sábado, 31 de dezembro de 2016

ADEUS, 2016

Acabou. Estamos livres. Nada mais de ruim nos acontecerá neste ano. Até que não faltaram notícias boas: a pobreza diminuiu (não no Brasil, mas no resto do mundo), a ciência avançou, a cultura e a tecnologia se combinaram de novas maneiras. A nível pessoal, tive um ano difícil, mas me sinto melhor que no final de 2015. O pior já passou? Vai saber, por mais que os astros prometam um 2017 incrível. Feliz ano novo para todos nós.

DESIGN INTELIGENTE


"Animais Noturnos" é um filme-problema. Ou melhor, são dois, cuja relação entre si nem sempre é fácil de perceber. Num deles, uma mulher chiquérrima e entediada lê o manuscrito de um romance enviado por seu ex-marido. No outro, ela imagina as cenas violentíssimas desse livro como se o ex também fosse o personagem principal. Através de flashbacks, ficamos sabendo que ela o achava um babaca, e que o deixou por um bonitão que agora a trai. O livro é uma espécie de vingança: ele não só a mata de forma simbólica, como prova que tinha o talento que ela negava. No mundo "real", tudo é lindo, bem decorado, com ar condicionado. O universo de Tom Ford, em resumo. Mas é um mundo de aparências, onde todo mundo esconde algo. O mundo "ficcional", o do livro, parece tirado de um filme de Tarantino: é agressivo, poeirento e visceral. Só Jake Gylenhaal habita ambos, em mais uma interpretação interessante. Mas ninguém está se divertindo mais do que Laura Linney, que, apesar de ser apenas nove anos mais velha, faz a mãe de Amy Adams, numa única brilhante cena. Este segundo filme dirigido e roteirizado por Tom Ford remete a David Lynch e aos irmãos Coen, e mostra que o designer também tem tudo para se tornar grande no cinema. Mas quem for esperando apenas um thriller elegante vai ter uma certa difculdade (eu tive).

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

O ANO DO PESADELO

Um grupo de humoristas americanos preparou um trailer do que seria o ano que ora finda em forma de filme de terror. Mas quem vai ter coragem de ver?

EPISÓDIO III E MEIO


Não entendo por que "Rogue One" não entra na cronologia oficial de "Star Wars" e é tratado como uma história paralela à trama principal. Porque não é: trata-se, na verdade, da ligação entre o episódio III (de 2005, onde Anakin Skywalker se tornava Darth Vader) e o IV (o filme original de 1977, depois rebatizado de "Uma Nova Esperança"). "Rogue One" tampouco se difere esteticamente dos demais, apesar da música ser uma variação do famoso tema de John Williams e de não contar com aquele texto de abertura que sobe na direção do infinito. A grosso modo, é apenas uma sequência de batalhas, sem que nenhum segredo seja revelado. Mesmo assim, é o longa mais trágico de toda a série - e mais não posso falar, para não dar spoiler. Só digo que a morte de Carrie Fisher deixou o final mais pungente.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

MINHAS PESSOAS DE 2016

Não, não incluí Donald Trump na lista das pessoas que mais marcaram o meu ano. O presidente-eleito dos EUA  entrou na lista do ano passado, quando eu ainda sonhava que ele seria um pesadelo passageiro. Como Trump será uma figura constante pelos próximos quatro anos (se não cair antes, o que é bem possível dados seus muitos negócios escusos), vai ficar de fora dos top 10 de 2016. A lista já tem vilões o suficiente e o ano foi o pior de que me lembro. Então lá vai, sem ordem:

