quarta-feira, 31 de julho de 2013

THELMA E KHADIDJA

Nunca mais ninguém vai conseguir fazer um filme sobre duas mulheres pegando a estrada sem ser comparado a "Thelma & Louise". Talvez nunca mais ninguém devesse fazer um filme sobre duas mulheres na estrada, já que o clássico de Ridley Scott meio que esgotou o assunto para todo o sempre. "Simplesmente uma Mulher" não chega nem perto. O diferencial aqui é que uma delas é de origem árabe (interpretada pela linda atriz iraniana Golshifteh Farahani, que no entanto não convence em inglês). A outra é feita pela inglesa Sienna Miller, uma atriz que consegue a façanha de ser lmuito bonita e pouco marcante. A dupla foge dos problemas domésticos fazendo shows de dança do ventre em espeluncas do Meio-Oeste americano, não exatamente o lugar do planeta onde essa arte é mais apreciada. O diretor franco-argelino Rachid Bouchareb já foi duas vezes indicado ao Oscar de melhor filme em língua estrangeira, mas aqui ele imprime um ritmo que se pretende feminino mas é só vagaroso mesmo. E quem foi o gênio que traduziu "Just Like a Woman", título original do filme e também de uma canção de Bod Dylan, para "Simplesmente UMA Mulher" quando se trata de duas?

A CARTEIRADA RADIOATIVA

Bons tempos aqueles em que o simples fato de ser blogueiro já nos abria as portas da mais fina sociedade. Hoje ocupamos um lugar na cadeia alimentar mais baixo do que as vítimas dos tubarões no Recife. Que o diga a fofa da Giovanna Ferrarezzi, que está pagando o maior King Kong de 2013 até o momento. Para quem ainda não sabe: a moça tentou dar uma carteirada na porta da Yacht na sexta passada. Ela e mais cinco amigos queriam não só entrar no Vasco da Gama como furar a imensa fila que se avolumava na porta da boate. Como claim to fame, nossa it girl disse ser blogueira e fazer trabalhos em parceria com a "Capricho" (ela assina o blog "Radioactive Unicorns" dentro do site da revista). O papo não colou e a hostess foi cruel, mas até aí, quem noonka? Quantas vezes eu implorei para promoters amiguinhos me tirarem da muvuca, só para meus apelos caírem em ouvidos moucos. Mas o pecadilho de Giovanna foi desabafar no Feice, como se o universo lhe devesse homenagens e ela tivesse sido vítima de um crime de lesa-majestade. O texto da pobrezinha, um dos mais sem noção evah, logo viralizou. E já rendeu meme, Tumbl'r, anúncio do Netflix e do Ponto Frio, coluna da Eloá Paranhos no F5 e até mesmo artigos contra e a favor. Tem gente que acha que o episódio só assinala a decadência irreversível da mídia impressa (mas peraê, a garota não é blogueira?). Outros defendem a moça, vítima de seu deslumbramento e de seus parcos vinte anos. Eu já acho que falar qualquer coisa nas redes sociais é o mesmo que ir ao banheiro de porta aberta. Todo mundo que ler vai julgar, queira o papa ou não.

terça-feira, 30 de julho de 2013

REZA PARA JESUS


Desde ontem que o vídeo acima está bombando nas internets, sob o bombástico título de "a pior entrevista de todos os tempos". Duvido que seja: a própria Fox News (vulgo Faux News) já passou por vexames muito maiores, graças a seu despudorado viés para a extrema direita. O fato é que a apresentadora Lauren Green parecia mesmo soberbamente despreparada, ou talvez estivesse apenas cumprindo ordens de cima (ela é peixe pequeno no canal e a entrevista só foi exibida online). E o resultado foi excelente para o autor Reza Aslan, que viu seu livro "Zealot" disparar para o primeiro lugar da lista dos mais vendidos da Amazon (se bem que sexta passada ele já estava em oitavo). Aslan é americano de pai iraniano, e se converteu ao islamismo depois de adulto. Eu li seu primeiro livro, "No god but God", uma excelente história do Islã para leigos. Agora ele está se tornando realmente famoso, mas será que diz mesmo algo grave sobre o Jesus histórico em seu novo livro? Nem tanto. Por exemplo: já há algum tempo que há consenso entre os estudiosos de que Jesus não nasceu em Belém, o que é endossado por Reza Aslan. Os evangelhos só diriam isto para justificar a profecia de que o Messias seria descedente do rei Davi e nasceria na mesma cidade que ele (fora que o descendente de Davi é José, que tecnicamente não é pai de Jesus). Há outras declarações que podem chocar os mais carolas, mas nenhuma é exatamente novidade. O grande diferencial do livro, veja só, é a perspectiva de um scholar muçulmano. Claro que eu já encomendi o meu.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

2D EM 3D


Costumo desencanar de que um filme é em 3D nos primeiros dez minutos. A não ser que objetos pontiagudos sejam atirados da tela em minha direção, só lembro que estou vendo algo bem escuro e que os óculos estão meio sujos. Mas ontem assisti a uma animação que segurou o 3D até o fim, e pela mais prosaica das razões: personagens e cenários são assumidamente em 2D. "Contos da Noite" é o mais recente longa do francês Michel Ocelot, e é quase tão lindo quanto sua obra-prima, "Azur e Asmar". São seis histórias diferentes que transportam para o cinema a técnica do teatro de sombras, comum em toda a Ásia mas não na Europa. Confesso que o tom moralizante e politicamente corretíssimo me enjoou em alguns momentos. Mas o impacto visual é tão grande que aquelas silhuetas poderiam estar representando "Marimbondos de Fogo", do em-breve-falecido José Sarney, que eu iria gostar.

ORDINÁRIAS, MARCHEM

Muita gente boa se escandalizou com a Marcha das Vadias que antecedeu a chegada do papa a Copacabana, neste sábado que passou. Os manifestantes quebraram santos, envolveram crucifixos em camisinhas e esfregaram cartazes a favor do aborto na cara dos peregrinos que já lotavam a avenida Atlântica. Claro que não convenceram ninguém a mudar de opinião. Este tipo de protesto costuma ser contraproducente, já que nivela por baixo a imagem dos reclamantes: quem está do outro lado só confirma a opinião de que os que estão do lado de cá são todos uns selvagens. Paradas gays também recebem críticas parecidas, que não são de todo injustas. Ah, mas quer saber? Eu acho até bom que haja uma passeata bem mal-criada contra a Igreja em plena JMJ. Prefiro mil vezes esse "lío", como disse o próprio papa Francisco, do que o clima de oba-oba e passividade com que muitos tentaram embrulhar o evento. A democracia de verdade é suja, cheia de imperfeições. Quem gosta de tudo bonitinho em seus devidos lugares demonstra um certo pendor pelo autoritarismo.

domingo, 28 de julho de 2013

ENCUCAÇÃO ASSASSINA

Faz algum tempo que eu não vejo um filme argentino relamente del gran carajo. Esta seca relativa não acabou com "Tese sobre um Homicidio", um thriller bastante influenciado por Hitchcock (a ideia do assassinato como jogo intelectual é puro "Festim Diabólico") e Brian De Palma (há uma sequência num museu que lembra "Vestida para Matar"). Estrelado pelo incontornável Ricardo Darín, "Tese..." tem ótimas soluções de câmera e um desfecho empolgante em pleno espetáculo "La Furia", do badalado grupo Fuerza Bruta. Mas o roteiro se acha tão espertinho que é fácil prever algumas reviravoltas, e o final meio em aberto não é satisfatório. Mesmo assim, é um filme interessante - e com o tipo de encucação tão comum nos nossos hermanos, que às vezes nos parecem caídos de outro planeta.

sábado, 27 de julho de 2013

AZUL DESFOCADO

Em 2009, o diretor Renato Borghi percorreu diversos países da América Latina em busca de textos para montar no Brasil. Um dos escolhidos foi "Azul Resplendor" do peruano Eduardo Adrianzén, mais conhecido como autor de telenovelas. Não sei o que Borghi viu nesta obra: ela é irregular e desfocada, parecendo ter sido escrita por um comitê. Uma atriz aposentada é procurada por um antigo fã, que quer gastar todas suas economias para trazê-la de volta aos palcos. Esse ponto de partida permite os melhores momentos do espetáculo, quando Eva Wilma e Pedro Paulo Rangel travam diálogos ferinos sobre vida, morte e amor com todo o brilho que esperamos deles. Mas boa parte do tempo é tomada pela montagem da peça-dentro-da-peça, que satiriza os encenadores de vanguarda e os bonitões sem talento. A cenografia não ajuda e os coadjuvantes estão todos péssimos - com a gloriosa exceção de Dalton Vigh, mais seguro e bonito do que nunca. Saí do teatro com a sensação de ter visto duas peças costuradas juntas, uma boa e outra ruim. Esse Peru tá meio caído.

