domingo, 31 de agosto de 2014

EI, MARINA, SABIA QUE...

Marina Silva me fez ver vermelho. Nunca, em toda minha vida, fiquei tão furioso com um político brasileiro - e olha que eu passei por Maluf, Collor, Renan e Sarney. A meia-volta que a candidata do PSB deu em relação ao seu programa de governo, divulgado menos de 24 horas antes, me fez subir nas tamancas.

Será possível que ela sequer tenha lido o documento? Se foi isto mesmo o que aconteceu, das duas, uma: ou Marina é relapsa, ou não tem autoridade sobre gente que deveria estar sob seu comando. Qualquer uma das hipóteses é fatal para um eventual governo seu. Pessoas relapsas e/ou sem autoridade simplesmente não servem para ser presidente da república.

Agora, digamos que ela tenha lido sim. Então é pior ainda: Marina se curvou à pressão do Malafaia, que pertence à mesma facção religiosa radical que ela, a Assembleia de Deus. Se basta ao "pastor" latir impropérios no Twitter para que a candidata altere imediatamente seu programa de governo, então é melhor que este seja mesmo escrito a lápis, como sugere o site Sensacionalista.

Perdi boa parte do dia de ontem discutindo com estranhos no Facebook e mandando mensagens malcriadas para o perfil de Marina. Sobrou até para a Dilma: não me contive quando vi que o PT soltou nota criticando a "incoerência" da rival quanto ao segmento LGBT, quando a presidenta rifou os gays na primeira oportunidade para agradar à bancada evanja, ao tentar salvar o Palocci (sacrifício inútil, aliás).

Pessoas razoáveis vieram me perguntar por que eu estava com tanta raiva, já que a união civil (ou estável) seria parecidíssima com o casamento civil (sim, mas não é igual). Além do mais, pouco importaria o que Marina pensa ou deixa de pensar: o casamento gay já é uma realidade no Brasil graças ao STF, apesar da ausência de legislação. E mesmo com as alterações, o capítulo LGBT do programa do PSB ainda está muitas léguas na frente do que dizem PT ou PSDB sobre o assunto.

Mas este não é o ponto. O que provocou minha ira foi, como disse o Jean Wyllys, a crueldade de Marina Silva ao encher de esperança o coração das guei só para depois tomá-la de volta. Além do mais, parecia que Marina tinha afinado seu discurso e se tornado realmente moderna. Só que não: ela continua a mesma política inconsistente de antes, tentando agradar a todo mundo ao mesmo tempo e disfarçando sua índole conservadora com bijus feitos pelos povos da floresta.

Claro que eu sei que não existe líder impoluto, e que toda e qualquer política é feita de concessões. Marina sabe muitíssimo bem que não pode perder o voto evangélico. Mas sua tomada de posição obrigaria os grandes partidos a fazer o mesmo. O PT não poderia se proclamar contra o avanço dos direitos LGBT. E o PSDB teria que incorporar às diretrizes do partido o que Aécio já disse ser sua posição pessoal, favorável ao casamento igualitário (sim, ele é o único candidato importante que declarou este apoio com todas letras - lidem com isto). Duvido que algo do gênero aconteça agora.

Mas alguma coisa mudou. A gritaria nas redes sociais provou que a bicharada não pensa mais só em jogação e que o nível de politização está crescendo. Até o Everaldo já disse que respeitaria direitos conquistados. A homofobia só é expressada em toda sua fúria por boçais anônimos na internet.

De qualquer forma, o episódio de ontem foi uma escorregada considerável. Uma demonstração assombrosa de inabilidade política e um desgaste desnecessário. Malafaia diz que quer mais, e muitos gays e lésbicas estão decepcionados com Marina Silva. Ela de fato ainda não percebeu que só tem bicha nessa cidade.

sábado, 30 de agosto de 2014

HORROR AOS PEDAÇOS

"A Pedra de Paciência" é um dos bons filmes do ano, mas isto não quer dizer que seja agradável de ver. Muito ao contrário: além do ritmo lento e dos longos silêncios, a violência à que a protagonista é submetida é inacreditável até para os padrões brasileiros. A história se passa no Afeganistão, apesar de ninguém jamais dizer o nome do país ou da cidade. Os personagens tampouco têm nome, e não sabemos de que lado estão os guerrilheiros que tocam o terror num bairro já em ruínas. Numa dessas casas uma mulher jovem cuida do marido inerte, que parece estar em coma por causa de um ferimento a bala. Aos poucos, ele se transforma na "pedra da paciência" dela: segundo uma antiga tradição persa, a maneira de se livrar das desgraças é contá-las a uma pedra, para depois parti-la em pedacinhos. E as desgraças de uma mulher que usa burca são maiores até do que se imagina. "A Pedra da Paciência" chega num momento em que o avanço do Estado Islâmico começa a despertar horror no Ocidente. Serve para lembrar que, além da Faixa de Gaza, acontecem tragédias muito maiores.

BELISCARAM-ME

Não durou nem 24 horas. A farra que a bicharada está fazendo nas redes sociais (e que rendeu matéria comemorativa no "Globo" de hoje) acaba de aceitar o desafio do balde de gelo. Marina Silva soltou nota oficial explicando que não é bem assim, corrigindo alguns pontos do programa divulgado ontem pelo PSB. Desapareceram do texto palavrinhas como "casamento" e "adoção", e o tom agora está mais próximo do seboso programa do PT. A candidata provavelmente se apavorou com a perspectiva de perder o voto dos fundamentalistas, que estavam aderindo em massa à sua campanha. É uma pena: o posicionamento claro do partido ia provocar uma tomada de posição pelos demais. Agora nem Dilma nem Aécio precisam mudar o discurso vago. Perde o Brasil, perdem os gays, perde Marina. E o meu braço está doendo.

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

BELISQUEM-ME

A primeira reação é de descrédito. Precisei conferir o link. Mas tá mesmo lá: o programa do governo de Marina Silva apoia o casamento gay com todas as letras, além da adoção por casais do mesmo sexo e o combate à homofobia. Não sei se ela mudou suas convicções pessoais (ou "evoluiu", como disse o Obama) ou se é só estratégia eleitoral. O fato é que está no programa. E agora, Dilma? Vai deixar por isto mesmo? E você, Aécio, que já declarou apoio pessoal à causa igualitária? Como dizia a propaganda de um banco durante a Copa, isto muda o jogo.

(Ah, e em tempo: o Malafaia declarou hoje que não vota mais em Marina. Disse que ela é "muito em cima do muro". Pelo jeito , acabou de descer.)

A INVASÃO DOS EXTRA-TERRESTRES

Não sei vocês, mas eu estou me divertindo muito com a campanha eleitoral deste ano. Claro que para dar risada a gente precisa esquecer da tragédia de duas semanas atrás, mas foi ela que embaralhou tudo. Já estava previsto um embate pesado, com a popularidade da presidenta caindo junto com os indicadores econômicos; agora virou vale-tudo de MMA no gel. Nas redes sociais, amigos petistas desconstróem Marina como se ela fosse o demônio fantasiado de banqueiro. E ainda tentam taxá-la de "inexperiente" - ora, tendo sido deputada, senadora e ministra, ela já tem um currículo mais parrudo do que Lula ou Dilma quando foram eleitos. Enquanto isto, os aecistas não anotaram a placa do avião que os atropelou, e muita gente boa defende o voto em Luciana Genro (sim, porque a extrema esquerda deu suuuper certo em todos os países onde chegou ao poder). O curioso é que, entre meus mais de dois mil amigos no Feice, não vejo um só pedindo votos para Marina. Será que os marinistas existem mesmo, ou são só mais uma invenção do PIG? Você conhece algum em carne e osso?

