domingo, 30 de novembro de 2014
PELA HORA DA MORTE
Não é só no quesito Oscar que o cinema argentino ganha do nosso. Nos remakes também: "Elsa & Fred" é o segundo filme recente deles a ganhar uma versão americana. Entretanto, assim como aconteceu com "Criminal" (o "Nove Rainhas" made in USA), o original era bem melhor. As aventuras do casal de velhinhos que redescobre o amor aos 47 minutos da prorrogação tinham muito mais vivacidade quando se passavam em Buenos Aires. Talvez por causa da maravilhosa atriz China Zorrilla, que morreu no começo deste ano. Sua contrapartida gringa, Shirley MacLaine, não tem a fragilidade necessária - ela não consegue passar a sensação de que Elsa está curtindo a vida adoidado porque sabe que vai morrer a qualquer momento. Além disso, o diretor Michael Radford (do superestimado "O Carteiro e o Poeta") imprime um ritmo lento, como se os personagens tivessem todo o tempo do mundo. Enfim, o filme é simpático e eu provavelmente teria gostado mais se não tivesse visto essa história em espanhol. Mas agora não tenho como desver.
sábado, 29 de novembro de 2014
SETE É ACIMA DA MÉDIA
Nem todos os filmes que nos chegam da Argentina são excepcionais. Não é todo dia que eles se saem com um "Relatos Selvagens" ou um "Segredo dos Seus Olhos". Mas mesmo os filmes médios dos nossos hermanos são perfeitamente assistíveis. É o caso de "Sétimo", um suspense quase doméstico dirigido pelo espanhol Patxi Amezcua. Um advogado que defende vários criminosos aposta corrida com os filhos: quem chega primeiro ao térreo, ele pelo elevador ou as crianças pela escada? Só que elas desaparecem no meio do caminho, e boa parte da trama é gasta naquela angústia de querer saber o que se passou - não exatamente uma razão tentadora para alguém comprar um ingresso. Mas claro que nem tudo é o que parece, com algumas surpresas no final. Nada de chacoalhar, mas bem mais competente do que a maioria dos filmes brasileiros.
sexta-feira, 28 de novembro de 2014
O MIOJO TELEVISIVO
Eu já estava formado na faculdade e enfrentando meu primeiro emprego quando o Chaves estreou no SBT, em 1984. Ou seja: já era um adulto com contas a pagar. E, como todos os adultos, nunca achei a menor graça naquele velho vestido de criança. Mas quem era pequeno naquela época cresceu vendo e amando "El Chavo del Ocho", também reprisada pela Televisa até hoje (chavo quer dizer garoto no México, e o personagem jamais se chamou Chaves em espanhol). Renato Aragão parece Bob Wilson perto da tosqueira de Roberto Bolaños, mas eu respeito a dor dos fãs. Só que eles também precisam entender que seu ídolo é uma espécie de versão para a TV do miojo. Se você não consumiu desde a mais tenra idade, vai achar uma bosta pelo resto da vida.
HACES TUYO ESE ÍNTIMO ENCANTO
Parece que Miguel Bosé está finalmente perdendo algo dos looks que o fizeram um dos homens mais lindos do mundo durante quatro décadas. Mas o que realmente importa é que ele não se acomodou. Ídolo do pop espanhol desde os anos 70, o cara poderia estar hoje vivendo dos antigos sucessos. Mas seu novo disco, "Amo", é ousado desde o título - porque, jajaja, não se trata de um disco romântico. Há inclusive uma faixa chamada "Libre Ya de Amores", onde Bosé comemora o fato de seu coração estar vazio e sem medos. Mas isto não quer dizer que ele não ame a vida, seus quatro filhos adotivos, seus amigos... Aos 58 anos de idade, ele atingiu aquele patamar onde está pouco se lixando que comentem sua homossexualidade ou se seu público só quer ouvir baladonas. "Amo" tem arranjos eletrônicos e até batidão para as pishtas, apesar de não atingir o nível de inovação de "Velvetina", de 2005. Mas mostra que o filho do toureiro Dominguín com a modelo Lucía Bosé continua em pleno domínio de seus talentos, ainda que não tão guapo quanto antes.
UMA BIBA SEM VERRRGONHA
Tem gênero mais enrustido que o sertanejo? Aquelas duplas de rapazes posando de macho mas com a voz fininha, sei não... Mas Zé Barrero e Catuaba chegaram para arejar o gênero, de longe o mais chato do Brasil. Eu sou um lobo solitário, ru!
quinta-feira, 27 de novembro de 2014
AS CONTAS E O FAZ DE CONTA
Gentem, é muito simples. A Dilma pode até ter as melhores intenções, mas é péssima economista. Gasta mais do que arrecada. E os números não têm moral: não querem saber se o objetivo era manter o pleno emprego. Se uma conta não fecha, não fecha, por mais que se aprovem leis mudando as regras. Por isto não estou nem um pouco surpreso com a indicação de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda. Resta saber se Dilma era mesmo sincera em sua condução da política econômica ou se só estava de olho nas eleições. Acredito mais na primeira hipótese, e desconfio muito que Lula - eternamente pragmático - tenha assumido discretamente o controle do segundo mandato de sua pupila, de olho em seu próprio terceiro mandato. A esquerda pode chorar à vontade e até dizer que foi enganada, ou que a presidenta está abrindo as pernas para os derrotados. Mas é só observarmos o que acontece na Argentina e na Venezuela, que adotam linhsa semelhante.s Não, não estou falando em bolivarização do Brasil, mas em inflação desvairada e PIB indo pro buraco. Estamos começando a escorregar na mesma rampa que nossos vizinhos. Os novos ministros têm a missão de inverter essa queda. Mas terão a audácia de aumentar os impostos? E continuar dando em troca esses serviços de merda que recebemos? E a presidenta, vai deixá-los trabalhar ou melará o meio de campo?
A GUERRA MIUDINHA
Um leitor do blog me recomendou ler "Suíte Francesa". Como o livro está esgotado em português e ainda por cima eu sou pedante, li mesmo em francês. É um grande romance inacabado: das cinco novelas que o comporiam (daí o "suíte"), só duas foram completadas. A autora Irène Némirovsky era uma judia ucraniana da alta burguesia, radicada na França desde pequena. Já tinha vários livros publicados quando começou a escrever a mão a que viria ser sua última obra, numa letrinha microscópica para economizar papel. "Suíte Francesa" é tida pelos historiadores como a primeira ficção sobre a 2a. Gurra Mundial, escrita em pleno calor do conflito. Irène havia delineado o que seria o terceiro volume e feito apenas algumas anotações sobre o quarto e o quinto quando foi presa pelos nazistas. Enviada para um campo de concentração na Polônia, morreu no final de 1942. O manuscrito permaneceu intocado por suas filhas até 1998, quando elas finalmente tiveram coragem de ler o que a mãe havia escrito (achavam que era um diário). A surpresa foi enorme, e o livro foi editado na França em 2004 sob o espanto e os aplausos da crítica. É de fato muito bem escrito, com personagens de carne e osso. Tirando um capítulo que é todo feito da perspectiva de um gato, a humanidade aparece em seu esplendor e miséria, exarcebados pelo horror da guerra. A primeira parte, "Tempestade em Junho", relata a fuga em massa da Paris invadida pelo 3o. Reich. A segunda, "Dolce", narra o envolvimento de uma dona de casa provinciana com um soldado alemão. É esta história que serve de base para o filme, que estreia no exterior em janeiro - mas só pelo trailer já percebi que o roteiro é mais movimentado que o livro. Mesmo assim já estou doido para ver, ainda mais porque um dos papéis coube à minha adorada Kristin Scott-Thomas.
