Diva que é diva mesmo fica ainda mais diva a cada ano que passa. É o que acontece com Charlotte Rampling: prestes a completar 70 anos, sem uma única plástica no rosto que já foi deslumbrante, ela está divina em "45 Anos". O filme é um drama bastante simples: um casal está prestes a comemorar seus 45 anos juntos com uma festa quando o marido recebe uma notícia que o abala. O corpo de uma ex-namorada finalmente foi encontrado numa geleira da Suíça, mais de meio século depois dela ter escorregado e caído. Charlotte faz a esposa que se deixa arrebatar pelo ciúme, e domina o filme com sua presença forte e sutil ao mesmo tempo. "45 Anos" foi escrito e dirigido por Andrew Haigh, também responsável pela série "Looking", recém-cancelada pela HBO. Mas já deu para perceber que a carreira dele ainda tem muito chão pela frente, e que não se restringirá à temática gay. Este pequeno filme, que ganhou prêmios no Festival de Berlim para seus dois atores, vai deixar impaciente quem esperar uma reviravolta ou uma cena de histeria. Mas é só prestar atenção nos pequenos gestos - principalmente nos de Charlotte - que a porrada é garantida.
sábado, 31 de outubro de 2015
sexta-feira, 30 de outubro de 2015
POUCAS PALMAS PARA A PALMA
Os premiados de Cannes, como em qualquer festival, são decididos por um júri pequeno, e sempre sob a influência brutal de quem estiver na presidência. Por isto as injustiças são frequentes. Foi o caso deste ano, em que havia pelo menos duas obras-primas na competição - "Filho de Saul" e "Youth". Mas os jurados, liderados pelos irmãos Joel e Ethan Coen, preferiram dar a Palma de Ouro para "Dheepan", do diretor francês Jacques Audiard. O filme passou na Mostra de SP e acaba de estrear em circuito comercial. Não é ruim, mas não chega nem perto das duas obras citadas. Vai ver que ganhou porque trata de um tema do momento: a imigração para a Europa. O protagonista é um ex-integrante dos Tigres Tamil, a guerrilha separatista que devastou o Sri Lanka até ser fragorosamente derrotada. O sujeito consegue os passaportes de uma família que já morreu, e em seguida arruma mulher e filha postiças para poder usá-los. Vão todos para a França, onde Dheepan consegue um emprego de zelador num conjunto habitacional. Probleminha: o lugar é dominado por uma gangue. Mas nada que assuste um guerrilheiro, né? Mesmo sendo lacônico, o roteiro telegrafa o que vem no final. E este nem é o maior problema do filme, que se arrasta aqui e ali. Só vi para completar minha lista: não perco uma Palma de Ouro desde 1983.
ATÉ PORQUE EU NÃO TAVA COM FRIO
Por que eu não consigo encontrar música brasileira moderna que me faça enlouquecer? Lá se vão mais de dois desde que descobri o Silva... Será porque eu estou irremediavelmente colonizado? Ou porque a nossa música realmente anda muito ruim, dominada que está pelos sertanejos e similares? Aliás, em tempos de cobrança de diversidade, é curioso ninguém reclamar que o universo sertanejo é quase todo branco, masculino e heterossexual. Foi para fugir desse escaninho que eu ando investigando uma outra vertente da cena nacional: negra, urbana, multigênero. E tem coisas interessantes, como o Liniker. Os dois vídeos desse cantor de Araraquara estão atraindo bastante atenção, antes mesmo dele lançar um álbum completo. Eu gostei muito da atitude, mas acho que o vocal não é tão bacana assim. Work that voice, bitch: andróginos têm que ser rouxinóis.
Quem de andrógino não tem nada é Seu Jorge, que lançou o volume 2 de suas "Músicas para Churrasco" quase quatro anos depois do primeiro (e foi em março, eu sei, mas eu estava ocupado, porra). O novo disco, com faixas cantando a beleza das mulheres e a vida boa, é divertido e despretensioso. Talvez seja um pouco despretensioso demais: Seu Jorge parece ter desistido de experimentar coisas novas, e está preso a uma fórmula de sucesso garantido.
A veteraníssima Elza Soares cai no oposto. Aos 78 anos de idade e 55 de carreira, ela não se aquieta. "A Mulher do Fim do Mundo" só traz sambas inéditos, alguns com detalhes eletrônicos nos arranjos. A voz de Elza mostra a idade que tem: às vezes soa cansada, mas é sempre dramática. Talvez seja um pouco drameatica demais: o disco demanda atenção, e não serve como música de fundo. Mas é uma obra de arte, o que já o diferencia dos demais.
quinta-feira, 29 de outubro de 2015
SEM CASA MAS COM RODAS
Minha única razão para assistir "A Senhora da Van" tem nome e sobrenome: Maggie Smith. O filme, que está sendo exibido pela Mostra de SP e entra em cartaz no começo do ano que vem, é baseado na história real de uma mulher com problemas mentais que morou muitos anos dentro de uma van, que ela costumava estacionar ao longo de uma mesma rua em Londres. É interessante ver como os moradores, todos de classe média alta, tratam essa sem-teto: apesar de algum, aham, desconforto, sempre com gentileza e generosidade. Está certo que tudo se passa entre os anos 1970 e 80, quando a paranoia pela segurança era menor que hoje, e não existiam nem o crack nem o terrorismo islâmico. Mas a trama na verdade nem é sobre a tal senhora: o verdadeiro protagonista é o escritor Alan Bennett, em cuja garagem ela se aboletou e que depois escreveu um livro sobre sua relação com ela. Alan é um "confirmed bachelor" que aos poucos - bem aos poucos - cria coragem para sair do armário. Essa jornada é até mais interessante, e o ator Alex Jennings, eterno coadjuvante, aqui ganha o melhor papel de sua vida. Só que, no final, quem dá mesmo um show é Maggie Smith. Ela consegue construir um personagem arrogante e engraçado, que no entanto não tem nada a ver com a condessa de "Downton Abbey". Sua expressão facial numa cena no final do filme é de arrepiar. Que atriz fenomenal, e que sorte sermos contemporâneos dela.
PITECANTROPOS MODERNOS
Não sei o que é mais assustador: se os abusos sexuais na infância que muitas mulheres andam relatando na internet de uns dias para cá, ou as reações escrotinhas de alguns panacas. Tudo começou quando um imbecil (anônimo, evidentemente) manifestou no Twitter seu interesse por uma concorrente do "Master Chef Junior" de apenas nove anos. O escândalo fez com que o instituto Think Olga encorajasse a mulherada a contar quando foram abordadas sexualmente pela primeira vez, e as respostas são estarrecedoras. Juro que, como homem, eu nem desconfiava que a idade média do primeiro assédio era 9,7 anos - ou seja, com meninas impúberes. A prática é tão disseminada que parece universal. Pelo jeito, nenhuma brasileira escapou de ser molestada quando ainda sequer tinha consciência do que estava acontecendo. E aí vem o lado (mais) negro da história: vários homens (o Roger do Ultraje a Rigor entre eles) acharam que seria engraçadíssimo avacalhar com o movimento, sem se dar conta de que estão passando atestado de pitecantropos. Que tempos curiosos são esses, em que as redes sociais levantaram a tampa da latrina que é a cabeça desses caras. O mundo é ainda pior do que se pensava.
quarta-feira, 28 de outubro de 2015
ESCANDINÁVIA MEXICANA
A rainha Cristina da Suécia ficou famosa no resto do mundo por causa de um filme com Greta Garbo. Porque sua importância histórica nem é tão grande assim: ela renunciou ao trono com apenas 28 anos, converteu-se ao catolicismo e foi viver em Roma pelo resto de seus dias. As causas dessa renúncia são discutidas até hoje, e o filme "A Jovem Rainha" calca a mão numa das teorias mais populares: Cristina era lésbica, e ficou chateadíssima quando sua amante se casou com um homem. O título em português é uma amortização do original, muito mais expressivo: "The Girl King", o rei menina. Mas o longa em si não é grande coisa. Dirigido pelo finlandês Mika Kaurismäki, falado em inglês e com elenco internacional, "A Jovem Rainha" mais parece um melodrama mexicano. Tem muito carão, muita frase de efeito no roteiro e alguma canastrice nos atores. A direção de arte tampouco é deslumbrante: não sei se por problemas de orçamento ou se a corte sueca do século 17 não era mesmo das mais ricas. O filme ainda nem estreou lá fora e está sendo exibido pela Mostra de SP, mas acho que não irá muito longe. Ainda não foi dessa vez que esgotaram a história de Cristina, a rainha culta que tentou transformar seu país num "salon" de artistas e intelectuais comandado por uma sapata. Uma espécie de Gertrude Stein coroada.