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

CARTOLA SEM COELHO

"Magia ao Luar" é um dos filmes mais estranhos da carreira de Woody Allen. O assunto não é inédito para o diretor: será que existe algum tipo de deus, ou algo que dê transcendência à vida? Mas este tema profundo é tratado em tom de comédia ligeira, à luz de uma fotografia esplendorosa e com figurinos de dar inveja a "O Grande Gatsby". Tudo seria lindo se o roteiro não parecesse meio cru. Tive a sensação de que Woody sequer releu o primeiro tratamento, tantas são as soluções fáceis e as situações esquisitas. Por acaso alguém já viu um observatório astronômico que não tem chave na porta? Além disso, a história do mágico disposto a desmascarar a médium que está encantando uma família rica não rende as piadas que poderia, e algumas barrigas deixam "Magia ao Luar" parecer mais longo do que de fato é. Não sei o que faz Woody Allen se sentir obrigado a lançar um título por ano. Sua filmografia ficaria ainda mais sólida se ele dedicasse mais tempo a cada trabalho.

O MÉDICO É O MONSTRO


Chegamos ao ponto em que a estreia de uma nova série da TV paga é mais aguardada do que a de um filme indicado ao Oscar. E como não esperar muito de "The Knick"? A direção é do Steven Sodebergh, o protagonista é feito pelo Clive Owen e a direção de arte esmerada reconstrói a Nova York de 1900 nos mínimos detalhes. Mas os dois primeiros episódios dessa superprodução do canal Cinemax não me fisgaram. Há um excesso de sangue, tripas expostas e corpos sendo retalhados por bisturis - muito mais do que em "E.R.", que já era meio barra pesada. Isto até dava para relevar, mas o que realmente compromete o interesse do espectador é o personagem principal. Os roteiristas não devem ter lido direito o livro "Homens Difíceis", tanto que só deram defeitos para o cirurgião-estrela do hospital Knickerbocker. O doutor John Thackery é grosseiro, arrogante, racista e viciado em qualquer droga que lhe passar pela frente. Por causa deste sujeito desagradável, a perspectiva de assistir ao terceiro capítulo do seriado me parece tão atraente quanto ser operado de uma hérnia sem tomar anestesia.

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

DEBATENDO O DEBATE

Debate é o tal negócio: a gente sempre acha que o nosso candidato deu um show e lacrou o cu das inimigas. Nunca vi nenhum eleitor mudar de opinião nesses confrontos antes do primeiro turno, graças ao excesso de candidatos e às regras paralisantes. Além do mais, ninguém foi especialmente mal ontem à noite. Até a Dilma falou bem, muito mais segura e focada do que na entrevista ao "Jornal Nacional" da semana passada. Já Marina soou menos "sonhática" e mais pragmática, enquanto que Aécio parecia querer transmitir entusiasmo quando a gente sabe que ele deve estar se roendo por dentro, por causa de sua queda nas pesquisas. Mas os melhores momentos vieram dos nanicos da esquerda. Adorei quando Luciana Genro pediu para tratar o candidato do PSC apenas por Everaldo, ignorando o pastor, alegando não gostar da mistura de religião com política. E meu querido Eduardo Jorge bombou nas redes sociais com sua defesa intransigente da liberação das drogas, do aborto e do casamento gay. Mas meu voto no PV balançou quando ele defendeu que o Banco Central não pode ser independente. Agora não estou mais tão convicto. Que venham outros debates.

CONGESTIONAMENTO CABOCLO

Ainda não sabemos fazer uma cerimônia de entrega de prêmios decente. Claro que o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro seria diferente se houvesse mais patrocínio e interesse das TVs abertas - há anos que a festa é transmitida apenas pelo Canal Brasil. Sem muito orçamento, a produção é inevitavelmente modesta. Mas nada disso justifica o erro crasso cometido pelos organizadores ontem à noite. De quem foi a ideia de jerico de anunciar várias categorias de uma só vez? Os nomes dos indicados saem todos embolados, e o pobre espectador é obrigado a assistir a vários discursos de agradecimento de enfiada, sem saber quem é quem e o que ganhou. Um simples gerador de caracteres já ajudaria, mas nem isso tinha. O casal Caio Blat e Maria Ribeiro até que se esforçou para recriar cenas do clássico "Todas as Mulheres do Mundo" e homenagear o grande Domingos de Oliveira. Pelo menos o melhor filme, na minha opinião, foi o grande vencedor da noite: "Faroeste Caboclo" levou sete troféus, derrotando o superestimado "O Som ao Redor". Agora, por que a premiação só acontece em agosto, oito meses depois do final do ano pelo qual os filmes estão concorrendo? Desse jeito não se influencia sequer as vendas em DVD. Vou mudar tudo isto quando eu for o presidente da Academia.

terça-feira, 26 de agosto de 2014

EMMY DE MESMICE

Se eu fosse o responsável pelos Emmys, baixaria uma norma rígida para o ano que vem: proibido votar em quem já ganhou. É ruim para a própria premiação um ator vencer quatro vezes seguidas pelo mesmo papel, como aconteceu com Jim Parsons de "The Big Bang Theory", e injustíssimo com a tão falada terceira "Era de Ouro" da TV americana. Além dos resultados decepcionantes, a cerimônia em si foi a mais chocha dos últimos anos. Seth Meyers simplesmente não tem borogodó para segurar um show desse tmamanho. Tanto que, em seu melhor momento, ele não passou de coadjuvante: foi no esquete ao lado de Billy Eichner, um apresentador gay que vem fazendo muito sucesso na internet com suas corridas pelas ruas de Nova York. Ano que vem deve ser melhor: por causa do rodízio entre as grandes redes abertas dos EUA, o show será transmitido pela CBS, que provavelmente colocará Stephen Colbert, o substituto de David Letterman, como mestre-de-cerimônias. Se bem que ontem ele também foi mal...

(O Emmy também foi o tema da minha coluna no F5 desta semana)

IF I ONLY COULD I'D MAKE A DEAL WITH GOD

E aí eu descobri só hoje que a maior cantora pop britânica de todos os tempos vai fazer seus primeiros shows em mais de 35 anos, e que todos os ingressos estão esgotados desde março. Kate Bush sobe esta noite ao palco do Eventim's Apollo, em Londres, para a primeira performance de seu espetáculo inédito "Before the Dawn". Ela não está lançando disco novo nem remixando sucessos antigos: só resolveu por o nariz para fora de casa, o que já é um milagre considerável por si só. Vou ter que me contentar com o excelente documentário da BBC aí em cima, que reúne depoimentos de artistas que trabalharam com a moça ou que por ela foram influenciados (a própria nem se deu ao trabalho de falar para as câmeras - todas as suas cenas são do começo da carreira). Também vou rezar para que este show histórico saia algum dia em DVD. Talvez daqui a uns sete anos, dada a velocidade alucinante com que a reclusiva ms. Bush costuma trabalhar.

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

AMADA AMÃ


Todo mundo adora filmes sobre casamentos. Todo mundo se identifica com a alegre confusão, os parentes amalucados, os preparativos que dão errado mas no fim dão certo. Foi por isto que os exibidores brasileiros traduziram "May in the Summer" como "O Casamento de May". Acontece que o filme não é bem sobre um casamento. Verdade que a protagonista está de casamento marcado na Jordânia, a terra de sua mãe e também a de seu noivo, e é para lá que ela vai com as irmãs, todas nascidas nos EUA. Só que a mãe é cristã fervorosa e avisa que não quer saber de genro muçulmano; enquanto isto, todos os membros da família entram em crises de diferentes tamanhos. Há bonitas imagens turísticas, apesar de Amã ser uma cidade feiosa. Mas o choque cultural que se anuncia nunca acontece, pois todos os personagens já são ocidentalizados demais. "O Casamento de May" acaba sendo só mais um exemplo semi-interessante dentro da safra atual de filmes pequenos e desimportantes que assola os cinemas de arte, enquanto que o circuitão continua entupido portartarugas ninjas e guardiães da galáxia.