quarta-feira, 26 de novembro de 2014
VAMOS EMBORA, MARIETA
Hoje enfrentei meu segundo trabalho como ator em menos de uma semana. E foi muito mais difícil do que minha participação no último vídeo do Põe na Roda. Precisei contracenar com três atores profissionais, sob a direção de um renomado diretor. Claro que tive um branco e estraguei um take. O pior é que a fala havia sido escrita por mim mesmo: "Vamos embora, Marieta". Há um ano e meio, antes de entrar na Globo, fiz parte do "writer's room" de uma série para outra emissora. Ela finalmente entrou em produção, e dez dias atrás eu fui a uma leitura de mesa com o elenco. Li vários papéis pequenos, e acabei sendo convidado para encarnar um deles. Apenas duas falas, cinco frases ao todo. Só que leitura é leitura e gravação é gravação. Levamos três horas para dar conta de apenas uma página de texto. O pior era não saber o que fazer com as mãos. Eu me senti uma garrafa, uma geladeira com pés, um boneco de Olinda. Mesmo assim, fui elogiado pelos colegas e pela equipe, talvez por educação. Ah, e a brincadeira não acabou. Ainda tenho mais duas diárias. Que os deuses do teatro estejam de bom humor nesses dias...
CRACK E AS LOURAS
Os setores mais xiitas do movimento negro continuam reclamando de "Sexo e as Negas" (por que, como todo mundo sabe, os negros se reproduzem por osmose). Perdem tempo e garganta com um programa que não tem nada de racista nem de machista, mas não vi nenhum deles reparar no singelo fato da nossa querida mídia só se importar com um viciado em crack quando ele é louro de olhos azuis. Este é o tema da minha coluna de hoje no F5, que já tem chamada na home do UOL e está bombando de compartilhamentos. Estão até me chamando de Zambininha no Twitter, ô glória.
terça-feira, 25 de novembro de 2014
TEM QUE DAR PALMADA
Acabou de sair o melhor vídeo do Põe na Roda de todos os tempos, abrilhantado por um elenco estelar. E já vou poupando o tempo dos haters gonna hate: sim, eu estou gordo e velho, mas estou no vídeo do Põe na Roda e VOCÊ NÃO ESTÁ.
O GATO E A ÁRVORE
Por mais que digam que o mascote dos Jogos Olímpicos de 2016 seja uma mistura de gato, macaco e pássaro, eu só vejo um gato. E por que uma árvore para ser o mascote dos Jogos Paraolímpicos? Aqueles atletas já têm uma certa dificuldade em se mover... Encasquetações à parte, até que eles saíram bonitinhos. E muito melhores do que quase todos seus antepassados, tirando o Cobi de Barcelona'92 desenhado por Mariscal. Agora precisamos fazer a coisa certa, que é votar no único par de nomes aceitáveis, Tom e Vinícius. Além de serem infinitamente melhores que Oba e Eba ou Tiba Tuque e Esquindim, ainda servem como propaganda da fina flor da nossa música. Mas outro gato chamado Tom?
segunda-feira, 24 de novembro de 2014
IT'S THE LADIES
Passei a vida escutando essas senhoras. Barbra Streisand virou estrela global quando eu ainda era bem pequeno. Bette Midler lançou seu primeiro disco na minha pré-adolescência. E Annie Lennox explodiu com os Eurythmics no começo da minha vida adulta. Agora as três reaparecem ao mesmo tempo, pena que com discos bastante conservadores. Parecem ter medo de desbravar novas águas ou de desagradar aos fãs, todos já passados da meia idade. O curioso é que quem se sai melhor das três é Bette, a menos cantora de todas. Talvez porque tenha escolhido um repertório quase todo alegre e perfeitamente adequado aos seus dotes de humorista e showwoman. "It's the Girls" só traz covers de girl groups, os trios femininos que dominaram o pop americano no começo dos anos 60 (uma exceção é "Waterfalls", do TLC, de 1994). Saltitante e divertido, este novo álbum já é um dos maiores sucessos da longa carreira da Divine Miss M, que, a bem da verdade, nunca foi propriamente moderna. Talvez por isto não desaponte.
Outra que sempre soou meio antiga é Barbra Streisand, fiel a um estilo tradicional enquanto o rock pipocava à sua volta. A esta altura do campeonato, então, ela não sai mais de sua bolha. "Partners" é mais um disco de duetos, mais uma revisita a seu catálogo de sucessos, mais um trabalho ultra bem produzido e polido que pouco acrescenta à sua imensa obra. À beira dos 70 anos, Barbra continua cantando feito um rouxinol, sobre arranjos orquestrais para lá de caretas e com uma lista de convidados que já nasceu velha. Falta a ela o espírito moleque de Tony Bennett, que se arrisca a dividir o microfone com estrelas jovens de gêneros diferentes do seu.
Mais triste é o caso de Annie Lennox. Essa mulher já foi vanguarda, dominando as paradas com hits inovadores e visual andrógino. Mas separou-se de Dave Stewart e foi encaretando ao longo de sua carreira solo, perdendo o bom humor e a vontade de criar. De uns anos para cá, tornou-se ativista genérica, a favor da paz mundial etc. etc. Pelo menos continua cantando maravilhosamente bem: quase todas as faixas de "Nostalgia" foram imortalizadas por divas negras do quilate de Billie Holiday, e Annie não faz feio. No entanto, o álbum é acadêmico, respeitoso por demais, sem surpresas e sem um pingo da pimenta de "Sweet Dreams (Are Made of This)". Minha nostalgia é por essa época (suspiro).
O BELO FAUSE
Fause Haten virou ator, e dos bons. Sua performance em "A Feia Lulu" é corajosa, apaixonada e incrivelmente profissional. Ele usa a trajetória de Yves Saint-Laurent para falar de si mesmo: os problemas que teve com sua marca, que hoje já não lhe pertence, espelham a vida acidentada do estilista francês, hoje tão em voga no cinema. Mas o espetáculo vai além da ego trip. É um mergulho na carreira de ambos, ator e personagem, reforçado pelo fato de agora estar sendo encenado no Espaço FH em São Paulo. Só vai até domingo que vem: uma experiência única para quem gosta de teatro e de moda.