ABRINDO A CARTEIRA

Está fazendo sucesso nas redes sociais uma lista com "0s Sete Erros Comuns em Relacionamentos Gays". O primeiríssimo no ranking é o relacionamento aberto. Certamente que este tipo de relação não é para todo mundo, mas acho que há um ranço de moralismo em apontá-lo como a falha mais grave que um casal gay pode cometer. Conheço alguns casos bem-sucedidos: um deles é o do escritor Fabricio Vianna, que é tão empolgado pelo assunto que está até produzindo um documentário a respeito. Fabricio tem até o dia 20 de agosto para arrecadar os R$ 8.000,00 em que orçou seu projeto (se a meta não for atingida, o dinheiro é devolvido aos doadores). Interessados em contribuir devem clicar nesta página do site de crowdfunding Catarse. Com apenas 30 reais, seu nome já aparece nos créditos do filme. Então vamos todos abrir, nem que seja só a carteira.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

AQUI E MALI

Hoje é dia de eleição no Mali, um dos países mais pobres do mundo. Mesmo assim, o que não falta é gente querendo ser presidente de lá: são nada menos que 28 candidatos. O Mali tem índices baixíssimos de desenvolvimento humano, metade do país é ocupada pelo Sahara e uma facção da al-Qaeda precisou ser derrotada por uma intervenção francesa para não tomar o governo.


Mas o Mali tem uma cultura riquíssima, principalmente musical. Tanto que algumas de suas estrelas até já tocaram no Brasil: o albino Salif Keita e os cegos Amadou & Mariam. Todos misturam sons tradicionais com elementos do pop moderno. "Talé", o novo disco de Keita, tem produção de Philippe Cohen Solal, do Gotan Project. E "Folila", do casal, tem pariicipações inusitadas como a de Jake Shears, dos Scissor Sisters, na faixa "Metemya".


Admito, não é para qualquer paladar. Veja se é para o seu, aqui e ali.

CINEMA DE ARTE

"Renoir" é um dos filmes mais bonitos do ano. Também é leeento pacas, quase tanto quanto um quadro sem movimento. O diretor Gilles Bourdos reconstrói as cores luminosas das telas do pintor, e os enquadramentos são quase todos deslumbrantes. Mas que ninguém vá ao cinema esperando uma história mirabolante. O roteiro se passa num dos últimos verões de Pierre-Auguste Renoir, quando ele já não andava nem tinha firmeza nas mãos. A chegada de uma jovem modelo não causa exatamente uma revolução: é só mais uma que vai acabar se transformando em criada, como muitas outras. Aí um dos filhos do artista volta da guerra e as coisas se apimentam um teco. Este filho é Jean, que se tornaria um dos cineastas mais importantes de todos os tempos, e a cena em que ele projeta um filminho para o entorno familiar é até emocionante. Mas emoção em estado bruto não está na paleta de "Renoir". O prazer do filme vem da observação das pinceladas, do sol que se transforma em tinta e da pele macia das moças em poses lânguidas.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

ABOLE A STOLI

Católicos e evangélicos são notoriamente homofóbicos, mas, entre os cristãos, nada se compara aos ortodoxos. Meio que para agradar à Igreja, meio que para distrair o povo dos problemas de verdade, a Rússia de Vladimir Putin já vem há algum tempo apertando o cerco contra os gays. Qualquer paradinha já é logo proibida como propaganda de opção sexual, e agora até turistas homossexuais podem ser presos e expulsos do país. Já tem nego questionando como vão ser os Jogos Olímpicos de Inverno do ano que vem, que serão realizados na cidade caucasiana de Sochi. Há uma porrada de atletas assumidamente gays (os patinadores, acho que todos), e as Olimpíadas modernas sempre têm um centro LGBT que dessa vez periga não rolar. Alguns mais exaltados sugerem até que os Estados Unidos simplesmente boicotem os Jogos - o que deixa uma batata quentíssima nas mãos da rede NBC, que gastou alguns bilhões de dólares pelos direitos de transmissão. Enquanto isto, meu ídolo, o colunista Dan Savage, sugere um boicote bem mais simples de ser executado: vamos parar de beber vodka russa. Abaixo a Stolichnaya!

CAMPUS FODEU

Estou com vergonha de ser brasileiro. Estou com vergonha de ser carioca. Estou com vergonha desse vexame-master que está sendo a Jornada Mundial da Juventude, e olha que eu nem mais sou católico. Primeiro foi o desfile atabalhoado do papa no dia da chegada, onde ele só não foi trucidado por uma matilha de chacais porque não existem chacais no Rio de Janeiro. Parece que houve falha de comunicação e Francisco até lucrou com essa confusão toda, pois foi aclamado feito divindade encarnada. Mas depois veio algo realmente indesculpável: a falha no metrô que deixou a pé milhares de peregrinos. Pode até ser sabotagem contra Sérgio Cabral e Eduardo Paes, mas a Prefeitura responder que o afluxo de passageiros era "imprevisível" faz desconfiar que seja incompetência mesmo. Hoje a suspeita cresceu ainda mais com o cancelamento puro e simples de todos os eventos previstos para o Campus Fidei, a mega-estrutura montada nas lonjuras de Guaratiba para ser o principal palco da JMJ. Ninguém pensou que poderia chover? Ninguém lembrou que terra quando molha vira lama? E lá se vão mais não sei quantos milhões ralo abaixo. O Rio está provando que não tem o menor gabarito para receber eventos de grande porte. Não com esses governantes que estão aí. Vergonha, vergonha, vergonha.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

LET IT SNOW, LET IT SNOW, LET IT SNOW

Amo/sou esse puta frio que se abateu sobre o sul e o sudeste do Brasil. Por mim teríamos três meses seguidos de inverno rigoroso e não o habitual coito interrompido de três dias gelados + duas semanas de calorão. Hoje São Paulo teve a tarde mais fria dos últimos 52 anos, ou seja, de toda a minha vida. E a tal cidade catarinense que registrou sensação térmica de - 33 graus? Mas nada é mais sensacional que a página Bonecos de Neve Brasileiros. Quanta ginga, quanta malemolência. Veja antes que derreta.