MICHEL TEMER, O VELHO - É chocante a desconexão do presidente-tampão com o mundo contemporâneo. Diz que não está preocupado em ser popular, mas até cogita não ir a um funeral com medo de ser vaiado. Conspirou abertamente contra Dilma, e uma vez no poder adotou o programa oposto: por que então, com cargas d'água, aceitou formar com ela a mesma chapa? E não há hipótese de alguém que tenha sido presidente do PMDB pelos últimos 15 anos não estar enrolado na Lava Jato. A pinguela pode quebrar já no começo de 2017, se a economia não reagir logo.
DELTAN DALLAGNOL - No ano passado, Sergio Moro entrou para a lista. Como eu não gosto de repetir figurinha, em 2016 a Lava Jato está representada por este jovem procurador, sua segunda figura mais conhecida. Dallagnol é evangélico fervoroso e precisa tomar cuidado para não se tornar o inspetor Javert (de "Les Misérables") da política brasileira. O slide em Power Point contra Lula foi uma derrapada desnecessária, que comprometeu sua credibilidade. Mas antes um puro e duro que comete barbeiragens do que um cínico conformista e aproveitador.
CÁRMEN LÚCIA - Outra figura positiva no desolador cenário brasileiro é a nova presidente do Supremo, que tem uma trajetória impoluta e já mostrou firmeza na condução do tribunal. Mas a irmã gêmea de Bento Carneiro não é perfeita: seu voto a favor da manutenção de Réunan Canalheiros no comando do Senado me encheu de desânimo e desesperança.
RECEP ERDOGAN - O proto-sultão turco recebeu um presente de Alá para aumentar ainda mais seu poder: uma tentativa fracassada de golpe de estado, que custou a vida de milhares de pessoas. A Turquia, sempre tida como exemplo de democracia muçulmana, está virando uma ditadura, sem imprensa livre e com milhares de presos políticos. Enquanto isto, os atentados não param.
RODRIGO DUTERTE - E mais um déspota obsurantista desponta no Extremo Oriente. O Trump das Filipinas resolveu matar qualquer um que se pareça com um traficante ou um viciado, como se as drogas fossem o maior problema de seu país. Mas a matança tem lhe rendido alta popularidade, que não vai cair enquanto o crescimento do PIB continuar sendo o mais alto da Ásia.
SONIA BRAGA - Vamos falar de coisa boa? A maior estrela de cinema que o Brasil já produziu voltou a encontrar um veículo à sua altura, depois de 30 anos sem protagonizar um filme importante. "Aquarius" ganhou o mundo e ressuscitou a carreira da diva. No ano que vem ela terá papéis pequenos em duas grandes produções americanas, mas é falando português que Soninha brilha para valer. Mandem projetos para ela, colegas roteiristas.
MARCELO CALERO - "Aquarius" também marcou o breve mandato do primeiro ministro da Cultura de Temer, o Velho. Mas o saldo foi positivo, graças ao final turbulento: Calero saiu batendo a porta, expondo as entranhas apodrecidas do novo governo. Esqueçamos a esquerda e a direita: o embate mais urgente é entre os arcaicos como Geddel Vieira Lima (o "Porco"), que abusam do estado em causa própria, e uma geração moderna que não se corrompeu - pelo menos, ainda não. Calero, que é gay assumido, tem só 32 anos e toda uma carreira política pela frente. Vou prestar a maior atenção nele.
JUAN MANUEL SANTOS - O presidente da Colômbia convocou um plebsicito, certo de que a vitória arrasadora lhe renderia dividendos. Foi derrotado e ganhou "apenas" o Nobel da Paz. Mas já entrou para a história: apesar do escorregão político, foi o grande fiador do tratado de paz com as Farc. E os colombianos, que já iam bem na economia, têm tudo para decolar nos próximos anos. Mas ainda há sinais claros de subdesenvolvimento mental, como o popular projeto de lei que proíbe a adoção de crianças até por solteiros e viúvos héteros. Pau nele, Santos!
GRACE GIANOUKAS - Outro "bright spot" do ano foi essa atriz veterana, conhecida do público cult que lota o "Terça Insana" há mais de uma década, finalmente cair na boca do povo. Sua Teodora Abdalla na novela "Haja Coração" fez tanto sucesso que os autores não só foram obrigados a ressuscitá-la, como ainda deram para ela sua própria websérie. Tomara que o talento da greco-gaúcha seja mais aproveitado pela televisão daqui para a frente.
THERESA MAY - Ela era contra o "brexit", mas agora será obrigada a implantá-lo. Ou não... Uma das diversões garantidas de 2017 será observar como a nova primeira-ministra britânica finge que está tirando seu país da União Europeia, ao mesmo tempo em que empurra com a barriga as medidas mais drásticas. E a coitadinha ainda encontrará uma rival à altura em Nicola Sturgeon, a PM da Escócia, que já avisou que convocará um novo referendo para sair do Reino Unido. Fico só imaginando como May tenta enrolar a rainha naquela audiência semanal de cuja existência soubemos graças a "The Crown".


