uma mensagem aterrorizante escrita pela pata de um dos totós: "au au".

sábado, 27 de fevereiro de 2016

PARA QUEM EU QUERO DAR?

O que não falta hoje em dia é previsão sobre o Oscar. Sites de cinema, cadernos de cultura, porteiros de prédio, todo mundo tem seus palpites certeiros. São tantos que não é raro surgir a reclamação de que a graça se esvaiu completamente. Quando chega a cerimônia, até bebês no útero já sabem quem vai ganhar. Essa queixa muda em anos como 2016: como dessa vez não há francos favoritos em algumas categorias, as pessoas reclamam por não conhecerem de antemão os resultados. Como eu sou um estudioso do Oscar desde 1975, tô nem aí pra nenhum dos lados. Continuo fazendo meu post anual sobre quem vai ganhar e quem deveria ganhar, na minha imodesta opinião. Ei-lo.

MELHOR FILME
Depois de uma certa confusão, chegou-se a um consenso: "O Regresso" sairá vitorioso, por muitas razões. É a maior bilheteria entre os oito indicados. É cinemão espetacular. É branco e masculino, o que sempre ajuda. Ganhou o BAFTA e o DGA. Mas não descarto a hipótese de um filme menor lhe passar uma rasteira. O que tem mais condições de fazer isto é "A Grande Aposta".
Mas eu daria para... "Spotlight" ou "O Quarto de Jack". Adorei ambos, que são totalmente diferentes entre si e do resto da produção atual. Um é político e coletivo; o outro é íntimo e pessoal. São duas obras-primas.


MELHOR DIRETOR
Tá pintando que Alejandro G. Iñárritu vai emplacar sua segunda vitória consecutiva. Ele é um puta diretor, mas eu preferia que um outro ganhasse. Como é mexicano, pelo menos deve fazer um discurso contundente contra Donald Trump.
Mas eu daria para... Ridley Scott, que sequer foi indicado. Já que ele está fora de páreo, então George Miller, outro veterano importante.

MELHOR ATOR
Leonardo Di Caprio. Ponto.
Mas eu daria para... Leonardo Di Caprio. Ponto.

MELHOR ATRIZ
Brie Larson. O Oscar adora premiar revelações, e ela realmente está ótima.
Mas eu daria para... Charlotte Rampling, tanto pela atuação em "45 Anos" como pelo conjunto da obra. Mas preciso admitir que Brie encarou um papel mais difícil que o de todas suas rivais, e se saiu maravilhosamente bem.

MELHOR ATOR COADJUVANTE
Sylvester Stallone. Por ser quem é e por não ter tido medo de aparecer velho e frágil como seu personagem icônico. A Academia adora essas coisas.
Mas eu daria para... Idris Elba. Se ele tivesse sido indicado, teríamos sido poupados da campanha #OscarsSoWhite. Como não foi, fico com o inglês Mark Rylance, um ator fenomenal de teatro que fez carreira discreta no cinema.

MELHOR ATRIZ COADJUVANTE
Alicia Vikander. Que deveria ter concorrido como atriz principal, mas foi inscrita como coadjuvante para ter mais chances. Está numa situação semelhante à de Brie Larson: cara nova, talentosa, disputada. Até fisicamente elas são parecidas. 
Mas eu daria para... Jennifer Jason Leigh. Que levou sua primeira indicação já depois dos 50 anos, apesar da longa carreira com títulos importantes. E é das poucas coisas boas de "Os Oito Odiados" (a outra é a trilha sonora de Ennio Morricone, que vai sair consagrada).

MELHOR FILME EM LÍNGUA ESTRANGEIRA
"O Filho de Saul" nem precisava ser bom: basta o filme ser sobre o Holocausto para vencer nessa categoria, votada por velhinhos que não têm mais o que fazer.
Mas eu daria para... "O Filho de Saul" mesmo, que é um petardo.

As demais categorias não prometem muita emoção. "Mad Max: Estrada da Fúria" vai garfar uma pá de prêmios técnicos, e "Divertida Mente" não vai sentir nem a cosquinha de "O Menino e o Mundo". Ah, e dessa vez não vou fazer prognósticos sobre categorias esotéricas, como documentário em curta-metragem ou animação em braille. Se você quer ganhar o bolão do escritório, se vira aê.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

AVANTI POPOLO

Eu já tinha desistido de ver qualquer avanço dos direitos igualitários na Itália. Achei que o Vaticano nunca permitiria. Mas talvez tenha sido exatamente isto o que aconteceu: o papa Francisco não se meteu, e o parlamento italiano aprovou a união civil por 173 votos a 72. Com essa margem tão ampla, talvez o premiê Matteo Renzi nem precisasse ter tirado da lei a adoção por casais do mesmo sexo. Assim a Itália deixa de ser o único país da Europa Ocidental que ignorava solenemente sua população homossexual. Sim, chegou atrasada e nem têm o casamento propriamente dito, mas sinto que estão à frente do Brasil. Porque lá pelo menos o legislativo discutiu a questão. Aqui foi preciso uma decisão do STF para que os gays se tornassem cidadãos plenos. Se muda a composição da corte, baubau - porque, com o nosso Congresso, sabemos que não podemos contar.

WIKILIX

Os professores de história gostam de Asterix. Sabem que as aventuras do irredutível gaulês servem para despertar nos jovens o interesse pela Antiguidade. Mas as melhores histórias também são aquelas que fazem referência implícita ao mundo contemporâneo. É o caso de "O Papiro de César", o segundo livro assinado por Jean-Yves Ferri e Didier Conrad. O nível continua alto depois da aposentadoria do desenhista Albert Uderzo, que assumiu os roteiros depois que René Goscinny morreu em 1977 - e fez um trabalho de porco. Os novos autores reprisam o espírito original da série, e ainda vão em frente. Dessa vez a inspiração parece ser o escândalo do Wikileaks: documentos secretos que vêm a público e têm o poder de mudar o rumo da história. No caso, trata-se de um capítulo suprimido dos "Comentários da Guerra da Gália", de fato escritos por Julio César. Claro que o tal do texto vai parar na única aldeia que não se rendeu ao império romano. A ação tem um pouco de idas e vindas demais, mas os fãs "hardcore" não vão se decepcionar.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

THE GIRL IN THE MOUSY HAIR

Os Brit Awards foram entregues ontem à noite. Como era de se esperar, Adele levou quase todos os prêmios, inclusive Melhor Ida ao Banheiro. Claro que os britânicos precisavam não só honrar David Bowie como superar o tributo dos Grammys. Conseguiram? O número musical só começa a partir de 9' no vídeo acima, depois de longos discursos de Annie Lennox e Gary Oldman. A banda do falecido toca um medley instrumental de seus maiores sucessos: "Space Oddity", "Rebel Rebel", "Let's Dance", "Fame", "Ashes to Ashes", "Under Pressure", "Ziggy Stardust"... peraí, as mesmíssimas cantadas por Lady Gaga? Mas então entra Lorde com "Life on Mars", a faixa de abertura de meu disco-solo imaginário "Tony Sings Bowie". O único senão é que eu não gosto muito dela. Prefiro o vozeirão de Jess Glynne, que brada como estivesse sob a mira de uma arma. E você?

