domingo, 30 de junho de 2013

MORDE E ASSOPRA

Com "The Walking Dead" já indo para a quarta temporada, Brad Pitt corria o sério risco de ter aderido tarde demais à onda dos zumbis. Além disso, a produção atabalhoada e a estreia sucessivamente adiada deixavam suspeitar que "Guerra Mundial Z" seria mesmo um desastre. Mas valeu a pena refazerem boa parte do filme: ele se tornou um "thriller" de alta voltagem, que não perde tempo com explicações pseudo-científicas nem insulta a inteligência do espectador. O mote já quase batido dos mortos-vivos é ressuscitado por ideias ótimas, como uma longa sequência em Israel com indisfarçáveis conotações políticas ou um ataque dentro de um avião lotado. Os zumbis de "Guerra Mundial Z" têm ainda menos personalidade que os da série da TV, mas são mais velozes e "massificados". Podem ser interpretados como metáfora para tudo, inclusive para a indignação contagiosa em época de manifestações. Aliás, já que tocamos neste assunto, é interessante como este tipo de filme não deixa de ser uma fantasia da direita: quando o estado se dissolve, é cada um por si e só os fortes sobrevivem. Ainda mais se forem louros.

MAIS NÓS


Sou amigo do estilista Sandro Barros há alguns anos, e fiquei muito orgulhoso disto ao saber que ele deu um depoimento ao "Mais Você" sobre seu noivo Bruno Astuto, colunista do programa e da revista "Época". Foi na quinta-feira passada, mas eu só consegui ver no dia seguinte; alguns leitores me cobraram comentários e eu achei que o fato merecia registro aqui no blog. É uma delícia que um casamento entre dois homens seja tratado com tanta naturalidade na TV, e logo pela manhã. E é maravilhoso para todos nós que a mãe do Sandro também tenha dado seu recado: é só com o apoio dos amigos e parentes héteros que vamos mostrar que não somos uma raça à parte. Toda a felicidade para os pombinhos!

ELES VÃO PEGAR VOCÊ


O mundo está perdido. Uma raça de monstros, até hoje mantida sob controle, agora está se multiplicando a esmo. Estou tão excitado, e acho que gosto disto.

sábado, 29 de junho de 2013

O CACOETE GOLPISTA

As manifestações deste mês deixaram claríssima uma característica curiosa da esquerda brasileira. Ela acredita piamente que ninguém, em sã consciência e boa fé, poderia reclamar de um governo esquerdista. Quem o fizer estará sempre agindo em nome de interesses ocultos. Qualquer crítica vem diretamente da CIA. Qualquer protesto é sintoma de que um golpe se arma nas sombras. Cansei de ver gente postando nas redes sociais comentários desesperados, alertando para o imenso complô orquestrado pela direita malvada em absolutamente todos os rincões do país, como se os manifestantes tivessem sido hipnotizados por raios gama emitidos pela Estrela da Morte. É claro que tem muita gente querendo se aproveitar das manifestações, e não só da direita. Mas daí a achar que há uma articulação invisível e invencível para reinstalar uma ditadura no Brasil é um pouco demais. Gente comum, sem filiação partidária, tem muitas razões para reclamar dos governos, inclusive os do PT. Mas nem um jornalista sério como Renato Rovai escapou do cacoete, ao levantar a suspeita de que o pessoal do Porta dos Fundos estaria a soldo de alguém quando produziu o vídeo acima, o mais explicitamente político e agressivo de toda a história do grupo. Sei que nossa esquerda é gato escaldado e tem mil razões para enxergar bichos-papões por todo lado, mas ela daria um sinal de amadurecimento se conseguisse admitir para si mesma que não é perfeita nem imune a críticas. Precisam começar a acreditar na sinceridade dos opositores. O Porta dos Fundos me representa.

APERTEM OS CINTOS, A SERIEDADE SUMIU

Há anos que todo mundo cobra uma comédia rasgada de Pedro Almodóvar, no estilo das que ele fazia no começo da carreira. Aí, quando ele finalmente atende aos pedidos, todo mundo cai de pau. Só que "Os Amantes Passageiros" tem a mesma irreverência e mordacidade dos primeiros filmes do diretor: os tempos é que são outros. Para começar, não é para ser levado muito a sério. Lançado apenas um ano e meio depois de "A Pele que Habito" (Amodóvar costuma dar um intervalo de dois a três anos entre um filme e outro), "Os Amantes" tem toda a pinta de ter sido feito às pressas, com pouco dinheiro e pouco tempo para elocubração. E isto não é ruim, contanto que não se vá ao cinema esperando por uma epifania. Os diálogos absurdos, as cores fortes, a sexualidade destrambelhada, o obrigatório número musical: os clássicos almodovarianismos estão lá, interpretados por atores que marcaram todas as fases da trajetória do diretor. Há uma deliciosa inconsequência literalmente no ar (quase toda a ação se passa a bordo de um avião em pane), como as participações de Antonio Banderas e Penélope Cruz - praticamente jogadas fora numa rápida gag de abertura. "Os Amantes Passageiros" não é nenhuma obra-prima nem vai entrar para a história. É nitidamente um filminho de entressafra, um respiro entre mergulhos profundos. Quem for só para rir, rirá.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

ORGULHO E PRECONCEITO

Gentem, eu nem lembrava que hoje, 28 de junho, é o Dia do Orgulho Gay (talvez porque para mim TODOS os dias sejam de orgulho gay, hahaha). Para quem não sabe a razão da data, sugiro uma rápida googlada: é dever cívico de todo LGBT consciente saber que hoje se comemora o aniversário da revolta de Stonewall, quando as bichas que frequentavam esse bar em Nova York, em 1969, se cansaram de irem presas pela polícia e responderam com paus e pedras. Esse acontecimento é o marco zero do moderno movimento pelos direitos igualitários, que deu origem a ONGs, paradas, festas e muitas, mas muitas conquistas mesmo. Uma delas está aí em cima: Dilma Rousseff finalmente tirou uma foto com a bandeira gay e alguns dos nossos principais militantes, depois de anos fazendo a Nefertiti. Não sei há quanto tempo que essa reunião estava marcada e claro que tem o dedo da ministra Maria do Rosário, mas será que a presidente criou culhão só depois das manifestações que se espalharam pelo Brasil? Uma coisa ficou clara para mim: o Infeliciano se aproveitou do momento para aprovar a "cura gay" na CDH, achando que ninguém iria prestar atenção. Mas o tiro saiu pela culatra, e o projeto não só ganhou os cartazes nos protestos como virou mote de gozação a nível nacional. Num primeiro momento o pastor chegou a ameaçar o governo com a rebelião dos parlamentares evangélicos, mas rapidinho enfiou a viola no saco. Agora está se fazendo de vítima, mas já admitiu que a "cura" está desenganada. O clamor das ruas aniquilou-a. Será que foi esta mudança de clima político que animou Dilma a receber as liderancas homossexuais? Não sei, mas desconfio que tem um país diferente pondo a cabeça para fora. Espero não estar enganado.