A NOVA BATATA QUENTE
O ex-padre Roberto Francisco Daniel se recusa a acrescentar o ex ao seu título. Sinal de que este já se tornou uma marca, mais forte do que qualquer desígnio do Vaticano. Sua recente excomunhão é nada menos que escandalosa, e uma contradição gritante no pontificado teoricamente mais arejado do papa Francisco. Padre Beto vai direto ao ponto no vídeo acima, perguntando por quê suas reflexões sobre os gays e o divórcio são consideradas pecados mais graves do que a pedofilia de tantos de seus colegas. A reportagem na "Folha" que fala do vídeo também conta que o padre Beto tem sido chamado para oficializar casamentos de homossexuais e divorciados. Ou seja, há uma mini-Reforma em andamento na região de Bauru. Não exatamente o efeito desejado pelo bispo medieval que o expulsou... Pelo jeito, este caso está só começando. Dada a disposição do excomungado em não ficar em silêncio e o evidente apoio popular que têm suas ideias, o padre Beto pode se tornar uma batata muito mais quente para a Igreja do que foi Leonardo Boff, calado por João Paulo II nos anos 80 por apoiar a Teologia da Libertação. Francisco, estão te chamando na chincha.
domingo, 23 de novembro de 2014
ESFREGANDO O AFETO
Uma coisa me chamou a atençnao na minha viagem à Europa um mês atrás. Nem em Paris, nem em Londres, nem em Bruxelas, em nenhum desses lugares eu vi casais gays andando de mãos dadas pela rua. Em todas essas cidades já existe o casamento igualitário legalizado, e, apesar de algumas resistências consideráveis, os níveis de violência homofóbica nem se comparam aos daqui. E no entanto, aqui na região da Paulista onde eu moro em SP, a coisa mais comum de se encontrar são casais do mesmo sexo em plena demonstração pública de afeto. Não só de mãos dadas, mas beijando-se loucamente e à luz do dia. Minha explicação para isto vai além da conhecida efusividade dos brasileiros, que abraçam quem nunca viram antes e beijam estranhos nas micaretas. É um ato político, exarcebado pelos ataques com lâmpadas e similares. Dá para perceber que muitas dessas pessoas (homens na maioria) não vivem por ali, mas vêm de outras regiões da cidade para exercer o mesmíssimo direito de que os héteros desfrutam há séculos. Têm mais é que fazer isto mesmo: poucas coisas me revoltam mais do que ouvir alguém dizer que "tudo bem ser gay, só não precisa ficar esfregando na cara, tem criança olhando". Que olhem, e que aprendam que num beijo não há nada de mais, nem de mau.
sábado, 22 de novembro de 2014
PANEM INTERRUPTUS
Tomara, mas tomara mesmo, que "Jogos Vorazes: a Esperança - parte 1" desaponte nas bilheterias. Fracasso não tem como ser, porque o filme está ocupando quase metade de todas as telas brasileiras. Mas estou torcendo que esse lançamento, o maior de todos os tempos, não traga o retorno esperado. Essa terceira parte do que agora é uma tetralogia é simplesmente horrível. E olha que eu gostei muito das duas primeiras, tanto que me animei a ler os livros de Suzanne Collins. Só que dessa vez a ganância dos produtores foi longe demais. O terceiro e último volume da série não era mais longo nem mais complexo que os outros, e não há nada que justifique ele ter sido quebrado em dois para o cinema além da vontade de dobrar a bilheteria. O resultado é que essa parte 1 é arrastada, sem tensão e sem clímax. Um coito interrompido que já não estava sendo muito bom. A saga de Panem merecia um tratamento à altura. Que esse desrespeito aos fãs não dê lucro, para que nunca mais façam isto.
MOMENTO TENEBROSO
Sabe aquela enquetinha que está fazendo sucesso nas redes sociais, onde a gente vota se concorda ou não com a definição de família como sendo a união entre um homem e uma mulher? O lado bom, o "não", está vencendo, mas isto não quer dizer nada. A pesquisa faz parte de algo maior, a lei do Estatuto da Família. Um cavalo de Troia mal disfarçado que visa barrar o avanço dos direitos igualitários no Brasil. A Câmara criou uma comissão especial para analisar o projeto, e colocou como relator... um deputado evangélico. Claro que não deu outra: Ronaldo Fonseca, recém-reeleito pelo PROS do Distrito Federal, não só aprovou tudo como também sugeriu uma emenda, proibindo a adoção de crianças por casais gays. E ainda disse que vivemos um "momento tenebroso", com o STF liberando o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo e "atropelando a Constituição"... Trevas é o que esse biltre quer impor ao país. Inclusive ao declarar que não é homofóbico, porque "homofobia é a incitação da violência", a tática habitual dos fundamentalistas. Vamos repetir mil vezes: homofobia é ter medo infundado dos homossexuais. É ser contra a igualdade de direitos (não privilégios). Fora que, se toda família precisa ter papai e mamãe, então as viúvas, as mães solteiras, todos os que criam filhos sozinhos, sem a presença de um cônjuge do sexo oposto, deveriam ter essas crianças arrancadas de seus lares e entregues à adoção. De preferência por casais do "povo de Deus", não é mesmo?
sexta-feira, 21 de novembro de 2014
CHE QUER VARA
Não lembro de nenhum outro político brasileiro mais caluniado e perseguido injustamente do que o Jean Wyllys. É até compreensível que os teocratas tentem pintá-lo mais feio do que Satanás. Os sites de notícias gospel (uma contradição em termos) vivem propagando invecionices do tipo "Jean Wyllys cuspiu na Bíblia", e a crentalhada dócil replica nas redes sociais. Faz parte da estratégia dessa corja ter um inimigo palpável, ainda que imaginário. Mas o que me custa entender é a má vontade que muitos gays vêm manifestando contra o deputado federal reeleito pelo PSOL, o único assumidamente homossexual de todo o Brasil. Vamos frisar: o ÚNICO. E lembrar que um dos filhos do Bolsonaro se mudou para São Paulo, onde nunca teve raízes, e foi folgadamente eleito, enquanto que, se somássemos os votos de TODOS os candidatos LGBT paulistas, não seria o suficiente para eleger sequer um deles. Então o Jean é mesmo nossa única voz no Congresso, mas a bicharada desunida não titubeia em negar-lhe um apoio que deveria ser óbvio. É verdade que ele assumiu diversas batalhas ao mesmo tempo, da legalização da maconha à proteção das prostitutas, e só os mais libertários irão concordar com todas. Também é fato que ele irritou muita gente ao fazer campanha escancarada pela Dilma, quando seu partido continua formalmente na oposição (mas parece que esse apoio se explica: ele está sendo cogitado pelo PT para assumir a presidência da CDH, que periga cair nas mãos de Bolsonaro pai). E o próprio Jean ajuda a confundir as pessoas, por exemplo, ao posar de Che Guevara para a capa da revista "Rolling Stone" - uma provocação ao legado do homofóbico líder guerrilheiro, que mandou um monte de gays para o paredão, mas os incultos internautas nem desconfiam. No entanto, mesmo levando tudo isto em conta, aposto que esse fogo amigo tem origem não na atuação dele, mas no mau e velho preconceito. Jean Wyllys não é exatamente um Adônis, e ainda tem o "BBB" a assombrá-lo - como se já não fosse uma façanha e tanto um gay vencer o reality mais disputado do Brasil. Se não for isto, queria entender. Por que tantas bibas implicam com seu maior defensor no Congresso? Alguém me explica?