EVO VIU A UVA

Os números não mentem. Evo Morales está mesmo fazendo um bom governo na Bolívia. O país não para de crescer, milhões de pessoas saíram da pobreza extrema e a democracia parece estar se estabilizando, depois de inúmeros golpes militares. Mas Evo nunca escondeu o pendor autoritário, e tentou buscar a reeleição indefinida. Bem feito: perdeu, ainda que por pouco. A América Latina tem um longo histórico de presidentes que se eternizaram no poder, e por isto alguns países proíbem a reeleição, mesmo se não for consecutiva. Só que volta e meia um governante popular consegue aprovar o direito de se reeleger indefinidamente, como Chávez fez na Venezuela (mas só na segunda tentativa - e parabéns ao Lula, que poderia ter passado lei semelhante em 2010, mas resistiu bravamente). Evo já está no terceiro mandato, e queria pelo menos mais um. As urnas negaram, e ele agora segue a cartilha da esquerda dizendo que foi vítima de uma "conspiração internacional". Não vê que poderia passar para a história não só como o presidente que tirou a Bolívia do buraco, mas como um verdadeiro estadista.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

A DESPROBLEMATIZAÇÃO DAS BICHAS

Palavras machucam? Palavras têm o poder que a gente der a elas. "Gay" era um termo pejorativo nos EUA até surgir um movimento organizado que se apoderou da palavra. OK, hoje "gay" continua sendo pejorativo por lá ("that's sooo gay"), mas quem se assume usa a palavra com garbo - e isso pelo mundo afora. Aqui no Brasil "gay" virou uma expressão politicamente correta, enquanto que "bicha" continua sendo pouco mais que um palavrão. Essa é uma das conquistas do documentário "Bichas", que está fazendo o maior sucesso desde que foi lançado sábado passado. A outra, é óbvio, é o bem que essas seis histórias vão fazer para quem ainda tem medo e se acha a única bicha do mundo. Os meninos são todos pernambucanos e da mesma faixa etária, mas suas experiências são bem universais. Até me dói perceber que eles ainda enfrentam muitas das mesmas barreiras que a minha geração, trinta anos atrás. Mas a coisa melhorou, haja vista os comentários avassaladoramente favoráveis. E como eu sempre dou um jeito de puxar a brasa para a minha sardinha, convido quem não viu a ver o vídeo "Eu Não Gosto dos Meninos", do qual eu participei em 2011. São as nossas vozes, as nossas caras e as palavras que tomamos como nossas que mudam o mundo.

A PROBLEMATIZAÇÃO DO ACARAJÉ

Eu não sabia que o acarajé era sagrado para as religiões de matriz africana, até que algumas vendedoras recém-evangélicas tentaram mudar o nome do quitute para "bolinho de Jesus". O pessoal do candomblé e afins reagiu, e a "appellation d'origine" foi mantida. Vitória em Cristo! Agora alguns ativistas do movimento negro estão reclamando da Polícia Federal ter batizado a nova fase da Operação Lava-Jato com o prato favorito de Iansã. Não querem que o acarajé seja ligado à corrupção. Quem sou eu para saber onde dói o calo dos outros, mas acho essa interpretação meio simplória. É que nem querer proibir um filme  porque nele há um personagem racista. Se eu fosse religioso, adoraria que um elemento da minha fé fosse associado à luta pela justiça. Os ativistas deviam era reclamar dos envolvidos no esquema revelado pela PF. Para essa turma, "acarajé" era o codinome da propina. Tipo um pixuleco afro.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

A MENTIRA CONTINUA SOLTA

Seria ótimo se a prisão de João Santana também significasse o fim do estilo de propaganda que ele consagrou. O marqueteiro do PT certamente não inventou as campanhas mentirosas. Mas suas potocas atingiram tal nível de refinamento que prejudicaram a própria Dilma, obrigada a tomar decisões contrárias ao que prometeu logo após ser reeleita. Mesmo assim, Santana manteve o prestígio intacto, como se a comunicação por si só pudsse moldar a realidade. Agora ele está preso e, se puxarem o fio desta meada, pode até ser que o governo caia. O triste é que, mesmo se el-rei D. Sebastião, o Encoberto, subir ao trono brasileiro, pouca coisa irá mudar. O marketing político continuará falando barbaridades, por uma única e singela razão: funciona.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

CÉU E AREIA


No ano passado, "Timbuktu" foi indicado ao Oscar de filme em língua estrangeira pela Mauritânia - um país paupérrimo da África que não tem sombra de indústria cinematográfica. Tratava-se, na verdade, de uma produção quase que 100% francesa (tanto que depois foi a grande vencedora dos prêmios César). Apenas o diretor e o elenco eram locais. Algo parecido acontece com "O Lobo do Deserto", que emplacou no Oscar deste ano pela Jordânia. O diretor é radicado na Grã-Bretanha, e também é de lá que veio boa parte da grana. A história se passa no que hoje é a Arábia Saudita, e basta trocar os árabes por índios para que vire um faroeste. Não dos mais clássicos, é verdade: quase não há diálogos. É meio que uma versão mirim e médio-oriental de "O Regresso". E, como no caso do longa com Leonardo Di Caprio, eu gostei, mas não amei. De qualquer forma, é sempre bom ver outras paisagens e ouvir outros idiomas.

O CHANTAGISTA

Delcídio Amaral mandou recados bem claros: se tivesse que fazer delação premiada, delataria mesmo. Nome aos bois. Pingos nos is. A chantagem deu certo, e o ministro do STF Teori Zavascki - um dos citados pelo senador como simpatizantes na gravação que o levou para a cadeia - decidiu soltá-lo. Já em liberdade e todo pimpão, Delcídio agora tem uma mensagem para seus colegas no Senado: se perder o mandato, arrastará outros com ele. Ou seja, está seguríssimo, por mais que a opinião pública saia às ruas com tochas e ancinhos. E um chantagista nunca está satisfeito. Daqui a pouco ele também vai querer carro zero, viagem para a Disney e um bilhão em notas não-marcadas. Ah, e que ninguém chame a polícia, senão...

domingo, 21 de fevereiro de 2016

ZONA OZON


Faltava um título para eu ter visto todos os quinze longas dirigidos por François Ozon. Agora não falta mais. Ontem assisti a "Les Amants Crminels", ainda inédito no Brasil, dentro da mostra dedicada ao francês promovida pelo cine Belas Artes em São Paulo. Também estão passando alguns dos muito curtas do diretor, e o que abriu a sessão a que eu fui está aí em cima, com legendas em português. É um pequeno libelo a favor da fluidez sexual, tão em moda hoje em dia, mas já na pauta de Ozon no começo dos anos 90. Ele é um dos meus cineastas favoritos; "Oito Mulheres" e "Uma Nova Amiga" estão na minha lista de melhores de todos os tempos. Claro que eu recomendo a quem não o conhece que comece por estes, mas a verdade é que não tem nada ruim em sua filmografia. Pode ir de olhos fechados.

sábado, 20 de fevereiro de 2016

ECO SEM FIM

A morte de Umberto Eco me deixou com a sensação de que eu deveria tê-lo "aproveitado" melhor. Li alguns de seus romances, não todos: "O Nome da Rosa", "O Pêndulo de Foucault", "Baudolino". No ano passado passei pelo "Número Zero", e me sinto mal por não ter me conseguido me envolver com a trama. Mas não dá para negar que o cara era um monumento. Até mais do que isso: era uma ponte entre o mundo erudito e a cultura popular. "O Nome da Rosa" conseguia a façanha de ser um tratado sobre a Idade Média misturado com um policial à la Agatha Christie (o filme é uma diluição). "Baudolino" tem uma imagem tirada do folclore judaico que me assombra até hoje: o rio Sambation, onde correm pedras ao invés de água, e que para aos sábados. Mas talvez eu não deva me lamentar tanto. Eco deixou uma obra vastíssima, e um de seus exemplares já está aqui em casa à minha espera: a "História da Beleza". Vou começar por ela.