COMEÇAR DE NOVO

Quem não gostaria de voltar no tempo, sabendo tudo o que sabe hoje? Escapar das ciladas, evitar os maus elementos, fazer as escolhas certas. Esta fantasia recorrente já rendeu alguns filmes bons, como o "Peggy Sue, Seu Passado a Espera" do Coppola. Outros nem tanto: é o caso de "Camille Outra Vez", que meio que desperdiça um argumento rico em possibilidades. O filme chegou a ser indicado aos Césars deste ano, mas está a anos-luz de distância da qualidade de "Amour", o vencedor do prêmio. A proposta da atriz, diretora e roteirista Noémie Lvovsky é mais do que simpática, mas o resultado na tela ficou longe do esperado. Ela faz uma quarentona em plena crise existencial, que vai mal no trabalho e mal no casamento. Durante uma festa de réveillon, toma um porre e cai dura no chão. Acorda 25 anos atrás, quando era adolescente e seus pais ainda eram vivos. A graça toda é que sempre a vemos com 40 e tantos anos, usando os leggings coloridos dos anos 80 ou atacando um rapazinho virgem com a voracidade de uma mulher experiente. Mas é pouca graça, deixando os momentos realmente cômicos muito espaçados entre si. A conclusão, então, é nem lá nem cá. Ainda não entendi o que foi que os franceses viram nessa comédia frustrada.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

O VALOR DOS ROTEIRISTAS

Minha nova carreira virou notícia de jornal. Hoje estou embelezando as páginas do "Valor Econômico" ao lado da minha parceira no crime, a atriz Sílvia Lourenço, numa matéria sobre a demanda crescente de roteiristas no mercado de TV. Sílvia e eu estamos escrevendo as escaletas para uma série que estreia num canal aberto no começo de 2014. E, a partir semana que vem, começo também a escrever para uma outra série, dessa vez na TV paga, sem deixar de lado essa de agora. Quero só ver onde vou arranjar tempo para ambas (e para mais uma outra ainda em projeto, fora o blog e as colunas), mas vamo que vamo. Quem quiser ganhar a vida escrevendo tem que escrever todo dia, o dia inteiro. E quem quiser ler a reportagem do "Valor", é só clicar neste link.

EXPLOSÃO DE RISO

Não consigo parar de rir desde ontem à noite. O que Simone Rovellini fez com alguns clássicos do cinema americano é o momento-bobeira perfeito para estes dias de tensão que estamos vivendo. Tem a versão Princesas Disney...


...os anos dourados de Hollywood...


...comédias românticas dos 80 e 90...


...e "Titanic". Nunca ri tanto na minha vida esta semana.

Ah, e para quem quiser ver os GIFs, aqui está o Tumblr da moça.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

O NEGÓCIO DA CURA

Sempre achei que esse esforço da bancada teocrática em promover a "cura gay" não fosse para valer. Essa gente não é completamente tapada: é claro que devem ter advogados e assessores que lhes explicam, a portas fechadas, que o tal do projeto não tem a menor chance de ser aprovado no plenário. Infeliciano, João Campos e similares só fazem o que fazem para dar a impressão a seus eleitores que lutam bravamente contra a ditadura gayzista, e assim garantem a reeleição ano que vem. Mas este excelente artigo de Alexey Dodsworth Magnavita me chamou a atenção apra outro dado. Há toda uma indústria pseudo-científica prometendo a infame cura pronta a se instalar no Brasil, caso ela seja aprovada por um mlagre ao contrário. Uma indústria que está em retrocesso nos Estados Unidos (a organização Exodus, que funcionou por mais de 35 anos, acabou de fechar as portas), mas que encontraria terreno fértil nesse Brasil tão desinformado e mal-formado. Igrejas neopentecostais que já promovem "seminários" que são verdadeiras lavagens cerebrais poderiam dar um lustro psiquiátrico em seus tratamentos, infernizando ainda mais a vida dos jovens infelizes que a eles são submetidos. Bom, parece que nada disso vai acontecer, ainda mais agora que os evanjas viraram alvo das manifestações. Mas todo cuidado é pouco. Há muito dinheiro a ser feito com essas falsas terapias. E, como diz o velho ditado chinês, dinheiro sempre atrai merda.

O CANTO DO CISNE

Hoje foi um dia histórico para a causa LGBT nos Estados Unidos (e possivelmente no mundo inteiro, dada a repercussão global de quase tudo o que acontece por lá). A Suprema Corte americana repeliu o DOMA ("Defense of Marriage Act"), que proibia que casais homossexuais legalmente unidos recebessem benefícios federais, como a possibilidade de fazer declarações conjuntas de imposto de renda. Também derrubou a famigerada Prop 8, que proibia o casamento gay na Califórnia e havia sido aprovada num plebisicito agora considerado inconstitucional (isto foi em 2008; se o mesmo plebiscito acontecesse hoje, a Prop 8 seria amplamente rejeitada). Ao contrário do que tem acontecido no STF brasileiro quando o assunto é viadagem, a decisão de lá não foi unânime. Os quatro juízes conservadores, indicados por governos republicanos, se opuseram. O mais estridente foi Antonin Scalia, de longe o mais troglodita do bando. Em seu parecer, o derrotado disse que os homossexuais praticam "sodomia" (não sei como as lésbicas conseguem) e acusou seus colegas liberais de pintarem "qualquer pessoa que se oponha ao casamento gay como inimigo da decência humana". Ô dó. Essa auto-vitimização é o canto do cisne dos homofóbicos, quando percebem que sua batalha está perdida e não há mais nada fazer. "Vou me fazer de coitadinho, quem sabe alguém fica com pena", choramingam os malvados, como se fossem eles que tivessem sofrido séculos de perseguição. Não tenho a menor pena desses cisnes moribundos. Prefiro o pavão mysteriozo.

terça-feira, 25 de junho de 2013

ENQUANTO ISTO, NA IDADE MÉDIA

- Boa noite! Bem-vindos ao "Mexericos da Sacristia", o talk show mais babado de toda a Baixa-Renânia e Palatinado. A nossa convidada de hoje já foi cortesã do Doge de Veneza, rameira na Quinta Cruzada e até odalisca do califa Harun al-Rashid. Mas depois ela encontrou Jesus e hoje a-ha-za no convento de Mafra. Com vocês, sóror Hildegarda do Perpétuo Martírio! E aí, sóror, beleza?

- Tudo na mais santa paz!

- É verdade que a senhora é a favor da polêmica "cura canhota"?

- Veja bem, eu não sou canhotofóbica. Tenho vários amigos canhotos. Mas a Bíblia diz claramente: "Todas as nações se reunirão diante dele e ele separará uns dos outros, como o pastor separa as ovelhas dos bodes. Colocará as ovelhas à sua direita e os bodes à sua esquerda." Ou seja, Deus é contra o canhotismo!

- Canhoticidade. Mas, sóror, alguns canhotos dizem que são assim de nascença.

- Mentira. Ninguém nasce canhoto. Ser canhoto é uma opção. Conheço vários ex-canhotos. Quem se esforçar muito e rezar muito, consegue escrever com a mão direita.

- E quem não conseguir?

- Vai para a fogueira, é claro!

- A senhora não acha esta punição um pouco extrema? Umas 200 chibatadas bastariam...

- Só estou expressando minha opinião. Afinal, não estamos num regime feudal?