E aqui termina a retrospectiva desse ano que nunca termina. Xô, fora, eia, sus.

TOLD YOU SO, TOLD YOU SO

Bem que eu avisei: keanu reeves. A morte de Debbie Reynolds pelo menos traz um consolo. Ao invés de continuar por aqui sofrendo com a morte da filha, agora ela e Carrie Fisher estão sapateando no céu. Fica aqui o registro dessa atriz de incrível timing cômico, conhecida pelas bibas atuais como a mãe da protagonista de "Will & Grace". E tem mais elucubração aqui, na minha coluna de hoje no F5.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

MEUS FILMES DE 2016

Taí um lugar onde o ano não me caiu tão mal: o cinema. Tanto que a minha lista dos dez melhores filmes do ano tem 11, em seis línguas diferentes, e eu não consigo me decidir de qual deles gostei mais. A maioria desses títulos já está disponível no Now, ou ainda nem saiu de cartaz. Só um deles estreia oficialmente no Brasil no começo de janeiro: o coreano "A Criada", que eu vi na Mostra de SP. Sem mais delongas, lá vai minha dezena de 11, sem ordem de preferência nem alfabética:

ÚLTIMOS DIAS NO DESERTO - Sim, mais um filme sobre Jesus Cristo, o personagem mais arroz-de-festa de toda a história do cinema. E, seguindo a moda atual nas cinebiografias, o diretor Rodrigo García - filho de Gabriel García Márquez - foca num único momento da trajetória do Messias: o final do período de 40 dias em que Ele permaneceu no deserto, sendo tentado o tempo todo pelo demônio. Uma das boas sacadas do roteiro é colocar Ewan McGregor fazendo os dois papéis. A outra é mostrar um Cristo completamente humano, capaz de milagres apenas em sonhos, e ainda assim totalmente imbuído pela graça divina. Me deu até vontade de rezar.
O QUARTO DE JACK - Este filme canadense de baixo orçamento foi o favorito do público no Festival de Toronto de 2015, e acabou sendo indicado para uma penca de Oscars (a desconhecida veterana Brie Larson levou o de melhor atriz). Um assunto do momento - as mulheres mantidas em cárcere privado por anos a fio - recebe um excelente tratamento dramático, e o diretor Lenny Abrahamson consegue manter o suspense mesmo com a gente sabendo como termina a primeira parte. A segunda é mais complexa, e o todo forma uma metáfora instigante não só da relação entre mãe e filho, como também do medo atávico de enfrentar o mundo "lá fora".
A PASSAGEIRA - É raríssimo um filme peruano entrar em cartaz por aqui, e mais raro ainda entrar para a minha lista de melhores do ano. Pena que pouca gente se deu conta dessa obra-prima, que revolve várias camadas da história recente do nosso vizinho andino. A trama até poderia se passar no Brasil: um taxista reconhece numa passageira a menina índia que era mantida num quartel para o deleite de um coronel. O mesmo coronel para quem ele ainda trabalha nas horas vagas. Magaly Soler (de "A Teta Assustada", que venceu o Festival de Berlim e foi indicado ao Oscar em 2009) faz uma cena final de arrepiar os pelos das lhamas.
A CRIADA - Vi quando ainda não tinha título em português, mas o entusiasmo do público da Mostra fez com que o suntuoso "The Handmaiden" conseguisse distribuição no Brasil. Park Chan-Wook adapta um romance inglês para a Coreia dos anos 1930, quando o país era dominado pelos japoneses. A história folhetinesca é dividida em três partes, cada uma delas focada num dos três personagens principais: a criada, a patroa e o noivo desta. A cada novo ponto de vista, uma reviravolta. Cenários e figurinos deslumbrantes e cenas de sexo lésbico tão ousadas quanto as de "Azul é a Cor Mais Quente" fazem de "A Criada" uma versão pornô-oriental de "Downton Abbey".