terça-feira, 27 de outubro de 2015
A EX-RAINHA CRISTINA
Cristina Kirchner tem lugar garantido no meu coração para todo o sempre. Em 2010, ela peitou a Igreja Católica e boa parte da opinião pública da Argentina para aprovar o casamento igualitário em seu país - o primeiro da América Latina a fazê-lo. Uma atitude ousada que nenhum de seus colegas do lado de cá da fornteira jamais teve culhão para tomar, por mais que digam que tenham amigos gays. Dito isto, é com alívio que assisto ao ocaso de seu reinado. O kirchnerismo já chegou derrotado ao primeiro turno das eleições presidenciais argentinas: Cristina não conseguiu indicar o candidato de seu partido. Para piorar, Daniel Scioli não foi eleito no primeiro turno, e a diferença de seus votos para os do maior candidato da oposição, Mauricio Macri, foi surpreendentemente pequena. Agora nossos hermanos irão, pela primeira vez na história, para o segundo turno (que tem o delicioso nome de "ballottage" por lá). O curioso é que, apesar da inflação alta e dos muitos escândalos, a aprovação da viúva K seguia suficientemente alta para muitos analistas acharem que ela manteria algum poder. Agora vai ter que reconstruí-lo a partir de sua base, a longínqua província patagônica de Santa Cruz, e quem sabe passar o cetro para o filho Máximo, eleito deputado mas ainda bem inexperiente. Segundo Clóvis Rossi, Cristina foi vítima de seu estilo impetuoso. Vivia num eterno "nós contra eles", dando caneladas a torto e a direito. Nenhum governante consegue manter esse clima beligerante para sempre. Alguém aí avisa o Lula? Hmm, pensando bem, melhor não.
NÃO ESQUEÇAM O QUE EU ESCREVI
Ontem deixei de lado as séries que fazem a alegria das minhas noites em casa para assistir de cabo à rabo ao "Roda Viva" com Fernando Henrique Cardoso. Eu não sou tucano, mas votei em FHC nas duas vezes que ele concorreu à presidência e não me arrependo. Pelo contrário: acho que ele foi o homem certo na hora certa. E hoje, afastado do poder mas ainda dando seus pitacos, ele tem se mostrado lúcido e coerente. Sei muito bem que ninguém vai mudar de ideia por causa dessa entrevista, mas ela merece ser vista mesmo por quem ainda acredita na balela da "herança maldita". FHC sofreu um processo brutal de desconstrução por Lula - justo Lula, que recebeu das mãos dele a faixa presidencial numa das transições mais tranquilas da república. Hoje a história mostra que FHC nem de longe foi o monstro pintado pelo PT, e é gratificante ver que ele está recuperando em vida sua reputação tão combalida. Também é admirável que ele publique ainda vivo os diários de sua presidência: nenhum outro mandatário fez isto, nem mesmo os que sabiam ler e escrever. FHC está dando a cara para bater, sem se esconder em manobrinhas nos bastidores. Também esclareceu que nunca disse a frase que seus detratores mais usam para desqualificá-lo: "esqueçam o que eu escrevi", algo que realmente não combina com alguém que assinou tantos livros.
segunda-feira, 26 de outubro de 2015
BEAU DE VOIR
Mais um sinal inequívoco de que o Brasil se encontra na Idade Média: teve gente que achou "polarizador" o tema da redação do ENEM, "A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira". Ou seja, gente que acha que no Brasil não existe violência contra a mulher, ou que os dados são inflados pela mídia esquerdista - a mesma que infla os números da homofobia e do trabalho escravo. Mais triste ainda é ver luminares como o Infeliciano e o Bolsonazi se levantando contra a questão que citava Simone de Beauvoir. Gentem, "O Segundo Sexo" tem mais de 50 anos, e tudo que está escrito lá já foi absorvido pelo "mainstream" da sociedade - ou pelo menos deveria ter sido. O lado bom é que episódios como este revelam a verdadeira natureza do conservadorismo tupiniquim: é o bom e velho patriarcado (ou machismo, para os menos letrados). A ideologia que gerou as três grandes religiões monoteístas e que oprime quase toda a humanidade há milhares de anos. Quando algum deputado ataca as famílias homoafetivas, ou a Igreja Católica nega o sacerdócio ao sexo feminino, ou uma mulher estuprada é obrigada a ter o filho de seu agressor, tudo isso é o patriarcado em ação. Mas, pelo menos em momentos como agora, as máscaras caem. C'est beau de voir. É bonito de se ver.
NI CORRUPTO NI LADRÓN
Primeiro os guatelmatecos deram um show de bola para todo o continente. Foram em massa para as ruas durante meses seguidos, e conseguiram não só que o corrupto presidente Otto Pérez de Molina perdesse a imunidade como ainda renunciasse ao cargo. Mas ontem, sei não. A Guatemala concretizou um temor difundido por toda a América Latina: elegeu uma celebridade sem nenhuma experiência política para o mais alto posto da nação. Jimmy Morales é um comediante muito popular por lá, e fez campanha com o slogan "Ni Corrupto, Ni Ladrón". Como se só isto bastasse para um ser bom governante. Morales é de direita e surpreendentemente conservador para alguém que vem do meio artítstico: é contra a legalização do aborto, da maconha e do casamento gay. Também é acusado de racismo, porque alguns de seus personagens satirizam as muitas etnias do país. Para piorar, apenas 10% do novo Congresso foi eleito pelo seu partido. Ou seja, vem mais um governo de coalizão por aí. E nós brasileiros sabemos que eles não costumam dar muito certo...
domingo, 25 de outubro de 2015
ESPIONAGEM PARA ADOLESCENTES
Ao longo de toda sua carreira, Steven Spielberg fez um único filme 100% adulto: "Munique", de dez anos atrás (não por acaso, também é o único onde aparece uma mulher nua). Em todos os seus outros títulos, em maior ou menor grau, ele se deixou levar pela sentimentalidade. Não há nada de errado com isso quando se trata de obra-primas infanto-juvenis como "E.T." ou "Caçadores da Arca Perdida". Mas quando a temática é séria, como em "A Cor Púrpura" ou mesmo "A Lista de Schindler", a dose extra de açúcar ameaça desandar a receita. É o que acontece com "Ponte de Espiões". Apesar do roteiro ter sido reescrito pelos irmãos Coen, que são conhecidos pelo humor seco, o que poderia ser uma boa trama de espionagem e intriga política vira uma aula de educação moral e cívica para garotos de 14 anos. Tom Hanks nada de braçada num tipo de personagem que é a sua especialidade: o sujeito íntegro, honrado e com uma ponta de autoironia. Mais interessante é o trabalho do inglês Mark Rylance, que eu conheci na série "Wolf Hall". Aqui ele faz um espião soviético capturado pelos americanos que não tem um pingo de compaixão por si mesmo. A história, baseada em fatos reais, é previsível ao ponto de não emocionar. E talvez por isto Spielberg force a mão no final, com simetrias bobinhas que só são perdoáveis em cineastas adolescentes.
sábado, 24 de outubro de 2015
FILME DE AÇÃO PARA A CABEÇA
"Sicario" é um thriller esquisito. É lento, quase solene, com longas sequências onde não acontece nada. Ou talvez aconteça: os personagens, todos agentes federais, estão sempre à beira de um ataque de nervos, esperando que alguma bomba exploda ou coisa que o valha. Só dá para entender o título do filme - "sicario" quer dizer assassino de aluguel - na reta final, quando este sujeito finalmente se revela. Até lá, o foco está em Emily Blunt, que arregala tanto os olhos azuis e faz tanta cara de angustiada que talvez seja indicada ao Oscar. Há um certo leit-motiv de choque cultural: o maniqueísmo bem marcado dos anglo-saxões, onde o bem é branco e o mal é preto, versus as zonas acinzentadas onde circulam os latinos. O diretor canadense Denis Villeneuve, que cometeu os excelentes "Incêndios" e "O Homem Duplicado", mostra mais uma vez que é um dos grandes talentos em atividade no momento. Mas "Sicario" não vai satisfazer quem gosta de tiros e perseguições: apesar da violência, o filme quer mesmo é sacudir seus neurônios.