DOIS DILEMAS
A beleza eternamente tensa de Juliette Binoche cai como uma luva para sua personagem em "Mil Vezes Boa Noite". Rebecca é uma fotógrafa especializada em cobrir conflitos armados, e enfrenta dois grandes dilemas na vida. O primeiro é moral, e explicitado logo na excelente sequência que abre o filme. Ela acompanha uma mulher-bomba no Afeganistão até o momento da explosão, e só grita para avisar os transeuntes inocentes no penúltimo segundo. Por que não denunciou logo a terrorista? Uma reportagem vale mais do que muitas vidas? Essa contradição é exarcebada ainda mais na cena que encerra o filme, outra porrada. Mas, entre uma ponta e outra, "Mil Vezes Boa Noite" se arrasta um pouco explorando o outro dilema que consome a vida de Rebecca: a incompatibilidade entre sua vida profissional, que a mantém constantemente viajando pelo mundo em regiões de altíssimo perigo, e sua vida familiar, onde sua ausência frequente é sentida pelas filhas e pelo marido (o translumbrante Nikolaj Coster-Waldau, o jaime de "Game of Thrones"). Isto seria perdoado num homem, de quem se espera que saia de casa para ganhar a vida e fazer o mundo. Mas de uma mãe-esposa-dona-de-casa? Impossível, mas essa discrepância não é discutida no roteiro. Não chega a ser um puta filme, mas pelo menos faz pensar.
quinta-feira, 20 de novembro de 2014
FARÁNDULA ENLUTADA
Farándula é uma deliciosa palavra espanhola que significa tudo o que seja noticiário fútil: showbiz, alta sociedade, celebridades em geral. Mas hoje este mundo tão divertido está de luto, porque se apagou sua estrela máxima. A duquesa de Alba, Cayetana para os íntimos, morreu aos 88 anos bem vividos. Apesar dela ter destruído o próprio rosto na vã tentativa de recuperar a beleza da juventude, a mulher mais nobre do mundo jamais pediu desculpas por nada e sempre manteve o bom humor. Talvez porque tenha descoberto o segredo da felicidade das senhoras de uma certa idade, que é casar com gay. Além do mais, seu último marido era quase 30 anos mais jovem e quase causou um cisma na família, que ela habilmente contornou distribuindo sua enorme herança ainda em vida. Agora a chamada prensa del corazón vai ter que eleger outra musa.
CONSCIÊNCIA E AS NEGAS
Achei que a polêmica em torno de "Sexo e as Negas" iria terminar depois que o seriado estreasse. Que as pessoas que implicaram com o programa sem ter visto um único episódio iriam perceber que não se trata de mais uma tentativa de "fetichização do corpo da mulher negra", e sim da ficcionalização bem-humorada de uma realidade específica. Mas não: a gritaria continua, a ponto do PSOL estar pensando em exigir uma retratação pública do Jean Wyllys só porque o deputado ousou defender a série num vídeo. Odiar "Sexo e as Negas" virou dogma para essa turma, por mais que muitos negros, famosos ou não, tenham saído em defesa de Miguel Falabella (que, desgostoso com isso tudo, já avisou que não vai escrever uma segunda temporada). Estou cada vez mais convencido de que o epicentro desse terremoto é o título da série, que remete à americana "Sex and the City". Acontece que a imensa maioria dos brasileiros não tem essa referência na cabeça. As aventuras de Carrie Bradshaw e suas amigas foram exibidas apenas na TV paga, e saíram do ar há mais de dez anos. Para quem nunca viu "SATC", "Sexo e as Negas" soa como "Negas Dando a Bunda" ou coisa pior. A palavra "sexo" contamina tudo: cheguei a discutir com uma amiga radical no Facebook, porque ela insistia que o nome da série indicava que sexo era seu único assunto (o que evidentemente não é). Esse "revival" do conservadorismo moral da esquerda é mais um sintoma desses tempos caretas que vivemos. Mais ridículo ainda é dizer que o programa "não me representa", como se ele tivesse a obrigação de representar todos os milhões de negros brasileiros numa única trama. As quatro personagens principais são honestas e trabalhadoras, mas gostam de se arrumar, se divertir e, sim, transar. Talvez não gerassem tanto bafafá se fossem assassinas. Enfim, eu gostaria que alguém me apontasse uma cena que reforçasse o preconceito e a discriminação. Na boa: estou aberto ao diálogo, e o Dia da Consciência Negra se presta a esse tipo de debate. Claro que, por ser branco, eu não faço ideia do que seja sofrer com racismo todos os dias da vida (embora eu também faça parte de uma minoria, perseguida até por justificativas religiosas). Mas me parece que há muito exagero e má vontade nesse caso, além de uma teimosia absurda em enxergar o contexto do seriado. Com o perdão do mau trocadilho, o mundo não é só preto e branco.
quarta-feira, 19 de novembro de 2014
TRÊS É DEMAAAAIS
O sexo a três é fenômeno cada vez mais frequente na vida dos casais gays estáveis, até mesmo na dos que estão juntos há pouco tempo. Mas não me lembro de ter visto outro filme sobre o assunto antes do argentino "O Terceiro", incluído na programação do Festival MixBrasil. Talvez porque só agora os cineastas LGBT estejam superando as histórias de saída do armário e abrindo seus horizontes temáticos. "O Terceiro" é uma produção simplérrima, com momentos que parecem ter sido gravados com um celular (dos antigos). As cenas são longas, quase intermináveis, para dar ao espectador a sensação de estar assistindo em tempo real à sedução de um rapaz por um casal mais velho. Este é todo o plot: chat na internet, jantar, papo furado, uma tórrida cena de sexo e final feliz. Tudo bem realista, exceto pelas cuecas que o trio aparece usando na cama na manhã seguinte - eles jamais se vestiriam para dormir. Como eu sei disto? Ahá!
SHOSHANNO O SHOW
(Procurei "Shoshanna" nas internets mas não encontrei. Talvez seja o primeiro campeão do Gongo em muitos anos que ainda não estava no YouTube antes do Show. Assim que o achar, posto aqui. Enquanto isto, delicie-se com os vencedores das edições cobertas por este blog: 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013)
terça-feira, 18 de novembro de 2014
O FIM E O SEM FIM
Nos dias de hoje, uma banda de sucesso não acaba nunca. Taí o Queen, que desengavetou uma gravação inédita de Freddie Mercury, deu para William Orbit remixar e ainda teve a cara de pau de lançar um álbum duplo em torno dela, quase que só com faixas que não foram hits. Mas será que o álbum tem futuro? A dupla norueguesa Röyksopp acha que não, e está anunciando "The Inevitable End" como seu último trabalho neste formato. Não, eles não estão se separando: só não vão mais gravar discos completos, com uma hora e tanto de duração. Faz todo o sentido, ainda mais numa época em que se pode comprar músicas avulsas na internet. Os artistas ficarão livres para lançar o que bem entenderem quando bem entenderem, sem seguir o ciclo atual de disco + vídeo + turnê mundial + disco ao vivo + DVD, que dura de dois a três anos. A ironia é que "The Inevitable End" é um álbum comme il faut, com começo, meio e fim, para ser escutado todo de uma vez. Nem tudo é inédito: "Monuments" e "Do It Again", as duas canções mais importantes do EP que a banda lançou no começo do ano com a cantora sueca Robyn, aparecem em versões remixadas. Maesmo assim, há uma certa coesão temática e atmosférica, com muitas letras e poucas faixas instrumentais. Como tudo o que esses caras fazem, já entrou para minha lista dos melhores do ano. O Röyksopp morreu, viva o Röyksopp.