(A passagem bíbilica citada - Mateus 25:31-32 - foi usada durante muitos séculos como um argumento divino contra os canhotos, que seriam servos do Diabo)

CALABRESA AO PONTO

E agora dá licença que está na hora de tomar meus remédios: Dipiroca e Omipramim. Talvez eu tenha que aumentar a dose. Não estão fazendo efeito.

JORNADA ESCURA

Nunca fui "trekkie", mas conheço razoavelmente bem o universo de "Jornada nas Estrelas". Minha familiaridade é tanta que eu me recuso a obedecer os desígnios da Paramount e passar a chamar a franquia de "Star Trek"; aqui no Brasil ela é conhecida como "Jornada" desde os anos 60 e não vou mudar a essa altura da vida. Assisti a muitos episódios na TV e a quase todos os filmes para o cinema. Até que me diverti razoavelmente no "reboot" de quatro anos atrás assinado por J. J. Abrams, o criador da série "Lost". Também é ele quem dirige "Além da Escuridão" - uma continuação tão ruim, mas tão ruim, que se encaixa na clássica definição de Shakespeare para a vida: uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria, significando nada. O filme é cheio de explosões e perseguições e falsos suspenses, graças a um roteiro confuso e a um orçamento bilionário. A única boa razão para suportá-lo é Benedict Cumberbatch, o ator inglês que protagoniza a série "Sherlock" e que será visto com cada vez mais frequência daqui em diante. O cara não é especialmente bonito, mas sua mera presença em cena é capaz de explodir o planeta dos klingons. O resto é tão inovador como as orelhas do Spock.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

BOLADONA

Nem vou entrar na discussão se Dilma pode ou não convocar um plebiscito que autorize uma constituinte para a tão sonhada reforma política. Se até os juristas diferem, quem sou eu para dar pitaco? Mas me parece claro que ela quer o apoio da população para obrigar nossos nobres parlamentares a aprovarem leis que, em última instância, irão contra seus próprios interesses mesquinhos. É uma estratégia interessante, e talvez - talvez - não seja só uma manobra para manter o PT no poder. De qualquer forma, achei a fala de hoje muito mais sólida e contundente que a de sexta. Naquele dia ela me soou como Mubarak tentando apaziguar os manifestantes da praça Tahir - e deu no que deu, não é mesmo? Seja lá como for, parece que nossos políticos perceberam que o Brasil não é feito só de "nova classe C" nem de usuários do Bolsa-Família. Também há uma parcela enorme da população que, embora não seja maioria, dispõe de informações e meios para desestabilizar qualquer governo. Os protestos estão provando que essa fatia não é tão desligada como se pensava.

MARAVILHA DE ESTUPIDEZ

Peço perdão às bibas mais radicais pela imagem repugnante que reproduzo aí ao lado, mas não pude me controlar. Estou com o saco em Júpiter dessas putas arrependidas (não há outro termo) que hoje se voltam contra os gays, talvez acreditando que conseguirão desviar para nós o castigo que lhes aguarda no inferno. Também estou sem a menor paciência para o ciclo que vai se repetir agora com Mara Maravilha: ela vai dizer que foi mal interpretada, que tem milhares de amigos gays e que estão lhe tolhendo a liberdade de expressão. A tal da liberdade de "não concordar com essa aberração". Digo e repito: não concordar com a homossexualidade é uma estupidez tão grande quanto não concordar com os cabelos louros, os narizes aduncos e outras características inatas. Mas a expressão foi criada pelos homofóbicos justamente para ressignificar seus preconceitos como uma mera questão de "opinião", o que é simplesmente balela. Voltando à arrependida: Mara, como todos os outros de sua laia, acusa Daniela Mercury de ter saído do armário só para se promover. Vamos combinar que não era exatamente Daniela quem estava precisando de uns holofotes, não é mesmo? A ex-apresentadora infantil deu seus zurros hoje cedo num programa da Rede TV!, aquela emissora de grande integridade moral. Quando eles ecoaram nas internets, eu implorei que ninguém mais os repercutisse. Bora ignorá-la, pessoár! Mas 18 milhões de pessoas não me deram ouvidos e agora ela está aí, surfando na fama recém readquirida. Enfim, é só mais uma que não percebeu que o Brasil está mudando. Os protestos que pipocam de norte a sul também são contra essa gentalha. Mara Maravilha faz parte do país que não queremos ser.

domingo, 23 de junho de 2013

OS AMPUTADOS

"Ferrugem e Osso" é um título duro e doído para um filme idem. Uma das tramas do roteiro é baseado num episódio recente da vida real: Marion Cotillard faz uma treinadora de baleias assassinas que tem ambas as pernas arrancadas por um de seus bichos (quer dizer, na vida real foi ainda pior - a moça morreu). O choque, o desespero e a paulatina retomada do cotidiano são retratados de maneira impressionante por aquela que é a maior atriz francesa do momento. Sem falar que os efeitos especiais são tão incríveis que a gente esquece que são efeitos: parece até que Marion sacrificou mesmo suas duas pernas por amor à arte. Mas o verdadeiro portagonista do filme é o brutamontes vivido pelo belga Matthias Schoenaerts, que vai deixar muita biba suspirando por uns sopapos. O cara tem bom coração e tenta fazer o melhor pelo filho pequeno, mas suas limitações como homem sempre o metem em apuros. Assim como a namorada que teve as pernas amputadas, ele também carece de foco e maturidade. Suas atitudes irresponsáveis acabam por machucar quem está em volta, no corpo e na alma. O diretor Jacques Audiard - que foi indicado ao Oscar pelo violento "Um Profeta" - fez aqui um filme lindo, cheio de elipses e planos emocionantes (o reencontro silencioso de Marion com uma de suas baleias é cinema em estado puro). "Ferrugem e Osso" é uma porrada.

sábado, 22 de junho de 2013

IGNORÂNCIA TEM CURA

Finalmente uma parada gay totalmente politizada, sem avacalhação nem ocorrências. Mas com humor, alegria, batucada e drag queens: aconteceu ontem à tarde em São Paulo e reuniu cerca de 10.000 pessoas. O pretexto, claro, foi a aprovação do tacanho projeto da "cura gay" pela CDH no meio da semana e no meio dos protestos que sacudiram o Brasil. Parece que até a grande imprensa acordou, pois li vários editoriais e colunas contrários nos principais jornais e revistas. Sei não, mas desconfio que o Infeliciano tenha martelado o último prego de seu caixão político. Foi de uma inabilidade rara aprovar a proposta justo agora, achando que ninguém estaria prestando atenção. A reação está aí: militantes pedindo aposentadoria por invalidez, listas com nomes e fotos dos deputados que votaram a favor circulando nas redes sociais e remédios como "Dipiroca" e "Omipramim" completando a desmoralização do movimento "pró-família". Está mais do que na hora dos evangélicos perceberem que esta não só é uma causa perdida, mas que também prejudica, antes de mais ninguém, a ele mesmos. Fica evidente o quanto são alienados quando focam energias para perseguir os homossexuais, ainda mais no momento em que o país acordou para seus reais problemas. Agora precisamos explicar aos leigos inocentes a violência que é a tal da "cura gay". Tá cheio de comentário na internet de gente ignorante dizendo que "um gay tem direito de procurar um psiquiatra se quiser deixar de sê-lo" ou que "não sei do que estão reclamando, a cura não será compulsória" (mas claro que este seria o próximo passo da bancada fundamentalista). Tem chão pela frente.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

AUX ARMES, CITOYENS!