JULIETA - Depois do semi-desastre que foi a comédia "Os Amantes Passageiros", três anos atrás, Almodóvar voltou sem um pingo de humor. "Julieta" reúne três contos da vencedora Alice Munro e quase foi filmado em inglês, com Meryl Streep no papel principal (ela seria rejuvenescida por computador nas cenas da personagem quando jovem). Mas o diretor, mais uma vez, hesitou em filmar fora da Espanha, e acabou realizando mais um melodrama tipicamente ibérico. A única atriz recorrente de sua filmografia que aparece aqui é a picassiana Rossy De Palma, que dá um show como a criada sombria que revela um segredo.
O CONTO DOS CONTOS - Esqueça Walt Disney. Os contos de fadas originais eram fartos de horror e sangue, e o italiano Matteo Garrone filma uma coleção deles com produção luxuosa e elenco multinacional. O resultado é quase um "Game of Thrones" para crianças, se as crianças pudessem lidar com violência e finais infelizes.
A CHEGADA - Outro tema batidíssimo que ganhou uma abordagem inovadora: naves alienígenas aterrissam no nosso planeta. Mas, apesar da ameaça de invasão, não se trata de um filme de ação. "A Chegada" recupera a tradição cabeça da ficção científica, diluída nos últimos anos por sabres de luz e batalhas espetaculares. Não chega à transcendência metafísica (e algo obscura) de "2001: Uma Odisseia no Espaço", mas faz uma pergunta que não deixa de ser pertinente: se soubéssemos o que vai acontecer, deixaríamos que acontecesse do mesmo jeito? Amy Adams, soberba, deve emplacar sua sexta indicação ao Oscar. Preste atenção: numa cena, o olho dela chega a tremer.
ELLE - Outra que vai ser lembrada pela Academia é a sublime Isabelle Huppert, que torna exclusivamente dela um papel para o qual foram cogitadas Nicole Kidman e Sharon Stone. O eterno ar de superioridade intelectual da francesa cai como uma luva no personagem da mulher que é estuprada, mas nem tanto. É a anti-vítima: uma sexagenária que se mantém sexualmente ativa e não deve satisfações a ninguém. "Elle" tem o potencial para irritar conservadores e feministas, e escapa das respostas fáceis com sutileza e humor refinado (algo que nunca foi o forte do diretor holandês Paul Verhoeven). O melhor de uma safra de bons filmes franceses.
AQUARIUS - E o melhor brasileiro  de todos, de longe, foi nosso polêmico concorrente em Cannes. Que nem por isto era perfeito: longo demais, cheio de cenas gratuitas e com buracos no roteiro maiores que arranha-céus. Mas tudo se redime com Sonia Braga, que nunca foi grande atriz mas aqui brilha como a estrela que ainda é. "Aquarius" teria sido um representante mais digno no Oscar, ainda que não desse pé.
SPOTLIGHT - Ah, que saudades do tempo em que os jornais podiam deslocar uma equipe inteira de seus melhores repórteres para trabalhar numa única investigação, cujos resultados podem mudar os rumos da história. Num ano em que as notícias falsas influenciaram até o resultado de eleições, chega a ser aflitivo pensar no esforço que custava a apuração de uma matéria para valer. "Spotlight" impediu que o belo-porém-inútil "O Regresso" levasse o Oscar de melhor filme, e o tempo provará que a Academia fez a escolha certa. É um filme eletrizante, cheio de atuações precisas. Também é um tapa na cara da Igreja Católica e um hino de amor ao bom jornalismo.