A GALA DOS ILLUMINATTI

Nem lembrei de assistir aos VMAs ontem à noite. O seletor da minha cabeça estava virado para "True Blood". Mas não vai ter post aqui no blog sobre o episódio final da série: quem quiser saber o que eu achei vai ter que ler na "Folha" de amanhã. Então me resta falar da premiação da MTV americana, da qual só estou vendo uns pedaços online. Parece que não perdi grande coisa, nem houve um momento histórico como o beijo entre Madonna há Britney há mais de dez anos. O ponto alto foi o show de Beyoncé: ao longo de mais de 16 minutos, a diva cantou um trechinho de cada faixa de seu último álbum. A emissora só deu tamanha canja a Justin Timberlake no ano passado, o que comprova a força da sra. Carter. Também notável foi a ausência de Lady Gaga, tanto no palco como nas indicações. Duvido que seu disco de duetos com Tony Bennett lhe devolva a relevância perdida. No mais, a chatinha da Miley Cyrus ganhou o prêmio principal (ainda não entendi o que viram nessa guria) e Nicki Minaj mostrou quem é a popozuda de verdade. Agora, divertidos mesmo são os vídeos que "provam" que a cerimônia toda não passou de um grande ritual dos Illuminatti. Pelo menos existem uns gatos pingados que acham que a MTV ainda apita alguma coisa.

domingo, 24 de agosto de 2014

TUDO É MISTÉRIO NESSE TEU VOAR

Foi uma delícia devorar "Pavões Misteriosos", o livro que o jornalista André Barcinski dedicou a um período negligenciado da nossa música: 1974 a 1983, entre a era dos festivais e da Tropicália e a explosão do rock brasileiro. Foram também os anos da minha adolescência e faculdade, e, portanto, da formação do meu gosto musical. Os primeiros discos nacionais que eu comprei na vida foram justamente a estreia dos Secos & Molhados e "Atrás do Porto Tem uma Cidade", da Rita Lee - dois trabalhos que o autor considera fundamentais para o estabelecimento do pop tupiniquim, e que soam modernos até hoje. Aliás, é justamente a consolidação deste evasivo pop de que trata o livro, dando valor a figuras desprezadas pela crítica como Guilherme Arantes ou a dupla de compositores Sullivan e Massadas. Nossos anos 70 tiveram gringos fake como Morris Albert ("Feelings") e cafonices como Benito di Paula, mas também ousadias como Ney Matogrosso ou Raul Seixas, que parecem impossíveis nos dias caretas que correm. Talvez por causa da ditadura, talvez por causa da influência do exterior, o começo daquela década foi riquíssimo em álbuns importantes - o final, nem tanto. A música brasileira se pasteurizou aos poucos, e hoje raramente o sucesso e a qualidade andam juntos. "Pavões Misteriosos" ficaria ainda melhor se, a exemplo do "Noites Tropicais" de Nélson Motta, também tivesse um CD complementar. Mas quem é que ainda tem CD player? Só gente como eu, que nasceu há 10 mil anos atrás.

sábado, 23 de agosto de 2014

PRATO FRIO

"Bistrô Romantique" é o segundo filme "gastronômico" a estrear no Brasil este mês (o primeiro foi "Chef", e ainda vem mais um por aí). É uma comédia belga que parte não de uma receita, mas de uma fórmula: várias histórias de amor que se cruzam na mesma noite, num restaurante elegante de Antuérpia. A noite é da do Dia dos Namorados e o cardápio é especial. Só tem pratos que incitam a paixão, com ingredientes como ostras, aspargos e licor de rosas. Mas paixão é justamente o que falta no roteiro e na direção, mais frios do que um bife congelado. Várias situações que renderiam piadas são simplesmente desperdiçadas, e os atores sem carisma não deixam que a gente se interesse pelos personagens. Talvez seja um dado cultural - afinal, os flamengos não são exatamente conhecidos por seu humor contagiante, e vai ver que o que é considerado hilário por lá se perde na tradução. Para piorar, o final é o menos romântico possível. Pelo menos as tomadas de comida são de dar água na boca, mas para isto existem revistas.

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

A CLEYCIANNE DA ESQUERDA

É época de eleições e as redes sociais se inflamam. Tenho amigos de todas as tendências, que é para ver se eu não me fecho em meu mundo e nada mais. Mas juro que muitas vezes eu tenho ganas de revidar as sandices que alguns proferem, tanto à esquerda quanto à direita. Melhor segurar a onda e me aliviar no blog da Zambininha, uma fictícia militante comunista de 78 anos de idade. Zambininha também é vegana, feminista, ciclista, ateia e engraçadíssima. Sua análise do rótulo da Catuaba Selvagem ou seu relato sobre a amizade que fez com um bandido já estão entre os melhores textos do ano. Vou visitá-la regularmente, assim como à Cleycianne original. A diva do Senhor voltou a postar, depois de um longo período sabático. Aleluia!

(Obrigado, João, pela graça alcançada)

O FIM DO FESTIM

Ufa. Levei mais de dois meses, mas finalmente consegui atravessar as quase mil páginas da versão de bolso de " A Feast for Crows" (em português, "O Festim dos Corvos"), o quarto volume da série que inspirou "Game of Thrones". O livro começa exatamente onde terminou a quarta temporada da TV, o que saciou por enquanto meu desespero em saber o que acontece com alguns dos personagens. Não todos: o quinto livro, "A Dança dos Dragões", não é propriamente uma continuação, mas um volume paralelo com histórias que se desenrolam simultaneamente às do quarto. A leitura também serviu para aumentar ainda mais minha admiração pelo trabalho dos roteiristas do programa da HBO. Cada um dos 45 capítulos do calhamaço renderia apenas uma ou duas cenas na telinha: fica claro o esforço de síntese da turma do "writer's room". Por outro lado, a prosa de George R. R. Martin é deliciosa. Já desisti de livros populares como os do Harry Potter porque achei-os mal escritos para dedéu. Ainda bem que este não é o caso aqui, apesar do uso de palavras como "maidenhead" - um termo para virgindade que soa medieval, mas que eu desconfio que seja inventado pelo autor. Agora vou descansar dos Sete Reinos e ler outras coisas, mas no começo do ano que vem pretendo enfrentar a "Dança", que é ainda mais longa. A próxima temporada é baseada nesses dois livros, e eu quero estar preparado como se o inverno estivesse se aproximando.

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

FASILITANDO O PORTUGÊS

Sou totalmente a favor do projeto de simplificasão da ortografia elaborado pelo profesor Ernani Pimentel e aprezentado no Senado por Cyro Miranda (PSDB-GO). Sempre axei que o portugês deveria ser escrito com um mínimo de regras - uma letra por fonema e olhe lá. A nova proposta acaba com o "ç", o "ss", o "ch" e o "h" mudo, mas na verdade axo até que é tímida. Apesar de eliminar o "u" depois de "q", ela mantém esa letra no alfabeto - eu sumiria com ela e pasaria a escrever "ceijo". Mas as xanses de aprovasão são peqenas. Os paízes de língua portugeza acabaram de aprovar uma reforma que ainda nem foi de todo asimilada, e as rezistênsias ao novo projeto são grandes - vindas de jente velha que não qer reaprender, é claro. Bastaria uma jerasão para a mudansa se consolidar, e a alfabetizasão das criansas seria muito mais fásil.

PERDENDO A GRAÇA

Eu gostava da Graça Foster. Achava que sua feiúra insuperável combinava perfeitamente com sua fama de durona e competente, a "Dilma da Dilma". Mas, assim como a presidenta da república está mostrando que não é essa coca-cola toda, parece que a presidenta da Petrobrás tampouco faz jus à sua reputação. O fato dela ter transferido imóveis para os filhos ao mesmo tempo que o Cerveró, o quadro de Picasso em carne e osso, só faz levantar a suspeita de que a operacão Pasadena foi mesmo uma lambança. Claro que não é crime fazer o que ela fez, mas "não basta a mulher de César ser honesta - ela também precisa parecer honesta". Tsk, tsk.