sexta-feira, 23 de outubro de 2015
IRMÃOS DE QUÍMICA
Enquanto que o resto do mundo só quer saber de Adele, Adele, Adele, eu não para de ouvir The Shoes. Demorei um pouco para entender que se trata de uma dupla francesa: as letras todas são em inglês, e não há nada no som deles que remeta à França. Vindos de famílias proletárias, Guillaume Brière e Benjamin Lebeau são amigos inseparáveis desde os 10 anos de idade. "Chemicals", o disco novo deles, é difcílimo de classificar. Na minha primeira audição, tive a impressão de que alguém estava girando a esmo o dial do rádio - com a diferença que nesse rádio só pegava estação boa. Porque as faixas do disco ultrapassam o formato canção. Algumas são colagens sonoras, outras não têm refrão nem pé nem cabeça. E, apesar do histórico de DJs dos rapazes, rigorosamente nenhuma serve para dançar. Quem estiver a fim de escutar algo realmente novo, e não que soe como a versão 2011 da soul music dos anos 60, deve procurar The Shoes na rede. Para mim essa química já bateu.
INSTAGRAM DO TERROR
Poucos meses atrás, eu disse aqui no blog que o assunto "holocausto" estava esgotado no cinema. Já fizeram tantos filmes sobre o tema que parecia não haver mais nada para contar. Ah, como eu fui tolinho. Em minha defesa, nada poderia me preparar para o impacto que é "Filho de Saul", em exibição na Mostra de Cinema de São Paulo. O longa que vai representar a Hungria no próximo Oscar já é o favorito para levar a estatueta, e eu estou torcendo por ele (perdão, Anna Muylaert). Porque, além de ser uma porrada, é uma experiência plenamente bem sucedida. O diretor László Nemes cria um clima claustrofóbico, a começar pela tela quase quadrada que lembra uma foto no Instagram. Mas as imagens não têm nada de fofas. Os planos-sequência são longuíssimos e perseguem o protagonista, que em geral é a única coisa que está em foco. Todo o resto está borrado, e é desse jeito que percebemos as maiores atrocidades sendo cometidas no fundo da cena. O design de som também é espantoso, e acho que nem um filme em 3D me daria tanta sensação de estar num campo de concentração. O Saul do título é um "sonderkommando": prisioneiros que eram encarregados de limpar as câmaras de gás e recolher os mortos, antes de serem executados eles mesmos. Logo no começo, que é de uma barbaridade sem par, Saul encasqueta com o cadáver de um garoto que ele diz ser seu filho. Se é mesmo ou não depende da interpretação do espectador. Eu acho que não é - trata-se apenas da maneira que o personagem encontrou para resgatar um mínimo de humanidade no ambiente mais aterrorizante possível. Saul passa as próximas horas procurando dar um enterro judaico para o menino. Contando assim parece um sofrimento sem fim, e é. Mas "Filho de Saul" prende a atenção e não a larga nunca. Uma obra-prima absoluta, e o mais assombroso é que é o primeiro filme de Nemes. Mereceu o Grand Prix que levou o festival de Cannes deste ano, e todos os milhares de prêmios que ainda vai ganhar.
quinta-feira, 22 de outubro de 2015
O OUTRO JUSTIN CANADENSE
Alguém aí sabe dizer de cabeça o nome do primeiro-ministro do Canadá? Pois é, aqui no Brasil não prestamos muita atenção ao nosso grande vizinho do norte. Mas devíamos: o Canadá é um exemplo a ser seguido em muitos aspectos, do avançado sistema de saúde pública à legislação progressista (foi o primeiro país das Américas a legalizar o casamento gay, em 2005). Agora os canadenses ficaram ainda mais bacanas, porque finalmente se livraram do truculento primeiro-ministro Stephen Harper, do Partido Conservador, e elegeram para seu lugar o liberal e razoavelmente bonitinho Justin Trudeau. Com apenas 42 anos, ele é filho de Pierre Trudeau, que governou o Canadá por quase duas décadas (e de sua mulher Margaret, que mandava brasa no Studio 54 em Nova York). Com pais tão do babado, Justin tinha mesmo que ser legal - e parece que é mesmo, segundo o vídeo acima. Agora vamos ver se o moçoilo aguenta o tranco: seus rivais dizem que ele ainda não está preparado para um posto de tamanha responsabilidade.
FORA DO CALENDÁRIO
A propaganda brasileira se acha muito moderninha e antenada, mas a verdade é que é extraordinariamente machista e homofóbica. Os departamentos de criação, o coração de qualquer agência, são dominados por homens héteros e brancos; mulheres são raras, gays ainda mais. E essa pouca diversidade ficou ainda pior desde que eu comecei minha carreira de publicitário, há mais de 30 anos. Por isto não me surpreende nada que o Clube de Criação de São Paulo tenha incluído em seu Anuário deste ano (a premiação mais importante da publicidade nacional) uma peça claramente transfóbica. Trabalhei com três membros do júri que premiou o "Shemale Calendar": um deles é simplesmente a pessoa de pior caráter com quem eu tive o azar de cruzar caminhos. Por outro lado, a bem da justiça, vale lembrar que as atitudes relativas à transexualidade vêm mudando rápido demais. Os homens da minha geração foram treinados para sentir horror de travestis: havia sempre o medo absurdo de pegar uma mulher e descobrir na hora H que ela tem pau. Mas essa é uma fobia antiga, que não vale mais para os dias de hoje. O CCSP teria a obrigação de ignorar uma peça como esse calendário (que, além do mais, tem toda a pinta de ser fantasma - ou seja, foi criado não para veicular, mas para atrair prêmios). Mas não: apesar de já terem cancelado esse prêmio despropositado e pedido desculpas, nossos publicitários mostraram mais uma vez que o calendário deles parou no século passado.
quarta-feira, 21 de outubro de 2015
O ESTADO DEMONÍACO
Olhem aí, queridos que ainda apoiam Eduardo Cunha, do que o nobre deputado é capaz. Além de mentir desbragadamente e manter contas na Suíça, o presidente da Câmara também é o autor de um projeto medieval aprovado hoje pela Comissão de Constituição e Justiça. Pela nova lei, mulheres estupradas terão que fazer exame de corpo de delito e boletim de ocorrência antes de receber qualquer atendimento médico, e ai de quem sugerir a ela que aborte o feto do estuprador - APESAR dessa possibilidade ser perfeitamente legal há muitas décadas. Cunha não tem nada de inofensivo, nem será facilmente defenestrado uma vez que Dilma sofra impeachment. Ao contrário: ele é a encarnação do pior que existe na política brasileira. Religioso de araque, larápio contumaz e metido a espertalhão. Claro que esses PLs escalafobéticos de sua autoria servem para agradar ao eleitorado ignorante e à bancada BBB, num momento em que ele vê seu prestígio minguar. O Supremo provavelmente vai barrar essa lei que ignora a separação entre Igreja e Estado, mas isso não quer dizer que não corremos nenhum perigo. Quem tem medo do Estado Islâmico, quando já estamos sendo governados pelos próprios demônios?