GRAVIDEZ - PARTE 2


Se você não sabe direito o que acontece em "o Quarto de Jack", pare de ler aqui mesmo. Nem veja o trailer aí em cima, que já entrega boa parte do filme. O impacto de assisti-lo na mais santa ignorância deve ser devastador. Digo isto porque, mesmo conhecendo o que viria, eu tremi feito vara verde nos momentos de suspense. Isto é sinal de que o diretor Lenny Abrahamson mereceu sua indicação ao Oscar. Assim como a roteirista Emma Donoghue (que também escreveu o livro original) e principalmente a atriz Brie Larson, a mais que provável vencedora. Dá para questionar porque o pequeno Jacob Tremblay - que tinha 8 anos na época das filmagens, e que interpreta um menino de 5 - foi ignorado pela Academia. Talvez por ele ser o verdadeiro protagonista da história, que é contada de seu ponto de vista. E que pode ser entendida como uma espécie de segunda gravidez. O quarto onde ele e sua mãe vivem trancafiados é uma metáfora do útero. Jack não sabe que é um prisioneiro: acha que o mundo se resume àquelas quatro paredes, e que tudo o que ele vê na TV são figuras irreais. Sua mãe está ali 24 horas por dia, pronta para satisfazer qualquer necessidade ou desejo. Ele não sofre, tal qual um feto ainda em gestação. A saída do cativeiro (eu avisei lá em cima que você deveria parar de ler) é como um nascimento. Traumática, porém necessária. Inspirado pelos casos reais ao redor do mundo, "O Quarto de Jack" é um filme que discute maternidade feito adulto. E que prende a gente... ai.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

DESAFIO DA MATERNIDADE

Porque ser mãe é uma noite escura e cheia de terrores.

AMERICAN OTHELLO


São muitas as semelhanças do caso O. J. Simpson com a peça "Othello", de Shakespeare. O negro que consegue ser alçado à elite branca. O assassinato da mulher, motivado por ciúmes. Até o nome dos protagonsitas começa com "o" (O. J., na verdade, se chama Orenthal). Essa tragédia moderna está ganhando um tratamento à altura com a minissérie "The People vs. O. J. Simpson", a iteração deste ano da franquia "American Crime Story". Quem estava vivo na época se lembra do circo que foi armado. O. J. era uma mega celebridade nos Estados Unidos: um ex-jogador de futebol americano que depois se aventurou no cinema. Só que todas as pistas indicavam que ele teria matado a  facadas a ex-esposa  e o novo namorado desta. O próprio O. J. fez uma confissão informal ao tentar fugir para o México em seu Bronco branco, no que se transformou na perseguição policial de maior audiência da história. Mas sua equipe de defesa, formada por alguns dos melhores advogados do país, conseguiu mudar a narrativa. O réu estaria sendo perseguido pela polícia de Los Angeles, comprovadamente racista. O resultado é que O. J. foi absolvido, num veredito que chocou o mundo. A justiça poética é que agora ele está cumprindo uma pena de 33 anos, depois de ter liderado um grupo armado para roubar "memorabilia" de um hotel em Las Vegas. Vamos ver se a série chega até este epílogo: ainda estamos no terceiro episódio, mas o que foi mostrado até agora é muito bom. Roteiro, direção e elenco afiados, com duas desonrosas exceções. John Travolta não consegue esconder a própria canastrice, nem debaixo de um quilo de botox e maquiagem. E Cuba Gooding Jr., apesar da boa interpretação, tem um tipo físico mirrado, que não evoca a imponência e a beleza do verdadeiro O.J.. Mas esses são detalhes dentro de uma produção bem bacana. E que levanta uma pergunta importante: se a histeria do politicamente correto fez com que um culpado óbvio saísse livre em 1995, imagine o que não conseguiria hoje?

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

JE T'AIME

Lula e FHC poderiam ter sido flagrados transando no meio da rua, mas não iriam furar a fila do meu blog. Quando surge qualquer novidade sobre "Absolutely Fabulous", nada mais me interessa. E hoje surgiram major news: o primeiro teaser do longa estrelado por Edina e Patsy, que sai em julho na Inglaterra. Por incrível que pareça, já houve uma versão francesa quinze anos atrás. Mas dessa vez são as verdadeiras, as inglesas, as paixões da minha vida. Amo à loucura.

HELL HATH NO FURY

Já nos anos 90, circulavam boatos sobre o caso extraconjugal que FHC manteria com uma jornalista da Globo. Cheguei a ouvir uma versão que citava o nome de uma bem famosa - e vai ver que ele namorou essa também, vai saber. Mas aquela com quem o ex-presidente teve um filho teria sido transferida para Lisboa pela emissora e mantida fora do ar até o final do ano passado, quando terminou seu contrato. Um sinal dos tempos é o simples fato da Globo não se sentir obrigada a renová-lo. FHC não é candidato a nada, nem tem poder sobre cargos e indicações. É um decano da política, cujo maior interesse no momento é o legado que vai deixar. Aí que moraria a fúria vingativa de Mirian Dutra Schmidt: desprezada como amante e mantida na geladeira por mais de duas décadas, ela quer sujar o quanto possa a imagem de Fernando Henrique. Só que, até agora, o único ponto comprometedor de seu relato à "Folha" é o uso da Brasif como intermediária de sua mesada de 3 mil dólares. Não consta que esse dinheiro tenha sido desviado das contas públicas, nem é crime manter contas declaradas no exterior. Quanto aos pedidos para que abortasse, francamente - não sou eu que vou condenar. O curioso é que Myrian usa o apartamento de Barcelona que FHC deu a seu filho Tomás como um agravante, como se o ex-presidente não tivesse agido com hombridade e humanidade (dois testes de DNA dizem que o filho não é dele). Reinaldo Azevedo suspeita que haja o dedinho do PT nessa "denúncia", mas eu duvido. A entrevista  à revista "Brazil com Z", da qual ninguém jamais tinha ouvido falar, foi dada antes de Lula ser acossado por suspeitas de enriquecimento ilícito. Acho mesmo é que se trata de mais um caso que se encaixa na frase do escritor inglês William Congreve: "O inferno não conhece fúria como a de uma mulher rejeitada".

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

HUMANOS TORTOS

Hoje minhas timelines estão em polvorosa por causa da entrevista que o pastor Ezequiel Teixeira deu ao jornal "O Globo". O titular da Secretaria de Direitos Humanos do Rio de Janeiro declarou que acredita piamente na "cura gay", e já demitiu 78 pessoas do programa Rio Sem Homofobia, ligado à sua pasta. Esta indignação dos meus amigos está dois meses atrasada, pois foi em dezembro que o governador Luiz Fernando Pezão indicou o autoproclamado "apóstolo" para o cargo. Claro que ele também pode alegar ignorância, pois quem poderia imaginar que um pregador evangélico demagogo, populista e envolvido em escândalos não seria totalmente simpático à causa dos direitos LGBT? Na verdade, Ezequiel Teixeira - que também é deputado federal pelo esdrúxulo Partido da Mulher Brasileira - só entrou para a administração estadual fluminense para garantir o apoio da bancada teocrática na batalha contra o impeachment. Outra surpresa!! Quando que um governo de esquerda teria a audácia de rifar os gays por causa de um projeto de poder? Oi?

ATUALIZAÇÃO: Assustado com a repercussão da entrevista, o governador Pezão deu uma de Lula ("eu não sabia") e exonerou o pastor Ezequiel Teixeira do cargo de secretário de Direitos Humanos. Pra vocês verem como de vez em quando uma grita pelas redes sociais funciona.