DON'T MAKE ME CLOSE ONE MORE DOOR

Taí em cima o épico episódio de ontem de "A Liga", que reuniu nossa querida Tchaka Drag Queen (née Válder) com o pastor evangélico "ex-gay" Róbson e rendeu alguns dos melhores momentos do ano da TV brasileira (também rendeu minha coluna de hoje no F5). O ponto alto, sem dúvida, foi quando o homem de Deus parou tuuudo ao lado de sua filha naquela que já é a versão definitiva de "I Have Nothing", o baladão arrasa-quarteirão lançado por Whitney Houston na trilha de "O Guarda-Costas". Amigos DJs, vocês estão intimados a produzir remixes fervidésimos deste novo hino anti-cura gay, para a gente dançar nos louvores e agradecer ao Senhor pela coragem de sermos quem somos. Aleluia, irmãos.

terça-feira, 23 de julho de 2013

ELI VIEIRA ME REPRESENTA

Então o papa é pop, é fofo, é simples, é gente como a gente, é um querido e tudo o mais. É também a melhor ferramenta de marketing da Igreja desde João Paulo II: nada como um sujeito simpaticão para destapar a histeria encruada na garganta de milhões de brasileiros. Aposto que tem muito evangélico por aí se questionando por que abandonou o catolicismo, o que eu até acho bom. Ou não, porque no fundo essas denominações todas se parecem. Basta ver a asquerosa "cartilha de bioética" distribuída ontem entre peregrinos da Jornada Mundial da Juventude, com direito a cartuns fofinhos pingando de preconceito. Hoje um dos meus líderes, o jovem biólogo Eli Vieira, teve a pachorra de refutar ponto por ponto do manual de homofobia que é a tal cartilha, tudo com base em livros e revistas de divulgação científica. Tenho amigos católicos que estão vibrando com a visita papal. Minha formação em colégio de padre me dá até vontade de compartilhar o entusiasmo deles, mas tudo desmorona quando eu lembro que o único objetivo da Igreja é impor e manter a cultura patriarcal. Taí a cartilha que não me deixa mentir.

SHARKNADO!

Desde 1992, quando começaram os registros oficiais, 23 pessoas morreram por causa de ataques de tubarão na praia de Boa Viagem, no Recife. VINTE E TRÊS. Mais de uma por ano. A menina que morreu ontem foi a segunda vítima de 2013. Testemunhas dizem que ela foi alertada várias vezes para não entrar na água, mas em vão. Mesmo assim, acho impressionante como os tubarões não são levados a sério no Brasil. Desconheço se existe por aqui um sistema de bandeiras como o da África do Sul, onde o bicho é tão respeitado que há até uma proposta de incluí-lo entre os animais-símbolo do país - leão, elefante, rincoeronte, leopardo e búfalo (os famosos "Big Five", que assim se tornariam Six). E desconfio que a pouca ênfase dada ao problema tem causas políticas e econômicas, como no "Tubarão" de Spielberg. Boa Viagem é a Ipanema do Recife. Uma ameaça mortal numa das praias mais frequentadas do Nordeste é ruim para os negócios, não é mesmo? Tem que ver isso aí.

(O título deste post é roubado de um filme assumidamente trash exibido há poudos dias pelo canal SyFy nos EUA. Já tem uma continuação a caminho)

segunda-feira, 22 de julho de 2013

CONTRA A PAREDE

Uma amiga publicou no Facebook o link para um blog que ensina a ler de graça a versão online dos principais jornais brasileiros. Não me contive e agradeci a ela por tirar o pão da minha boca. Afinal, se todo mundo furar os paywalls, ainda mais gente será demitida das grandes redações e uma hora os cortes chegarão em mim, um reles colaborador. Como eu estava mesmo a fim de puxar briga, entrei no blog do sujeito - um catarinense de 22 anos que se acha um puta contestador - e o acusei de estar contribuindo com o desemprego no jornalismo. O garoto respondeu que não, imagina, que todo mundo deve receber pelo trabalho que faz, mas que o acesso à informação deve ser democrático e blábláblá. Aí eu o xinguei de ladrão, e ele alegou que bandidos mesmo eram os Frias, os Mesquita e os Marinho, e que o mundo seria um lugar melhor sem a linha editorial que os jornais dessas famílias adotam. Mas se você não gosta, perguntei, então por que os lê? Por que ensina aos outros como lê-los? Quanto mais contorções ideológicas o babaca fazia, menos conseguia esconder que simplesmente rouba o trabalho dos outros. Os argumentos dele eram tão rasinhos que o debate perdeu a graça e eu graciosamente me retirei. O que é uma pena, porque não há uma resposta simples. A mídia tradicional ainda não conseguiu descobrir como se monetizar na internet, e corre o risco de ver seu modelo de negócios evaporar como o da indústria fonográfica. Eu mesmo já baixei muita música grátis e assisti a alguns episódios de séries online (e hoje encho o saco de quem faz isto sempre, pois virei roteirista e quero garantir meus dividendos). Como disse o Rubens Ewald Filho, há toda uma geração que se acostumou a não pagar nada pelo entretenimento, nem pela informação. E quem trabalha com isto, como é que faz? Larga tudo e presta concurso no Banco do Brasil?

O BEBÊ, NA REAL

Às 16:24 da tarde de hoje (hora de Brasília), a khaleesi de Cambridge emergiu de uma pira funerária com o herdeiro do trono britânico apoiado num dos ombros. O pimpolho é o terceiro bisneto da rainha Elizabeth (a princesa Anne já tem dois netos) e o terceiro na linha da sucessão (isto é, se a bisa morrer algum dia). Ainda não tem sequer sobrenome: talvez seja Middleton-Windsor, o que soa terrivelmente middle class. É muito estranho pensar que, salvo alguma hecatombe, eu não o verei coroado. Mas é confortante lembrar que, se quiser, ele poderá se casar com outro rapaz, já que Inglaterra e País de Gales aprovaram o casamento igualitário na semana passada (a atrasada Escócia ainda não). A monarquia britânica é caríssima, anacrônica e algo ridícula. Também é a única monarquia que ainda importa. Que o reinado do recém-nascido sobre os Sete Reinos seja longo, e que ele não fique careca antes dos 30 como o pai. Drakaris!

domingo, 21 de julho de 2013

NADA NESTA MÃO, NADA NESTA OUTRA

"Truque de Mestre"  é um tipo de blockbuster americano em vias de extinção: aquele que não abusa da violência gratuita nem da inteligência do espectador (só um pouquinho). O filme é sobre grupo de jovens mágicos que usam seus shows para roubar bancos - sim, eu sei, se não fizessem tudo na frente da plateia talvez a polícia não desconfiasse, mas a graça é justamente esta. O roteiro se acha cheio de pegadinhas, mas pelo menos três vezes eu disse "vai acontecer isto" e... acontecia. Mas é diversão garantida do começo ao fim, com barriga negativa e Jesse Eisenberg de cabelos desgrenhados, mais bonito do que nunca. Neste gênero-trucão, nada supera o argentino "Nove Rainhas".

Assista acima aos minutos iniciais do filme. Faça (como de costume...) o que o Jesse Eisenberg mandar: escolha uma carta. E aí, você TAMBÉM escolheu o sete de ouros? Pois é, eu caí no truque igualzinho à moça do filme. Provavelmente a edição dá alguns milissegundos a mais para esta carta na primeira vez em que o baralho é flipado, mas eu gostaria de acreditar de que é tudo mágica.

sábado, 20 de julho de 2013

BADGER'S GONE ROGUE

O texugo africano, apesar de seu tamanho diminuto, é considerado por muitos zóologos como o animal mais feroz do mundo. O bicho não está nem aí: não tem medo de nada, nem de veneno de cobra. Por isto mesmo talvez seja a escolha ideal para assumir o perfil no Twitter do zoológico de Johanesburgo, onde posta até auto-retratos. Melhor que isto, só se tivesse a voz do lendário Randall.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

QUEBRA DE CONFIANÇA

Um grupo de vândalos apedrejou o Palácio Anchieta, sede do governo do Espírito Santo. A polícia viu tudo da sacada e só começou a dispersar o bando depois que o estrago estava feito. Isto só confirma a suspeita de que toda essa violência é encomendada, para fazer a população se voltar contra os protestos. O que aconteceu no Leblon anteontem foi beyond esquisito: como que a imprensa chegou antes da PM? O que os manifestantes ganham quebrando lojas como a Toulon? Hoje o Sérgio Cabral começou a dizer que o quebra-quebra é inspirado por grupos baseados no exterior, uma desculpa típica de ditadura árabe. Agora estou com medo de algo realmente sério aconteça durante a visita do papa na semana que vem. Sou a pessoas mais avessa do mundo às teorias de conspiração, mas confiança só se quebra uma vez.