Outra banda que não morre nunca é o Pink Floyd. "The Endless River" soa exatamente como o que de fato é: sobras de estúdio de vinte anos atrás. A única e pequena surpresa é constatar como esse som é low tech. Os reis do progressivo jamais se renderam aos teclados, e mesmo seus discos mais viajandões se baseavam na combinação tradicional de guitarra, baixo e bateria. Datado porém audível como papel de parede sonoro, "The Endless River" ainda conta com a capa mais cafona do ano, que ganha vida no vídeo acima. Pelo menos logo evolui para imagens impactantes do mar de Aral, no Cazaquistão, reduzido a 10% de seu tamanho original por causa dos rios desviados pelos soviéticos. Taí um desastre ecológico que também não tem fim.
segunda-feira, 17 de novembro de 2014
TAMBÉM QUERO SER EXCOMUNGADO
Mesmo com o papa Francisco tentando abrir a Igreja aos tempos modernos, foi confirmada sábado a excomunhão de Roberto Francisco Daniel, o ex-Padre Beto de Bauru. Trata-se de uma tremenda injustiça: afinal, por que só ele? Assim como o Beto e milhões de outros católicos de nascença, eu também sou a favor do casamento gay - ah, e também do divórcio, do sexo antes do casamento e da liberação do aborto. Para piorar, duvide-o-dó que Maria fosse virgem... E, assim como o Beto, eu também fui batizado e crismado. Portanto, tecnicamente ainda sou católico. Mas na prática não sou, e por isto também quero ser excomungado. Que mais que eu preciso fazer? Viver publicamente em pecado com outro homem há mais de 24 anos, e me gabar? Excomunhão djá!
O TERCEIRO TURNO
O ministro da Justiça José Eduardo Cardozo - um dos caras mais decentes do PT - escorrega ao dizer que a politização do escândalo da Petrobrás não pode se transformar no terceiro turno das eleições presidenciais. Pode sim, e vai: foi-se o tempo em que a oposição ficava quietinha, intimidada pela popularidade avassaladora de Lula. Agora o encanto se quebrou. Somem-se a diferença de apenas três milhões de votos que deram a reeleição a Dilma, mais as discussões infinitas nas redes sociais, mais a insatisfação geral despertada pelas manifestações de junho de 2103, e o resultado é um público mais atento e mais vigilante, que não vai deixar barato. Mas as mudanças que devemos reclamar vão muito além da troca de partidos na presidência ou até mesmo do impeachment da presidenta (uma proposta absurda, ainda sem o menor fundamento). Já foi percebido que as empreiteiras envolvidas no "petrolão" também doaram para a campanha do PSDB - um fato até corriqueiro, e paradoxal apenas na aparência (elas têm que ficar de bem com todo mundo). O que precisamos é mais do que uma reforma política. É, como já disse o Clóvis Rossi na "Folha", uma revolução na maneira como o país é dirigido. O modelo atual, estabelecido por FHC e aprofundado por Lula, não serve mais. Vai dar enguiço com quem quer que esteja no poder. Como sempre deu.
domingo, 16 de novembro de 2014
SAINDO DE MODA
Agora chega, OK? "Saint-Laurent" é o terceiro filme sobre Yves Saint-Laurent dos últimos anos, e o segundo só de 2014. Primeiro tivemos o documentário "L'Amour Fou", basicamente sobre a pressa de Pierre Bergé em se livrar da imensa coleção de obras de arte que ele formou ao longo de décadas junto com seu marido. Há alguns meses tivemos "Yves Saint-Laurent", a cinebiografia autorizada por Bergé e que o transforma numa espécie de santo que vivia salvando o estilista de seus excessos. A essa altura, eu sinto que fui colega de pré-primário de Yves, tão bem que pareço conhecê-lo. Mesmo assim, estava curioso para ver este terceiro filme: ele foi parcialmente financiado pelos atuais detentores da marca, que, assim como o título da obra, também perdeu o prenome, e foi o escolhido pela França para representá-la no Oscar. Mas saí decepcionado. Apesar da beleza das imagens e da maestria do diretor Bertrand Bonnello em muitas cenas, o todo é caótico e longo demais. Não há cronologia, o que não seria grave se a montagem não fosse totalmente aleatória: uma sequência nunca remete à seguinte, como se um macaco tivesse comandado a ilha de edição. Os atores são bem mais bonitos do que os do outro filme, e há um nu frontal gratuito porém admirável. E muita moda, claro: não só os desfiles, as clientes ricas, as provas, como também o tedioso processo de confecção e uma inacreditável reunião de negócios que se arrasta por umas quatro estações. "Saint-Laurent" não vai agradar nem aos fashionistas hardcore.
sábado, 15 de novembro de 2014
CRIANDO BOBAGEM
Alguns líderes teocráticos já perceberam que o casamento gay veio para ficar e não querem mais dar murro em ponta de faca. Assim, para se manter nos holofotes, inventam novas batalhas. É o caso do Infeliciano, que andava quietinho: esta semana o deputado do PSC, reeleitíssimo em SP, apresentou um projeto de lei que inclui o criacionismo no currículo escolar brasileiro. O texto é cheio de pegadinhas: em nenhum momento ele diz que o criacionismo deve ser considerado ciência, apenas que ele deve ser ensinado ao lado do "evolucionismo". Mas não se deixe enganar. O objetivo é mesmo que o criacionismo seja apresentado como uma explicação fundamentada cientificamente para a origem do universo e da vida. Não é. É fé, é religião, chega a ser mistificação. Não existe liberdade religiosa nem de expressão que garanta a paridade dessa mitologia com a teoria da evolução (e não "evolucionismo", o que não existe, assim como não existe "cientificismo" - existe a ciência, e existem coisas que não são ciência, ponto). Mesmo que um projeto absurdo desses passe no Congresso, ainda precisará ser sancionado pela Dilma, não exatamente uma pessoa religiosa. E como ela está meio rompida com os fundamentalistas e não precisando de favores, a hipótese dessa bobagem ser aprovada é remota. Mesmo assim, pode ser que venha um debate imbecil por aí, com os evanjas se fazendo de vítimas mais uma vez. Mas ninguém está cerceando a liberdade do Infeliciano de falar merda, como se pode comprovar pelo meigo tuíte que liustra este post.
