terça-feira, 1 de setembro de 2015

DORMINDO NO EMPREGO


Existem dois conflitos em "Que Horas Ela Volta?". O maior e mais importante deles é entre mãe e filha. Val (Regina Casé, fabulosa) é uma empregada à moda antiga, daquelas que dormem no emprego e ficam anos na mesma casa. Sua filha vem do Nordeste prestar vestibular em São Paulo, e as duas se estranham. A mãe deixou a menina com parentes e ficou mais de dez anos sem visitá-la, por razões que o filme não explica. A filha não só se ressente disso como ainda tem uma atitude completamente diferente com relação aos patrões da mãe. Não se sente inferior; quer ficar no quarto de hóspedes e nadar na piscina. É um embate interessante e a cara do Brasil moderno. Val representa a velha classe C (ou D), "ciente de seu lugar" e sem muitas perspectivas. Jéssica é o país pós-Plano Real e pós-Lula, que conseguiu estudar e agora quer mais. Todas as cenas entre as duas estão impecáveis. Onde o filme falha é no outro conflito, delas com os patrões. Os personagens foram escritos por alguém que dormia: era para serem ambíguos, mas acabaram saindo incoerentes mesmo. E os atores foram mal escalados. Nenhum combina com o papel. Também é estranha a relação que a empregada tem com o filho do casal: tudo bem que ela foi a segunda mãe (o título internacional do filme, bem melhor que o brasileiro) do rapaz, mas que garoto de 15 anos dorme de conchinha com qualquer mãe, adotiva ou biológica? Esses deslizes me fazem duvidar que "Que Horas Ela Volta" seja mesmo esse ímã de prêmios que estão dizendo. Provavelmente será o nosso candidato ao Oscar, também pela falta de concorrentes. Mas é só um bom filme, não ótimo. Isso é pouco para tanto auê.

12 comentários:

  1. O título aqui no circuito comercial ficou "O verão com mamãe", focando mais no primeiro conflito.

    Eu vi em fevereiro junto com mais dois filmes brasileiros (Sangue Azul e Beira-Mar). De longe o melhor dos 3, mas, quase 7 meses depois, achei a história maniqueísta demais. O filho da família rica é uma coleção de clichês (não posso citar todos sob risco de revelação de spoiler). A filha da empregada humilde é estudiosa e aplicada. Na época achei o filme melhor. Hoje, nem tanto.

    ResponderExcluir
  2. E o Brasil mantendo a tradição de fazer sucesso com filmes sobre as classes menos ricas, menos privilegiadas, deixando as histórias sobre a classe média e as classes ricas para a tv contar. Estaremos exorcizando nossos demônios sociais ou com saudade deles?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Filmes sobre a classe média, estão aí, as comédias brasileira que virou sinônimo de porcaria. Classes ricas, que tal focar histórias de vida de Safras, Lemanns, Herrmanns, Marinhos etc. Quem se habilita.

      Excluir
  3. Se não me engano há uma cena em que a filha da personagem da Regina Casé diz que a mãe sempre estava bem vestida e cheia de presentes quando a visitava no nordeste, dando a impressão, inclusive, que morava sozinha em SP, e não na casa dos patrões.

    Eu conheço uns dois veados que tomaram mamadeira até os 12 anos e dormiam com as empregadas pq as mães estavam muito ocupadas enchendo o rabo de dormonid, então não achei estranho o garoto dormir com ela.

    O único personagem que me incomodou foi o pai da família, mas acho que a passividade dele foi intencional, dando a entender que quem manda na casa é a patroa da Val, apesar do cara ter a grana. Também sugere uma doença (depressão talvez?) já que ele não come direito no início do filme, e no final nem sai da cama.

    Se a Muylaert tivesse retratado o casal burguês como a maioria dos casais burgueses realmente são, teriam a chamado de esquerdopata cubana stalinista comedora de criancinha.

    Acho chato se apegar a detalhes são superficiais quando se tem uma produção tão rica como essa, com mais prós do que contras. Deixa isso pro Rubens Ewald Filho, ele é craque.

    ResponderExcluir
  4. Post sobre A Regra do Jogo?

    lalalalala

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Tem post não, mas tem coluna minha no F5:

      http://f5.folha.uol.com.br/colunistas/tonygoes/2015/09/1676210-internet-recebeu-a-regra-do-jogo-com-euforia-de-jogo-da-selecao-na-copa.shtml

      Excluir
  5. " Jéssica é o país pós-Plano Real e pós-Lula, que conseguiu estudar e agora quer mais." O que é isso, companheiro Tony?

    ResponderExcluir
  6. o rapaz que dormia com os cafunes da empregada viajou, cresceu, esqueceu da emprega, continua viajando pra euroPÁ e escreveu esta crítica...

    ResponderExcluir
  7. Também vi alguns clichês e a cena do rapaz dormindo com a empregada realmente ficou meio forçada, mas não acho que comprometeu muito o filme e seu substrato. A maioria das situações retratadas são bem verossímeis. Gostei bastante. Acho que os prêmios têm relação com uma curiosidade natural de pessoas de outros países com uma situação, como a retratada no filme, pouco comum por lá.

    ResponderExcluir
  8. Adorei o filme! Achei a patroa ótima. Muito parecida com as mães do Leblon que conheço.

    ResponderExcluir