ROBIN GROSSO

Será que Robin Thicke borrou mesmo a tênue linha que separa a provocação da grosseria? Sua música "Blurred Lines" é um dos sucessos do verão americano, mas também lhe valeu acusações de chauvinismo e incentivo ao estupro. A letra contém frases delicadas como "I'll give you something big enough to tear your ass in two", e o vídeo tem duas versões: a sem censura, postada aí em cima, mostra as modelos pagando peitinho. Robin Thicke é tudo aquilo que Justin Timberlake quer ser quando crescer, mas é difícl discordar de que se trata de um autêntico cafajeste. Pelo menos ele também podia ter tirado a roupa, néam?

quinta-feira, 18 de julho de 2013

E ABENÇOA ESTE POVO QUE TE AMA

Sou antigo o suficiente para lembrar bem da visita de João Paulo II ao Brasil, em 1980. Foi a primeira vez que um papa veio ao nosso país, e a comoção foi maior do que uma turnê de Madonna e Lady Gaga juntas feat. Britney Spears. Não houve a menor contestação, muito pelo contrário. João Paulo II havia sido eleito apenas dois anos antes e era mais do que uma lufada de ar fresco no Vaticano, abafado pelo longo reinado do insípido Paulo VI. Era um turbilhão de vitalidade e simpatia, que ainda não tinha mostrado todo a extensão de seu conservadorismo. A televisão cobriu a visita papal como se fosse a coisa mais fantástica desde a chegada das caravelas portuguesas. Havia até uma musiquinha com que as multidões saudavam o pontífice, a insuportável "A Benção, João de Deus". Ainda vivíamos sob a ditadura militar e mais de 90% dos brasileiros se diziam católicos, mas este frenesi se repetiu em muitos outros países. Só na Holanda que o papa foi recebido com protestos, o que, na época, me pareceu extraordinariamente avançado. João Paulo II ainda veio duas vezes ao Brasil, e cada viagem teve impacto menor do que a anterior. A única visita de Bento XVI, em 2007 (ele já tinha vindo antes, ainda como Joseph Ratzinger), foi um relativo fracasso de público, mas nem de longe aconteceram protestos como os que estão prometidos para a semana que vem. O recém-eleito Francisco deu o azar de estrear seus périplos internacionais justamente por um país que "acordou", menos de dois meses antes de sua chegada. Vai ter que enfrentar desde manifestações contra os gastos públicos com a Jornada Mundial da Juventude (o que é um pouco ridículo, já que o Rio se candidatou a receber o evento e deve sair no lucro com a afluência de peregrinos) até um beijaço gay, do qual eu participaria com prazer se lá estivesse. Alguns católicos devotos estão horrorizados com tamanha balbúrdia, mas democracia é isto mesmo. Se não descambar para a violência, todo protesto é válido (embora não necessariamente justo). Não existe liberdade de religião sem liberdade de expressão. E digo mais: não existe liberdade de religião sem a liberdade de não ter religião.

PARTICIPE-ME FORA DISTO

Não é só o governo argentino que está lançando sua própria rede social. O brasileiro também: já está no ar o Participatório, que pelo menos não copia o lay-out do Facebook como faz o ridículo Facepopular. A ideia em si é razoável: um canal direto para a presidência da república ouvir o que a juventude tem a dizer (mas claro que eles não se assumem desse jeito). Por enquanto as comunidades existentes são todas de cunho político (tem até de oposição), mas nada impede que surjam fanpages do Corinthians ou do Luan Santtana. Mas habla sério: uma rede social DO GOVERNO? Para ele ter acesso mais fácil aos dados, fotos e opiniões dos internautas? Fora que os comentários serão mediados, o que invalida desde já a honestidade de qualquer debate. Participe-me fora disto.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

O QUE TEMOS HOJE PARA O ALMOÇO?

Estudos modernos comprovam que os romanos não perseguiam sistematicamente os cristãos, nem os submetiam a torturas indizíveis. Houve de fato perseguições, mas pontuais e de curta duração: o Império Romano costumava ser muito tolerante com as religiões de seus súditos. Mas a Igreja primitiva multiplicou seus mártires como estratégia de marketing, e foi plenamente bem-sucedida. Uma tática parecida é usada pelos neopentecostais contemporâneos: os pastores procuram convencer os fiéis de que correm perigo permanente. Tem sempre alguém querendo fechar as igrejas, proibir seus cultos ou obrigá-las a fazer coisas contra a própria doutrina, como casar pessoas do mesmo sexo. Enquanto disseminam internamente este complexo de perseguição, o discurso externo é outro: "estamos crescendo, nos multiplicando, e em breve seremos uma maioria esmagadora que imporá o reino de Deus no Brasil e no mundo". É uma técnica de intimidação, frequentemente usada pela bancada religiosa. Mas a realidade não resplada essas ameaças. As marchas evangélicas estão atraindo bem menos gente do que há apenas um ano, e supostas potências como a Universal ou a Mundial vêm encontrando sérias dificuldades para expandir seus impérios. Um fenômeno semelhante aconteceu nos Estados Unidos, onde, esta turma vem sofrendo sucessivas derrotas políticas depois de décadas de crescimento. As explicações são muitas: o aumento do nível de educação, os escândalos financeiros e sexuais e a própria demografia. Sei não, mas suspeito que o auge do "povo de Deus" também já passou no Brasil. O vexame da "cura gay", a aproximação dos governos ao movimento LGBT e o faturamento em queda desmascarou as bravatas de alguns líderes evanjas, deixando-os mais expostos que cristãos na arena dos leões. Bom apetite.

terça-feira, 16 de julho de 2013

DEIXA EU SER SEU ESPIÃO

Tem algo de extraordinariamente narcisista no pessoal que reclama de ser espionado "pelo Obama" (não foi ele quem começou essa xeretagem toda, mas deixa pra lá). Neguinho se acha importantérrimo, como se os "partiu academia" que posta no Feice fossem do maior interesse para os órgãos de inteligência. Ainda mais ridículo é reclamar da Globo e da "grande mídia" quando quem está entregando nossos dados pros ômi são as próprias redes sociais. Aliás, toda essa choradeira é de uma tremenda ingenuidade. Se tiver os meios, o governo - QUALQUER governo - irá bisbilhotar a vida de seus cidadãos. Mais ingênuo do que isto, só se alistar no Facepopular, o patético clone argentino desenvolvido pelos kirchneristas contra o imperialismo ianque. Por que não deixar logo um fiscal do estado morar na sua casa?

LARANJINHA BÁSICO

Graças ao Ailton Botelho do Vipado, ontem fui ao coquetel de lançamento da minha nova série favorita de todos os tempos desta semana, "Orange is the New Black". E tive a sorte de conversar por quase meia hora com Piper Kerman, a autora do livro que deu origem ao programa. Quase tudo que vemos no Netflix aconteceu de verdade com ela: ajudou a namorada traficante, passou um ano e pouco na cadeia, deixou o namorado esperando (e hoje é casada com ele). Muitas das personagens também são reais, como a russa, a transsexual ou a cancerosa. Piper se disse encantada com São Paulo e ainda mais com a vida que leva hoje. Ela é consultora da série e também trabalha com filantropia, além de manter amizade com várias de suas ex-colegas de cárcere. Foi um papo tão interessante que acabei de encomendar o livro.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

HONNI SOÎT QUI MAL Y PENSE

Pela primeira vez nm 14 de julho, a torre Eiffel se iluminou com as cores do arco-íris - e justo no ano em que a França aprovou o casamento gay. Suspeito, hein? Mas o prefeito Bertrand Delanoë, que é pédé assumidíssimo, jura que era só uma homenagem a Nelson Mandela, já que a África do Sul é conhecida como "the rainbow nation". Seus obcecados, parem de ver viadagem em tudo!