ELA ESTÁ NO MEIO DE NÓS
A MTV Brasil é que nem a zoeira: it never ends. Dois anos depois do término das transmissões e exatos 25 de sua inaguração, o canal mais influente das últimas décadas reuniu várias gerações para uma festa improvisada em São Paulo. No começo era só o grupinho pioneiro "da Coropé", o primeiro endereço, que iria se reunir, mas a ideia se espalhou e pegou. O Via Matarazzo cedeu o espaço, as bebidas foram na base cada-um-paga-a-sua e ainda se consegiu transmissão ao vivo para um canal do YouTube. Eu, que nunca fui funcionário da emissora - só fiz uns frilas para alguns programas - consegui ser incluído na lista de convidados, já que sou parenete e amigo de algumas pessoas fundamentais para a história da MTV. E ainda aproveitei para comemorar o meu anivesário praticamente de graça... Lá fui eu me surpreender com caras que eu não via há um tempão e outros que estão por aí até hoje. Entre os VJs (vovô-Js?) pesentes estavam Astrid Fontenelle, Thunderbird, Cuca Lazzarotto, Zeca Camargo, Marina Person, Edgard Piccoli, Leo Madeira, Dani Barbieri, Adriane Galisteu, Renata Neto, Rodrigo Leão, Fernanda Lima, Cazé Peçanha, Marcos Mion, Adriana Lessa, Chirs Couto, João Gordo, Maria Paula e Chris Nicklas. Mais um monte de gente dos bastidores, no que foi praticamente uma reunião de formandos de colégio. A MTV Brasil foi isto mesmo: uma puta escola, que mudou para sempre a televisão brasileira.
terça-feira, 20 de outubro de 2015
PAISAJE DE SI MISMA
Ao longo da década passada, fui quase 20 vintes vezes à Cidade do México, sempre a trabalho. Mas claro que nas horas vagas eu passeava: visitei duas vezes a casa azul onde Frida Kahlo nasceu e morreu, e outras tantas o sensacional Museu de Arte Moderna. O fato é que os artistas mexicanos do século 20 são ainda mais instigantes que os nossos, mas por aqui só os muralistas e Frida Kahlo são razoavelmente conhecidos. Por isto que é bárbaro que a exposição "Frida Kahlo - Conexões entre Mulheres Surrealistas no México" não traga só trabalhos da monocelhuda. Tive o prazer de reencontrar Remedios Varos e Lenora Carrington, duas pintoras que eu só tinha visto por lá, e ainda conheci um monte de senhoras que eu ignorava. A mostra está em cartaz no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, e costuma ficar abarrotada nos finais de semana. Mas eu fui hoje na hora do almoço: estava tranquilo e ainda era entrada franca. Frida era a "paisaje de sí misma", como disse um crítico, e vê-la junta com suas amigas e contemporâneas é revelador. Saí tão inspirado que não vou mais me depilar.
INFÂNCIA ASSASSINADA
Toda vez que aparece um filme excepcionalmente violento, ressurge a discussão: para quê isto, santo Deus? Quem quer ver tanto sangue, tanta maldade? Foi assim com "Cidade de Deus", e "Beasts of No Nation" está seguindo pelo mesmo caminho. Trata-se do primeiro longa-metragem a estrear no Netflix ao mesmo tempo que nos cinemas americanos, o que sem dúvida dará mais visibilidade a uma história difícil por natureza. Também podem vir prêmios por aí: "Beasts" já está cotado para os Oscars, e com razão. O diretor Cary Joji Fukunaga, que vem do cinema independente e arrebentou com a primeira temporada de "True Detective", não teve papas na língua para contar a saga de um garoto africano que, subitamente órfão, se vê obrigado a aderir a um grupo guerrilheiro. Tudo de mais horrível que se possa imaginar acontece, e lá pelas tantas o filme parece mostrar o mal em estado puro, sem freios e insaciável. Idris Elba, cogitado para ser o primeiro James Bond negro, está magnético como o líder do bando, messiânico e covarde em igual medida. Mas seu papel é coadjuvante: o verdadeiro protagonista, é óbvio, é Agu, o moleque vivido por Abraham Attah com assombro e sobriedade. "Beasts of No Nation" é longo e às vezes insuportável, mas é quase obrigatório para quem quer se inteirar do mundo de hoje. A África precisa de mais atenção, nas artes e no noticiário. Este filme duríssimo preenche um pouco essa lacuna.
segunda-feira, 19 de outubro de 2015
ISSO MERECE UMA BOLLI-STOLI
Assisti pela enésima vez ao primeiríssimo episódio de "Absolutely Fabulous" no avião, na semana passada. Tirando a top model citada na história (Yasmin Le Bon, alguém lembra?) e a ausência de referências à internet, tudo continua rigorosamente atual. Não é por outra razão que Edina e Patsy não morrem nunca: hoje foi divulgada a primeira foto do longa-metragem há tanto tempo anunciado e que finalmente está sendo rodado na Côte d'Azur (onde eu estive semana retrasada, mas tive a manha de não perceber nada). O filme será lançado no ano que vem, mas só esta notícia já me dá vontade de misturar champagne Bollinger com vodka Stolichnaya e brindar com o drink favorito dessas deusas.
MERECE RESPEITOOO
Qualquer pessoa que acompanhe o noticiário já sabia há muito tempo que Eduardo Cunha não é flor que se cheire. Os escândalos cercam o deputado desde que ele assumiu seu primeiro cargo público, a presidência da extinta Telerj, em 1990, e seu currículo só inclui patrões do naipe de Collor, PC Farias e Garotinho. Mesmo assim, tenho amigos supostamente esclarecidos que o apoiam até agora, pois acham que ele é o único capaz de deslanchar o processo do impeachment da Dilma. Alguns desses amigos inclusive são gays, ignorando alegremente o fato de que Cunha é nosso inimigo declarado. Mas suas contas na Suíça e seus carrões em nome da empresa Jesus.com demonstram que ele é um evangélico de araque. O maior papelão de todos, portanto, coube aos nossos queridos crentes, sempre prontos a venerar qualquer imbecil que se diga contra o aborto e o casamento igualitário (são eles que formam o eleitorado de Cunha no Rio de Janeiro). Sei que é pedir demais a essa gente ignara, mas precisavam tomar mais cuidado. O resto do Brasil também merece respeito.
(Meus agradecimentos ao anônimo que me deu a dica do vídeo acima)
(Meus agradecimentos ao anônimo que me deu a dica do vídeo acima)
domingo, 18 de outubro de 2015
ALÔ, ALÔ, MARCIANO
Todo ano sai pelo menos um filmão-pipoca americano onde tudo funciona direitinho: roteiro, direção, elenco, efeitos especiais e, last but not least, bilheteria. Ah, e indicações ao Oscar - a Academia adora premiar títulos que dão dinheiro. Portanto, é de se esperar uma carrada de indicações para "Perdido em Marte". E o diretor Ridley Scott, veterano de tantos sucessos, bem que merecia vencer pelo conjunto da obra. Depois de clássicos absolutos como "Alien" e "Blade Runner", ele agora usa todo seu talento para deixar emocionante uma das histórias mais nerds de todos os tempos. Porque "Perdido em Marte" é, basicamente, uma aula de ciência disfarçada de cinema. Os personagens são todos funcionais, todos partes de uma engrenagem. Ninguém tem vida pessoal, nem mesmo o protagonista vivido por Matt Damon (que parece ter tomado banho na fonte da juventude). Isso até que é um alívio, porque somos poupados de clichês como a filhinha que ficou na Terra ("papai vai peder sua peça do colégio deste ano, mas prometo que ano que vem eu vou", blargh). Há uma certa desonestidade autoral em fazer de seu personagem, que é botânico, justamente o membro de uma tripulação de astronautas que é abandonado em Marte por engano. Quem mais saberia como plantar batatas num planeta sem vida? Mas estou sendo chato, e "Perdido em Marte" não o é. É entretenimento inteligente e uma amostra do poder de fogo da indústria cinematográfica americana, capaz de nos embasbacar com um mega-espetáculo desses pelo menos uma vez por ano.
sábado, 17 de outubro de 2015
A CASA BEM-ASSOMBRADA
A notícia de que um diretor como Guillermo del Toro fez um filme sobre uma casa mal-assombrada me deixou intrigado e decepcionado ao mesmo tempo. Intrigado porque del Toro é um visionário: quem melhor do que ele para sacudir o maior clichê do cinema de horror? E decepcionado, porque, uma casa mal-assombrada? Really?? Bom, sinto dizer que esta segunda sensação era a correta. "A Colina Escarlate" é um delírio visual, exatamente como se esperava do cara que fez "O Labirinto do Fauno". Direção de arte, maquiagem e efeitos especiais impecáveis. Até um pouco demais, porque o filme tem muito visual para pouco roteiro. Que traz coisas perfeitamente desnecessárias, como a morte da mãe da protagonista ainda no prólogo, ou uma série de sustos previsíveis que não assustam ninguém. Só no final que del Toro consegue dar uma leve reviravolta, mostrando que os fantasmas que perseguem a inexpressiva Mia Wasikowska (não sei porque essa moça filma tanto) não são bem o que parecem. Outro desapontamento é Jessica Chastain, uma atriz excelente, que no entanto não soube dar a seu papel absurdo a interpretação "over" que ele merecia. Dito isto, "A Colina..." até que distrai. Mas quem tiver aflição de facas entrando em lugares esquisitos deve ir prevenido.