O NOVÍSSIMO TESTAMENTO - Outro tapa, esse na cara de praticamente todas as religiões, é o indicado pela Bélgica ao Oscar do ano passado (ficou entre os nove semifinalistas, mas não entre os cinco indicados). E se Deus fosse um sádico que se diverte atazanando a humanidade? Já pensou, que horror? ( * ironia * ) E se a família dele resolvesse sabotar os planos do Todo-Poderoso? "O Novíssimo Testamento" certamente teria atraído a ira dos neopentecostais, não estivessem todos eles comprando ingressos mas não indo ver "Os Dez Mandamentos". Quem mandou, né mesmo? Deus é que não foi.

terça-feira, 27 de dezembro de 2016

UMA VERDADEIRA PRINCESA

Agora virou palhaçada. 2016 está tirando sarro da nossa cara. Quanto mais a gente reclama, mais gente bacana ele leva antes da hora. Estava revendo a lista dos mortos célebres do ano, e adivinha? Não tem um único vilão. Nenhum ditador, nenhum político corrupto, nem mesmo aquelas velhas insuportáveis da propaganda do Itaú. Todos por aí esbanjando saúde. Já a Carrie Fisher, coitadinha, se foi justo na época em que a ressurreição da franquia "Star Wars" estava dando um gás em sua carreira. Ela ficou marcada para sempre como a Princesa Leia, mas seu maior talento era como escritora e roteirista. Li um de seus primeiros livros, "Surrender the Pink" ("entregue o rosa" - adivinha o quê), e era de rolar de rir. Carrie era intelectual desde criancinha, capaz de devorar um livro numa só sentada. Também era bipolar e chegada num aditivo, fosse ele bebível ou cheirável. Não deu muita sorte no amor: seu longo relacionamento com Paul Simon rendeu algumas músicas boas, e o pai de sua filha, o agente Bryan Lourd, casou-se com outro homem há alguns meses. Fico ainda mais triste quando lembro que sua mãe ainda está viva, a lendária Debbie Reynolds. Carrie era uma espécie de Grilo Falante de Hollywood, uma consciência crítica dotada de humor ferino cujo maior alvo era ela mesma. Coragem, faltam só quatro dias.

MINHAS SÉRIES DE 2016

OK, o ano não foi tão ruim assim na TV - ou melhor, nas séries, porque acho que só a geração da minha mãe ainda diz que "vê TV". 2016 foi marcado pela chegada dos aplicativos dos grandes canais, embora só a Netflix já tenha um número considerável de assinantes. Mas, daqui a um ano. mais gente vai ter os apps da HBO, Fox e Amazon, além da já manjada Globo Play, e menos gente vai continuar pagando pelos exorbitantes pacotes da TV a cabo. O interessante é que não é só o jeito de consumir que está mudando. Novelas, variedades e realities estão em baixa. Séries continuam em alta. Por isto que, mais uma vez, minha lista só tem séries e minisséries. Em ordem alfabética:

THE AFFAIR (Netflix) - Ouvi falar muito bem quando a primeira temporada estreou nos Estados Unidos há dois anos, mas só consegui ver depois que chegou ao Netflix brasileiro. Era tudo verdade. "The Affair", ao contar o mesmo caso extraconjugal sob dois pontos de vista diferentes, inova ao praticamente transformar o "stroytelling" num de seus personagens. Já sei que, nas próximas temporadas, esses pontos de vista se multiplicarão. E ainda tem uma abertura sensacional, ao som da inquietante "Container" de Fiona Apple.