CORAÇÕES EM DÚVIDA


Fiquei sem entender o que tanta gente viu de bom em "Brooklyn". O filme é simpático, mas não a ponto de merecer uma indicação ao Oscar de melhor do ano. Conta a história de uma moça que emigra da Irlanda para os Estados Unidos na década de 1950. Quando finalmente se sente adaptada à nova pátria, ela precisa voltar ao país natal por causa de um problema na família. E cai na tentação de ficar, porque as coisas mudaram. Só que a dúvida bastante séria entre dois destinos diferentes é resolvida meio que por pirraça. E a protagonista, que vive a mais recorrente fantasia feminina - dois homens incríveis disputam seu coração - acaba revelando um caráter dúbio no final. Se o roteiro não convence, o visual é primoroso. O elenco de apoio faz uma certa força para ser pitoresco, ao contrário de Saoirse Ronan. A interpretação da moça é contida, com muito olho arregalado. Já que o tema de "Brooklyn" é dúvida, quando saí do cinema fui resolver uma  que me carcomia há tempos: a pronúncia correta do nome "Saoirse". É "sirsha". Mas nenhuma dúvida é maior do que a razão misteriosa que levou o exibidor brasileiro a trocar o "y" do título original por um "i". Será que ele quer que o espectador pense que a trama se passa no bairro paulistano do Brooklin?

ATENÇÃO: os comentários abaixo estão coalhados de spoilers. Depois não diga que eu não avisei.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

LAMA PARA TODOS OS LADOS

Não contente em destruir o Rio Doce, a Samarco resolveu enlamear as nossas TVs. Este comercial asqueroso está sendo veiculado desde domingo, mas aposto que não será por muito tempo. Porque a repercussão está sendo péssima, e nem era para menos. Para começar, quem precisava dar explicações eram os diretores da empresa, não os funcionários que não têm culpa de nada. O conceito "é sempre bom olhar para os lados" dá a entender que estamos sendo injustos com essas pessoas maravilhosas, o que é uma mentira deslavada. O pianinho ao fundo é grotesco; para completar, há uma cena no final com CACHORRINHOS, um golpe que nem consegue ser baixo, só ridículo. Sem dizer que as façanhas listadas são o mínimo do mínimo que a Samarco deveria fazer - e ainda faltou um pedido de desculpas. Agora ela precisa pedir perdão também por essa porcaria.

ÁFRICA SINFÔNICA

Nada menos que 75 troféus do Grammy foram entregues antes da cerimônia transmitida pela TV. Entre eles estava o da categoria "world music", um saco de gatos onde cabe de Gilberto Gil a um disco gravado com presidiários da maior penitenciária do Malawi. Mas a vencedora, pela terceira vez e segunda consecutiva, foi a cantora do Benin Angélique Kidjo. Dona de uma voz poderosa, ela costuma dar roupagem pop a ritmos tradicionais africanos, e já esteve algumas vezes no Brasil. Mas seu trabalho premiado este ano é diferente de tudo que já fez em sua carreira. "Sings" traz Angélique acompanhada pela Orquestra Filarmônica de Luxemburgo, e é uma espeecie de "greatest hits" em roupagem clássica. Veja aí em cima como ficou "Malaika", um grande sucesso de Miriam Makeba, a mais famosa cantora africana de todos os tempos. Numa época em que se difunde essa idiotice de "apropriação cultural", é fantástico que alguém como Angélique Kidjo ignore fronteiras e lance pontes, criando um som novo.

(minha coluna de hoje no F5 comenta os shows durante a entrega dos Grammys)

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

POTRAS SELVAGENS


Antigamente a Academia exigia que os concorrentes ao Oscar de melhor filme em língua estrangeira fossem falados na língua estrangeira (ou numa das línguas) dos países que os inscreveram. Essa regra ignorava as complexidades das atuais co-produções, e foi mudada já faz alguns anos. Dessa forma, um filme falado em francês pôde representar a Áustria, e outro falado em hindi participou pelo Canadá. Agora é a vez da França ser indicada ao prêmio com um longa inteiramente rodado na Turquia, com elenco, diálogos e temática 100% turcos. A diretora Deniz Gamze Ergüven é filha de diplomatas e radicada na França, mas é óbvio que ela continua preocupada com o que se passa na terra de seus antepassados. Porque a Turquia vem passando por um grave retrocesso na área de costumes. Fundada como uma república laica, a nação vem se islamizando paulatinamente, desde a eleição do primeiro ministro Recep Erdogan. "Cinco Graças" mostra como essa mudança de mentalidade afeta a vida de cinco garotas órfãs, criadas pelo tio e pela avó. Uma inocente brincadeira na praia com alguns meninos faz com que elas sejam severamente reprimidas, e a família então decide casá-las todas o mais rápido possível. Cada uma se rebela de um jeito, justificando o tiítulo original: "Mustang", o cavalo selvagem do oeste americano. Os destinos individuais das moças são diferentes, mas o tom geral é bem mais otimista que o "Virgens Suicidas" de Sofia Coppola, com que "Cinco Graças" vem sendo bastante comparado. Trata-se de um filme muito bem feito, inquietante e inspirador - só que não tem a menor chance contra "O Filho de Saul". Existe uma regra não-escrita que determina que, se houver uma obra sobre o Holocausto entre as cinco indicadas, o Oscar vai automaticamente para ela. Neste ano nem precisava, porque o representante da Hungria é uma autêntica obra-prima.

VOA, CAVALETE, VOA

O MASP está de volta. Depois de décadas de uma administração meio duvidosa, o museu recuperou sua cara original. Eu tinha uns doze anos quando fui lá pela primeira vez, e me maravilhei com os cavaletes de Lina Bo Bardi. Aquelas telas flutuando me pareceram a única maneira decente de passear pela história da arte. Todos os outros museus do mundo, com suas paredes e corredores, de repente ficaram mais antigos que a caverna de Lascaux. Foi um prazer reencontrar na concepção de seus criadores a mais importante coleção de arte universal da América Latina. Um passeio obrigatório para quem vier a São Paulo.

Pena que quem vier agora não verá mais a mostra espetacular dos vestidos da Rhodia, que terminou neste domingo. A multinacional francesa promovia sensacionais desfiles-shows na Fenit, a feira da indústria têxtil, durante todos os anos 70. E bancava os melhores estilistas para que criassem modelitos com seus fios sintéticos. Hoje qualquer tecido não-natural é execrado como uma heresia, mas os looks da Rhodia estão entre os melhores que a moda brasileira jamais produziu. A maioria poderia ser usada ainda hoje, e o estado de conservação das peças é digno de aplauso. Mais incrível mesmo é o MASP, dono dessa coleção desde 1972, só agora expô-la em toda sua glória.

domingo, 14 de fevereiro de 2016

ANTONIN SCROTO

Antonin Scalia era bem mais do que o mais poderoso inimigo da causa LGBT nos Estados Unidos. O recém-falecido juiz da Suprema Corte de lá também era radicalmente contra o aborto, as cotas e o aquecimento global. E a favor do financiamento de campanhas por empresas, do redesenho distrital favorável aos republicanos e até mesmo da pena de morte para adolescentes e deficientes mentais. Votou a favor de Bush e contra Al Gore em 2000, e achava que as leis estaduais que proibiam a sodomia eram perfeitamente constitucionais. Num tribunal rachado ao meio e onde um único juiz - Anthony Kennedy - costumava ter o voto de Minerva, nem sempre as opiniões radicais de Scalia prevaleciam. Mas sua influência foi enorme no movimento conservador, que agora se vê privado de uma de suas figuras mais barulhentas. Por isto mesmo que os republicanos já avisaram que vão barrar qualquer candidato indicado por Obama, já que o cargo é vitalício. Querem que o sucessor do escroto-mor seja apontado pelo próximo presidente, e torcem para que seja de seu partido. Vem uma briga feia por aí, mais uma, em pleno ano eleitoral. E, por ironia do destino, uma briga que vai totalmente contra o que pregava esse falecido extra da "Família Soprano". Porque Scalia, apesar do óbvio viés reacionário, se dizia um "originalista". Alguém que interpreta a Constituição à luz do que seria a intenção dos "founding fathers" do século 18, sem levar em conta as mudanças da sociedade. Pois bem: a carta americana diz claramente que cabe ao presidente em exercício apontar um candidato para preencher uma vaga aberta no Supremo. Querer ignorar isto, como prega a oposição, é atropelar a lei.