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

IL VENAIT D'AVOIR 18 ANS

Ontem aconteceu em São Paulo o desfile comemorativo dos 18 anos de carreira do meu amigo Rodrigo Rosner, e dos 6 anos de sua marca R. Rosner. Livre das amarras de uma estação específica, Rodrigo conseguiu desenhar sua melhor coleção até hoje, introduzindo materiais inusitados como o neoprene em seus suntuosos vestidos de festa. Com ele não tem essa de prêt-à-porter ou sportwear: é luxo só, do começo ao fim. Ainda não sei qual é o meu look favorito: se a dramática noiva e sua capa bordada, que parecia ter saído de um episóido de "Game of Thrones", ou se as calças douradas com blusa turquesa vinda de um futuro imaginado por Fellini. Mas claro que vou ter que emagrecer muito para entrar em qualquer um deles.

O cenário foi o Museu de Arte Sacra, que está sob nova direção e, pela primeira vez em sua longa história, abrindo as portas para eventos mundanos. Quem não deve estar gostando nada são as freiras enclausuradas do convento que ainda existe no andar superior do prédio. A noite de ontem correu sobre carretéis, mas ouvi dizer que, algumas festas atrás, uma delas se irritou tanto com o barulho vindo do jardim que não teve dúvidas: abriu a janela e atirou um penico sobre os convidados. Só não sei se cheio.

PREVIAMENTE CONHECIDA COMO

Cansado das divas do pop atual? Experimente FKA twigs: apesar de ser bonita e gostosa, essa cantora britânica não sacode a bunda nem finge fazer sexo com ursinhos de pelúcia. Até seu nome tem uma história curiosa. Nascida Tahliah Debrett Barnett, que já soa como um pseudônimo, ela preferiu adotar o apelido de twigs (em caixa baixa mesmo) por causa dos movimentos bruscos de dança que têm esse mesmo nome. Acontece que já existia uma outra twigs; ao invés de buscar um nome novo, ela preferiu acrescentar ao antigo a sigla FKA (Formerly Known As - previamente conhecida como...) FKA twigs faz uma música esquisita à primeira audição, mas que aos poucos vai se transformando em mantras. Não há refrões contagiantes nem remix para as pistas - algumas faixas do recém-lançado álbum "LP1" nem podem ser chamadas propriamente de canções. Desnecessário dizer que a crítica está babando de quatro pela moça. Eu? Ainda estou me aclimatando.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

O BUDA DO ANTÚRIO

Fiz viagens de trabalho à Cidade do México durante mais de dez anos, quando eu trabalhava com propaganda. Sempre que tinha horas vagas, eu escapava para o gigantesco Museu de Antropologia. Além de ver as exposições temporárias, eu gostava de visitar minha peça favorita do acervo: a pequena estatueta maia de um deus ancião "nascendo" de uma flor. Foi uma alegria enorme revê-la em São Paulo, dentro da mostra "Mayas: Revelação de um Tempo Sem Fim". Aliás, a coleção inteira é fenomenal. Pela primeira vez, o governo mexicano juntou algumas das peças mais significativas dessa antiga cultura mesoamericana, que estavam espalhadas por vários museus. Vê-las todas juntas de uma só vez é de entortar a cabeça. A variedade de estilos é imensa, porque os maias passaram por vários períodos ao longo de mais de dois mil anos de civilização. Há objetos que parecem egípcios, africanos ou orientais (como o meu "buda do antúrio"), além de muitos outros que não poderiam ter sido feitos em nenhum outro lugar. A mostra fica na Oca do Parque Ibirapuera só até domingo, 24 de agosto, e depois segue para Paris. Como a entrada é franca, quem não viu deve se apressar.

OLHO MAIOR QUE A BARRIGA


Eu me deixei enganar. O trailer simpático e o elenco de estrelas me levaram a crer que "Chef" era uma comédia sofisticada, só que o filme não passa de fast food requentado. O roteiro é previsível e preguiçoso: o fiapo de conflito se resolve fácil demais, e inúmeras oportunidades de piada são perdidas. O protagonista feito por Jon Favreau comete erros muito básicos para serem críveis, o que não seria grave nas mãos de um ator mais competente. Há uma boa razão para Favreau ter praticamente deixado de atuar e voltado sua carreira para a direção (além deste filme, ele também é o responsável pela trilogia "Homem de Ferro"): o cara não tem carisma. Mas tem muitos amigos e alguma influência, o que lhe deu carta branca para cometer essa bobagem. "Chef" tem lá seus momentos memoráveis de food porn (impossível sair do cinema sem vontade de experimentar um sanduíche cubano), mas nem chega a ser indigesto. É só insosso mesmo.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

A HILLARY PERNAMBUCANA

Minha primeira reação foi de horror ao saber que Renata Campos está cotadíssima para assumir a vaga de vice na chapa encabeçada por Marina Silva. Achei um tremendo golpe baixo: quer dizer então que o PSB vai se aproveitar da comoção nacional pela morte de Eduardo e colocar sua inexperiente viúva para disputar o segundo cargo mais importante da república? Isto é chantagem emocional eleitoreira! Acontece que Renata não é tão inexperiente assim. Além de formada em economia e auditora do TCE de Pernambuco, ela também seria a metade do cérebro político de seu marido. A Hillary. A Claire. E estaria mesmo interessada em concorrer - o que explicaria o fato de ter posado para tantos selfies no quase festivo funeral de ontem. Em termos de marketing, faz todo o sentido tê-la ao lado de Marina Silva. Renata simbolizaria a continuidade das ideias de Eduardo, o mais novo santo brasileiro. Também gosto de uma chapa formada só porr mulheres, algo talvez inédito no mundo. Só espero que os marqueteiros da campanha não a obriguem a pintar o cabelo: qual o problema de alguém aparentar a idade que realmente tem?

O PAU NOSSO DE CADA DIA

Está causando celeuma nas redes sociais o novo projeto do artista de performance Mischa Badasyan. "Save the Date" começará no dia 1o. de setembro: durante um ano, todos os dias, o moçoilo fará sexo com um cara diferente em algum lugar de pegação. Um "não-lugar", como ele mesmo diz - um parque, uma sauna, qualquer local onde a identidade se dissolva - até que ele mesmo se torne também um "não-lugar". As trepadas não serão filmadas, mas Mischa irá descrevê-las em detalhes num blog, e ainda coletará um suvenir de cada presa abatida. Não vou condená-lo, de jeito nenhum: sou totalmente a favor de que todo mundo transe com todo mundo. Só acho bastante otimista um cara feioso como ele achar que todo dia vai encontrar alguém disposto a encará-lo. Mas enfim, tem gosto para tudo. Na verdade, conheço gente que já faz este tipo de maratona há tempos, e nem por isto se diz artista.

domingo, 17 de agosto de 2014

MEU BEM VOCÊ ME DÁ ÁGUA NA BOCA

Muita gente implica com o "comercial". O filme blockbuster, a música para tocar no rádio, a telenovela. Acontece que quando o "comercial" é bem feito, é irresistível feito um bolo de chocolate. Não traz nada de inovador nem muda a vida de ninguém: só é bom pra caralho. A versão musical de "Se Eu Fosse Você" cumpre todos os quesitos para se encaixar nessa categoria, sem subestimar a inteligência da plateia um segundo sequer. A comédia de maior sucesso de todos os tempos do cinema brasileiro ganha vida no palco ao som de algumas das melhores músicas de Rita Lee (nem todas sucessos conhecidíssimos), que se encaixam na trama tão bem que até ajudam a contá-la. Um tributo à nossa rainha do rock muito mais certeiro que o pífio "Rita Lee Mora ao Lado". O elenco principal é assombroso. Nenhuma surpresa com Cláudia Neto e Fafy Siqueira, que arrasam faz tempo. Mas Nelson Freitas me foi uma revelação: eu, que praticamente só o conhecia do "Zorra Total", quase caí da cadeira ao vê-lo cantar com voz firme, dançar incrivelmente bem e ainda exibir um corpaço aos 52 anos. Como se não bastasse, o texto ainda está cheio de piadas boas. "Se Eu Fosse Você - o Musical" é mais um sinal da maturidade que nosso teatro está atingindo nesse gênero, sem dever nada aos importados da Broadway. Comercial, sim, e com muita honra. Um bolo de dar água na boca.