AMOR É QUÍMICA
Um homem e uma mulher, que não se conheciam antes, concordam em participar do teste de uma nova droga que afeta o cérebro. E uma das reações que aparecem é uma paixão repentina entre ambos. Só que ele não sabe que faz parte do grupo de controle - o que está tomando, na verdade, é um placebo. Esta trama inusitada já é um diferencial "A Reação", da inglesa Lucy Prebble, e a estranheza é acentuada por uma montagem cheia de projeções de dados científicos e barulhinhos eletrônicos. A aparente frieza na verdade oculta um redemoinho de emoções, e os personagens lutam para descobrir quais delas são para valer. A peça, em cartaz em São Paulo até as v´speras do Natal, é dirigida por Clara Carvalho e tem o bonitão André Bankoff bastante à vontade em cena. Bala nenhuma precisa bater para o espectador apreciá-lo devidamente.
sexta-feira, 16 de outubro de 2015
SEE HOW WELL IT FITS
Em mais um alucinante furo de reportagem e com apenas duas semanas de atraso, compartilho hoje com vocês o clipe/desfile da nova coleção do Tom Ford. Tem direção de Nick Knight, participação de alguns dos modelos mais top do momento e, claro, Lady Gaga na passarela e na trilha sonora. O cover dela para o clássico do Chic é bastante fiel ao original: tem até os sinos badalando no refrão. Alguém sabe onde eu encontro essa versão? No Apple Music não tem...
quinta-feira, 15 de outubro de 2015
REAGE, JANET
Michael Jackson morreu em 2009, mas ainda não deu para ter saudades dele. Porque todo ano desencavam alguma gravação perdida, ou produzem um show em holografia. Agora o astro ressurge talvez do jeito com que sempre sonhou: como mulherrr. Sua irmã mais nova Janet acabou de lançar "Unbreakable", seu primeiro álbum em mais de sete anos, e nunca soou tanto como o falecido. O curioso é que entre as muitas faixas não há nenhum tributo explícito ao maninho: talvez por já ter se passado mais de meia década, fomos poupados de baladas lacrimosas e canonizantes. Mas a voz de Janet, naturalmente mais grave por ela já estar com 49 anos, soa muitas vezes idêntica à de Michael - como no sensacional single "Burnitup!", que por enquanto só tem o lyric video acima. A sonoridade obtida pelos produtores Jimmy Jam e Terry Lewis também poderia estar tranquilamente num disco do "Rei do Pop", apesar de mais variada do que a que Michael costumava usar. Janet atira para muitos lados - do r'n'b tradicional ao inevitável mela-cueca - mas "Unbreakable" soa coeso e atual. Eu já havia desistido dela há algum tempo, mas voltei a me interessar. Num mundo coalhado por mini-divas e cachorras sortidas, a plastificada ms. Jackson até que consegue construir uma personalidade própria.
quarta-feira, 14 de outubro de 2015
PROFISSÃO: MIELE
Luiz Carlos Miele não era cantor, não era ator, não era dançarino, e no entanto fazia tudo isso muito bem. Também era um excelente contador de "causos" e, pasmem, o pioneiro do rap no Brasil. Miele regravou em português o primeiro sucesso do gênero, "Rapper's Delight", que por aqui ganhou o nome de "Melô do Tagarela". Eu tive a honra de ajudá-lo a recriar esse marco de 1980 no palco do "Vídeo Show", no ano passado, quando ele fez dueto com Gabriel O Pensador. Foi mesmo uma sorte ter convivido, ainda que por apenas um dia, com um cara que eu via na TV desde criancinha. Miele era um "showman" completo, do tipo que não fazem mais, e nunca deixou de ser um cara estiloso. Mas sua sofisticação não tinha nada de esnobe: ele era um querido, que antes de mais nada queria entreter a plateia. Com um copo de uísque na mão e um leve sorriso nos lábios (quase nunca ria às gargalhadas), Miele apresentava shows luxuosos na Globo ao lado de Elis Regina ou Sandra Bréa, e foi cult até mesmo no inesquecível "Coquetel" do SBT. Curioso ele se ir no dia seguinte à "Playboy" americana anunciar que vai publicar menos nudez. O mundo dos adultos que me fascinava tanto quando eu era pequeno ficou um pouco mais sem graça.
TARANTINESCO
Foi então que o governo se transformou naquela cena clássica de "Cães de Aluguel": todo mundo apontando uma arma para todo mundo. A presidenta incompetenta Dilma Rousseff conseguiu encurralar o deputado malvado Eduardo Cunha, que por sua vez conseguiu encurralá-la de volta. Ele ameaça deslanchar o processo de impeachment se a PGR não parar de revelar detalhes sobre suas contas na Suíça; ela acena com um acordo, mostrando que tem o apego ao poder muito acima da ética e do amor pelo Brasil. Cunha já avisou mais de uma vez que afunda atirando, e o medo de que o presidente da Câmara dê com a língua nos dentes deixa o PT com os nervos em frangalhos. Triste país este nosso, com bandidos em todas as posições de comando. Mas tomara que essa situação se resolva como no filme do Tarantino: todo mundo atira e todo mundo morre.
terça-feira, 13 de outubro de 2015
GANHOU, PLAYBOY
Meu pai tinha coleção de "Playboy" americana, e um dos meus prazeres secretos quando pequenininho era me esconder atrás das cortinas e folhear as revistas. O que mais me deixava excitado eram os cartuns, não as fotos - eu era o protótipo da criança perversa polimorfa, tinha tesão em tudo. A criação de Hugh Hefner fez parte da minha educação, como da de milhões de outros meninos. Ainda mais porque rompeu uma barreira importante em 1972: acossada pela rival "Penthouse", também teve que passar a publicar fotos de nu frontal. Mas, ao contrário da concorrente, jamais descambou para o sexo explícito. As fotos da "Playboy" sempre foram "de bom gosto", mesmo quando exibiam bacurinhas. Agora não exibirão mais, pelo menos nos Estados Unidos. Foi anunciado hoje que, a partir do ano que vem, os famosos "pictorials" serão mais discretos. Não adianta mesmo querer competir com a internet, onde a pornografia grátis está ao alcance de qualquer um. Mas isto não quer dizer que a "Playboy" encaretou. Só está protegendo a marca, uma das mais reconhecíveis do mundo inteiro. Porque o logo do coelhinho quer dizer muito mais que só mulher pelada. Ao longo de mais de meio século, a revista criou um conceito (frequentemente imaginário) do que é ser um homem moderno, com acesso a gadgets e fêmeas incríveis. Algo assim meio James Bond. É para preservar esse mito que a "Playboy" dá um passo atrás - ou um passo na cola de suas jovens competidoras, como a "Maxim" ou a "Lui" francesa, que sobrevivem muito bem sem apelar pras xanas arreganhadas. E no Brasil, o que vai acontecer? Faz tempo que a versão nacional perdeu a relevância. As famosas não se expõem mais, as BBBs e mulheres-frutas estão super expostas. E até o editorial cambaleia: acho que a última entrevista de impacto foi a de Sandy em 2011, quando ela admitiu que gosta de sexo anal. A "Playboy" brasileira virou uma revista para caras recém-divorciados, e precisa se reinventar com mais urgência do que a matriz. Mas talvez seja tarde demais...