sexta-feira, 14 de novembro de 2014
CISCONTRANS
Pronto, lá vou eu de novo. Mas ninguém - nem eu com meu novo look - fez mais sucesso do que o pornstar Colby Keller (CUIDADO ao clicar) a bordo de sua barba de lenhador, que arrancou gritinhos da plateia e algo mais da apresentadora Fabíula Nascimento. Tem um curta estrelado por ele na programação, "Zolushka", uma versão anal da história da Cinderela (você leu certo). O MixBrasil vai até o outro domingo, dia 23, e além dos filmes também tem dança, teatro e música, além da esperada ferveção. Bora?
quinta-feira, 13 de novembro de 2014
O GURU DA PAQUERA
O Itamaraty fez muito bem em negar visto de entrada no Brasil a Julien Blanc (na verdade, o cara nem chegou a pedir). O chamado "guru da paquera" defende mesmo o uso da força na hora de pegar mulher, e está sendo mal-vindo em muitos países. Acho até fascinante que existam babacas torrando dois mil reais para ouvir suas palestras - cadê os resultados prometidos, cadê os clientes satisfeitos? E quase lamento que ele advogue algum tipo de violência, porque, caso contrário, teríamos um debate muito mais interessante. Explico: Julien Blanc é um babaca que assumidamente encara as mulheres como objetos a ser consumidos. Se seus cursos se resumissem a técnicas de lábia para arrastá-las para a cama, seriam perfeitamente legais. Mas será que as feministas iriam deixar barato? Iriam perdoar um sujeito que vê a mulherada como um bando de xoxotas que andam?
PARIS SERA TOUJOURS PARIS
Comprei 11 discos em Paris, dos quais só sete de pop francês. E comprei lá por mero capricho: todos, sem exceção, já estavam disponíveis na iTunes Store brasileira. Podia ter baixado tudo antes da viagem e usado como trilha sonora. Como sou ampthigo, preferi gastar uma baba em CDs físicos e depois copiar tudo pro computador. Vai entender. Mas enfim, meu ponto é que tudo que eu vou sugerir aqui está ao seu alcance. Não vou me estender sobre todas as minhas aquisições: algumas não passam da categoria legalzinho, como "Dans Ma Peau" (Camélia Jordana), "Soleil Dedans" (Arthur H.) e "Babel" (Jean-Louis Murat). Comprei também a compilação "French Kiss" da loja Colette, só com eletronices, e "Complètement Fou" (Yelle), já citada neste post. Então vamos lá: de quem vale a pena falar? Bom, temos a incontornável Indila, cujo single "Dernière Danse" foi o maior hit francês do ano. A moça tem ascendência indiana, árabe e cambojana, e sua voz meio choramingas que não me agrada muito. Mas seu álbum "Mini World" é bem feitinho, sem maiores arroubos mas repleto de boas canções.
Mas o melhor disco comprado na viagem foi mesmo o de Florent Pagny. "Viellir Avec Toi" foi totalmente composto e produzido por Calogero, um "cantautor" de enorme sucesso por lá mas desconhecido no Brasil. O cara entende do riscado: todas as faixas são boas, ainda que bastante tradicionais. E Pagny, que tem décadas de carreira, faz aquela linha de cantorzão à moda antiga, sem medo de se jogar. Ando ouvindo sem parar.
Agora, divertido mesmo é "Paris", de Zaz, que fez a gentileza de ser lançado só depois que voltei. Tive que me render ao mp3... Essa cantora que soa como uma versão moderninha de Edith Piaf já tem muitos fãs por aqui, e seu novo trabalho reúne apenas clássicos da chanson que falam da capital francesa. A pegada é agitada, com toques de jazz, swing e até iê-iê-iê. Zaz conta com o auxílio de nomes como Quincy Jones e Charles Aznavour no que talvez seja o melhor disco francophone do ano. Já saíram dois clipes: um com um delicioso tube dos anos 60, "Champs-Elysées", e esse outro aí em cima, com a faixa que abre o álbum e dá nome a este post. Bon appétit.
quarta-feira, 12 de novembro de 2014
DEUSES E JUÍZES
O Brasil levou hoje um tapa na cara, dado pela 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Tomados pelo espírito corporativista, os meritíssimos manitveram por unanimidade a condenação à agente de trânsito Luciana Tamburini, aquela que ousou dizer que juiz não é Deus. Nem é mais pela multa de cinco mil reais ou pelas custas do processo que ela terá que pagar: os 27 mil arrecadados pelo site Divina Vaquinha dão e sobram. Mas essa atitude canhestra em prol do juiz, mau motorista e mau caráter João Carlos de Souza Correa é um golpe contra o próprio Judiciário e um sinal de que há setores do país que permanecem no século 17. Simplesmente inaceitável. Dá vontade de pegar em armas, já que a lei brasileira não vale nada mesmo.
VOU PEDIR PRA VOCÊ VOLTAR
"Tim Maia" conta com ótimos atores, direção de arte esmerada e excelente fotografia. Mas tem relativamente pouca música e carece de um bom roteiro. O resultado é que o filme não entrega a energia insana do cantor, se arrastando por mais de duas horas e cansando o espectador. A narração em off de Cauã Reymond mais atrapalha que ajuda, e só a tentativa do ainda desconhecido Tim de se encontrar com seu amigo já famoso, Roberto Carlos, parece levar mais de meia hora na tela. Curioso é que o filme vem da mesma fonte que o musical que consagrou Tiago Abravanel: o livro "Vale Tudo" de Nélson Motta. Mas foram deixadas de lado muitas das piadas e causos que criaram o folclore ao redor de Tim, e o resultado é um personagem amargurado e sem humor. Por causa dos direitos autorais, também não foram incluídos muitos dos hits que a gente ama - e quando aparecem, como "Não Quero Dinheiro", são mal aproveitados. Talvez por isto "Tim Maia" esteja decepcionando nas bilheterias, enquanto que a versão teatral da mesma história foi um sucesso arrasador que permaneceu três anos em cartaz Brasil afora. Apesar das drogas, das confusões e do final triste, a trajetória do nosso maior soulman é um triunfo sobre a adversidade, sob medida para levantar a plateia. Volta, Tim, não foi dessa vez.
terça-feira, 11 de novembro de 2014
O NAVIO ABANDONA OS RATOS
A demissão de Marta do Suplicy do Ministério da CUltura já estava sendo anunciada há alguns dias, mas nem por isto deixou de ser surpreendente. A ex-prefeita de São Paulo poderia ter esperado o mês e meio que falta para a segunda posse de Dilma, mas preferiu sair antes - e atirando. Soltou uma carta bombástica justo num dia em que a presidenta está do outro lado do mundo, e ainda admitiu implicitamente que economia está uma merda ao desejar que Dilma seja "iluminada" ao escolher a nova equipe. No título impagável que Josias de Souza escolheu para sua coluna sobre o assunto, é como se o navio abandonasse os ratos. E tudo isto vindo de uma petista histórica, que já foi muito próxima de Lula (até ele preteri-la em prol de Fernando Haddad, é claro). Mas nesse momento ela parece dar voz a uma grande ala do partido que preferia uma política econômica mais próxima à do ex-presidente (que por sua vez era próxima da dos tucanos, hehehe). O inner circle dilmista parece encolher todos os dias. Pelo jeito 2015 já começou, e não está mesmo sendo fácil.