sábado, 16 de agosto de 2014

AMANTES ORTODOXOS

Três anos atrás, um filme grego exibido no festival MixBrasil me seduziu. "Terra Negra" contava a história do amor entre um soldado e uma freira, que na verdade era um rapaz disfarçado - tem como não amar? Depois disso fui para a Grécia e visitei umas duzentas igrejas ortodoxas. Tudo isto me tornou presa fácil para "Meteora", o primeiro filme grego a estrear em São Paulo desde sei lá quando. Aqui também há uma história de amor clandestino, dessa vez entre um padre e uma freira (a Igreja Ortodoxa até que tem muitos sacerdotes casados, mas eles já precisam sê-lo antes de serem ordenados). Os tempos são lentos como era de se esperar, e há lindos ícones animados que são a melhor coisa do filme. Mas "Meteora" se passa nos dias atuais, e isto quebra muito o encanto. Principalmente quando o diretor resolve mostrar o passo a passo da confecção de um cozido de carne de cabra, começando pelo abate do bicho.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

O DEUS DA CARNIFICINA

O PT fez de tudo para melar a Rede de Marina Silva. Há relatos de que foram os cartórios eleitorais do ABC paulista, controlados por petistas, que recusaram as assinaturas coletadas pelos asseclas de Marina, inviabilizando a criação de seu partido a tempo hábil para as eleições deste ano. É realmente de se estranhar que partidecos artificiais e nitidamente de aluguel como o Pros ou o Solidariedade tenham saído rápido do papel, enquanto que um nome representativo como o de Marina Silva tenha ficado a ver navios. Ela tentou um golpe de mestre ao se aliar a Eduardo Campos, que no entanto pareceu não ter surtido muito efeito: o nome dele não decolou nas pesquisas (se bem que feitas antes do início do horário gratuito na TV). Agora veio o golpe de sorte, pelo menos para ela: Marina provavelmente será a cabeça da chapa da coligação liderada pelo PSB, muito maior do que a que a Rede poderia conseguir. É um pesadelo para Dilma, pois praticamente garante o segundo turno. E não deixa de ser para Aécio, que com isto passa a ser apenas o terceiro candidato mais conhecido. Parece até que existe um desígnio divino, exigindo que Marina Silva concorra à presidência em outubro. Mas de um deus cruel, capaz de enlutar em sete famílias para conseguir seus objetivos.

ADAGUE DERRORISTA

E dando prosseguimento ao assunto "Rir para Não Chorar": o riso é tão temido porque ele é, de fato, uma arma. Um exemplo curioso disto está acontecendo neste momento em Israel, como informa o blog do Diogo Bercito, correspondente da "Folha" em Jerusalém. Por incrível que pareça, uma canção antissionista do Hamas virou hit nas rádios e está gerando dezenas de paródias no YouTube. A música já existia em árabe há alguns anos, e a letra singela fala em "exterminar o ninho das baratas". Aí um gênio do marketing palestino teve a ideia de gravá-la em hebraico, para tocar o terror no coração dos israelenses. Só que o sotaque dos cantores não é perfeito: por exemplo, a palavra "piguiim" ("ataque terrorista") saiu como "biguiiim" (algo como "adague derrorista"). Foi o suficiente para os judeus adotarem esse hino à guerra como uma espécie de "Beijinho no Ombro" da Faixa de Gaza: tosco, pretensioso, e, por isto mesmo, engraçado. Claro que essa reação inusitada também é um mecanismo psicológico para lidar com o medo  das bombas, mas o que importa é que mais um tiro do Hamas saiu pela culatríssima. Essa organização medieval merece todo o sarro que se tirar dela.

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

A VELHA MODERNINHA

Tentei comprar ingressos para "The Old Woman" em São Paulo e não consegui: eles se evaporaram meia hora depois que começou a venda na internet. Já tinha desistido quando um amigo ficou doente e me passou o dele, para a última função no Rio de Janeiro. Enfrentei a tempestade e fui para a Cidade das Artes, que obviamente foi desenhada para um clima seco como o de Dubai - a ampla área externa superior estava quase alagada. Mas a sala em si é luxo só, e meu assento era bem no meio da segunda fila. De lá me extasiei com o trabalho fantástico de Bob Wilson, um dos maiores diretores contemporâneos. O ponto de partida é uma peça russa de teatro abusrdo do começo do século XX: geralmente acho supérfluo que este tipo de texto ganhe montagem também absurda, mas em "The Old Woman" tudo funciona. A começar pelas performances fantásticas de Mikhail Baryshnikov, ainda flexível depois dos 60 anos, e Willem Dafoe, incrivelmente expressivo mesmo sob quilos de maquiagem. E ainda tem a luz mais elaborada que já vi ao vivo, com efeitos de cor impactantes. Tirando a tecnologia de ponta, o espetáculo não traz grandes novidades formais. Mas é incrivelmente bem feito e divertido, como um Cirque du Soleil para adultos.

RIR PARA NÃO CHORAR

Ayrton Senna morreu em 1994, numa época em que a internet ainda não estava disseminada. Talvez por isto as piadas sobre sua morte não tenham surgido no mesmo dia do acidente em Imola. Mas não demoraram muito: apesar do choque coletivo pela morte súbito de um de seus maiores ídolos, os brasileiros também estavam rindo de coisas como o novo nome do gibi “Senninha” (“Gasparzinho”).

Hoje em dia todo mundo não só está conectado às redes sociais como também tem opinião, e muita. Desde ontem, como não poderia deixar de ser, há quase que um único assunto no mundo virtual: a morte de Eduardo Campos. Além das manifestações de horror, pesar e solidariedade à família, logo surgiram as gracinhas. E na esteira dessas, a condenação veemente de muitos internautas: respeitem o luto, seus babacas, um desastre aéreo não é motivo para riso.

Desculpem a sinceridade, mas claro que é. Conheço dezenas de boas piadas sobre desastres aéreos, cataclismas naturais, hecatombes e doenças infecciosas. O humor é uma das nossas mais poderosas ferramentas para lidar com o medo. E já que a morte é inevitável, pelo menos vamos rir dela.

Uma morte como a de Eduardo Campos desafia o nosso sentido de lógica. Ele era jovem; ele era bom; ele não merecia. Não conseguimos entender porque um Sarney ou um Maluf ou um Calheiros não estavam a bordo, e passamos a tecer teorias conspiratórias rocambolescas. Todas absurdas, aliás, porque PT e PSDB terão suas chances diminuídas na eleição se Marina Silva assumir a cabeça da chapa do PSB – peraí, então foi ela!

Centenas de amigos meus estão ameaçando deletar seus amigos insensíveis no Facebook. O Leonardo Sakamoto, sempre possuído pela ira santa, escreveu um artigo acusando de blasfêmia esses modernos bobos da corte. É natural que nos sintamos revoltados quando os parentes de Eduardo Campos – tornados ainda mais próximos pela internet – estão sofrendo de maneira inimaginável.

Mas rir faz parte, galère. O ser humano é mesmo um escroto, e por isto sobrevive há tanto tempo. Também somos frágeis e burros, e, se não entendemos porque as coisas acontecem, então rimos delas. Ainda bem. Já vou avisando: se eu me tornar muito famoso e morrer de maneira estúpida, vocês estão proibidos de me aplaudir no meu enterro. Não existe nada mais cafona e eu vou voltar para puxar o pé de vocês. Mas por favor, façam muitas piadas, e do pior gosto possível.