Fui contra o vandalismo desde o primeiro dia, quando ainda era "in" defender algum tipo de quebra-quebra. Marchei pelas Diretas Já em 1984, marchei com os caras-pintadas em 1992, e nunca ninguém quebrou nada. Ah, e adivinha? Ganhamos! Não, não consertamos o Brasil de uma vez por todas, e agora também não consertaremos. Mas dizer que um pouco de violência é até saudável vai contra tudo o que eu penso (descontadas algumas bravatas aqui no blog, rs).

Dito isto, foi com um misto de terror e fascinação que assisti à quase tomada do Itamaraty ontem à noite. A turba ensandecida jogava pedras e até coquetéis molotov, chegando a atear fogo numa das colunas. O alvo não era o palácio em si, por mais que a política externa brasileira seja para lá de questionável. A malta simplesmente não conseguiu se aproximar do Congresso ou do Planalto. Fiquei até com pena do punhado de PMs que precisou repelir o ataque, em enorme desvantagem numérica. Deu um puta medo de que aquilo virasse uma merda a nível literalmente federal, com a polícia matando gente em plena Esplanada dos Ministérios. Parecia que a queda da Bastilha estava sendo transmitida ao vivo.

No que tudo isto vai dar, claro que ninguém sabe. Apesar da paranoia dos petistas, que gritam "golpe" cada vez que alguém se manifesta contra o partido, acho remotíssima a possibilidade de uma intervenção militar. Não há o menor clima para isto, apesar de já ter página no Facebook incitando os milicos. Tenho mais medo de um auto-golpe à la Fujimori, com toque de recolher e suspensão dos direitos individuais. Pelo menos os cleptocratas da FIFA já estão apavorados.

E será que essas manifestações todas vão resultar em alguma coisa? Pela minha experiência anterior, vão. Alguma. Será que le jour de gloire est arrivé? Ainda não. Mas o clima político no país mudou. Pena que este não seja ano de eleições.

O MAL QUE NOS RODEIA

E no meio da revolução eu fui ao cinema. Não consegui controlar minha compulsão pela sétima arte. Ontem à noite, com a Paulista tomada de gente (eu mesmo dei uma passadinha), liguei para o Espaço Itaú da Augusta e perguntei: vocês estão abertos? Esperei os protestos amainarem e fui para a rua novamente. Valeu a pena. "Segredos de Sangue" é um filme pequeno e estranho que está passando mais batido do que ônibus superlotado. O diretor coreano Park Chan-Wook (do badaladérrimo "Oldboy") faz sua estreia em inglês com uma trama estilizada repleta de sexo e violência. Mas não de elementos sobrenaturais: apesar do título original, "Stoker", fazer referência ao autor de "Drácula", a história não tem nada a ver com vampiros. Ou vai ver que tem, mas de almas. O esplendoroso Matthew Goode faz um tio bonitão que seduz mãe e filha depois que o pai morre misteriosamente. A menina é a australiana Mia Wasikowska, revelada na "Alice" de Tim Burton e que aqui, pela primeira vez, encontra um papel talhado para sua apatia. Nicole Kidman, já bem entrada nos quarenta, continua deslumbrante, mas a estrela do filme é mesmo sua direção de arte, algo atemporal. Há algumas sequências incríveis, e maneirismos de câmera que mostram que o diretor não tem medo de pagar de moderno. Pena que o final derrape, na tentativa de explicar a origem do mal que aflige os personagens. Bobagem: o mal está sempre aí, dentro e fora de nós mesmos. Como acabamos de ver nas ruas.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

QUEM TEM QUE TER MEDO SÃO ELES

Hoje me dei conta de que acho esse pessoal do Anonymous uns babacas. Um bando de adolescentes que acham que estão em filme de super-herói e que morrem de medo que papai e mamãe descubram que eles vão aos protestos. Fiquei especialmente irritado com este vídeo acima, onde eles dizem levantar "causas diretas e sem polêmicas de cunho religioso ou ideológico". Ou seja, não querem peitar os fundamentalistas. Fora que essa criancice de usarem máscaras vai contra tudo pelo que eu lutei na vida, para sair do armário e ter visibilidade. Faço questão de mostrar minha cara e usar meu nome. Faço questão de que os ômi saibam que sou eu quem está protestando. Quem ter que ter medo são eles.

NUMA GALÁXIA MUITO DISTANTE...






quarta-feira, 19 de junho de 2013

NÃO É POR CAUSA DE 20 CENTAVOS

E no final todo mundo aderiu. Como dizem os franceses, todo mundo e seu pai: até a Dilma disse ontem que os manifestantes "honram" o Brasil, depois de devidamente instruída por seus superiores. A presidenta até tentou encampar o cartaz mais legal que apareceu nos protestos, o "Desculpe o transtorno - estamos mudando o Brasil". Gentem, até os evangélcios apoiaram! Não que isto os tenha impedido de aprovar a "cura gay" na CDH, muito pelo contrário. Os tolos ainda não entenderam que os primeiros na linha de fogo são eles... Mas até os apresentadores dos jornais da Globo já estão enfatizando o "pequeno" quando dizem "um pequeno grupo de vândalos". Só faltou o Maluf dizer que é contra a PEC 37. E por falar nela, ainda não foi arquivada: motivo, aliás, é o que não falta para as manifestações continuarem. Quero só ver. Está todo mundo cansado e finalmente a passagem do ônibus voltou para os R$ 3,00 em São Paulo, mas agora temos mostrar que não era mesmo por causa de 20 centavos. Quem vai para as ruas amanhã?

O REI DA EMPULHAÇÃO

Pelé nunca foi admirado pela clareza das ideias, mas este vídeo aí em cima é unFUCKIN'believable. Chega a ser patética a tentativa de nos convencer de que a seleção é mais importante do que o transporte, a educação ou qualquer outro problema que aflige o Brasil. E é óbvio que tem gente graúda por trás disto, mas quem? O governo? A FIFA? Os patrocinadores da Copa? Ou todas as anteriores?

LINDAS DE MORRER

A revista "Vice" exagerou? Seu último número é dedicado à ficção escrita por mulheres, e traz um editorial de moda que está causando celeuma: nada menos que a recriação do suicídio de autoras famosas. A matéria já sumiu do site da revista, mas ainda pode ser vista na íntegra aqui.