A CASA DOS PADRES PEDÓFILOS
A primeira pergunta que "O Clube" me suscitou foi: existem mesmo essas "casas de retiro", para onde a Igreja Católica mandaria seus padres pecadores? Aliás, o próprio filme se questiona se elas deveriam existir. Porque juntar um bando de sacerdotes pedófilos num mesmo lugar não parece boa ideia. Mais cedo ou mais tarde, eles vão se meter em confusão. E claro que se metem nessa nova obra do diretor Pablo Larraín, já indicado ao Oscar por "No" ("O Clube" é o escolhido pelo Chile para representá-lo na próxima disputa). Uma vítima já adulta vem molestar os velhinhos, e sua chegada acaba provocando uma morte violenta. Esta, por sua vez, faz com que a Igreja envie ao lugar - uma cidadezinha litorânea longe de tudo - um padre jovem, desses bem "by the book", que pensa em fechar aquela comunidade transviada. Uma das qualidades de "O Clube" é o fato dele não condenar automaticamente seus personagens. Dá para entender (um pouco) o drama de cada um. Mas um dos defeitos é a lentidão e o tom sombrio, inclusive na fotografia. Depois de trabalhos vibrantes como a série "Prófugos", Larraín embebe a tela de melancolia. Seu novo filme não tem nada de divertido. Só vá se seus neurônios pedirem muito.
segunda-feira, 12 de outubro de 2015
GAROTA INTERROMPIDA
Amy Winehouse explodiu para o mundo em 2007, com "Back to Black". Era seu segundo álbum, mas a imensa maioria da humanidade ainda não a conhecia. E o pacote vinha completo: música, visual, atitude. Até o problema com as drogas era citado em "Rehab", seu primeiro grande sucesso. Mas ela jamais gravou um terceiro disco. Junto com a fama, sua vida pessoal também veio a público. As internações, os quebra-quebras, o namorado bad boy Blake Fielder-Civil (conhecido por um tempo como "my Blake incarcerated"). Os altos e baixos duraram quatro anos, até a morte da cantora em julho de 2011. Essa história fulgurante de triunfo e autodestruição já rendeu dezenas de livros e especiais de TV, mas talvez seu registro definitivo seja o documentário "Amy". O filme está passando em sessões especiais em alguns cinemas brasileiros, e eu acabei de assisti-lo no voo que me trouxe de volta a São Paulo. O diretor Asif Kapadia fez milagre: não rodou uma única cena, só gravou alguns depoimentos em áudio. As imagens são todas de arquivo, principalmente os pessoais. E não é que compõem um retrato coeso da moça? Amy vivia diante das câmeras, como se sua vida fosse um reality show (e praticamente o foi). Dois vilões emergem com clareza: Blake e o pai de Amy, Mitchell, quase tão explorador quanto o da família Jackson. Mas não dá para ignorar que ela própria tinha alma de junkie. Daquelas que, se não tem padê, vai de goró, e se não tem goró, vai de perfume mesmo. "Amy" não traz novas revelações nem joga um olhar diferente sobre essa trajetória, mas é hipnotizante. Só que eu não consegui ver até o final. O entretenimento de bordo foi cortado para a aterrissagem, faltando apenas alguns minutos para o filme acabar. Vi apenas até o último não-show em Belgrado. Alguém aí sabe como termina?
domingo, 11 de outubro de 2015
O FERROLHO
Saindo do "Osiris" fomos caminhando até o Museu do Luxemburgo, onde está em cartaz a exposição "Fragonard Amoureux". "Frago", como ele chamava a si mesmo, foi o maior pintor francês da segunda metade do século 18, e captou à perfeição o espírito libertino pré-Revolução. Essa mostra privilegia suas obras sobre amor e sedução, e algumas são pura sacanagem. Tem até gravuras suas para os livrinhos pornográficos que faziam sucesso na época. Muita coisa deslumbrante, mas nada supera o drama e o tesão de "O Ferrolho", que encerra a visita. E assim passei o ferrolho nessa viagem: o próximo post já será do Brasil.
O PROTO-JESUS
O Instituto do Mundo Árabe é um dos meus prédios favoritos de Paris, mas eu não punha os pés lá há quase vinte anos. Hoje eu tive uma boa desculpa: a colossal exposição "Osíris - Mistérios Submersos do Egito", que reúne estátuas e objetos recuperados numa escavação arqueológica no fundo do mar, perto de Alexandria. Também tem muita coisa encontrada em terra firme, para dar contexto e substância à mostra - que é simplesmente a mais completa e interessante que eu já vi sobre os antigos egípcios. Além da beleza e da ótima conservação das obras, também chama a atenção a similaridade do mito de Osiris não só com Jesus Cristo, mas muitas outras passagens bíblicas. O deus foi morto por Seth, seu irmão recalcado, precedendo em séculos a história de Caim e Abel. Ísis, sua irmã e esposa, também tem o atributo da maternidade, o que faz dela uma antecessora de Maria. E Osíris voltou à vida depois de morto, num óbvio paralelo com a ressurreição de Jesus. Esta passagem gerou a peça mais linda de todas: essa da foto abaixo. Sim, ele está ressuscitando, embora pareça que está prestes a fazer outra coisa.
sábado, 10 de outubro de 2015
MANGÁ DO SÉCULO 19
Eu já conhecia a arte da gravura japonesa, mas nada me preparou para o impacto que é Kuniyoshi. Uma exposição que abrange toda a carreira desse cara que viveu duzentos anos atrás ocupa boa parte do Petit Palais, em Paris, e é tão colorida e cheia de detalhes que meus olhos quase doeram. Kuniyoshi ficou famoso por ilustrar romances populares sobre heróis e monstros, e suas imagens são verdadeiros mangás. Ele retrata figuras cheias de movimento, seres fantasmagóricos e gatinhos, muitos gatinhos. Além de usar recursos gráficos como o "splash" da água muito antes do surgimento das histórias em quadrinhos.
Na verdade, trata-se de uma mostra dupla chamada "Fantastique". A segunda parte traz gravuras europeias em preto e branco, com temática que tende ao horror absoluto. Lucifer devorando uma alma penada, demônios provocando pesadelos em donzelas e por aí vai. A que mais me impressionou está aí ao lado, "A Última Noite do Condenado" de Boulanger. Brr, calafrios.
sexta-feira, 9 de outubro de 2015
DARLING, HOLD MY HAND
Quem se sentiu incomodado por eu ter vindo trabalhar na Europa por dez dias agora vai se afogar no veneno de sua própria inveja: ontem eu completei 25 anos de um casamento feliz, e hoje estou indo encontrar meu marido em Paris para passarmos um fim de semana de celebração. Bodas de prata! E numa data importante como esta eu não me sinto nostálgico, mas agradecido e olhando para o futuro. Por isto quero dedicar ao Oscar (que não é o nome verdadeiro dele, mas o apelido que eu usava nos primeiros tempos desse blog) essa música da Jess Glynne, a nova cantora inglesa que está tacando fogo nas paradas. A moça surgiu ano passado nos vocais de "Rather Be" da banda Clean Bandit, e seu primeiro single solo, "Hold My Hand", traduz exatamente como eu me sinto hoje. Além do mais, a música foi composta em homenagem a uma ex-namoradA dela. Ou seja, ainda mais apropriada para comemorar os 700 anos (anos-gay valem mais até do que anos-cachorro) que Oscar e eu estamos juntos, n'est-ce pas?
quinta-feira, 8 de outubro de 2015
LES MARCHES DU PALAIS
Hoje terminou o MIPCOM. Para mim, na verdade, foram quatro dias de reuniões em Londres, um de reunião em Cannes e quatro de mercado pra valer. Gastei a sola do sapato andando pelo Palais des Festivals, onde acontecem todos os grandes eventos de Cannes. Para quem está habituado com as exposições brasileiras, geralmente sediadas em galpões planos como o Anhembi em São Paulo, o Palais parece ter sido desenhado por Escher. É uma espécie de pirâmide onde você sobe dois lances de escada rolante e descobre que chegou ao subosolo; ou então você tem certeza de que encontrou a saída, mas na verdade está no terraço do Riviera, o prédio anexo. O MIPCOM se esparrama por todos os cantos, inclusive em vans estacionadas na rua e tendas erguidas na praia, quase dentro do mar (a da produtora onde eu trabalho era uma dessas). E ainda tem as festas, os almoços de negócios, as putas da Croisette... Entre os formatos mais comentados da feira estava uma série escandinava sobre doentes terminais que realizam seus últimos desejos - um enorme sucesso por lá, mas dá para imaginar uma coisa dessas exibida no Brasil? E que tal o "dating show" onde primeiro a moça beija vendada quinze caras, depois repete de olho aberto os cinco de que mais gostou, daí escolhe dois para transar e só então escolhe se vai namorar com um deles? Esse programa estava causando risinhos de nervoso em alguns delegados, mas ele nada mais é do que a tradução para o mundo hétero do método gay de acasalamento. Mas não deixa de ser curioso que esses dois formatos de sucesso no MIPCOM representem Eros e Tânatos, o amor e a morte. Como tudo na vida.