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

O DIA EM QUE A HISTÓRIA MUDOU

Eu tinha a nítida sensação de que, algum dia, Eduardo Campos seria presidente do Brasil. Não já no ano que vem: ele dificilmente venceria as eleições de outubro, mas acho que nem era esta sua intenção. Campos provavelmente estava concorrendo só para ficar conhecido nacionalmente, e aí se candidatar em 2018 com chances reais de vitória. Eu não iria votar nele no primeiro turno deste ano (meu voto vai para Eduardo Jorge do PV), mas não teria nenhum problema em fazê-lo num eventual segundo contra Dilma. Claro que Eduardo Campos não era santo: a campanha que fez para que sua mãe assumisse uma vaga no TCU mostra que ele era adepto de práticas arcaicas da política brasileira. E não me desceu bem quando ele disse, há alguns meses, que não conhecia ninguém que fosse a favor da liberalização do aborto. Tudo isso vira bobagem perto da tragédia de hoje. Da indizível dor da família ao panorama indefinido das candidaturas, muita coisa mudou quando o avião de Eduardo Campos caiu bem no centro de Santos. Entre elas, tenho quase certeza, a história futura do nosso país.

FAIXA DE GOZO

No final de "Amantes Eternos", o casal de vampiros é atraído pela música hipnótica que sai de um antro em Tânger, no Marrocos. Lá dentro acontece um show da cantora libanesa Yasmine Hamdan, que só então eu tive o prazer de conhecer. Procurei por ela na internet e acabei encontrando dois discos interessantes seus. Em 2009 a moça se juntou ao produtor Mirwais (responsável por "Music" e "American Life" da Madonna) e gravou com ele "Arabology" sob s sigla Y.A.S., uma mistura de eletrônica com ritmos árabes que é do grande caray. E no ano passado Yasmine lançou um CD solo chamado "Ya Nass", que inclui "Hal", a faixa que interpreta no filme de Jim Jarmusch, e muitas outras pérolas. O mundo árabe tem muitas estrelas pop, mas nenhuma jamais conseguiu fazer muito sucesso no Ocidente. Será que agora vai?

terça-feira, 12 de agosto de 2014

CORRA, COELHO, CORRA

Não sou fã do Paulo Coelho. Tentei ler dois de sues livros mais recentes e larguei ambos no meio. Ou melhor, no começo: não suporto quem escreve mal. Nem por isto deixo de achar que ele seja um cara interessante. Costuma ser muito articulado e perspicaz nas entrevistas que dá, e realmente tem uma história de vida fora do comum. Tanto que já rendeu filme, antes mesmo de seus best-sellers mundiais "O Alquimista" ou "O Diário de um Mago". "Não Pare na Pista" narra a tarjetória de Paulo Coelho com produção esmerada e atores excepcionais. Confesso que o roteiro em três tempos simultâneos, como o de "O Rebu", me confundiu algumas vezes: o que aconteceu antes, a tentativa de suicídio na adolescência ou a briga com o pai durão? Com locações e atores espanhóis, "Não Pare na Pista" não custou barato. Mas nenhum outro escritor brasileiro contemporâneo mereceria uma cinebiografia deste tamanho.

GÊNIO INDOMÁVEL

Está mais do que na hora da depressão ser considerada tão grave quanto o câncer ou a AIDS. O número de vítimas que a doença faz é impressionante: só nos últimos trinta dias, dois comediantes famosos se enforcaram depois de passarem um longo tempo deprimidos. Fausto Fanti era jovem e tinha a vida inteira pela frente; Robin Williams não era mais tão novinho, mas sua carreira incluía um Oscar e umas duas dezenas de filmes de enorme sucesso. Nenhum outro humorista permaneceu tanto tempo no topo nos Estados Unidos: de meados dos anos 80 até o começo da década passada, ele foi, literalmente, o rei da comédia. Claro que seu estilo não agradava a todo mundo. Eu mesmo me irritava quando o cara assumia sua persona sentimental, que ria e chorava ao mesmo tempo (até hoje me recuso a ver "Patch Adams"). Mas há alguns trabalhos de Robin Williams que resistem a tudo: sua revolucionária dublagem do gênio de "Aladim" e seu discreto professor em "Sociedade dos Poetas Mortos" entram na mala que eu vou levar para a ilha deserta. Os últimos anos foram duros para ele. Sua nova série de TV durou uma única temporada, as drogas e o álcool voltaram a assombrá-lo e ainda há rumores de que ele estaria vendendo bens para saldar dívidas. Robin é mais um da lista dos atores incríveis que se autodestruíram, e mais uma vítima da enfermidade mais perniciosa que existe. Depressão mata, pessoal. Vamos levá-la a sério.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

O ESTADO É LAICO. MAS...

Quando eu vi a imagem aí em cima no timeline de uma amiga no Facebook, achei que se tratasse de mais uma dessa montagens malandrinhas que pululam na internet. Só que não: a assinatura é autêntica, e este despautério foi mesmo postado na fanpage da presidenta. Dilma não só feriu uma cláusula pétrea da constituição ao interpor um "mas" depois dela, como se orgulha disto. A ponto de incluir a frase, proferida sexta passada numa filial paulistana da Assembleia de Deus, em sua campanha pela reeleição! Verdade que, pouco calejada nos palanques, nossa mandatária nunca foi boa de discurso, muito menos se improvisado. A coisa deve mesmo ter saído de qualquer jeito de sua boca. Mas não pode, porque ela não é presidenta só dos evangélicos - por mais que puxe o saco deles em busca de votos. Este passo em falso é bem mais do que uma gafe: é um sinal de que o PT está mesmo disposto a rifar qualquer princípio em troca de mais quatro anos no poder. E não, não estou dizendo que vai ser diferente com Aécio ou Campos. Por isto lamento que quase não haja políticos de projeção nacional dispostos a se levantar contra essa promiscuidade entre o governo e os fundamentalistas. Pelo menos os comentários no Feice são todos negativos, inclusive de amigos meus que são petistas históricos. Vamos reagir, galera, porque daqui a pouco vai ter candidato prometendo proibir a minissaia.

(Não deixe de ler dois excelentes artigos sobre o assunto: este aqui, assinado por Henrique Braga no Brasil Post, e este outro, por Alex Antunes no Yahoo)

AS MULHERES DO MEIO

Quando alguém assina Netflix, a tendência é mergulhar de cabeça nas estrelas da plataforma: as séries exclusivas "House of Cards" e "Orange is the New Black", e a incontornável "Breaking Bad". Ultrapassadas essas paradas obrigatórias, é hora de explorar as dezenas de outras opções que o serviço oferece. "Call The Midwife" já estava na minha lista, e resolvi experimentar depois de uma amiga confessar que está viciada. Agora também estou, depois de apenas dois episódios. Esta série britânica é o maior sucesso de audiência da BBC em mais de uma década (não, não estou enganado - "Downton Abbey" é exibida por lá no Channel 4), e é simplesmente uma das coisas mais bem escritas, produzidas e interpretadas que eu já vi na minha vida. Baseada nas memórias da parteira Jennifer Worth, o programa foca no dia-a-dia de um grupo de freiras e enfermeiras no empobrecido East End de Londres no final dos anos 50. Um mundo de miséria e violência doméstica, numa época em que ainda não existia a pílula anticoncepcional. Claro que há dramas de partir o coração, mas o tom geral é de otimismo e calor humano. Tanto que faz o espectador querer voltar a esses tempos tão duros. "Call the Midwife" estreia sua quarta temporada no final deste ano, já sem a protagonista Jessica Raine. Como sói acontecer nesses casos, ela foi atender ao chamado de Hollywood.