Tem Virginia Woolf entrando no rio carregando pedras, Sylvia Plath prestes a enfiar a cabeça no forno e por aí vai. São fotos lindas, mas será que são de bom gosto? E desde quando a arte precisa ser de bom gosto? E desde quando editorial de moda é arte?

terça-feira, 18 de junho de 2013

BARULHO PARA A ARQUIBANCADA

Claro que foi um acinte a Comissão de Direitos Humanos da Câmara aprovar, justo hoje, o famigerado projeto que permite que psicólogos tentem "curar" seus pacientes gays. Também foi um ótimo lembrete para todos nós, porque essa cambada de fundamentalistas só conseguiu dominar a CDH por causa do descaso dos grandes partidos e da maneira asquerosa como se faz política neste país. Mas é bom lembrar que os evanjas não estão nem aí para os protestos. O enorme rebanho deles é o mais desinformado e manipulável do Brasil. De nada adiantou o discurso do deputado Simplício Araújo (PPS-MA), que lembrou que a cabeça de todos ali está a prêmio. Além do mais, eles mesmos sabem que este projeto tem pouquíssimas chances de se concretizar. Ainda tem que passar pelas Comissões de Seguridade Social e Consituição e Justiça. Na remota hipótese de ser aprovado por ambas, vai a plenário, onde a maioria dos deputados e senadores está com o cu na mão. Se por algum milagre ao contrário passar, tem a caneta de Dilma pela frente, e eu duvido muito que a presidenta não o vete. Ela nunca se posicionou claramente, mas a indicação de Barroso para o STF foi uma pista do que ela pensa sobre os direitos igualitários. Mas Infeliciano e sua gangue estão se lixando: como na ação que o PSC tentou mover contra o casamento gay, a única coisa que interessa é fazer barulho para a arquibancada. Para que pensem que eles estão fazendo alguma coisa contra o grave perigo homossexual, e assim se reelegerem no ano que vem. Nisso tudo, falta a grande imprensa esclarecer um ponto crucial: a proposta é absurda. É a política interferindo no que é ou deixa de ser ciência. Imagine a gritaria se algum parlamentar propusesse que a Engenharia Civil agora "permitisse" casas com tetos flutuantes, sem paredes, colunas ou fundações?

WHY IS THE BUM SO BIG IN BRAZIL?

Enquanto os canais brasileiros não tinham outro assunto ontem à noite, o Channel Four britânico exibia uma programação muito mais amena: "The Greatest Shows on Earth", uma série de documentários engraçadinhos apresentados pela jornalista Daisy Donovan. O desta segunda-feira focava no Brasil, "as it prepares to explode onto the world stage with the World Cup in 2014" (prepares? not any longer). E quem estava lá, dando uma entrevista nos bastidores do Miss Bumbum? Pois é, eu nem lembrava mais. Foi em novembro do ano passado. O áudio do vídeo acima, gravado num celular por uma amiga que mora em Londres, não é dos mais claros. Mas eu juro que só falei coisas inteligentíssimas, num inglês de dar inveja à Dowager Countess de "Downton Abbey".

CANSOU DE TANTO PERU

Miguel Bosé teve um chilique durante uma entrevista coletiva no Peru, país que visita com frequência. Ao ser perguntado se já havia provado o ceviche e o pisco sour, o cantor espanhol disparou que não conhecia nenhuma das duas iguarias típicas. Depois emendou: "Você faz ideia de quantas vezes eu me embebedei com pisco sour durante os últimos 37 anos? É isto o que você quer saber? O que você quer que eu diga?" Depois se irritou quando outro repórter questionou qual era a música de que mais gostava de seu repertório. "Essas perguntas se fazem a garotas de 12 anos. Tipo, 'qual é sua cor favorita?'" O desabafo logo gerou um hashtag no Twitter, #PreguntasparaBosé", só com cretinices. Imagina se ele, assumido apreciador de rapazes, estivesse numa coletiva no Brasil dos anos 80. Naquela época nossos jornalistas sempre perguntavam aos ilustres visitantes estrangeiros: "o que você acha do charme e veneno da mulher brasileira?"

segunda-feira, 17 de junho de 2013

O OUTONO BRASILEIRO

Bom dia! Dormiu bem? Então vai jogar uma água no rosto, porque temos muito trabalho pela frente. Desde a manifestação de quinta-feira passada, estou com a renitente sensação de que o Brasil finalmente acordou. O movimento Passe Livre, do qual pouca gente tinha ouvido falar até duas semanas atrás, acendeu o estopim de uma revolta latente que já ultrapassou os meros 20 centavos do aumento da passagem de ônibus (e atenção, "meros" não quer dizer "poucos"). Assim como aconteceu na Turquia, a truculência da repressão policial foi um autêntico tiro no pé do próprio governo. E quando digo governo, quero dizer todos: municipal, estadual, federal, judiciário, legislativo, executivo. Roberto Requião, ex-governador do Paraná, tinha razão no tuíte em que avisou aos colegas para não se rejubilarem com a vaia que Dilma levou na abertura da Copa das Confederações: não foi só ela quem foi vaiada, foram todos os políticos. Todos mesmo, com pouquíssimas exceções. Está todo mundo de saco cheio das alianças espúrias pela tal da governabilidade, todo mundo de saco cheio da FIFA querendo mandar no Brasil, todo mundo de saco cheio ponto. É emocionante ver que as mega-manifestações que acontecem neste exato momento em São Paulo, Rio e Brasília também incluem protestos contra o PEC 37, que basicamente impede o Ministério Público de investigar qualquer político. Também estão reclamando contra a baixa qualidade do transporte, da educação, da gastança mal-direcionada. Agora, muita calma nessa hora: mais do que nunca, nada de depredar estações do metrô ou agências bancárias, que é para não dar razão ao inimigo. Fui contra o quebra-quebra desde o primeiro momento, e continuo contra. Além de injusto, é contra-producente. Mas já estava mais do que na hora desses governos todos despertarem da hipnose auto-induzida de que o Brasil é um sonho intenso, um raio vívido. Paciência tem limite. Winter is coming.

(Mais sobre este momento de inflexão na minha coluna de hoje no F5)

domingo, 16 de junho de 2013

OTIMISMO CAUTELOSO

Quatro anos atrás, meu blog se tingiu de verde em solidariedade aos manifestantes pró-Moussavi no Irã. O clérigo reformista foi descaradamente roubado nas eleições presidenciais de 2009. Apavorado com possíveis mudanças, o regime dos aiatolás forjou a reeleição de Ahmadinejad já no primeiro turno, provocando enormes levantes populares nas grandes cidade do país. E também a mais infeliz das declarações de Lula em política externa: o ex-presidente comparou os protestos pela democracia a uma reles briga entre torcidas de futebol. Dessa vez parece que o resultado da eleição foi o melhor possível, para o Irã e para o mundo. Digo "parece" porque é muito difícil ler nas entrelinhas da política iraniana. Já me disseram que quem manda mesmo é violenta Guarda Nacional e que o "líder supremo", o aiatolá Khamenei, é pouco mais do que uma rainha da Inglaterra. Por outro lado, Ahmadinejad foi, além de extraordinariamente mal-vestido, um presidente tão incompetente que não conseguiu nem que seu favorito tivesse a candidatura aprovada. Esta é outra peculiaridade do sistema de lá: só seis políticos puderam concorrer, nenhum muito conhecido e nenhum à esquerda. A campanha durou apenas duas semanas (o que não deixa de ser um alívio) e no final venceu Hasan Rowhani, o único mais ao centro. O que vai acontecer agora? Boa parte da população está exausta das restrições impostas pela república islâmica, e talvez a cúpula do poder tenha percebido que precisa começar uma abertura gradual. Mas talvez não: o Irã ameçou se liberalizar outras vezes, mas nunca conseguiu.