(falo mais sobre o feirão de TV em Cannes na minha coluna de hoje no F5)
SOPA NO MEL
Larry Sullivan e David Monahan são o primeiro casal gay a estrelas DOIS comerciais para produtos diferentes, o que é uma façanha e tanto. O primeiro foi para a marca de homus Sabra, no começo deste ano; agora eles voltam junto com o filho Cooper anunciando sopa Campbell's. Claro que ajuda o fato de ambos serem atores profissionais e renderem bastante em frente às câmeras. Mas, especialmente neste novo filme, é de se louvar que não apareça nenhum dos clichês que costumam acopmpanhar qualquer casal formado por dois homens. A situação mostrada é absolutamente normal, sem piadinhas maliciosas nem alfinetadas. Essa família existe, não importa o que vomitem os estatutos.
quarta-feira, 7 de outubro de 2015
TV EM PRETO E BRAU
Em 1975, a novela "Pecado Capital" mostrou a primeira família negra de classe média da teledramaturgia brasileira. Até então, atores negros só faziam escravos, empregados e olhe lá. Mas os personagens daquele núcleo eram pouco importantes para a trama, e foram esquecidos rapidamente. Mesmo assim, é impressionante que, 40 ANOS DEPOIS, ainda estejamos discutindo a pouca presença dos negros na TV brasileira. Melhorou? Sim, um pouco. Mas claro que ainda falta muitíssimo. Este é o assunto da reportagem que jornalista inglês (radicado no Brasil) Bruce Douglas escreveu para o jornal "The Guardian". Eu fui um dos entrevistados: quem quiser ler o que eu falei, tá aqui o link para a matéria. Na verdade falei muito mais - cerca de meia hora diante das câmeras, para um vídeo que ainda não foi postado no site do jornal. Assim que sair eu aviso. E convido todo mundo para o debate: o que impede o negro estar bem representado não só na nossa TV, mas também no cinema e em todas as artes? Racismo de quem produz ou de quem assiste?
A BELEZA MAIOR AINDA
Pronto, ele fez de novo. Dois anos depois de "A Grande Beleza", o diretor italiano Paolo Sorrentino volta com mais uma obra-prima absoluta, tão ou mais linda que sua antecessora. "Youth" ainda não tem título em português, mas, mesmo que o traduzam como "Dois Velhinhos Muito Loucos", não vão conseguir estragar o filme. Que, já vou avisando, não vai agradar todo mundo. Aqui também não há uma história propriamente dita, mas uma meditação sobre a passagem do tempo. Um maestro inglês aposentado, de férias num spa na Suíça, recebe um convite para reger uma orquestra diante da rainha. Seu melhor amigo, um cineasta, também está lá, e os dois conversam e observam os outros hóspedes. A filha do maestro, que também é sua empresária, passa por uma separação tumultuada. Ponto. A partir disso, Sorrentino constrói um universo estético onde cada detalhe foi meticulosamente curado: da trilha sonora absurdamente boa à fotografia resplandecente. Michael Caine e Rachel Weisz podem esperar indicações ao Oscar; se houvesse justiça no mundo, Jane Fonda também seria indicada por sua pequena e avassaladora participação. E ainda tem a popstar Paloma Faith no papel não exatamente de si mesma, mas de uma caricatura cruel do que seja uma popstar, e um sósia do Maradona que é de cortar o coração. "Youth" é uma experiência sensorial e um filme muito complexo para ser digerido de uma só vez. Ao mesmo tempo, é bastante simples (bem mais do que "A Grande Beleza"), recheado de piadinhas que parecem gratuitas ou que podem ser interpretadas como pistas para uma mensagem maior. Não importa. Saí extasiado do cinema, e já quero ver de novo.
terça-feira, 6 de outubro de 2015
NO PEITO DOS DESAFINADOS
A história de Florence Foster Jenkins, a pior cantora de ópera de todos os tempos, não para de gerar frutos. Já rendeu o musical "Gloriosa", estrelado por Marília Pera, e acaba de ser filmada por Stephen Frears com Meryl Streep no papel principal. Mas o cinema francês passou a perna no americano e já lançou sua versão: "Marguerite", que se passa em Paris nos anos 1920. Catherine Frot está fantástica como a protagonista, mas o roteiro deixa a desejar. O final se arrasta, e há um pouco de personagens pitorescos demais. Mas o caso de Florence/Marguerite merece atenção. Ela era uma milionária que cismou em ser uma diva do bel canto; durante anos, ninguém tinha coragem de dizer na cara dela que a coitada cantava muito mal. Parece uma obsessão inofensiva (a não ser para os ouvidos delicados), mas saí do cinema pensando que a mulher não era tão boazinha assim. Não que ela fizesse mal a ninguém, mas só pensava em si mesma. Sua autoproclamada paixão pela música disfarçava um egoísmo gigantesco, que por sua vez camuflava uma fragilidade imensa. Igualzinho a certos ricaços brasileiros que gravam discos e fazem shows, e ninguém tem culhão de lhes contar a verdade.
WAZE RUNNER
Todo mundo que usa o Waze há algum tempo tem pleo menos uma história bizarra para contar. O aplicativo já me levou para quebradas na rota entre minha casa e meu trabalho, mas sempre emonstrou ter razão: aquela era mesmo a opção mais rápida. Só que, como qualquer máquina, ele ainda não está perfeitamente calibrado para todas as camadas do ser humano. A notícia de que uma senhora foi metralhada na favela do Caramujo, em Niterói, só porque o Waze sugeriu que ela e o marido passassem por lá, está repercutindo no mundo inteiro. Foi o segundo incidente no mesmo lugar: há alguns meses, a atriz Fabiana Karla teve o carro alvejado no mesmo lugar. Esses casos são tão graves que vão além da anedota. O Waze está conversando com o governo do Rio para ver como pode se aperfeiçoar. É o tal negócio: tudo funciona direitinho no papel, mas quando chega no mundo real... Ou no Brasil.
segunda-feira, 5 de outubro de 2015
HÁ LIMITES
Acho insuportável o mimimi dos petistas contra o que eles chamam de "discurso de ódio". Como se não fossem eles que tivessem começado - ou melhor, foi Lula, que passou seus dois mandatos falando em "herança maldita" e "nunca antes neste país". O ex-presidente chegou a dizer que pensava em exterminar a direita de uma vez por todas, como se fosse possível fazer democracia sem todo o espectro político (e como se ele não bajulasse o PMDB e os banqueiros). Também acho justíssimo que políticos - QUAISQUER políticos - sejam vaiados em lugares púbicos, como o ex-ministro, ex-candidato a governador e atual secretário da prefeitura de São Paulo Alexandre Padilha o foi outro dia. Esses apupos servem para lembrá-los de que estão a serviço da população, não de um partido ou de si mesmos. Mas para tudo tem limite. É do mais extremo mau gosto o folheto atirado no lugar onde acontecia o velório de José Eduardo Dutra, em Belo Horizonte. Não sou daqueles que pensa que basta a pessoa morrer para ser canonizada. E Dutra, que foi presidente da Petrobrás, deixa uma biografia no mínimo controversa. Mas fazer uma molecagem dessas num momento de dor ultrapassa a falta de educação e atinge a mais pura escrotice. Os autores dessa merda não são diferentes da odiosa Westboro Baptist Church dos Estados Unidos, que faz piquete em funeral de soldado. Merecem todos as labaredas do inferno.