domingo, 10 de agosto de 2014

O BOM-GOSTO DO SANGUE

O filme de vampiro mais cool de todos os tempos continua sendo "Fome de Viver", mas "Amantes Eternos" assume uma honrosa segunda posição. É até de estranhar que um cineasta como Jim Jarmusch, especializado em filmar o tédio, tenha demorado tanto para abordar a imortalidade, ou que a pálida Tilda Swinton tardasse a ser escalada para o papel de uma sugadora de sangue. Ela está fantástica como sempre, e nem parece 21 anos mais velha que Tom Hiddleston - mais bonito do que nunca, apesar do cabelo precisando de um trato. Os dois fazem um casal formado há séculos que, apesar de não viverem mais o tempo todo juntos, ainda têm aquela cumplicidade romântica que só os cônjuges de longa data alcançam. Eu não costumo gostar de filme lento, mas dessa vez embarquei totalmente na proposta do diretor. Não há uma só tomada diurna: a (pouca) história inteira se passa à noite, portanto recomendo um café bem forte antes de entrar no cinema. Vale a pena, pois a música atmosférica, os planos elegantes e a violência pontual de "Amantes Eternos" criam um universo de sedução e perigo extremamente atraente. Essa dupla de vampiros cultos e sofisticados deixa a turma de "True Blood" parecendo os caipiras que de fato são.
E qualquer filme que inclua em uma de suas cenas o clipe setentista de "Soul Dracula" já entra automaticamente na minha lista dos melhores do ano.

sábado, 9 de agosto de 2014

TIRO DE META


Filmes venezuelanos jamais entravam em cartaz no Brasil, mas este ano já foram dois: primeiro teve o spervalorizado "Pelo Malo", agora o realmente bom "Hermano". Dessa vez o fato da história se passar novamente numa favela de Caracas não me incomodou. Como muito do cinema latino-americano recente, há uma nítida influência de "Cidade de Deus", com atuações naturalistas, decupagem moderna e muito tiroteio. A trama poderia tranquilamente se passar por aqui: dois irmãos de criação têm potencial para se tornarem grandes jogadores de futebol, mas só um deles tem a cabeça no lugar. O curioso é que o futebol não é o esporte mais popular da Venezuela (é o único país de língua espanhola da América do Sul que jamais participiou de uma Copa), mas "Hermano" foi patrocinado em parte pelo Caracas F. C. Como ação de merchandising, deu muito certo: o filme ganhou prêmios pelo mundo afora e foi o escolhido para representar seu país no Oscar de 2011. Mas nem por isto a seleção venezuelana ("la vino tinto") conseguiu se classificar...

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

AH, MOLEQUE LEK LEK

Ninguém em sã consciência consulta a Wikipedia em busca de informações sobre políticos: é mais do que sabido que partidários contra e a favor estão sempre remexendo a biografia dos ditos cujos, num jogo de escreve-e-apaga que resulta numa credibilidade próxima de zero. Nem por isto é insignifcante o fato das alterações nas páginas de Miriam Leitão e Carlos Sardenberg terem partido de computadores de dentro do Palácio do Planalto, muito pelo contrário - eu diria que é umas duzentas milhões de vezes mais grave que o relatório do Santander criticando a política econômica da Dilma. Não acredito que as ordens para essa molecagem tenhma vindo da presidência da república, mas sim que seja obra de um moleque mesmo. Um estagiário ou similar, que se acha mais esperto do que jornalistas de verdade. Mesmo assim, diferente do caso do banco, duvide-o-dó que alguém seja demitido. E assim prossegue a bolivarização do Brasil...

(ATUALIZAÇÃO: Para quem não achou o episódio grave ou diz que eu exagero quando falo em "bolivarização", recomendo a leitura do artigo que a Miriam Leitão assinou no "O Globo" deste sábado, dia 9 de agosto)

SEGREDO É PRA QUATRO PAREDES

E de repente ninguém mais tem outro assunto. Parece que os sete bilhões de seres humanos do planeta estão todos falando do Secret, o aplicativo-sensação que surgiu há cerca de uma semana e já conquistou um império maior que o do José Alfredo. Criado para que as pessoas pudessem expor suas intimidades sem expor suas identidades, o brinquedinho logo se transformou numa arma. Já está repleto de denúncias anônimas, verdadeiras ou não, além de demonstrações de auto-homofobia, erros crassos de português e algumas boas piadas. A bicharada ainda não resolveu se ama ou se odeia: alguns estão cho-ca-dos com as cachoeiras de veneno que fluem pelo Secret, porque nem dá para desconfiar que exista tanta maldade no mundo, né? Na boa, gentem: isto lá é novidade? Alguém aí não sabia que o anonimato oferecido pela internet permite que a podridão da alma saia de sua toca úmida?

Bom, claro que eu baixei o Secret, e até me atrevi a escrever algumas gracinhas (três até o momento - não, não vou dizer quais são, arrisquem seus palpites). Infelizmente, a minha timeline no aplicativo está uma decepção: meus amigos devem ser realmente umuito seletos e educados, porque não vi nada revoltante ou digno de uma reclamação no Procon. Mas ninguém precisa se dar ao trabalho de entrar na App Store. Óbvio que já existe um Tumblr reunindo os melhores Secrets brasileiros. Também já descobriram que o Secret não é tão secreto assim: se alguém se ofender para valer com o que você escreveu lá, basta uma açãozinha na justiça para o seu suposto anonimato virar farofa. Mas enfim, vamos nos divertir enquanto podemos: semana que vem vai surgir outra modinha, e ninguém mais vai lembrar que você quer dar para o namorado da sua irmã. O peixe é pro fundo das redes...

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

COLUNISTAS DE SI MESMOS

(Este texto foi escrito originalmente para o F5, como uma espécie de continuação da minha coluna sobre a alta sociedade que não existe mais - esta, por sua vez, adaptada do post "Down Down Down no High Society". Já estava pronto para ser enviado quando eu resolvi mudar de assunto e falar do affair Romagaga x Marília Gabriela. Como não sou de jogar texto fora, resolvi aproveitá-lo aqui no blog.)

A milionária Angela Mahler recebe um mix variadíssimo de convidados em sua festa na novela "O Rebu" (Globo). Por sua mansão circulam empresários, dondocas, advogados, modelos, esportistas e até mesmo um ladrão disfarçado. Mas há alguém cuja ausência me chama a atenção, ainda mais num evento deste porte: um colunista social.

Na minha coluna da semana passada, eu comentei que não existe mais o que se convencionou chamar de "alta sociedade" - pelo menos como havia até meados dos anos 80, e que serviu de inspiração para a versão original de "O Rebu".

O sumiço do "society" tradicional fez com que também desaparecessem seus cronistas. Os grandes jornais não cobrem mais batizados nem bailes de debutantes, e só mandam fotógrafos a algum casamento quando houver políticos ou atores famosos perto do altar.

Mas quem precisa de colunistas sociais em tempos de Instagram e Facebook? Hoje em dia ninguém mais precisa ser "bem-nascido" ou mesmo exercer algum cargo importante para "brilhar em sociedade", como se dizia antigamente. Basta saber administrar seu perfil nas redes sociais.

Muitos internautas viraram colunistas de si mesmos, cobrindo em tempo real cada momento de suas vidas. Detalhes desinteressantes viram motivos de ostentação: a viagem de férias, o prato no restaurante e até mesmo momentos de suposta intimidade.

Não por acaso, a inexistência de um colunista social em "O Rebu" é mais do que compensada pelos próprios convidados da festa. São frequentes as inserções, durante a novela, de postagens na internet feitas por personagens não-identificados, comentando o luxo do ambiente, a beleza dos vestidos ou simplesmente fazendo fofoca.

Não é diferente na vida real. Já chegamos ao ponto em que atrizes conhecidas postam fotos nuas de si mesmas, esvaziando a ação dos "hackers" e redefinindo o que pode ser chamado de privacidade.

Algumas celebridades delegam esta tarefa a assessores de imprensa. Outras escrevem do próprio punho no Twitter, nos brindando com erros de português e ideias mal concebidas. Quase todas arrebanham milhares de seguidores. Na maioria são apenas puxa-sacos, daqueles que comentam "que linda!" a cada "selfie" sem maquiagem.

Mas o verdadeiro diferencial das redes sociais é seu acesso democrático. teoricamente, qualquer pessoa pode alcançar a fama através delas. E muitas de fato conseguem, haja vista a quantidade de blogueiras de moda ou "personalidades da rede" que têm fã-clubes.

Uma socialite dos anos 70 estranharia a tecnologia de hoje, e torceria o nariz para os penetras que invadiram seu mundinho. Mas uma coisa não mudou: o desejo de ostentar continua o mesmo. E está mais difundido do que nunca.