QUEM QUER CASAR COM A DONA BARATINHA?

Um dos assuntos deste fim de semana foram os protestos que assolaram o casamento, no Rio, de Beatriz Barata e Francisco Feitosa Filho, ambos herdeiros de empresas de ônibus. Hoje a repercussão continua nas redes sociais, graças a este artigo de Hildegard Angel - a última colunista social carioca que ainda tem alguma relevância (e é bom ressaltar que, apesar da volúpia de detalhes com que descreve a festa, no final do texto ela se revolta com o Copacabana Palace, que recusou ajuda a um rapaz ferido). O episódio pode ter inaugurado uma nova fase das manifestações no Brasil: o bullying contra a ostentação acintosa feita pelos inimigos do povo. O duro vai ser definir quem são esses inimigos. Familiares de políticos corruptos e empresários malvados são alvos óbvios, mas, se a moda pega, daqui a pouco podem estar molestando os convidados do prêmio Contigo! ou os participantes da festa de Nossa Senhora Aquiropita. Tenho um pouco de pé atrás quando o simples recalque contamina o debate político, mas ele é uma força considerável. Quase tão grande quanto a das baratas, que se adaptam a qualquer situação e são dificílimas de matar.

DOC DOC DOC DOC DOCTOR BEAT

Fone de ouvido sempre foi uma coisa descartável para mim. Para quê investir muito num troço que, mais cedo ou mais tarde, vai quebrar? Um fio interno sempre se solta, emudecendo um dos fones. Ou então o próprio fone "estoura", tornando a audição um suplício. Fora que eu já pisei em alguns, estilhaçando-os de maneira irrecuperável. Mas a viagem da minha cunhada aos Estados Unidos me fez pensar que estava na hora de dar um upgrade. Encomendei a ela um fone Beats by Dre, a chiquérrima grife desenvolvida pelo rapper Dr. Dre. Não especifiquei o modelo: só pedi uma cor escura. Ela me trouxe um Pro azul marinho, e estou lutando com ele até agora. Para começar, é movido a pilha e tem botão de ligar. Quem disse que eu lembro de desligar? Além disso, o fio é removível. Ou seja, quase nunca que ele está adequadamente conectado ao fone ou ao aparelho, deixando um ou ambos canais mudos. Mas quando funciona direito... sai de baixo. O volume é fenomenal, de doer os tímpanos. O seu e o de quem estiver num raio de 200 metros, porque vaza mais que fralda vencida.

domingo, 14 de julho de 2013

NÃO É UM "S"

Os filmes de super-herói estão se aproximando daquilo que os quadrinhos - perdão, graphic novels - do gênero já são há muito tempo: versões alternativas de um mito central, que não têm prosseguimento nem maiores consequências. Quantas vezes o Batman já não morreu nas páginas impressas, só para ressurgir vivinho da silva no próximo número? Quantos universos alternativos um personagem consegue habitar ao mesmo tempo? A voracidade da indústria cinematográfica, com tão poucas franquias certeiras à disposição, gerou esse fenômeno irritante: apenas dez anos depois de Sam Raimi levar o Homem-Aranha às telas com brilho e duas continuações, eis que surge um remake contando DE NOVO a origem do mascarado, de forma ligeiramente diferente e absolutamente desnecessária. O Super-Homem - perdão, Superman, como agora exige a DC Comics - era uma dessas properties cujo relançamento não deu muito certo em 2006. O filme de Bryan Singer não fez o sucesso estrondoso que se esperava; portanto, meros sete anos depois, somos submetidos a uma nova concepção do über-herói. A cargo de Christopher Nolan, que recriou o Batman, Super-Homem ressurge mais atormentado do que nunca. Justo ele, o mais desencucado dos heróis, criado a aveia Quaker no meio-oeste americano. Agora ele é quase um autista que sofre "bullying" no colégio por não conseguir esconder direito seus super-poderes - o que é bastante interessanete dramaticamente, admito. E chega a ser engraçada a contorção para explicar que o "S" de seu logotipo não é um "S", mas o símbolo kryptoniano da esperança (ahã). Mas o prólogo em Krypton é longo demais e, ouso dizer, cafona. Os figurinos lembram o "Flash Gordon" de 1980, sem o humor daquele filme. E há tantos furos na lógica que o espectador simplesmente não se importa mais. Como que os condenados à Zona Fantasma sobrevivem? Porque só Jor-El reaparece como um fantasma? Porque gastei tanto dinheiro num ingresso para uma sala 4Dx? A última hora, então, é literalmente um desastre: uma luta interminável e sem sentido, sem o menor impacto emocional. Que, felizmente, aparece no desenlace: aqui o Super-Homem quebra sua regra mais sagrada, no lance mais ousado concebido pelos roteiristas. Que provavelmente será esquecido quando refizerem essa história daqui a dois anos.

sábado, 13 de julho de 2013

GEOGRAFIA É DESTINO

Aqui no Brasil conhecemos bem a dor e a delícia de quase não termos vizinhos. Claro, fazemos fronteira com nada menos do que dez países. Mas estamos afastados de muitas delas pela floresta amazônica, e não corremos o risco de uma grande invasão militar nem mesmo pelo sul. Esse privilégio - que os EUA têm em dobro, com acesso a dois oceanos e localização no hemisfério norte - é desconhecido de quase todos os países da Europa, Ásia e África. O que não é necessariamente ruim: no livro "A Vingança da Geografia", que eu estou lendo em inglês, Robert D. Kaplan diz que tanto a civilização europeia como a chinesa devem muito de seu desenvolvimento à cosntrução de barreiras aos bárbaros vindos da Ásia Central. O cara foi consultor de diversos governos republicanos, mas sua visão está longe de ser "neocon". Kaplan esteve em quase todos os países, entende muito de história e política, e diz que, pela primeira vez, os avanços tecnológicos estão conseguindo "eliminar" os acidentes geográficos. Mas eles continuam aí, e isto explica muita coisa. A Índia, por exemplo, nunca constituiu um único estado antes da colonização britânica porque seus rios correm no sentido leste-oeste, dificultando a comunicação entre o norte e o sul. E por aí vai: é um livro interessantérrimo, desses que ajudam a entender o mundo um tequinho melhor. Afinal, ideologias duram menos que montanhas.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

MULHERES ENCARCERADAS

Uma das partes mais bacanas da minha nova carreira como roteirista é que nós TEMOS que assistir a tudo quanto é série. Obrigação profissional: precisamos analisar o arco da história, identificar beats e plots, descobrir o que é tendênnncia. E hoje nada tende mais do que o Netflix, que disponibiliza temporadas completas de produções próprias para os assinantes. A mais recente é "Orange is the New Black", comédia dramática de Jenji Koohan - a mesma criadora de "Weeds". Aliás, a premissa toda parece um desdobramento da sétima temporada daquele programa, quando Nancy vai para a cadeia e arranja uma namorada atrás das grades. Aqui a protagonista é uma patricinha que namorou uma traficante e, um belo dia, levou uma mala cheia de dinheiro para a Europa. Por causa disto ela é condenada a 15 meses de prisão (o caso é baseado numa história real). O primeiro episódio mostra o primeiro dia da moça na penitenciária, que, perto das similares brasileiras, está mais para um hotel-fazenda. Tem momentos bem barra pesada e até nós na garganta, mas o humor é tão que negro que... me prendeu.