sábado, 15 de junho de 2013

COISAS DE CASAL

Como é bom querer muito ver um filme e depois não se decepcionar. "Antes da Meia-Noite" é tudo o que eu esperava da continuação de "Antes do Amanhecer" e "Antes do Por-do-Sol", dois dos filmes mais realisticamente românticos de todos os tempos. Dessa vez a realidade quase sufoca o romance: finalmente casados há nove anos, depois de outros nove suspirando um pelo outro, Jesse e Céline agora tem um par de gêmeas e toda uma vida em comum, com o inegável desgaste trazido pelo tempo. Ou talvez pelos filhos: todo o problema começa quando ele insinua que gostaria de voltar a morar nos EUA, para ficar mais perto do filho adolescente, enquanto ela prefere ficar em Paris porque recebeu uma boa proposta de trabalho. As conversas bem-humoradas acabam descambando para acusações mútuas e, apesar de eu conseguir ver claramente o ponto de cada um, torci descaradamente por ele. Não sei se foi por solidariedade de gênero ou se a mulher foi propositalmente pintada em tons mais antipáticos (provavelmente não, já que Julie Delpy é uma das co-autoras do roteiro). "Antes do Amanhecer" é o terceiro capítulo da mais longa DR da história do cinema, e nada indica que ela acabou por aqui. Aposto que o casal estará de volta daqui a nove anos.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

PECADOS CARDEAIS

Foi só o papa Francisco confirmar que existe mesmo um lobby gay dentro da Cúria Romana que eu lembrei na hora de um episódio clássico de "Will & Grace". Procurei por alguma cena nas internets, mas tudo o que eu encontrei foi uma foto que, espertamente, transformei neste sensacional meme aí ao lado. Só que ninguém fique muito esperançoso com a indiscrição do papa. Esse lobby não está lá dentro para defender os direitos igualitários (nenhum cardeal chegaria à Cúria enrolado na bandeira LGBT), mas para manter seus privilégios e, dizem, seu estilo de vida debochado. Aliás, alguns ex-seminaristas garantem que, no dia em que os homossexuais forem plenamente aceitos pela sociedade, a Igreja receberá ainda menos vocações sacerdotais do que hoje.

AS CURVAS DA ESTRADA DE LULU SANTOS

Eu estava esperando uma releitura mais radical dos repertórios de Roberto e Erasmo Carlos por Lulu Santos. Tipo, "Se Você Pensa" transformada em mambo, ou "Festa de Arromba" em versão tribal para as pistas. Mas Lulu foi para outro lado. Apesar dos arranjos serem muito diferentes dos originais, ele decantou o DNA das canções escolhidas. Fez uma espécie de redução culinária, até chegar à essência do que elas são: rockinhos melodiosos, com forte pegada de blues. Claro que essa generalização não se estende a todo o cancioneiro da dupla. As baladonas de Roberto têm outra genealogia: vêm do bolero, do samba-canção e dos standards americanos. Mas o recorte escolhido por Lulu privilegia o lado mais dançante, com muita coisa dos tempos da Jovem Guarda. Inclusive uma que nem foi composta por Roberto e Erasmo: a brego-dramática "Você Não Serve para Mim", ressuscitada há alguns anos por Marisa Monte e aqui defendida com o auxílio de Jorge Ailton. "Lulu Canta e Toca Roberto e Erasmo" também conta com as presenças de Késia Estácio e Marquinhos oSócio, que eram do time de Lulu no "The Voice Brasil", e nasceu de um show. Devolvido aos holofotes graças ao "reality" da Globo, Lulu preferiu lançar este produto de entressafra agora e guardar suas inéditas para o ano que vem. Não fez feio: este é um bom disco. Mas agora quero ouvir Robero e Erasmo em clima de valsa ou reggaetón.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

NO CALOR DA PELEJA

Desci do metrô na esquina da Consolação com a Paulista às sete e meia da noite. Como anteontem, já havia um monte de PMs na saída da estação. Mas também havia mais viaturas, cavalos e barricadas de motos da polícia impedindo o acesso de quase todos os veículos a duas das avenidas mais movimentadas da cidade. Acelerei o passo: melhor chegar em casa antes do pau quebrar.

Não demorou muito. Moro ao lado da Paulista e dava para escutar perfeitamente o barulho das bombas, uma novidade para meus ouvidos virgens. Pela Globo News, imagens que pareciam o começo de uma guerra no centro de São Paulo. E pelo Facebook, relatos em primeira mão de quem estava no olho do furacão.

Outro dia eu disse que o "Passe Livre" precisava de uma consultoria de marketing, porque depredar o patrimônio público e alheio era a estratégia mais segura para conquistar a antipatia da população. SP é uma metrópole traumatizada pela violência. Não importa que a grande maioria dos manifestantes que saem à rua sejam da paz: basta uma pedrada numa vitrine para a foto vir estampada nos jornais. Muitos órgãos da imprensa não estão fazendo uma cobertura isenta, mas é inegável que um PM quase foi linchado, ou que a Capela Imperial no Rio de Janeiro foi pichada. Não dá para perdoar.

Mas hoje a história se inverteu. Apavorada, a polícia atacou antes que acontecesse qualquer coisa. E justo no dia em que muita gente saiu às ruas justamente para conter os mais exaltados. Os PMs soltaram bombas de gás lacrimogêneo, baixaram o cacete e instalaram o pânico, como que para ajudar quem estava na dúvida a se decidir de que lado está. Foi o meu caso.

Uma hora não me segurei mais. A história se desenrolando a poucos metros do meu apartamento, e eu assistindo "Amor à Vida"? Desci, com meu marido correndo atrás. A rua estava engarrafada. Muita fumaça no ar. Na Haddock Lobo, em frente ao Fran's Café e ao Starbucks, uma cena bizarra, inimaginável: uma fogueira de lixo ardendo no meio da rua, e uma tropa de PMs alinhada logo atrás, escudos em riste como uma legião romana na formação de tartaruga. Um moleque de 18 anos gritava, quase afônico: "Vocês também são povo! Vocês também pagam ônibus! Essa briga também é por vocês!"

Tentei me aproximar do fogo, mas não fui muito longe. Meus olhos começaram a arder loucamente, meu nariz também. Então é isso? Já posso tirar da lista das "1.000 Coisas para Fazer Antes de Morre": gás lacrimogêneo.

Na Paulista, muita gente - mais transeuntes e curiosos do que propriamente manifestantes. O trânsito voltava a circular. Uma multidão correu para o metrô assim que ele abriu, como se fosse fechar novamente logo em seguida. Nunca vi tanta polícia junta, nem na época das Diretas Já. Um clima estranhíssimo no ar.

Acho que hoje o governo "jumped the shark". Calculou mal e agiu com truculência desnecessária. Também sinto que o movimento pode transcender os 20 centavos de aumento da passagem (que não, não são poucos) e se transformar - quem sabe - nos tais protestos contra a corrupção, a inépcia e o descaso que os pseudo-ativistas de rede social tanto cobram de quem vai à Parada Gay ou à Marcha das Vadias. Motivo já não faltava. O estopim talvez não falte mais.