EPPUR SI MUOVE
Há muitas batalhas se desenrolando nos corredores do Vaticano. Uma delas está se expondo à luz do dia: qual o pocionamento que o papa deve adotar ante os gays? Depois do desastre de relações públicas (pelo menos entre os LGBT) que foi o encontro de Francisco com Kim Davis nos Estados Unidos, surgiu a notícia de que a tabeliã do Kentucky nnao foi recebida em audiência privada. A escrota foi incluída num grupo de umas 40 pessoas pelo núncio apostólico (o embaixador do Vaticano) nos Estados Unidos, Carlo Maria Viganò, um homofóbico notório. Saberemos se o papa ficou bravo com o sujeito se ele for aposentado no começo do ano que vem, depois que completar 75 anos (a aposentadoria não é compulsória). Outro lance dessa guerra aconteceu com a entrevista que o monsehor polonês Krzystof Charamsa deu a um jornal italiano, revelando que tem um namorado e que pretendia fazer uma manifestação na Praça de São Pedro. Foi despedido e talvez seja excomungado: também convém prestar atenção aos movimentos o Bergoglio nesse caso. A Igreja é pesada, eppur si muove.
domingo, 4 de outubro de 2015
TSUCANNES
Cheguei ontem no final da tarde a Cannes. O céu estava nublado e já havia chovido bastante no dia anterior; a previsão para a noite de sábado era de mais chuva. Mesmo assim, minha chefe e eu resolvemos caminhar à noite até o Palais de Festivals, para ver se ficava muito longe do nosso hotel. Estava caindo uma aguinha, mas nada que assustasse dois brasileiros traumatizados pela crise hídrica. Pegamos dois guarda-chuvas no lobby e saímos saltitantes pela Croisette. Mas aí a chuvica foi engrossando... Abortamos a missão e voltamos ensopados para o hotel. Meus sapatos quase deram perda total. Hoje a cidade amanheceu, pardon my french, toda cagada. Tem areia nas ruas transversais à praia e muitas lojas foram inundadas. O hotel estava sem telefone nem internet. Soubemos de alguns lugares que ficaram sem luz o dia inteiro. E, o pior de tudo, morreram 17 pessoas na região. Não, não estamos falando da periferia de São Paulo, mas sim da Côte d'Azur. Um amigo meu já dizia que Cannes é São Vicente com um bilhão de dólares em cima. Acho a comparação injusta, pois São Vicente tem mais atrativos naturais. Cannes está mais para Praia Grande - ainda mais agora, que o glamour foi levado pelas águas. O mundo inteiro é feito de açúcar.
LONDON CALLING
Estive em Londres pela primeira vez em janeiro de 1983, quando estava começando aquilo que os americanos chamariam de “segunda invasão britânica”. Em outras palavras, um dos melhores momentos da música pop de todos os tempos. O punk e o new wave do final dos anos 70 haviam se misturado ao mainstream e gerado frutos como Culture Club, Eurythmics, Duran Duran e uma infinidade de outros nomes. Era inverno, mas a cidade fervilhava. Clones de Boy George andavam de metrô e cartazes anunciando os últimos singles cobriam os andaimes. Lojas de discos (ainda em vinil) brotavam em cada quarteirão e publicações como o “NME” tentavam descobrir the next big thing. A música fazia parte inextricável da paisagem londrina. Mais de 30 anos depois, extricaram-na. Londres está ainda mais multicultural, com desfiles de trajes típicos pelas ruas. Mas as lojas de discos fecharam quase todas (vi que a HMV da Oxford Street ainda existe, e só), e os "lambes" promovendo artistas novos evaporaram. A música sumiu do espaço público e se tornou estritamente particular. Quase todo mundo anda com headphones, alguns grandes demais, mas vai saber o que estão ouvindo? Londres continua sensacional, é claro, com uma oferta de produtos culturais e de consumo que lugar nenhum do mundo consegue superar, quiçá igualar. Mas capital mundial da música pop? Só se for em segredo.
sábado, 3 de outubro de 2015
NATURE BOY
Existe um rito de transição no teatro britânico. Primeiro um jovem ator conquista a reputação de ser super talentoso. Depois ele estrela uma montagem de "Hamlet" e muda de patamar, entrando para o grupo dos realmente grandes. Passaram por essa tradição nomes como Laurence Olivier, John Gielgud e, mais recentemente, Jude Law. Agora é a vez de Benedict Cumberbatch. Sua versão do mais famoso personagem de Shakespeare é arrebatadora. Ele mais que confirma a fama atingida em tão pouco tempo, e mostra que chegou para ficar. Sua interpretação tem laivos cômicos inesperados e sua presença no palco - o cara é imenso, mas sua figura esguia lhe dá leveza - captura o olhar do espectador. Seu príncipe dinamarquês é frágil e forte na medida certa, e a escolha de "Nature Boy" na voz de Nat King Cole como tema musical se revela surpreendentemente acertada. A montagem da diretora Lindsey Turner também é espetacular, aproveitando cada milímetro da gigantesca boca de cena do teatro do Barbican Centre. Cenário e figurinos fazem uma mistura danada de estilos e épocas que nem sempre funciona - Ofélia de calças saruel? Really? Mas os efeitos de luz e o dinamismo das cenas me deu a sensação de estar vendo um filme ao vivo, e as três horas (com intervalo) da peça me pareceram muito menos. "Hamlet" fica em cartaz até o final de outubro, com ingressos esgotados desde o ano passado. Mas resta uma esperança: quem estiver vindo a Londres pode tentar o que eu fiz, procurando desistências no site oficial. Dei muuuita sorte.
CELTA DE BRINCADEIRA
O primeiro celta que todo mundo conhece é o Asterix. As aventuras dele são totalmente fantasiosas - nunca houve uma aldeia gaulesa que resistisse à dominação romana - mas muitos detalhes álbuns sempre foram considerados historicamente bem embasados. Bom, parece que nem tanto. O conceito moderno do que é ser celta surgiu em meados do século 18, quando irlandeses e escoceses queriam forjar uma identidade separada de seus senhores ingleses. Mas os antepassados desses povos não chamavam a si mesmos de celtas, nem compartilhavam uma mesma cultura. Isto é o que mostra a impressionante exposição "Celtas: Arte e Identidade", em carta no Museu Britânico até janeiro do ano que vem. A primeira parte é a reunião mais completa de objetos antigos da Europa não-mediterrânea. Entre eles há dezenas de "torcs", pesados colares que variavam de uma região para a outra, e o deslumbrante caldeirão de Gundestrup. Essa maravilha arqueológica tem imagens em relevo que contam uma história até hoje mal decifrada. Ninguém sabe, por exemplo, quem é esse sujeito com chifres da foto acima - o deus protetor dos gays, talvez? A segunda parte conta como supostos mitos celtas foram forjados na época do romantismo, com direito a quadros delirantes e lendas de araque. Mas se não é verdade, é bem achado: essa ficção teve importância política e ajudou a fixar nacionalidades por toda a Europa Ocidental. E ainda gerou a obra-prima que é o Asterix, por Tutatis!
sexta-feira, 2 de outubro de 2015
NOVA ORDEM E PROGRESSO
Trinta e dois anos depois de "Blue Monday", ainda estou ouvindo New Order. A banda herdeira do Joy Division virou uma espécie de Rolling Stones da cena eletrônica: ninguém espera que eles reinventem a roda a cada novo disco, mas que ofereçam novas pepitas dentro do estilo que os consagrou. E "Music Complete" cumpre essa promessa. O disco marca a volta da tecladista Gillian Gilbert, que havia saído em 2001, e a saída do baixista Peter Hook, cujo "twang" havia se tornado uma das marcas registradas do som do grupo. Ele faz falta, mas nem tanto. Ouso dizer que este novo trabalho é o melhor deles desde o apogeu no final dos anos 80, quando eles soltavam um clássico atrás do outro. Faixas como "Plastic" ou "Tutti Frutti" não fazem feio perto de "Bizarre Love Triangle", ao mesmo tempo em que realmente parecem ter sido gravadas no século 21. Continuar relevante depois de tantas décadas na estrada é façanha que bem poucos artistas conseguem. Aos trancos e barrancos, o New Order mostra mais uma vez que faz parte dessa turma.
Vamos ver se o Disclosure segue pelo mesmo caminho. So far, so good: "Caracal", o segundo CD da dupla, é tão consistente e cheio de ideias quanto a estreia "Settle". E vem com vocalistas convidados ainda mais badalados: além do retorno de Sam Smith, dessa vez também tem Lorde e The Weeknd. Sem falar do cantor de jazz Gregory Porter, que sustenta a nota inicial de "Holding On" por mais de um minuto. "Caracal" tem só músicas agitadas: agora o ritmo só diminui de vez em quando, como se precisássemos de uma pausa para buscar um drink no bar. Sofisticado, contemporâneo e multicultural, o novo opus dos irmãos Lawrence se revelou a trilha sonora perfeita para minhas caminhadas noturnas em Londres. Gamei.
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