TELEFONE SEM FIO
"Locke" não chegou aos cinemas aos brasileiros, mas já está disponível no Netflix. É um pequeno prodígio: o filme inteiro se resume a um homem dirigndo seu carro por uma estrada da Inglaterra enquanto seu mundo desmorona através de uma série de telefonemas. Está sendo vendido como um thriller, mas não há crime nem espionagem. Só os problemas de um cara comum (família, trabalho, puladas de cerca), que resolvem todos explodir na mesma noite. No meio dessa confusão toda, o protagonista consegue manter um notável sangue frio, sem se irritar com nenhum de seus interlocutores. Não é do enorme caralho, mas é uma experiência cinematográfica interessante e original.
segunda-feira, 10 de novembro de 2014
SOM UNA NACIÓ
O mais interessante desse plebiscito informal realizado ontem na Catalunha nem é seu mais que previsível resultado pró-independência, mas o simples fato dele ter sido informal. Contra a vontade de Madri e sem nenhum respaldo legal, o governo local organizou a consulta popular para gerar um dado político incontornável. Mais ou menos o que o cartunista Henfil sugeriu que fizéssemos no Brasil em 1984, quando a campanha pelas Diretas-Já não produziu o efeito desejado: que fôssemos às urnas de qualquer jeito, sem título de eleitor, só com RG, para mostrar para essa cambada qual é a vontade da maioria. Agora, como sempre, acho meio cafona qualquer movimento separatista, ainda mais em tempos de Comunidade Europeia. Os catalães acham que levam a Espanha nas costas e que merecem mais pelas riquezas que geram. Mas já pensou se a moda pega, inclusive fora da Europa?
CADÊ A INDIGNAÇÃO?
Ei, petistas, vocês não se sentem traídos? Foi só ser reeleita que a Dilma começou a fazer um monte de coisas que ela dizia que era o quem Aécio faria. Subiu a taxa de juros, subiu o preço da gasolina, começou a procurar entre os banqueiros um nome para comandar a economia... Vocês não se sentem traídos? Fora que agora vêm à tona um monte de dados negativos que já estavam prontos antes do dia 26 de outubro, mas que não foram divulgados sabe-se lá por quê (mas claro que a gente sabe). A miséria voltou a crescer, o desmatamento da Amazônia também... Vocês não se sentem ludibriados? A candidata de vocês não só mentiu descaradamente, como também está implantando parte da agenda do adversário! Mas não vejo nenhum eleitor do PT se indignando nas redes sociais. O que prova mais uma vez que o voto, qualquer voto, tem pouquíssimo a ver com a realidade. O que conta é sempre o emocional. Apoiamos nosso candidato do coração mesmo quando ele é pego com no flagra, com o pau dentro da amante.
domingo, 9 de novembro de 2014
MEU AMOR, NOSSO AMOR ESTAVA ESCRITO NAS ESTRELAS
A boa ficção científica não fala do futuro, mas sim do que nos aflige no aqui e agora. A ótima ficção científica consegue transcender esse imediatismo e fala dos grandes temas que nos afligem desde sempre: a vida, o amor e a morte. "Interestelar" faz uma puta força para ser ótimo, mas só consegue ser bom. Mesmo assim, o roteiro é cravejado de furos tão grandes que parecem buracos negros: a revista "Entertainment Weekly" listou nada menos do que 15 (aqui, em inglês, mas só leia depois de ter visto o filme, está cheio de spoilers). O segredo é não ficar por demais encanado com as muitas forçadas de barra e se deixar levar pela câmera rodopiante do diretor Christopher Nolan, que rodou tudo em IMAX (e portanto o filme também deve ser apreciado neste formato). Como sempre, não há grande sutilezas nos nomes dos personagens. A exploradora feita por Anne Hathaway chama-se Amelia, numa óbvia referência à aviadora americana Amelia Earhart, e um vilão-surpresa que aparece no meio da história se chama dr. Mann - porque o maior inimigo do homem é Mann, o próprio homem, sacou? Sacou? Sacou? Nolan gosta dessas bobagens: em "Inception", a malvada se chamava... Mal. Também gosta de realidades paralelas, dimensões infinitas, sonho dentro do sonho dentro do sonho e por aí vai. Esses temas estão presentes em sua obra desde seu primeira curta-metragem, "Doodlebug", de 1997, que eu fiz o favor de incluir aí abaixo. É um dos cineastas mais ambiciosos da atualidade, mas também nunca atinge as profundezas emocionais que pretende. O final de "Interestelar" foi desenhado para deixar a plateia em prantos, mas não vi um único olho marejado na sessão lotada a que eu fui. Talvez nos falte a empatia com um protagonista que não hesita um segundo em largar a filha de 11 anos para uma viagem espacial possivelmente sem volta, e este é o drama central do filme. Que no entanto, com todas as suas falhas, merece ser visto.
sábado, 8 de novembro de 2014
ORGÂNICO FEITO CREME AZUL
O currículo do cineasta israelense Eytan Fox inclui títulos que causaram um certo impacto entre a bicharada fina brasileira, como "Yossi & Jagger" e "A Bolha". Quando eu soube que seu novo filme era uma comédia sobre o Eurovision, fiquei assanhado - Israel já venceu o festival de música mais cafona do mundo três vezes, e nada como o olhar de um gay para respeitar esse evento sagrado. Mas "Cupcakes" é uma decepção do começo ao fim. Até dá para relevar o baixo orçamento, que só deu para uma produção pobrinha que não chega ao calcanhar do festival de verdade (aqui rebatizado de Universong, por causa dos direitos). Mas roteiro ruim não dá. Imagine um grupo de amigos que se inscreve só de farra e pá, são os selecionados para representar Israel. É simplório assim, mas consegue piorar. As historinhas individuais são aborrecidas e previsíveis, e não há uma única piada boa. Fox faria melhor se continuasse com os temas barra-pesada, como o a homofobia ou a guerra. Para a comédia, seu talento é tão natural quanto aqueles cremes coloridos que cobrem os cupcakes da vida real.
sexta-feira, 7 de novembro de 2014
ORDEM NO TRIBUNAL
Querem julgar? Então vamos julgar o fotógrafo. Acho uma puta sacanagem um paparazzo ficar de tocaia até altas horas da noite, só para flagrar o famoso numa situação delicada e depois faturar em cima. Vamos julgar também a imprensa que divulga essas fotos, sem o menor pudor de prejudicar a vida alheia ou causar constragimento a quem estava quietinha em casa. Vamos julgar os internautas imbecis, que nos brindam com seus comentários transbordando de inveja. Meu veredito: são todos uns coitados, e há um círculo do inferno esperando vocês.