AMERICAN CRIME STORY: THE PEOPLE V. O.J. SIMPSON (FX) - Ninguém precisa ignorar o final da história para apreciar essa minissérie que fez um strike nos últimos Emmys. Os únicos elos fracos são Cuba Gooding Jr., que não tem um pingo do porte majestoso do verdadeiro O.J., e John Travolta, mais canastra do que nunca. Todo o resto é ótimo, e a reconstituição do crime mais célebre dos anos 90 - que terminou com a absolvição de um culpado mais do que óbvio - cabe feito uma luva na explicação desses dias que correm.


THE CROWN (Netflix) - "Downton Abbey"? O que é "Downton Abbey"? Qualquer lembrança da série britânica que marcou os últimos cinco anos se evaporou da minha cabeça depois que a coroa nela pousou. Com produção suntuosa, o roteirista Peter Morgan - o mesmo do filme "A Rainha"- consegue transformar em folhetim os primeiros anos de reinado da monarca mais discreta dos tempos modernos. Do elenco fabuloso, meus favoritos são Eileen Atkins (a apavorante rainha-avó, Mary) e Vanessa Kirby, uma sósia melhorada da infeliz princesa Margaret.

DIVORCE (HBO) - Sarah Jessica Parker não é uma atriz versátil. Sua personagem nesta comédia ácida lembra a Carrie de "Sex and the City" até nos trejeitos e nas respiradas. Inclusive dá para desconfiar que se trata de uma continuação: o que teria acontecido com a colunista mais hip de Nova York, se ela tivesse se casado com o oposto do Mr. Big? Um desastre, como o título da série já entrega. "Divorce" foi malhadíssima pela crítica americana, mas tem exatamente o tipo de humor que eu queria estar escrevendo. Pra você ver como eu sou mau.

JUSTIÇA (Globo) - A maior emissora do Brasil nunca investiu tanto em séries e minisséries, consciente que está do ocaso das telenovelas. Quase tudo foi bom, mas "Justiça" atingiu o status de obra-prima. Cada dia da semana focava num protagonista diferente, e as ligações entre eles fizeram perdoar os furos do roteiro. Com interpretações antológicas (Débora Bloch nunca esteve melhor) e direção primorosa, já é um marco da TV brasileira. E a Globo ainda marcou outro golaço com a pioneira trepada gay de "Liberdade, Liberdade".
MARSEILLE (Netflix) - A primeira produção francesa do Netflix decepcionou quem esperava uma trama intrincada à la "House of Cards". O controverso prefeito de Marselha que se vê ameaçado por seu próprio pupilo, interpretado pelo onipresente Gérard Depardieu, não é páreo para as maldades de Frank Underwood. Mas as paisagens bonitas da Côte dÁzur e as mulheres fatais garantiram que a série tivesse sabor próprio. Também amei o tema de abertura, cantado em árabe. Só não sei se o meu interesse é suficiente para uma segunda temporada.
#ME CHAMA DE BRUNA (Fox) - Perdão, "3%", mas é assim que se gasta direito um orçamento. A mais nova encarnação de Bruna Surfistinha teve tudo o que o badalado seriado brasileiro de ficção científica não teve: roteiro, elenco, direção, qualidade técnica e artística. Saiu bem mais realista do que o filme baseado nas memórias da prostitua mais famosa do Brasil. Dá quase que para sentir o cheiro de mofo y otras cositas más do "privê" onde se passa a maior parte da ação. E como é que Carla Ribas ainda não ganhou um papel de destaque na Globo?

THE NIGHT OF (HBO) - Poucos set-ups são mais batidos do que o da pessoa que acorda com um cadáver ensanguentado ao seu lado. A graça dessa minissérie era que o protagonista - um taxista de Nova York de origem paquistanesa - realmente tinha dúvidas se ele era mesmo o assassino. Além disso, o sujeito era muçulmano - uma camada a mais de complicações políticas num caso já bastante escabroso. Cereja do bolo: John Turturro, que a essa altura deveria ser muito mais premiado do que de fato é, faz um advogado pouco convencional.