DOIS HOMOFÓBICOS

Vou ter que repetir mais uma vez: não se iludam, o papa Francisco não é essa catarata de fofura que vocês pensam. Da boca para fora, ele volta e meia diz algo que pode ser interpretado como, se não apoio, pelo menos simpatia aos gays. Mas, na hora no vamovê, Francisco não deixa dúvidas: é absolutamente contra os direitos igualitários - ou seja, é homofóbico. Ontem tivemos mais uma prova disso. O papa se encontrou no aeroporto de Havana com o patriarca Kirill, o chefe da Igreja Ortodoxa Russa. Beijinho pra cá, beijinho pra lá, e os dois assinaram um longo documento falando em paz, amor, compreensão e pau nos LGBT. Claro que não foi com essas palavras, mas cata aí:  

"A família funda-se no matrimônio, ato de amor livre e fiel entre um homem e uma mulher. É o amor que sela a sua união e os ensina a acolher-se reciprocamente como um dom. O matrimônio é uma escola de amor e fidelidade. Lamentamos que outras formas de convivência já estejam postas ao mesmo nível desta união, ao passo que o conceito, santificado pela tradição bíblica, de paternidade e de maternidade como vocação particular do homem e da mulher no matrimônio, seja banido da consciência pública."

O pastor Marcos Feliciano não teria escrito melhor (inclusive porque ele escreve bem mal). Não duvido que esse parágrafo tenha sido imposto pelos russos. As igrejas ortodoxas são o maior causa da homofobia que grassa em todo o leste europeu, porque pararam no tempo. Não evoluíram um milímetro desde o Grande Cisma do Oriente, em 1054. Basta entrar num templo ortodoxo para perceber que até a arquitetura e a arte sacra são as mesmas de quase mil anos atrás. Mas o papa topou assinar o documento, porque está interessado numa reaproximação. Ou seja: mais uma vez, os gays foram rifados em prol de um projeto político.

sábado, 13 de fevereiro de 2016

A GAROTA COM ALGO MENOS


Tudo é perfeitinho em "A Garota Dinamarquesa". Planos lindíssimos, música delicada, figurinos esplêndidos, atores excepcionais. A história da primeira transexual a se submeter a operações de realinhamento, como se diz hoje em dia, sofreu algumas simplificações, mas o cinema tem dessas falácias. As lágrimas caem na hora certa, e, no entanto, falta alguma coisa a este filme. Será que é a interpretação de Eddie Redmayne? Sua Lili Elbe tem gestos tão frágeis que lembra uma filigrana. Não parece uma mulher adulta, com pleno domínio de sua sexualidade. Por outro lado, é provável que a verdadeira Lili jamais tenha se sentido dona de seu próprio corpo. Ela fez a transição numa época em que não existia nenhum mapa, nenhuma referência, nenhum tratamento seguro. Pagou um preço por isto, que o roteiro não esconde. Por que, então, eu não consegui me arrepiar? E pelo jeito muita gente concorda comigo, porque as críticas não são fenomenais e o filme teve só quatro indicações ao Oscar. Mesmo assim, é um bom programa. Ainda mais nesses tempos em que se tenta entender melhor o que é a transexualidade.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

NÃO SABE O TRUMP QUE DÁ

Os americanos estão rolando de rir desde anteontem, quando o site Funny or Die (uma espécie de Porta dos Fundos mais rico, porém com menos visualizações) postou "Donald Trump's The Art of the Deal: The Movie". Trata-se nada menos do que um filme para a TV "perdido" desde 1988, "dirigido, produzido e estrelado" por Donald Trump, e "baseado" em seu próprio livro. Johnny Depp, irreconhecível sob toneladas de maquiagem, está fantástico como o possível candidato dos republicanos, e ainda tem muitos atores conhecidos nos papéis menores. Foi tudo rodado em apenas quatro dias, mas o nível das piadas é tão alto que, se você falar inglês, manjar um pouco de política americana e curtir os anos 80, não pode deixar de ver. E, como sempre, eu sonho com o dia em que poderemos fazer coisa parecida com os nossos políticos, sem o medo de sermos processados.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

CANTARE, OH OH OH OH

O Festival de San Remo existe desde 1951 e serviu de "template" para todos os concursos de músicas que vieram depois, do Eurovision aos festivais da Record. Mas já teve mais importância: em suas primeiras décadas, emplacou vários sucessos globais, como "Nel Blu Dipinto di Blu" (mais conhecida como "Volare") ou "Dio Come Ti Amo". Hoje raramente ultrapassa as fronteiras da Itália, mas continua sendo o maior evento anual do showbiz de lá. No fim da tarde dessa terça eu assisti à primeira eliminatória da edição 2016, e desde então tenho visto um pouquinho todo dia (vai até sábado). Mas San Remo é bem mais do que uma competição: é um imenso show de variedades, onde também cabem esquetes de humor, convidados internacionais como Elton John e até uma entrevista com Nicole Kidman, que foi dar pinta para promover um novo filme. Sem falar nas palhinhas de gente como Donatella Versace, que poderia ter feito carreira como comediante (vai ver que fez), ou na caretice que impera no teatro Ariston desde priscas eras. Confira no vídeo aí embaixo como pouca coisa mudou nesses anos todos, das baladas bombásticas à relativa pobreza visual (os modernos realities musicais têm números muitíssimo mais produzidos). Mas San Remo é divertente, até pelo fato de ser italiano. E quem sabe não surge uma nova Gigliola Cinquetti?

ATUALIZAÇÃO: Caí feito um patinho. Não foi Donatella Versace quem eu vi fazendo graça no palco do Ariston, e sim a comediante Virginia Raffaele IMITANDO Donatella Versace. Ma si non è vero, è bene trovato.