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

CAÇA AOS METALEIROS

O ponto de partida de "Sem Evidência" é o mais desagradável possível: o assassinato de crianças. Só isso já afasta muita gente do cinema, e com razão. Mas o verdadeiro assunto do filme é o clima de (literalmente) caça às bruxas que se instalou numa cidadezinha do sul dos Estados Unidos quando três garotos são encontrados mortos. A maioria da população é evangélica fervorosa, portanto um bando de adolescentes fãs de heavy metal e ocultismo se tornam suspeitos naturais. Mas as provas contra eles são frágeis, e um advogado idealista resolve provar que não foi bem assim. Contando desse jeito até que soa interessante, mas este novo trabalho do irregulgar diretor canadense Atom Egoyan tem uma falha fatal. Pare de ler agora porque vou contar o final da história. Ou melhor, não vou, porque não há final. Este caso verídico não foi solucionado até hoje, e o filme termina abruptamente com uma série de legendas bastante insatisfatórias. Apesar das boas atuações, me senti enganado. E com vontade de processar todo mundo: produtores, roteiristas, bilheteira, pipoqueiro...

OBESINHO NO OMBRO


O México é o país com o maior porcentual de gordos do mundo, mais até do que os Estados Unidos. Nada menos que sete entre dez mexicanos tem excesso de peso. Essa gordura todoa finalmente transbordou para o cinema de lá, onde quase sempre imperou um padrão de beleza irreal. "Paraíso" está sendo vendido como uma "fat comedy", mas tem momentos dramáticos que quase arrancam lágrimas. Um casal de obesos felizes se muda para a Cidade do México, e ela logo se sente marginalizada pelas magrelas da capital. Inscreve-se num grupo tipo Vigilantes do Peso e obriga o marido a acompanhá-la. Mas quando ele começa a emagrecer e ela não, o ciúme e a insegurança envenenam a relação entre os dois. Algumas piadas a mais tornariam a protagonista mais simpática: do que jeito que está, parece que o problema dela é muito mais profundo que uma simples camada de gordura. Mas pelo menos o filme se abstém de julgar a obesidade, seja contra ou a favor. Ser gordo não é opção.

terça-feira, 5 de agosto de 2014

MANCHA JOVEM

Tenho sentimentos misturados quanto à identidade visual das Olimpíadas do Rio que foi divulgada hoje. Ela segue a deixa do logo da Rio-2016, cheio de curvas sensuais e cores quentes - e umas duzentas vezes melhor que o de Londres-2012, que parecia um boneco de Lego esquartejado. É alegre, incorpora diversos cartões-postais cariocas e remete a movimento. Mas também me lembra uma mistura para bolo da bandeira gay que caiu no chão. Ou melhor: uma mancha de óleo na Baía de Guanabara...

MULHERES NA MIRA

Pelo menos doze mulheres precisaram ser mortas sem razão aparente por motoqueiros misteriosos para que a polícia de Goiânia começasse a achar que talvez, quem sabe, pode ser que haja um serial killer à solta na cidade. Há relatos de que o número de vítimas é ainda maior: o fato é que só depois do assassinato de uma garota de 14 anos no último final de semana que resolveram "reforçar" as investigações. Este descaso mostra como o machismo ainda está arraigado entre nós. A tendência da polícia é achar que alguma coisa as vítimas aprontaram para serem baleadas no meio da rua, e que portanto os casos não tinham ligação. Mas vem cá - DOZE mulheres desde janeiro, mortas sem que o assassino roubasse nada? É verdade que, segundo a perícia e algumas testemunhas, as armas e as motos usadas para os crimes são diferentes. Mas a lentidão do poder público é imperdoável. Agora há um clima de pânico instaurado em Goiânia, e com razão. Uma vida feminina vale menos que uma masculina, muito menos. E a mulherada vem sofrendo ataques por todos os lados, haja vista a bancada evangélica querendo proibir o aborto em casos de estupro. Bem que uma amiga me alertou: a causa LGBT está avançando mais rápido que a feminista. Afinal, tem muito homem gay.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

I'M MAKING POTATO SALAD

Desde que o crowdfunding virou moda, milhares de projetos interessantes pediram dinheiro na internet - e muitos ficaram a ver navios, sem atingir as metas pretendidas. Talvez seja o momento de estudar o caso de Zack Danger Brown. Há alguns dias, este americano de Ohio criou uma página no site Kickstarter em busca de míseros dez dólares para concretizar seu sonho: fazer uma salada de batata. A brincadeira pegou feito gripe numa tribo isolada, e, num piscar de olhos, o cara conseguiu mais 55 mil dólares. Agora está prometendo brindes para os doadores VIP, além de vídeos detalhando todo o processo de confecção da salada (o que só irá ocorrer em dezembro). Minha primeira reação é a de que ele deveria doar a maior parte dessa dinheirama inesperada para alguma instituição de caridade. Mas este tipo de crítica cri-cri vai contra o verdadeiro espírito do crowdfunding, que é "faça o que quiser com a sua grana".

MACAQUICES

Só existe uma maneira de se assistir a "Planeta dos Macacos: O Confronto" como um filme minimamente relevante: é pensar que a guerra entre humanos e macacos que se vê na tela é uma alegoria para qualquer guerra da vida real. Se imaginarmos que os homens são os israelenses e os chimpanzés, os palestinos, a coisa quase funciona. Faz parte da propaganda bélica a constante desumanização do inimigo. Precisamos achar que ele é fundamentalmente distinto de nós para conseguirmos exterminá-lo. "O Confronto" até resvala nessas questões, mas o roteiro fraco está mais interessado em encenar sequências grandiosas de batalha do que fazer o espectador refletir. Eu até gostei do começo desse reboot da franquia simiesca, mas a continuação me fez perder todo o interesse. Adeus, macacada, vocês não me pegam mais.

ISRATINA

Semana passada, um artigo de Ricardo Melo publicado na Folha causou indignação. O título era mesmo incendiário - "Israel é aberração; os judeus, não" - e quem não passou dos primeiros parágrafos teve a impressão de que o autor defendia simplesmente a pulverização do país, igualzinho ao Hamas. No entanto, Melo chega a uma conclusão que eu compartilho faz tempo: a melhor solução para este conflito que se arrasta há décadas é a criação de um estado único, onde israelenses e palestinos convivam lado a lado, desfrutem dos mesmos direitos e até se casem entre si. A ideia já existe há muitos anos e ganhou bastante repercussão quando ninguém menos que o falecido ditador Muammar Qaddafi a defendeu numa matéria incrivelmente bem embasada no New York Times, em 2009. Eu já acreditava nisto faz tempo: fui reler meus posts antigos sobre o assunto, e vi que minha opinião não mudou. Também fiquei meio deprimido ao constatar que, desde que tenho este blog, esta é pelo menos a terceira vez que Israel ataca a Faixa de Gaza de maneira cruel. Fica ainda mais claro que os objetivos dos líderes de ambos os lados são imediatistas: os partidos de direita israelenses só querem vencer as próximas eleições, e o Hamas só quer manter seu jugo perverso sobre os palestinos de Gaza. Ninguém busca de fato uma paz duradoura. Mas a proposta de um estado único, ainda que tenha pouco apoio, vem ganhando popularidade: já existe até um perfil do Twitter chamado "Isratine". E antes que alguém venha me dizer que um estado só é impossível, é bom lembrar que as alternativas de eliminação mútua são impensáveis, e que dois mini-estados seriam inviáveis. Melhor dar a descarga no ultrapassado conceito de estado-nação e pensar que em países modernos, como os EUA ou o Brasil, judeus e árabes vivem juntos sem conflitos.

(Se alguém tiver saco, aqui vão os links para meus posts antigos sobre as escaramuças no Oriente Médio: de 2008, "Israel is Real" e "Santa, Prometida, de Ninguém"; de 2009, "Um Estado Só", "Ainda a Guerra" e "Gaddafi e Eu".)