STRANGER THINGS (Netflix) - Entre o final de julho e o começo de agosto, pareceu que o planeta inteiro estava vendo o mesmo programa. "Stranger Things" juntou a humanidade diante da TV porque tocou diretamente no nosso DNA emocional coletivo. Dramaticamente, a série não trazia grandes inovações. Esteticamente, menos ainda: era um pastiche dos anos 80, especialmente do que lembramos da década por causa dos filmes de Steven Spielberg. Mas aí é que estava sua graça. E o nariz sangrando da Eleven ainda se tornou meme.

WESTWORLD (HBO) - A HBO precisa encontrar logo uma substituta para "Game of Thrones", que só vai ter mais duas mini-temporadas. Mas será que é "Westworld", que consegue ser ainda mais cara? A saga futurista dos robôs ultraperfeitos que se revoltam contra seus criadores ganha relevância quando pensamos que é uma metáfora sobre o empoderamento feminino (os dois personagens principais são mulheres). Mas, apesar da boa audiência, "Westworld" não rendeu bochicho. O canal demorou para bater o martelo, e a série só volta em 2018.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

O PAI DOS BURROS


E se o seu pai, ao invés de obrigar você a ir à escola, lhe ensinasse a lutar com faca e a escalar um paredão de pedra durante a chuva? Parece bárbaro, mas só até certo ponto. Essas habilidades não preparam ninguém para enfrentar o mundo real. É o que acontece com os filhos do protagonista de "Capitão Fantástico", que são treinados como se vivessem numa tribo pré-histórica de caçadores-coletores. Viggo Mortensen já foi indicado ao Globo de Ouro e ao prêmio do sindicato dos atores, e também está cotado para o Oscar. Mas acho que é mais pelo conjunto da obra: ele não está especialmente bem no filme, que tampouco é especialmente bom. Mas há maneiras piores de desperdiçar a tarde da segunda-feira depois do Natal.

MEUS DISCOS DE 2016

E aqui deslancha minha retrospectiva desse ano "horrívis". Achei por bem começar pela música, talvez a área mais atingida por essa louca despirocada que foi a morte em 2016. David Bowie, Prince, Billy Paul, Cauby Peixoto, Lidoka (das Frenéticas), Keith Emerson, Greg Lake, Leonard Cohen, George Michael e tantos outros se foram, muitos deles de repente. Daqui a uns tempos, talvez a gente perceba que este foi um ano de transição. Velhas estéticas estão definhando, mas uma nova onda ainda não se ergueu. Enquanto isto, é de se admirar o esforço de artistas consagrados em se reciclar. E todo mundo teve que se adaptar à nova realidade do "streaming". Inclusive eu, que cometi a proeza de comprar apenas 14 CDs físicos ao longo dos últimos 12 meses. Entre eles, todos os meus dez álbuns favoritos de 2016:

RECTO VERSO, Paradis - Graças ao Apple Music, nunca ouvi tanta música francesa quanto neste ano, mesmo sem ter posto os pés fora do Brasil. E a mais grata descoberta no gênero foi a dupla Paradis, que faz uma eletrônica suave, com lindas melodias. É em seu álbum de estreia que também está a minha canção predileta de 2016, a chiquérrima "Toi et Moi". Simon Mény e Pierre Rousseau parecem uma versão gaulesa dos Pet Shop Boys, meus eternos queridinhos. 

PALERMO HOLLYWOOD, Benjamin Biolay - Outro queridinho que se eterniza nas minhas listas de final de ano é meu noivo secreto Benjamin Biolay. Seu novo disco, quase todo gravado em Buenos Aires, por pouco não ocupou o topo desse meu hit parade pessoal. O sucessor de Gainsbourg se deixou impregnar pela sonoridade da capital argentina, mas continua sendo o mesmo Biolay de sempre: intenso, confessional, cheirando a Gitanes.