PROVA DE AMOR MAIOR NÃO HÁ

Jantar romântico é para os fracos. Neste Dia dos Namorados, meu marido Oscar me deu uma prova de amor muito mais impressionante do que uma jóia de H. Stern. O pobrezinho aguentou firme ao meu lado as duas horas e meia de "Era uma Vez na Anatólia", que eu tanto queria ver. Este chatíssimo filme turco conquistou muitos prêmios e críticas maravilhosas. Não tenho o chip para entender por quê: apesar dos lindos planos e dos atores naturalistas, a trama supostamente policial do diretor Nuri Bilge Ceylan é lenta a mais não poder. Um bando de policiais procura por um cadáver junto com o suspeito do crime, mas chega uma hora em que isto é o de menos. Quem matou, por que matou, como matou, tudo isto se apequena diante do vazio existencial dos personagens. E do silêncio... Tem gente que adora. Não chegamos a odiar - até que há momentos interessantes, ainda mais para quem acabou de chegar da Turquia como nós. Mas foi uma maneira bizarra de comemorar a data de ontem. E a confirmação de que, mesmo depois de quase 23 anos de casados, ele ainda me ama! Ele ainda me ama!

quarta-feira, 12 de junho de 2013

THE GAY SUSAN BOYLE

O roteiro é manjado e, muito provavelmente, manipulado. O candidato com cara de coitado abre a boca, solta o vozeirão, encanta o universo, todo mundo chora e nasce uma estrela. Mas dessa vez a história me pegou. É duro não se emocionar com o drama de Jonathan Allen, expulso de casa aos 18 anos só por ser gay. Também é empolgante ver a reação do júri e da plateia do "America's Got Talent", mais um sinal claríssimo de que os tempos estão mudando. Mas fica a pergunta no ar: será que acolheriam tão bem o rapaz se ele tivesse cantado mal?

CASAIS IMAGINÁRIOS

Taí uma ideia digna de ser copiada no resto do mundo. O fotógrafo francês Olivier Ciappa abre amanhã, em Paris, uma exposição de fotos de casais do mesmo sexo - só que de mentirinha. Todos os modelos são celebridades heterossexuais que, evidentemente, apoiam os direitos igualitários. Para promover o evento, Ciappa postou o cartaz acima no Facebook, mostrando os nadadores olímpicos Frédérick Bousquet e Florent Manaudou. Já tem milhares de compartilhamentos. É até comum que famosos se manifestem em prol da causa LGBT, mas não lembro de nenhum que tenha topado esse tipo de brincadeira. Allez les garçons!

Mas a França é mesmo um país curioso. Apesar do casamento gay ter sido aprovado por larga margem no Parlamento, a homofobia continua fazendo vítimas fatais. A última foi um jovem militante espancado por skinheads, num caso que gerou uma comoção nacional. Apesar disto, coisinhas miúdas ainda ferem as sensibilidades reacionárias. O poster ao lado, do filme "L'Inconnu du Lac", foi censurado nas cidades de Saint-Cloud e Versailles, em plena banlieue parisiense. Deve ser estranho viver num lugar assim, onde uma certa liberalidade convive (mal) com o pensamento mais atrasado.

terça-feira, 11 de junho de 2013

YA TODOS HABLAMOS PORTUGUESIÑO

Nova campanhinha da Coca-Colinha no Equadorzinho. Por que será que eles acham que aquizinho no Brasilzinho todo mundinho só fala no diminutivinho?

Coxinha de frááángo.
 Portuguesiño sí, tanga brasilera náááo.

FALTA MARKETING

Os manifestantes contra o aumento das passagens de ônibus estão precisando urgentemente dos serviços de uma consultoria de marketing. Alguém precisa dizer para eles que depredar o patrimônio público ou alheio é a maneira mais rápida de conquistar a má vontade de boa parte da população, por mais justa que seja a causa defendida. Já surgiu até mesmo a suspeita de que os protestos que acontecem em diversas cidades brasileiras foram orquestrados pelo governo e/ou interessados, justamente para colar no pessoal do "Passe Livre" a fama de arruaceiros. Eu não acredito nesses maquiavelismos, mas acredito em construção de imagem. E sugiro aos manifestantes que busquem inspiração no bom humor do movimento #OccupyGerzi na Turquia, onde até Darth Vader já deu as caras.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

A MENTIRA EM MARCHA

Silas Malafaia, Marisa Lobo e outros notórios homofóbicos estão compartilhando a foto aí ao lado como se fosse da tal "Marcha pela Família Tradicional" que aconteceu semana passada na Esplanada dos Ministérios. Só que não: a foto na verdade é do aniversário de Brasília em 2008, como já denunciaram o site Pragmatismo Político e o biólogo Eli Vieira - aquele que desmontou um por um os argumentos pseudo-científicos do MalaFAIL depois da entrevista a Marília Gabriela, em fevereiro passado. Eli, inclusive, teve removido do Facebook o post onde apontava a farsa, assim sem mais nem menos. Provavelmente foi denunciado pelos próprios farsantes e o Facebook, sempre rapidíssimo na hora de fazer cagada, aceitou. Por isto mesmo, é importante que mais gente compartilhe, denuncie e esperneie. A tal da marcha "dos bloqueadores da genitália alheia" (bravo, Eli) esperava 100 mil pessoas e mal reuniu 40 mil, segundo os cálculos da Polícia Militar ( o Datafolha talvez dissesse que foram 27). Menores ainda são as pernas dessa mentira deslavada.

A MELHOR PIADA DE PORTUGUÊS EVER

Vi a Dilma na TV com o ex-primeiro ministro Mário Soares e me lembrei...

- Mário Soares? Que Mário Soares?
- Aquele que te comeu atrás do armário Soares.

WE'RE GOING BIGGER

Ontem foi uma daquelas noites de tudo-ao-mesmo-tempo-agora na televisão. Tive que fragmentar meu attention span entre a estreia de Marcelo Adnet no Fantástico (tema da minha coluna de hoje no F5), o final da temporada de "Game of Thrones" e a entrega daqueles prêmios que levam meu nome, embora não sejam em minha homenagem. Pela primeira vez na história (se não me engano), o canal Film & Arts transmitiu ao vivo para o Brasil a cerimônia dos Tonys - o que seria incrível para mim se o Film & Arts estivesse disponível na Net, e não apenas na Vivo TV. O jeito foi acompanhar o programa pelo site Mr. Zieg, que mostrava o feed da rede americana CBS aos trancos e barrancos (buffering... buffering...). Mesmo assim, consegui ver muita coisa. Fiquei feliz pelas vitórias de "Who's Afraid of Virginia Woolf", que eu assisti em dezembro passado: melhor revival de peça, melhor direção e melhor ator para Tracy Letts (chupa, Tom Hanks). Também vibrei por Cyndi Lauper, que ganhou pela música de "Kinky Boots". Mas nada foi mais sensacional do que o número de abertura, onde o anfitrião Neil Patrick Harris mostrou que talvez seja a pessoa mais talentosa de todos os tempos. A produção, a sincronia e a quantidade de gente em cena são o showbiz americano a todo vapor. Juro que me deu vontade de aplaudir em pé.