A PERVERSIDADE DO BRILHO

Conhecia muito pouco sobre Hannah Arendt antes de ver o filme que leva seu nome (não que as duas horas no cinema tenham me dado muita profundidade, mas vá lá). Sabia que ela havia cunhado o conceito da "banalidade do mal" depois de assistir ao julgamento do nazista Adolf Eichmann, e pouca coisa mais. Desconhecia completamente a polêmica que seus artigos sobre o assunto provocaram, 50 anos trás. Arendt desmontou o mito de que todos os nazistas eram monstros e todos os judeus uns santos: são todos humanos, e, para ser cruel, ninguém precisa ser especial. É uma tese complexa para ser entendida de cara por mentes habituadas a narrativas lineares, com heróis e vilões bem definidos, e ela sofreu muito com a repercussão negativa de seus textos. Nem por isto perdoava o holocausto: teve que repetir inúmeras vezes que Eichmann mereceu ser enforcado, e também criou a expressão "crime contra a humanidade". Hoje sua memória é reverenciada, mas sua arrogância lhe trouxe muitos inimigos. O filme de Margarethe Von Trotta foca neste período da vida da filósofa, tocando muito de leve em sua complicada relação com Heidegger, de quem foi aluna (e talvez amante). Não é especialmente divertido, apesar de mostrar uma Nova York fervilhante de ideias e debates. Um bom antídoto para as perseguições e correrias que invadem as telas nessa época do ano.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

O AMANTE DO MEU MARIDO


Enquanto aqui no Brasil continuamos esperando por um beijo gay na televisão como se fosse a chegada do messias, lá nas Filipinas acaba de estrear uma novela com o título deste post. Sim, as Filipinas: aquele arquipélago nos cafundós da Ásia que teve o azar de ser colonizado pelos espanhóis e depois pelos americanos, resultando numa espécie de México do Oriente. Apesar de católico e conservador (ou talvez por isto mesmo), o país já deu ao mundo um ícone camp como Imelda Marcos e volta e meia produz filmes de temática homossexual (seu candidato ao Oscar de língua estrangeira do ano passado, "Bwakwaw", é sobre uma bicha da terceira idade). Mas será que o público de lá está pronto para ver tantos bofes se pegando em pleno horário nobre? Por aqui também podemos ver, e a qualquer horário. Quem entender tagalog, o idioma local recheado de expressões em inglês, encontra todos os capítulos de "My Husband's Lover" no YouTube (o de estreia está aqui).

AFRONTAM AS FOGOSAS

O vídeo acima, produzido pelo blog de humor Golpe Baixo, já teve mais de dois milhões de visualizações no YouTube e passou até na TV aberta. Mas eu rio tanto cada vez que vejo, me maravilho tanto com a edição prodigiosa, que não resisto a registrá-lo aqui também. Vai, solta o som que é pra me ver dançando.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

EU HOJE VOU LHE USAR

Será que Sergipe está num fuso horário tão diferente assim? Enquanto que no resto do Brasil são três horas da tarde, lá é plena Idade Média. Só isto explica o fato de um jornalista e blogueiro ter sido condenado a sete meses e 16 dias de prisão por ter escrito um texto de ficção, que não cita nomes nem acusa ninguém. Mesmo assim, o desembargador Edson Ulisses (cunhado do governador Marcelo Déda, que é do PT) entrou com um processo contra José Cristiano Góes, porque se ofendeu com a expressão "jagunço das leis". A pena já foi convertida em prestação de serviços e provavelmente será derrubada quando o advogado do jornalista apresentar o primeiro recurso. Mas o maior consolo é que o tal do desembargador em quem a carapuça serviu não se deu conta até agora de que fez propaganda gratuita do texto "Eu, o Coronel em Mim". O mínimo que podemos fazer agora é lê-lo e divulgá-lo por aí, mas tomando o cuidado de dar o devido nome aos bois. Coronel, vá se lavar.

DIA DA PIZZA

Faltaram três votos para ser aprovada no Senado a PEC que, entre outras coisas, proibia que os senadores indicassem cônjuges ou parentes próximos como suplentes. Oito dos dezesseis suplentes votaram contra. Num Brasil ideal, nem existiria a suplência: senador deixou o cargo por qualquer motivo, convoca-se uma nova eleição (nos EUA é assim). Mas temos tanto medo de romper a ordem institucional, traumatizados que somos, que acabamos entregando aos próprios parlamentares a missão de mudar as regras das quais eles mesmos se beneficiam. Taí o resultado. Foi só o barulho das ruas diminuir um pouquinho para tudo seguir como dantes no quartel d'Abrantes. Portanto, proponho uma nova PEC (há mais de uma centena em tramitação, uma a mais não faz diferença). Que esqueçamos o 7 de setembro e passemos a comemorar o Dia da Pátria justo hoje, 10 de julho. Aceita borda recheada de mussarela?

ATUALIZAÇÃO: Suspende a pizza. Acaba de sair a notícia que, assutado com a má repercussão, o Senado voltou atrás e aprovou a PEC, que agora segue para a Câmara. Os 46 votos a favor de ontem se transformaram hoje em 64, 15 a mais do que o necessário. Meno male, mas a suplência continua.

terça-feira, 9 de julho de 2013

SEM SAL E SEM GOSTO

Fiquei passado na margarina Amarela quando soube que há um projeto de lei em tramitação no Congresso que proíbe o uso de modelos familiares não-tradicionais na propaganda. Claro que não tem a menor chance de passar - ainda mais agora, quando as manifestações mudaram o clima político do Brasil. O despautério impediria a veiculação não só de comerciais com casais gays, mas também com mães ou pais solteiros ou viúvos. O autor é o deputado Salvador Zimbaldi, do PDT de São Paulo, que só está fazendo macaquices para os homofóbicos na tentativa de se reeleger ano que vem. Ele sabe muito bem que não pode obrigar os publicitários a mostrarem apenas famílias tão chatas como a deste clássico esquete do "TV Pirata". Mesmo assim, é mais um nome para a nossa lista negra.

DE CONCHINHA

Cismei com "Soñando Contigo", uma música da Concha Buika de quatro anos atrás. Na verdade nem é bem dela: é de Kiko Navarro feat. Concha Buika. Ouvi no avião voltando da Turquia e ela me ficou na cabeça, mas só agora tomei uma atitude e fui procurá-la na internet. O gatilho foi o novo disco de Buika, "La Noche Más Larga", talvez o melhor de sua carreira. A mistura que ela faz de blues, bolero, flamenco e África nunca soou tão bonita. Até mesmo um clássico manjado como "Ne Me Quitte Pas" soa renovado; Maria Gadú vai se sentir tão humilhada que é capaz de voltar para a vida de trombadinha que levava antes de ficar famosa. Buika é uma cantora para adultos, então não espere ouvi-la no rádio duetando com will.i.am. Mas qualquer pista vira um nirvana com "Soñando Contigo": aqui está a versão original, aqui um remix etéreo e aqui com pegada mais lounge. Para sonhar acordado e dormir abraçado.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

JACARÉ NO SECO ANDA

Foi um fim de semana de cinema de arte. Depois do magnífico "Blancanieves" na sexta-feira, meu marido Oscar e eu encaramos "Tabu" no sábado. O filme nem estava na minha lista: achei chatíssimo "Aquele Querido Mês de Agosto", a badalada  estreia do diretor português Miguel Gomes. Mas vários amigos insisitram que se tratava de uma obra-prima, e lá fomos nós. Não deu outra: "Tabu" também é chatíssimo. É recitado, afetado e pretensioso, defeitos frequentes do cinema lusitano. O filme é dividido em duas partes. Na primeira, uma senhora meio gagá é cuidada por sua empregada de origem africana na Lisboa contemporânea. Na segunda - um longo flashback passado numa antiga colônia lusa "em África" - descobrimos que ela viveu um caso folhetinesco envolvendo adultério e assassinato. E não é que eu gostei mais da primeira? Achei mais interessante a relação entre patroa e criada do que o romance proibido do passado. Mas não muito. Miguel Gomes não me pega mais.