ANTI, Rihanna - 2016 foi o ano em que algumas divas dance resolveram surpreender seus públicos com trabalhos radicais, diferentes das babas costumeiras (a exceção desonrosa foi Britney Spears, boboca as usual). Nenhuma se arriscou mais do que Rihanna, que até na capa do álbum abriu mão da imagem de piranha gostosona. Mesmo assim, emplacou um hit global com "Work", apesar de ninguém entender sobre o que era a letra (era sobre sexo, dãã).

#1, Jaloo - Vivo reclamando da falta de novidades na música brasileira. Aí, quando surge alguém bacanérrimo como o paraense Jaloo, eu só percebo quase um ano depois do cara ter lançado seu primeiro disco. Ao contrário de Liniker, que de exuberante só tem a aparência, Jaloo combina looks futuristas com música moderna de verdade. Para mim, ele é de longe o melhor desse arco-íris transtudo que brilha hoje nos céus da MPB. Que venha logo o #2.

LEMONADE, Beyoncé - A bem da verdade, a sra. Carter já havia abandonado o Vale dos Homossexuais à própria sorte em seu álbum anterior, desprovido de chicletes sonoros. Mas agora foi além, e se expôs como nunca. Quem diria que o casamento mais poderoso do pop não era perfeito? E quem será a tal da "Becky with the good hair"? Beiônça se jogou até na música country, e ainda soltou uma pedrada antirracista com "Formation". Agora precisa levar o Grammy.

&, Julien Doré - Este terceiro francês a entrar na lista foi revelado pela versão local do "The Voice", e já é um astro estabelecido há alguns anos. Mas eu só fui apresentado ao rapaz por uma lista do Apple Music, e foi um coup de foudre. Doré canta naquele estilo sussurrado das cantoras francesas sem voz, apesar de ser bem dotado na garganta. E suas canções são escapistas: a bela "Le Lac" funcionou como as férias que eu não consegui tirar este ano.

BLUE NEIGHBORHOOD, Troye Sivan - O que também não falta nessa minha seleção é veado. O mais jovem de todos é um efebo sul-africano radicado na Austrália, que causou impacto no mundo inteiro com seu álbum de estreia, marcado por ótimas composições e letras confessionais. O ano pode ter sido pavoroso, mas é incrível vivermos num tempo em que um popstar pode se assumir gay desde o primeiro dia e fazer ainda mais sucesso por causa disso.

SUPER, Pet Shop Boys - E por falar em veado, olha aqui os vovôs dessa bicharada que hoje nano tem medo de por a cara no sol. Com 30 anos de carreira nas costas, Neil Tennant e Chris Lowe continuam no auge de seus superpoderes. Dessa vez, não fizeram um álbum temático: não estão contemplando o fim como em "Elysium", nem celebrando a putaria como em "Electric". Só lançaram mais um disco divertido, como se eles ainda frequentassem boates (o que eu duvido).

JOANNE, Lady Gaga - A Germanotta entra na lista mais pelo esforço do que pelos resultados. Depois do relativo fracasso de "Artpop", a moça passou os últimos três anos se reinventando. Cantou com Tony Bennett e em todas as cerimônias de premiação, até esquecermos da maluca que se vestia com carne. Suas novas músicas também não são para dançar, e a única que eu realmente amei foi "Hey Girl", o dueto com Florence Welch (a Lady Gaga britânica).

BLACKSTAR, David Bowie - Para terminar, o incontornável álbum-testamento de David Bowie. Difícil de ouvir quase até o fim, quando "I Can't Give Everything Away" recupera o pop acessível num último suspiro antes da estrela negra cair na Terra. Uma obra de arte à altura do maior artista do rock de todos os tempos, que só atingiu sua real transcendência três dias depois do lançamento, no fatídico 10 de janeiro. Pelo menos Bowie teve tempo de se despedir...