CRAZY OLD MAN

Nunca pensei que Bernie Sanders pudesse se transformar numa ameaça real à candidatura de Hillary Clinton. Pior: jamais me passou pela cabeça que o partido Democrata indicasse um socialista confesso para concorrer à presidência dos Estados Unidos. Isto ainda não aconteceu, mas as prévias de Iowa (que terminaram num empate virtual) e New Hampshire (uma vitória arrasadora de Sanders) acenderam a luz vermelha na campanha da ex-primeira dama. Na minha cabeça também, apesar de eu achar simpaticíssimo o senador pelo pequeno estado de Vermont. É que, se ele for mesmo sagrado candidato, a vida dos republicanos ficará muito mais fácil. E justo num ano em que há apenas um nome bem marromeno no partido de oposição: o ex-governador de Ohio John Krasich. Todos os demais são horrorosos. Por isto, tenho medo que um demagogo como Donald Trump, por exemplo, se refastele em cima dessa versão ianque de Plínio Arruda Sampaio, nosso saudoso velhinho maluquinho. É ótimo que o apoio dos jovens a Sanders obrigue a ensaboada Hillary a se posicionar mais claramente. Mas é ela quem tem condições de impedir que um republicano hidrófobo chegue à Casa Branca.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

MOLHO DE PIMENTA NA BOLSA

É admirável que, a essa altura de seu superestrelato, Beyoncé lance uma música e um vídeo tão escancaradamente políticos como "Formation". Ao invés de cantar as delícias de ser mãe ou bradar mais um hino pelo empoderamento feminino, a sra. Carter mirou na jugular do racismo. E não se importou muito em ter um refrão pegajoso ou uma melodia assobiável: "Formation" é pesada, tão pouco comercial quanto o novo álbum da Rihanna. A letra tem frases memoráveis, como "eu gosto do meu nariz negro com narinas Jackson Five" ou "levo molho de pimenta na bolsa" (uma maneira de dizer que ela não se esquece de suas raízes no sul dos EUA). Mas são as imagens que causam maior impacto: uma inundação que remete ao estrago causado pelo furacão Katrina nos bairros negros de Nova Orleans, Bey e amigas vestidas como sinhazinhas brancas, protestos contra a violência policial e por aí vai. São tantas referências que não faltam explicações na rede. Tudo isso sem perder um mililitro de glamour, mais a participação da pequena Blue Ivy. Claro que tem muito branco reclamando: o site da "Fox News" está coalhado de comentários negativos. Mas foram justamente os racistas da internet que fizeram Beyoncé se manifestar. Cansada de ver sua família atacada, ela reagiu à altura. E fez algo mais importante que um hit: soltou um manifesto.

SUFLÊ ARRIADO


Dizem que não se deve comparar um filme à obra que lhe deu origem. Ele deve ser julgado por seus próprios méritos - além do mais porque, quando se trata de adaptações de livros volumosos, é impossível traduzir na tela todas as sutilezas do texto. Só que eu não consigo fazer isto. Eu li "Suíte Francesa", o romance inacabado de Irène Nemirovsky, e estava curioso para ver a versão para o cinema. E não consegui evitar a decepção, mesmo sabendo que uma tradução perfeita seria impossível. Os produtores resolveram focar no segundo volume do que seria uma série (uma "suite") de cinco novelas, que conta o romance proibido entre uma dona-de-casa francesa e um soldado alemão. Todas as muitas histórias da primeira parte, que narra uma fuga em massa da Paris invadida pelos nazistas, foram solenemente ignoradas. Em vez disso, os roteiristas resolveram apimentar a trama com um fuzilamento que não existe no original, e ainda inventaram um final mais, digamos, cinematográfico. Tudo isto e mais uma abominável narração em off, que explica com palavras o que o espectador deveria estar vendo na tela. Michelle Williams parece ter exagerado no Rivotril, e minha amada Kristin Scott-Thomas está caracterizada como vilã de desenho animado. Só o belga Mathias Schonaerts, um nome em ascensão, dá conta plena do recado. Mas é pouco: rodado em inglês e amputado de sua grandeza, "Suite Francesa" é indigno de suas raízes. Talvez uma minissérie francófona fizesse mais jus, mas agora é tarde, Esse suflê já murchou.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

NA TELA DA TV, NO MEIO DESSE POVO

Alguns meses atrás, dei uma longa entrevista em vídeo para o jornalista inglês Bruce Douglas sobre a (pouca) presença dos negros na televisão brasileira. Muito do que eu falei foi aproveitado numa matéria que ele publicou no jornal "The Guardian", e que repercutiu bastante por aqui. Hoje saiu um vídeo usando trechos de vários depoimentos, focando no caso da ex-Globeleza Nayara Justino. Apesar de ter sido eleita pelo voto popular, Nayara sofreu uma avalanche de comentários racistas, e acha que eles tiveram influência no fato do contrato dela ter acabado logo depois do carnaval de 2014. Eu já não acho: hoje em dia a Globo troca a Globeleza todo ano, e elas só são exclusivas da emissora até a Quarta-Feira de Cinzas. Mas é sintomático que a sucessora de Nayara seja vários tons mais clara do que ela. Aliás, a própria instituição da Globeleza vem sendo questionada ultimamente, também por razões sexistas. Ih, essa discussão ainda vai longe.

NORMAL É SER ESTRANHO


O roteiro de "Anomalisa" teria dado um filme melhor se tivesse sido rodado com atores de verdade? A história tem lá seus absurdos, como o fato de todo mundo ter o mesmo rosto e a mesma voz para o angustiado protagonista. Mas isso é pouco perto das loucuras de outras obras assinadas por Charlie Kaufman, como "Quero Ser John Malkovich". Talvez ele quisesse aumentar ainda mais a sensação de estranheza, e conseguiu. A animação é perfeita nos objetos: tem um suco de laranja numa cena de café da manhã que é de pirar o cabeção. Mas as pessoas são todas meio awkward, lembrando as antigas marionetes dos "Thunderbirds". Aposto que era essa a intenção: o ser humano é awkward por definição. O fato é que esses bonecos virtuais que vemos na tela acabam convencendo. Claro que o trabalho de voz dos atores ajuda muito (Jennifer Jason Leigh está até indicada a um prêmio como coadjuvante, mostrando que o ano está mesmo bom para ela). Mas não sei se "Anomalisa" consegue ser mais do que uma curiosidade. É um filme pequeno, em tom menor, muito mais introspectivo que seus concorrentes ao Oscar de animação. Mas vale a pena ser visto por quem estiver a fim de algo diferente.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

TÁ TRANQUILO, TÁ FAVORÁVEL

Hoje começa o ano chinês do macaco. Dificlmente os próximo 12 meses trarão um design mais desavisado do que esse poster assinado por Lehu Zhang, um artista chinês radicado em São Francisco. Tomara que esta imagem tão sugestiva seja um presságio favorável para todos nós, e que ela seja interpretada como defende o Agamenon Mendes Pedreira: no bom sentido, de dentro para fora.

O BLOQUINHO DO JOGO FRIO

Em pleno domingo de carnaval, os americanos também botaram seu bloco na rua. O maior de todos: o show do meio-tempo do Super Bowl, que tem menos de 15 minutos para deixar a humanidade embasbacada. Conseguiram este ano? Médio. O que era para ser uma apresentação do Coldplay com alguns convidados descambou para um rocambole incoerente, que terminou com um tributo meio desnecessário aos artistas que já haviam passado por lá (dois dos quais estavam em cena naquele momento). Este ano a final do campeonato de futebol americano aconteceu na Califórnia, e o show precisou se adaptar para a luz do dia. Mas isto não justifica a primeira parte ter parecido a festa de formatura de um colégio de crianças especiais na Coreia do Norte. Chris Martin, o coxinha-mor do planeta, cantou cercado de jovens músicos metidos em agasalhos que deixavam todos obesos. Enquanto isso, florzinhas coloridas rodopiavam no gramado. Só faltou todo mundo ganhar uma medalha. Ainda bem que a xaropada foi interrompida pela chegada de Bruno Mars e "Uptown Funk", que logo depois teve que ceder a vez a Beyoncé. Aí sim, senhoras e senhores, tivemos um show. Mas Bey não cantou a música que acabou de gravar com o Coldplay, "Hymn to the Weekend". Melhor assim? Acho que não, porque tudo terminou com "Believe in Love" escrito nas arquibancadas. Me lembrou a nova propaganda do PT.
Antes do jogo começar, ainda teve Lady Gaga cantando o hino nacional. Nada a criticar: a tarefa é inglória, e ela se saiu bastante bem. Agora me pergunto como será a abertura das Olimpíadas: espetacular, ou uma zica maior que a da Copa?