No domingo foi a vez de "A Espuma dos Dias". Nunca li o romance surrealista de Boris Vian, então não sei o quanto que o diretor Michel Gondry acrescentou à história - provavelmente muito. A primeira hora é nada menos que sublime. Uma trama absolutamente banal de rapaz-conhece-moça se desenrola numa Paris retrô repleta de absurdos visuais. Gondry repete alguns truques que já havia experimentado em seus famosos videoclipes, com a ajuda de alguns dos melhores atores do atual cinema francês. Mas alguma coisa desanda depois que uma flor de lótus se instala num dos pulmões da mocinha, fazendo-a adoecer gravemente. O roteiro também se descola da realidade, até o ponto em que não nos importamos mais com os personagens. Mas o final se redime com uma conclusão belíssima, que justifica o título poético da obra: tudo se dissolve algum dia, tudo não passa de espuma.

A DIREITA, DIREITINHO

Luiz Felipe Pondé é, de longe, o colunista mais polêmico da "Folha de São Paulo" hoje em dia. Não há uma única coluna sua que não receba queixas estridentes de leitores que se sentiram ofendidos. Eu também discordo de muita coisa que ele escreve, mas nem por isto deixo de lê-lo. E sua matéria no jornal de hoje vai surpreender muita gente. Pondé se assume de direita, o que já é de uma desfaçatez ímpar no Brasil. Mas também se diz a favor do casamento gay e não-representado pelo Infeliciano, o suficiente para dar um nó na cabeça dos mais simplórios. Aqueles que automaticamente associam a direita a ladravazes como Paulo Maluf, ao coronelismo nordestino ou aos fundamentalistas religiosos. Direita não é bem isto, mas nossa indigência política é tamanha que sonhamos com o dia em que ela será extinta. Ora, ora, ora: democracia para valer tem que comportar todas as tendências, se não inexiste o debate e instala-se a ditadura da opinião única. Por isto, antes de se declarar automaticamente "de esquerda" porque é desse lado que estão todos os justos e bons, sugiro que pelo menos que se leia o artigo do Pondé. Ah, e antes que me perguntem: eu estou mais para centro-esquerda.

domingo, 7 de julho de 2013

LUCIAN FREUD EXPLICA

O Museu de Arte de São Paulo está se especializando em micro-exposiçõe temáticas, que podem ser visitadas com calma em menos de uma hora. Em 2012 veio um punhado de obras de Caravaggio. No começo deste ano, uma única tela de Vermeer teve até os estilos de suas diferentes molduras dissecados a fundo. Agora é a vez de um dos artistas mais importantes do século 20: o britânico Lucian Freud, nascido em Berlim e neto de Sigmund. São apenas cinco quadros a óleo, alguns bem pequenininhos. Um único deles traz a marca registrada do autor: o corpo humano nu cheio de dobras, pneus e estrias, ainda mais feio do que é na realidade. Há também um número considerável de gravuras, assumidamente um aspecto menor do trabalho de Freud, e algumas fotografias excepcionais de David Dawson mostrando o artista em ação em seu ateliê (até a rainha posou para ele). O talento técnico do artista, morto há dois anos, é realmente assombroso: um quadro antigo, o "Mulher com Rosas" de 1948, surpreende tanto pelas diferentes texturtas das pinceladas como pelo simbolismo (a modelo era casada com ele e estava no começo de uma gravidez). Uma exposição imperdível para quem gosta de pagar de culto.

sábado, 6 de julho de 2013

HOLA BONITA, ¿QUÉ TAL UNA MANZANA?


Alguns críticos dizem que "Édipo-Rei" seria o über-plot do Ocidente. A mãe de todas as histórias (um descendente óbvio seria "Hamlet"). Mas para mim a trama matriz é mesmo "Branca de Neve e os Sete Anões", a primeira que absorvi na vida, na forma do clássico desenho animado de Walt Disney. O conto da princesinha abandonada pela madrasta ressurgiu com força nos últimos tempos, gerando dois filmes hollywoodianos ("Espelho, Espelho Meu" e "Branca de Neve e o Caçador"), uma série de TV ("Once Upon a Time") e até mesmo uma novela brasileira ("Avenida Brasil" - ah, vai dizer que você não percebeu?). Agora chega uma versão cinematográfica não só ambientada na Espanha dos anos 1920 como também muda e em preto-e-branco. Claro que o estilo de "Blancanieves" (vou usar o título original, é muito mais sabroso) lembra muito o de "O Artista", e, assim como esse outro filme, também ganhou uma tonelada de prêmios. Bastante merecidos, aliás. Todos os clichês espanhóis estão presentes, das touradas às castanholas (uma cantora tem o nome deliciosamente óbvio de Carmen de Triana). A divina Maribel Verdú, sem os dentes falsamente perfeitinhos das colegas americanas, faz uma madrasta glamurosa e engraçada. Fotografia deslumbrante, sensacional uso da música (quero comprar a trilha) e edição contemporânea geram momentos quase sublimes na tela. Mas o roteiro é irregular. Patina em alguns momentos e rodeia para chegar no final. Que, paradoxalmente, é abrupto, e diferente do que ao que estamos acostumados. Minha interpretação é a de que o diretor Pablo Berger quis fazer uma metáfora política, ao terminar a história às vésperas da Guerra Civil Espanhola. Mas meu marido Oscar diz que eu estou tentando deixar o filme melhor do que ele é.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

JÁ TOMOU ÁGUA DE VALENCIA?

Ontem fui encontrar um grupo de amigos num bar de tapas aqui em São Paulo. Quando cheguei já havia uma jarra na mesa. Era água de valencia, a quem eu ainda não havia sido formalmente apresentado. Tomei um gole, achei doce e fraquinha, mas foram logo me avisando: é letal. Algumas jarras e uma noite mal-dormida depois, googlei a dita cuja e descobri que se trata do mesmíssimo Cóctel Valencia servido na classe executiva em "Os Amantes Passageiros". Mais uns cliques e eis que encontro a receita:

Ingredientes:
Cava
Zumo de naranja
Ginebra
Vodka
Azúcar

Preparación:
En una jarra de 1 litro añadir 1/4 de zumo de naranja recién exprimido.
Añadirle una botella de cava semi-seco.
Añadir una copa de vodka y ginebra, añadir azúcar.
Remover y enfriar en la nevera.


A mezcalina é opcional.

OFF WITH THEIR HEADS

Véi, na boa. Justo quando a gente acha que as coisas estão melhorando um tiquinho e que o povo que foi à rua descobriu a força que tem, sai a notícia de que tanto o presidente da Câmara quanto o presidente do Senado usaram jatinhos da FAB para dar uns rolés por aí. Não me admiro que Renan Calheiros esteja cagando para os manifestantes, mas confesso que esperava um pouquinho mais de consideração de Henrique Alves. Em que planeta que eles vivem, para achar que tudo bem voar às custas do erário enquanto o Brasil literalmente pega fogo? Some-se a isto o fato de todo mundo já estar dizendo que o plebiscito é incrível, necessário, um puta cara legal que qualquer menina vai ter sorte de namorar, mas não é você, sou eu, e assim dispensá-lo porque não dá mais tempo de realizá-lo para que qualquer reforma política já valha para as eleições do ano que vem. E assim se empurra tudo para as calendas, porque no fundo ninguém quer que mude nada. Começo a me convencer de que só há uma linguagem que essa turma realmente entenda: o peso da lâmina da guilhotina.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

LIFE IN PLASTIC, IT'S FANTASTIC

A boneca Barbie já foi considerada um ícone feminista, pois suas variações descortinariam um mundo de possibilidades para as garotas: astronauta, cientista, advogada, miss. Mas hoje em dia ela é muito malhada por causa de suas medidas impossíveis, que impõem um padrão de beleza inalcançável. Por isto o artista plástico Nikolay Lamm criou uam versão realista, baseada nas medidas médias das meninas de 19 anos. O resultado está aí em cima: mais baixinha, mais gordinha, cadeiruda e bunduda. E aí, continua com vontade de ter uma?