POR FAVOR, ATIREM EM MIM
A vaidade humana não conhece limites? Eu já tinha achado uma estupidez o tal Robert O'Neill sair por aí dizendo que foi ele quem matou Osama Bin Laden. Pra quê se transformar num alvo fácil para qualquer terrorista? Agora surge a versão de que esse ex-oficial da marinha fazia mesmo parte do grupo que invadiu a casa do líder da al-Qaeda, mas que as balas fatais não saíram de sua arma. Ou seja, o cara quer arriscar o pescoço por algo que não fez. Talvez mereça mesmo levar chumbo.
quinta-feira, 6 de novembro de 2014
O CHAPLIN MEXICANO
"Cantinflas" estreou sem alarde em São Paulo e já saiu de cartaz. Pudera: acho que ninguém com menos da minha idade tenha algum interesse nesse grande ator mexicano, ou mesmo saiba quem foi ele, morto há mais de 20 anos. Mas, no resto da América Latina, Cantinflas ainda é um deus. Nascido Mario Moreno, acabou ficando conhecido pelo nome de seu personagem - aliás, bastante parecido com Carlitos, ou mesmo o caipira criado por Mazzaropi ou o Didi Mocó de Renato Aragão. Como todos eles, Cantinflas é um "outsider" ingênuo e esperto ao mesmo tempo, e foi campeão de bilheteria durante quase meio século. Uma figura assim merecia um filme grandioso. Nao é o caso desse aqui, que mesmo assim foi o selecionado pelo México para concorrer ao Oscar de filme em língua estrangeira. Aliás, "Cantinflas" parece ter sido feito para americano ver. O ponto de partida do roteiro é a tumultuada produção de "A Volta ao Mundo em 80 Dias" sob o comando do megalmomaníaco Mike Todd, o segundo marido de Elizabeth Taylor. Cantinflas foi muito mais do que um coadjuvante em Hollywood, e esse longa caro porém chinfrim não lhe faz justiça. Ahí está el detalle.
quarta-feira, 5 de novembro de 2014
TEM PRA TODO MUNDO
O 22o. Festival MixBrasil começa na semana que vem em São Paulo e sua programação inclui o incrível "Mommy" de Xavier Dolan, que eu vi em Paris. Tão bom quanto é o comercial acima, criado pela Neogama/BBH. É gay gay gay gay!
SORTE NOSSA
Eu impliquei muito com a Deborah Secco quando ela encarnou "Bruna Surfistinha". Achei que ela se saía bem nas cenas de humor e sexo, mas não segurava os momentos mais densos do filme. Ah, nada como um dia depois do outro. Deborah está simplesmente soberba como a maluquete drogada e HIV-positiva de "Boa Sorte", no que é o papel mais complexo de toda sua carreira. Claro que o roteiro e a direção ajudam, mas isto não lhe tira o mérito. Vai ganhar todos os prêmios, e olha que ela nem é exatamente a protagonista (que é feito pelo estreante João Paulo Zappa, também ótimo). "Boa Sorte" fala de um romance improvisado numa clínica de recuperação de viciados, e é uma "coming of age story" - uma história de amadurecimento, algo raro no cinema brasileiro. Madura mesmo está a diretora Carolina Jabor, que estreia com brilho no longa de ficção depois de mais de uma década na propaganda. "Boa Sorte" só entra em cartaz no dia 20 de novembro e, por causa do tema espinhoso, talvez tenha dificuldade em encontrar seu público. Por isto vou ajudar: vai ver, que é um dos bons filmes deste ano.
terça-feira, 4 de novembro de 2014
O MONSTRO RADIOATIVO
A carta aberta de Xico Graziano é um exemplo que deveria ser seguido por toda a cúpula do PSDB. Esse tucano histórico, que foi o coordenador digital da campanha de Aécio, ousou cirticar no Facebook a destrambelhada passeata em SP que pedia o impeachment de Dilma e a volta da ditadura militar. Foi apedrejado virtualmente pelos militantes extremistas, e produziu uma resposta que merece ser lida na íntegra. Graziano faz muito bem em repelir essa corja, porque o apoio dela não só é insignificante para uma corrida presidencial (só elege deputados, como Bolsonaro) como é prejudicial ao partido. O PSDB nasceu como uma sigla de centro-esquerda, mais próxima do PT do que o PMDB, mas a garotada que não viveu a época da redemocratização não sabe disso. E acaba associando os tucanos ao que há de mais podre na política brasileira. É bom mesmo o PSDB manter distância desses monstrengos, para a radioatividade que eles emitem não contaminar toda a oposição ao governo.
PROTESTO, MERITÍSSIMO
Existem os filmes americanos do dia-a-dia: super-heróis, comédias românticas, historinhas crivadas de cichês. E existem os filmes americanos que concorrem ao Oscar, com grandes interpretações, roteiros bem cuidados e "mensagens". Entre essas duas categorias de vez em quando surge algo nem lá nem cá, como "O Juiz". O filme discute ética e família, tem um elenco de estrelas e uma certa pretensão artística. Mas também tem os cacoetes do cinemão comercial, como pontas amarradinhas e uma dose excessiva de açúcar, além de uma "moral da história" perfeitamente dispensável. A premissa é por demais batida: advogado bem-sucedido e "frio" (daqueles que perdem a pecinha da escola da filha, que horror) precisa voltar a sua cidade natal para o enterro da mãe, onde reencontra não só a família que não vê há anos como a namorada que ele abandonou. O pai, o juiz durão do título, acaba se envolvendo num acidente dúbio e o sujeito se vê obrigado a passar mais tempo lá do que gostaria. E aí se reencontra com suas raízes, seu verdadeiro amor e sua essêncizzzzzzzzzzz. Robert Downey Jr. e Robert Duvall estão soberbos como era de se esperar, e o final levemente surpreendente não deixa que o barco afunde de vez. Mas "O Juiz"está longe de ser um filme indispensável. Para você ter uma ideia, até minha mãe achou longo demais.
segunda-feira, 3 de novembro de 2014
DIVIDIDO E MISTURADO
A eleição passou faz uma semana e uma nova divisão emergiu no país. Metade das pessoas diz que o Brasil não está dividido. A outra metade diz que a divisão sempre existiu e que não irá embora nunca mais. Tendo a concordar com esses últimos. Pelo menos enquanto o PT estiver no poder, esse acirramento vai ficar cada vez mais parecido ao que existe nos EUA entre democratas e republicanos. E isto não é necessariamente ruim.
Prefiro mil vezes morar num lugar onde rolam passeatas ridículas como a deste sábado em SP, pedindo a volta dos militares, do que num paraíso onde todo mundo é cordial e despolitizado. Claro que também gosto do Brasil que gera Tumbl'rs como o Coxinha S2 Petralha, de onde vieram as ilustrações deste post. As intenções são melhores que a (minha) realidade: ainda não voltei a seguir inúmeros amigos no Feice, à direita e à esquerda.
Prefiro mil vezes morar num lugar onde rolam passeatas ridículas como a deste sábado em SP, pedindo a volta dos militares, do que num paraíso onde todo mundo é cordial e despolitizado. Claro que também gosto do Brasil que gera Tumbl'rs como o Coxinha S2 Petralha, de onde vieram as ilustrações deste post. As intenções são melhores que a (minha) realidade: ainda não voltei a seguir inúmeros amigos no Feice, à direita e à esquerda.
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