domingo, 7 de fevereiro de 2016

A PAIXÃO DE LEONARDO


Já virou piada em Hollywood: não importa o quão bem Leonardo Di Caprio esteja num filme, ele não vai ganhar o Oscar. A Academia sempre acha alguém que mereça mais, e muitas vezes sequer indica o rapaz. Mas agora parece que vai. O ex- de Gisele Bündchen não só está no filme com mais indicações dessa safra, como sofreu para caralho nas filmagens. E só tem uma coisa que comova a Academia mais do que um ator que sofre para compor um personagem: ator que interpreta doente. Como Leo ainda por cima tem a narrativa de que chegou a sua hora, o Oscar está mais do que no papo. Pelo menos ele está bem mesmo em "O Regresso", o longa mais dolorido desde "A Paixão de Cristo". Seu protagonista sofre todas as dores possíveis, inclusive na alma. Tanta coisa dá errado que, lá pelas tantas, me deu até vontade de rir. Mas o tom solene, a fotografia espetacular e a música dramática de Ryuichi Sakamoto inibem o riso. Por outro lado, o fiapo de roteiro não atinge o coração. É o filme mais frio de Alejandro G. Iñárritu, um cineasta que sempre foi visceral (e cerebral em seu último trabalho, o ótimo "Birdman"). "O Regresso" é um prodígio técnico: todo filmado com luz natural, vistas de tirar o fôlego, design de som impressionante e violência ímpar, tanto do homem como da natureza. A famosa cena do ataque do urso é de arregalar os olhos - ainda mais se lembrarmos que se trata de um urso inteiramente construído em computação. Um filmaço, mas faltou alguma coisa.

sábado, 6 de fevereiro de 2016

TRAVESTI E BAGUNÇA


Comecei meu carnaval com um filme que fez muito braulho no festival de Sundance do ano passado e que arrancou elogios unânimes da crítica americana. Apesar disso e da adequação à data, "Tangerine" estreou no Brasil sem fazer barulho. Só tinha eu e mais um gato pingado na sessão a que fui nessa sexta. Mas esse silêncio fica fora da tela: dentro dela, o que não falta é babado, confusão e tapa na cara. "Tangerine" é inovador tanto na forma como no conteúdo. Foi inteiramente filmado com iPhones 5s, o que dá às cenas um sentido de urgência e palpabilidade. E conta a história de duas trans que se prostituem nas ruas de Los Angeles, o tipo de protagonista que é raro em qualquer lugar do mundo. Uma delas acaba de sair de um mês na prisão por porte de cocaína, e a primeira coisa que sua amiga lhe conta é que o namorado-cafetão não só não foi fiel, como a traiu com um "peixe" (a gíria local para as mulheres). O que segue daí é uma perseguição implacável em plena véspera de Natal, mostrando um mundo sórdido de drogas, sexo e violência. Ah, falei que é uma comédia? Pois é: o diretor Sean Baker não tem peninha de seus personagens, e deixa que a denúncia social aconteça sozinha na cabeça do espectador. Ninguém reclama de sua própria situação. A edição agitada e o ótimo uso da trilha sonora levantam o astral, e o drama humano se manifesta sem firulas. Só não entendi o título do filme, já que não há sombra de tangerina. Talvez seja uma corruptela de "transgender"?

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

LUTA INGLÓRIA

"Minha Luta" é um horror absoluto, mas também é um documento histórico. O livro de Adolf Hitler entrou em domínio público no começo do ano, e diversas edições comentadas estão sendo lançadas pelo mundo afora. Mas não no Brasil: aqui somos considerados incapazes pelo bondoso papai-Estado, que sempre sabe o que é melhor para nós. O manifesto nazista acaba de ter sua venda proibida em todo o território nacional, como se isto adiantasse alguma coisa. Claro que quem quiser ler a obra pode baixá-la de graça a qualquer momento, mas papai-Estado parece que nunca ouviu falar que existe internet. Melhor assim: vai que ela também tenta proibir?

AQUI É O APARTAMENTO 6?

Tanto canal no meu pacote de TV a cabo, e nenhum  é o Logo. A única emissora dos Estados Unidos (do mundo?) voltada ao público gay oferece mais do que "Ru Paul's Drag Race". Semana que vem estreia o humorístico "Gay Skit Happens" e, pelo aperitivo acima, vai ser babado e confusão. Vou reclamar na operadora.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

TÁ FALTANDO NO MERCADO

Rodrigo Pitta lançou esta semana uma música que vem dividindo opiniões como se elas fossem o Mar Vermelho. "Será?!" é uma marchinha de carnaval com a participação de Ana Carolina e Elza Soares, e uma letra que leva o clássico "Cabeleira do Zezé" to the next level. Como estamos em 2016 e absolutamente tudo precisa ser problematizado, claro que não faltam acusações de homofobia, machismo e até heterofobia (porque, afinal, héteros também podem ser limpinhos e educados, não é mesmo?). Tá faltando humor no mercado, mas a verdade é que essa polêmica toda está ajudando na divulgação da faixa - que aliás é bem boa. Ah, e se alguém tem dúvida de que lado eu estou nessa cizânia, é só conferir o nome do marcador dos posts sobre assuntos gays aqui no meu blog. Não é "pautas para o  empoderamento LGBTTTQX"; é "viadagem" mesmo.

SIA O QUE VOCÊ QUISER

Ninguém mais sabe a cara de Sia. Desde que resolveu se reposicionar como cantora do primeiro time, a australiana adotou uma estratégia astuta. Desprovida de encantos físicos e já beirando os 40 anos, ela preferiu não competir com Demi Lovato ou Selena Gomez. Simplesmente se escondeu embaixo de uma peruca - ou melhor, se transformou nela. Sia é quem estiver usando a peruca no vídeo ou no palco, seja Lena Dunham, Kirsten Wiig ou a própria (que ainda assim deixa a franja ocultar seu rosto). Agora a moça deu mais um passo nesse experimento que mistura celebridade e anonimato. O recém-lançado "This Is Acting" só reúne canções que ela compôs para os outros - e que, em sua maioria, foram rejeitadas. "Alive", por exemplo, foi escrita em parceira com Adele, mas ficou de fora de "25". Outras eram destinadas a Rihanna ou Beyoncé, para quem Sia já assinou hits no passado. O que quer dizer que os estilos musicais e, principalmente, as letras, não refletem sua personalidade. Ou será que relfetem? O disco atual não soa muito diferente do anterior, "1,000 Forms of Fear". As faixas são quase todas baladonas, e falam geralmente de alguém que superou imensas dificuldades. Sia já assumiu que sofre de depressão: ela pode jurar que só está interpretando personagens, mas é óbvio que, como qualquer ator, também está revelando muito de si mesma. Por baixo da peruca, por trás das palavras escritas por encomenda, Sia está pelada.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

COMO DOBRAR UM LENÇOL COM ELÁSTICO

As atrizes na capa da Vanity Fair ainda estão rendendo. A revista está postando em seu canal no YouTube uma série de vídeos onde elas revelam algum talento secreto. E eu descobri que faço pelo menos uma coisa melhor que a Lupita.