quarta-feira, 3 de julho de 2013

SÓ MUDA DE ENDEREÇO

Só conhecia o Paulo Gustavo da TV, e confesso que nunca gostei muito. Por isto jamais me animei em assistir ao monólogo "Minha Mãe é uma Peça", que ele criou inspirado na própria genitora. Mas fui ver o filme baseado no espectáculo porque gostei do trailer, as críticas são boas, e também por obrigação profissional. Tudo confere, e adivinha o que é o melhor de tudo? Paulo Gustavo. Ele conseguiu transferir para a tela toda a energia de uma performance teatral. Tanto que, apesar de todo o elenco ser ótimo, cada vez que ele entra em cena o efeito é o de um buraco negro. Sua "dona Hermínia" suga todas as atenções num raio de dez quilômetros e faz até o tempo andar mais rápido. Não há muita história: o roteiro é um punhado de cenas soltas mal costuradas entre si, como se fossem os melhores momentos de uma sitcom. Mas não importa. O público ri à rédea solta, eu inclusive. É de bom tom falar mal das comédias nacionais de grande bilheteria, mas "MInha Mãe é uma Peça" não faz feio. É um produto honesto e de fino acabamento. Descaradamente comercial, sim - mas com uma pegada sentimental com que muita gente vai se identificar.

CAIR O CAIRO

O que está acontecendo no Egito é a versão local de um dos pesadelos que afligem o Brasil neste momento: o povo invade as ruas para reclamar e acaba atiçando os militares, que aproveitam a deixa para reafirmar quem é que manda no cafofo. O fato é que o Exército continua sendo a maior força política do país. Nem os partidos islamitas, que conquistaram cerca de dois terços dos votos nas eleições do ano passado (as primeiras realmente livres da história egípcia) têm tanto cacife. Mas o deposto presidente Mursi abusou. Como muitos líderes de democracias imaturas, ele achou que comandava uma ditadura da maioria, e que poderia impor o que quisesse (no caso, um regime teocrático) a uma população bastante diversa. É parecido com o que se passa na mais avançada Turquia e, guardadas as devidas proporções, também no Equador, na Bolívia e na Venezuela. O que vai acontecer por lá daqui para a frente é uma incógnita. Foram os jovens ocidentalizados que iniciaram a rebelião que derrubou Mubarak, e foram eles que agora retomaram a praça Tahir. Mas isto não quer dizer que venceram. Os liberais ainda são poucos e os milicos, depois de décadas no comando, têm interesses emaranhados em todos os setores da economia. Não vão largar o osso assim tão fácil.

terça-feira, 2 de julho de 2013

OBRIGADO, SENHORES

Silas Malafaia adora agradecer, em tom de deboche, à propaganda grátis que o movimento gay proporciona aos homofóbicos. Por um lado ele tem razão: deputados como o Bolsonazi ou o Infeliciano estão com a reeleição mais do que garantida no ano que vem (se as regras não mudarem, diga-se bem - eles podem não resistir ao voto distrital). Sem jamais terem apresentado um único projeto consistente, esses sacripantas surfam no ódio que destinam aos gays. O mesmo ódio que seus eleitores ignorantes compartilham. Mas acho que chegou a hora de devolvermos o agradecimento ao pastor, na mesma moeda mais juros e correção monetária. Foi graças à perseguição gratuita que os fundamentalistas movem contra os homossexuais que muitos de nós, para usar uma palavra da moda, acordamos. Saímos das boates e fomos para as ruas. E o primeiro resultado está aí: a "cura gay" deu para trás, hahaha. Claro que a militância LGBT brasileira não começou em junho e que o trabalho de conscientização vem de décadas. Mas é inegável que, de uns tempos para cá, muit gente se tocou. Faz pouco mais de um ano que nasceu morto o "kit gay", assim apelidado pelos teocráticos. Na época parecia que seria assim para sempre: o governo federal meteria o rabo entre as pernas toda vez que a bancada religiosa estalasse os dedos, e os direitos igualitários jamais se concretizariam. As manifestações do último mês mostraram que não é bem assim. A derrota da "cura gay" foi uma das bandeiras mais frequentes dos protestos, e os aiatolás do Congresso enfiaram as violas no saco. Prometem vingança: o próprio Infeliciano ameaça aprovar a "cura" em 2015, quando espera que ainda mais evangélicos sejam eleitos. Sei não. Acho que eles já passaram do auge, e nós descobrimos que também temos força. Agora é hora de nos organizarmos melhor. E também de mentalizar um sonoro "obrigado" a estes senhores, que fizeram nossa bala coletiva passar. Já não era sem tempo.

TOALHA JOGADA

O deputado João Campos retirou o projeto da "cura gay" da pauta da Câmara. Vitória do movimento LGBT? Em termos. Ficou mais do que evidente que, neste momento, população e governo são contra tamanho descalabro. A proposta seria rejeitada facilmente, se fosse colocada em votação amanhã como queria o PSOL. Mas para quê, né? Cada deputado teria que se posicionar, para depois ser cobrado por seus eleitores. Melhor o troço passar ao largo do plenário, para ninguém ficar sabendo quantos parlamentares são mesmo pró-direitos igualitários e quantos não são. Além disto, a proposta só foi retirada, não arquivada. Se mais adiante o clima político mudar novamente, os teocratas podem reapresentá-la. Mas eu acho que tão cedo não muda.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

RÁ-RÉ-RI-RÓ-RUA

O PSDB soltou nota dizendo que é ferrenhamente contra a "cura gay". Mas se esqueceu de censurar seu filiado João Campos, o pastor evangélico e deputado por Goiás que propôs o projeto. A verdade é que nem isto bastaria: Campos merecia ser expulso das fileiras tucanas. Mandei um e-mail para o diretório nacional do Partido Verde exigindo que eles também se manifestassem a respeito de seu filiado Roberto de Lucena, o pastor evangélico e deputado por São Paulo que faz parte da CDH e ajudou a aprovar por lá a porra da "cura". Recebi uma resposta burocrática garantindo que o PV é contra e blábláblá, mas isto também não basta. Precisamos aproveitar que os políticos estão se borrando nas calças e fazendo tudo o que a gente manda, e aumentar a pressão. Não é admissível que dois partidos que se acham moderninhos mantenahm esses sacripantas em seus quadros, por mais votos que eles tragam. Vamos mostrar que perdem mais votos se não nos obedecerem.

FEITIÇO CONTRA OS FEITICEIROS

A "Veja" mantém em seu plantel de colunistas o homofóbico Reinaldo Azevedo, mas de vez em quando a revista produz reportagens extremamente simpatizantes. É o caso da que ilustra a capa da "Veja SP" desta semana (e que pode ser lida aqui, no site da revista). Um repórter se apresentou como um gay em busca de "cura" em dez diferentes igrejas evangélicas de São Paulo (mas não se identificou como jornalista). Ouviu horrores em nove delas, do tipo "100% dos homossexuais sofreram feitiço" até o inevitável "tem que pagar o dízimo em dia". A matéria tampouco livra a cara da Igreja Católica, que promove "conversas" com os gays que não se aceitam que podem ser muito mais danosas do que os primitivos exorcismos praticados por alguns neopentecostais. E termina falando das denominações evangélicas que têm até pastores assumidamente homossexuais, um fenômeno em ascensão. O que está caindo, além da força política dos evanjas, é o número de pessoas que vão à "Marcha para Jesus" em São Paulo. O Datafolha mediu uma queda de 40% em relação ao ano passado, e isto apesar de toda a mídia grátis conseguida por Malafaia e Feliciano. Eles sempre "agradeceram" ao movimento LGBT pelo cartaz alcançado, mas já estou achando que o resultado desta equação é exatamente o inverso. A obsessão em atacar os gays só lhes está fazendo mal.