BANDEIRINHAS COLORIDAS

Verdade seja dita: a propaganda do PT costumava ser muito boa. O partido sempre contratou os melhores marqueteiros do Brasil, e seus comerciais tinham grande impacto mesmo se contassem lorotas. Mas não é mais assim. A situação crítica da economia fez com que os argumentos convincentes evaporassem. O que sobrou são filminhos patéticos como esse aí de cima, implorando pela união de todos os brasileiros. Só que união para o PT quer dizer apoio incondicional a medidas como a volta da CPMF. Alguém se habilita? Eu sou contra, e não é nem pelo dinheiro. É pelo desaforo. O governo Dilma já deu sobejas provas de que gasta mal e porcamente, portanto não merece um tostão a mais de quem sua a camisa para pagar imposto. Vão sacudir bandeirinha numa outra freguesia, vão.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

VOLTEI PRA VOCÊ

Alguém estava com saudade? Depois do recesso parlamentar de janeiro, fevereiro trouxe de volta a figura nefasta de Eduardo Cunha para o noticiário. E ele chegou chegando: seus asseclas já fizeram com que o processo  contra o presidente da Câmara que rola na Comissão de Ética voltasse pela enésima vez à estaca zero, em mais uma manobra que afronta a opinião pública. Mas Cunha não está mais preocupado em posar de paladino. Agora só luta para ganhar tempo, porque sabe que a forca virá mais cedo ou mais tarde. Por isto está apelando para qualquer coisa, como um possível apelo ao Tribunal Internacional de Haia. Essa eu queria ver. Cunha alegaria que está sendo perseguido injustamente no Brasil, mas é para lá de impossível que essa cascata cole. Pesquisas revelam que seus próprios eleitores, entre os mais ignorantes do Brasil, já não o apoiam mais. O nó está se apertando.

SONHO DE ACTRESSEXUAL

A revista Vanity Fair lança todo mês de março seu número especial sobre Hollywood (como se no resto do ano ela falasse do cultivo da cana de açúcar). A capa da versão 2016 é o sonho molhado de um actressexual como eu. Conseguiram reunir todas as indicadas ao Oscar de melhor atriz, outras em diferentes graus de badalação e algumas lendas vivas. Vamos por partes?

A capa: O grupo mais à esquerda é aquele que aparece nas bancas. Para esta posição de prestígio, escalaram um time equilibrado: Jane Fonda, Cate Blanchett, Viola Davis e Jennifer Lawrence. Continuo achando que J. Law já foi premiada demais por suas parcas realizações, mas entendo que precisem por alguém jovem na comissão de frente. E não tem ninguém mais famosa do que ela entre as novatas. Quanto às demais, nenhuma reclamação. Todas divas absolutas.

A segunda dobra: Se eu fosse o editor da Vanity Fair, teria dado uma capa exclusiva para minha musa Charlotte Rampling - mas fico contente dela aparecer com destaque no pelotão do meio. Entre as outras estão duas meio low profile este ano,  Rachel Weisz e Lupita Nyong'o, e as duas prováveis vencedoras dos Oscars de protagonista e coadjuvante, Brie Larson e Alicia Vikander. Já percebeu como ambas se parecem? Poderiam ser irmãs. Talvez um dia, no cinema.

A terceira dobra: As menos cotadas sempre ficam à direita, junto com alguém bem importante para não pegar tão mal. A turma da vez tem Gugu Mbatha-Raw, que está em plena ascensão, as veteranas Helen Mirren e Diane Keaton, e uma indicada de nome impronunciável, a irlandesa Saoirse Rónan.

Enfim, uma turma digna, e bem representativa dos tempos que correm (inclusive nos quesitos raça e idade). Mas a gente sempre acha que tem alguém sobrando e alguém faltando. Eu incluiria Lily Tomlin, que está numa ótima fase. E você?

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

A PROBLEMATIZAÇÃO DO CARNAVAL

Vejo amigos questionando no Facebook se o Brasil deveria estar festejando o carnaval. Muitos deles foram influenciados por esta matéria da revista "The Economist". Mas sinto que existe uma certa ignorância de todas as partes sobre o que é o carnaval brasileiro. Não se trata de uma festa qualquer, apesar das inúmeras tentativas de enquadrá-lo, patrociná-lo e retirar dele qualquer sentido contestatório. Só que carnaval é contestação. Para começar, é uma reação pagã a uma regra católica. Acontece nos dias que antecedem a quaresma, o período de 40 dias em que muita coisa era proibida aos fiéis, do sexo à carne (hoje em dia sobrou a Sexta-Feira Santa e olhe lá). Aqui no Brasil o carnaval sempre teve conotação política, desde os tempos do entrudo no século 19. Eram os dias onde os escravos podiam fazer coisas que em outros dias renderiam chicotadas, como jogar farinha na cara de quem lhes passasse pela frente. Ao longo do século 20, o carnaval se tornou palanque de protestos e laboratório da revolução sexual. O mundo vira de cabeça para baixo durante o reinado de Momo: o pobre desfila em roupas de rei de França, o machão se veste de mulher, desconhecidos se beijam na boca. Achar que o Brasil não deveria pular carnaval por causa da situação econômica é calar a boca da contestação. Dilma, Lula, Eduardo Cunha, Alckmin e tantos outros vão adorar não serem alvos da sanha dos blocos e marchinhas. Quem sai usando uma máscara deles não está os apoiando: está tirando sarro, está fantasiado de alguma coisa que não é. Por isto que é absurdo esse grupo judaico de São Paulo querer processar uma loja da 25 de Março que estava vendendo máscaras de Adolf Hitler. Um folião fantasiado de Führer não está endossando o 3o. Reich, nem incitando o nazismo. Ah, mas estaria desrespeitando as vítimas? Hmm... sim. Acontece que carnaval É desrespeito. É o oposto do sagrado. Sempre foi e sempre será, se quiser continuar sendo carnaval. Não existe carnaval "a favor". Bem-vindos ao Brasil.

A PROBLEMATIZAÇÃO DO TURBANTE

A problematização está saindo da periferia da internet e começando a aparecer no "mainstream" cultural brasileiro. É bom que isto aconteça, porque o debate fica pobre quando relegado a sites que só pregam aos convertidos ou a bate-bocas pueris no Twitter. Stephanie Ribeiro, por exemplo, agora escreve no Brasil Post e atinge um público bem maior do que quando escrevia apenas no "Blogueiras Negras". Acho ótimo, porque assim ela se expõe mais e tem suas ideias discutidas por muito mais gente. Minha coluna de hoje no F5, por exemplo, é meio uma resposta a um artigo que ela publicou no sábado. Concordo com muita coisa que ela diz: estilistas africanos, por exemplo, são solenemente ignorados pela mídia ocidental, e isto é terrível. Mas subo nas tamancas quando ela defende os turbantes como exclusivos  para as mulheres de descendência africana. Oi? Então Madame Grès era sacrílega? Fora que fico puto se alguém caga regra sobre o que os outros podem ou não podem usar. O termo "apropriação cultural" é uma espécie de fascismo light, que ignora a história e tenta criar vítimas onde elas não existem. Eu faço parte da humanidade: portanto, me sinto empoderado a usar o que quer que me dê na telha, pois nada do que é humano me é estranho. Isto não quer dizer que eu vá trabalhar vestido de esquimó, mas se eu quiser eu vou. O curioso é que esse tipo de ativismo hostiliza gente que seria simpática à causa e frequentemente é contraproducente. Volto a citar o caso "Sexo e as Negas": o seriado de Miguel Falabella, com elenco quase todo negro, teve só uma temporada por causa dos protestos equivocados gerados pela má compreensão do título. Tantos problema sério por aí, e essa turma problematizando bobagem...