domingo, 9 de junho de 2013

OFRA ARRASA

Um amigo me mandou esta tarde o link para um vídeo curioso: Ofra Haza, aos 21 anos de idade, cantando na TV israelense aquele que viria ser o maior sucesso de sua carreira, "Im Nin' Alu". O programa é de 1978, mas passaria por 1958 tranquilamente. Para quem não está ligando o nome à p'ssoa: Ofra foi a primeira estrela internacional nascida em Israel. Reza a lenda que seus pais emigraram a pé do Iêmen para a Terra Santa, e ela já era bastante conhecida em seu país quando DJs londrinos se meteram a remixar "Im Nin' Alu" em 1988. A música (na verdade, um cântico religioso do século 17) estourou no mundo inteiro e Ofra cantou até mesmo na Hebraica, em São Paulo. Engraçado como o vídeo acima parece pré-histórico, e não só por causa do preto-e-branco, enquanto que o de baixo, apenas 10 anos mais novo, ainda passa por atual. A cantora morreu de AIDS em 2000 - dizem que foi contaminada pelo próprio marido, que era usuário de drogas e morreu de overdose pouco tempo depois. Mas seu legado sobrevive. "Im Nin' Alu" toca por aí até hoje e chegou a ser incluída no show "Confessions" da Madonna. Ofra Haza foi uma pioneira da "world music" e abriu os ouvidos de muita gente para os sons do Oriente Médio. Inclusive os meus.

sábado, 8 de junho de 2013

I LIKE LARGE PARTIES


"O Grande Gatsby" foi o primeiro livro adulto que eu li na minha vida. Eu tinha 13 anos de idade e fui contaminado pela campanha de lançamento do filme com Robert Redford e Mia Farrow, uma das primeiras a contar com toda uma linha de produtos relacionados. Li uma tradução em português e "adorei". Só agora, quase 40 anos depois, é que me dispus a reler a obra mais conhecida de F. Scott Fitzgerald, dessa vez no original em inglês e novamente influenciado pelo lançamento de um filme. Finalmente posso dizer com propriedade que estou adorando. O estilo de Fitzgerald é delicioso e ilusoriamente superficial. Ele descreve festas e mansões com detalhes irônicos, tece metáforas inesperadas e revela a alma dos personagens por baixo da ostentação. O livro é um pileque literário: tem a euforia da bebedeira e a ressaca do dia seguinte. Faz cócegas no nariz e dá dor de cabeça.

Graças ao Netflix, também consegui rever o filme de 1974. É péssimo. Muito, mas muito pior do que eu me lembrava. Na época foi massacrado pela crítica e fracassou na bilheteria, e isso até foi pouco. Deviam ter ateado fogo às salas de cinema e exilado boa parte do elenco e da equipe. Mia Farrow está especialmente irritante, fazendo uma vozinha aguda que nem de longe sugere que "Daisy's voice is full of money", uma das muitas citações do livro que se tornaram famosas. O roteiro de Francis F. Coppola é extremamente fiel a Fitzgerald, mas a direção do falecido Jack Clayton é um desastre. O filme simplesmente não anda. Ainda assim levou merecidos Oscars de figurino e direção de arte, e também tem uma trilha sonora repleta de preciosidades dos anos 20. Hoje é um bonito dinossauro.

Ontem vi a versão de Baz Luhrmann (sim, cheguei a tempo no cinema). Está todo mundo malhando essa féerie em 3D, mas eu não tenho vergonha de admitir que ADOREI. Os atores estão todos bem, principalmente Leonardo Di Caprio; ele talvez fosse mais respeitado se não fosse tão perfeitinho. Se bem que aqui cabe um adendo: apesar de terem as idades adequadas para os papéis, quase todos parecem jovens demais. Lembram crianças fazendo uma peça na escola. Mas isto é o de menos: o que importa é que embarquei na artificialidade do filme. Até os excessos das festas me pareceram contidos. Eu queria mais, com mais brilho e mais presença da música, como em "Moulin Rouge" (apesar de tudo, o filme não é um musical).

No fundo, acho que toda adaptação cinematográfica de "Gatsby" está fadada às críticas ruins. E isto é por que a história em si não é satisfatória. Os "mocinhos" (ponho aspas porque ninguém é santo) são punidos por acaso, os "malvados" escapam como se nada. Também tem peças que giram em falso, como Gatsby saindo com Daisy depois da grande discussão no hotel Plaza - não faz lá muito sentido. O livro pode ser interpretado como os limites do sonho americano, onde o sucesso financeiro acaba esbarrando nas barreiras de classe (o que não é mais verdade). E também como um caso de amor gay não correspondido, pois Nick Carraway está nitidamente apaixonado por seu vizinho milionário. No novo filme ele até vai parar numa clínica de reabilitação, coisa que nunca esteve no livro.

Chegamos assim à trilha sonora. Mais uma vez Baz Luhrmann usa sons contemporâneos para ilustrar uma trama de época. Nem tudo funciona bem. O rap de Jay-Z e o rock de Jack White não combinam em nada com o universo gatsbyano. Outras faixas, sim - principalmente as que misturam elementos dos "roaring twenties". "Crazy in Love", na voz de Emeli Sandé e em ritmo de charleston, ficou irresistível, assim como "A Little Party Never Killed Nobody", com Fergie.

Como bem diz a divina Jordan Baker, em mais uma citação imortal do livro: “And I like large parties. They’re so intimate. At small parties there isn’t any privacy.”

sexta-feira, 7 de junho de 2013

POR CAUSA DE 20 CENTAVOS

Ontem fomos ao cinema na região da Paulista. Quando saímos, antes das 10 da noite, havia muita gente na rua. Também tinha muitos policiais e latas de lixo reviradas no chão. Perguntamos o que tinha acontecido: claro, foi a tal manifestação contra o aumento da passagem do ônibus. O quebra-quebra tinha sido na outra ponta da avenida, mas os sinais de bagunça eram visíveis na esquina da Augusta. E aí minha opinião se dividiu. Claro que é justo protestar, mas será que é preciso interromper o trânsito e atrapalhar a vida dos outros? Claro que a polícia reprimiu com mão pesada, mas os manifestante precisam reagir tacando pedras em lojas que não têm nada a ver com o pato? Parece até que alguns deles não querem que só o aumento seja cancelado: exigem passe livre nos ônibus. Viajar de graça - coisa que não existe em nenhum lugar do mundo. Hoje os protestos acontecem na região da Faria Lima. Vamos ver como a coisa evolui. Seria incrível uma mega manifestação contra a violência, a inflação, os corruptos. Por outro lado, não quero chegar atrasado ao cinema.

ATUALIZAÇÃO: Deixa eu repetir com outras palavras minha dubiedade de sentimentos, pois nos comentários tem algumas pessoas que estão entendendo um lado só. Sim, eu acho ótimo o povo ir para as ruas: acho que estamos todos acomodados e deixando os políticos fazerem o que bem entenderem, sem nenhuma reação popular. Não, isto não quer dizer que eu ache que isto tem que ser feito no lugar da Parada Gay ou coisa que o valha. Acho que temos mais é que protestar, o tempo todo, por uma infinidade de razões, e não só nas redes sociais. Sim, fiquei assustado com a depredação que vi na Paulista. Acho que não era o caso de se jogar pedras nas estações de metrô, depredar bancas de jornais ou quebrar a vitrine de lojas. Isto não ajuda o movimento: pelo contrário, gera antipatia e medo. Não, não gosto de ficar preso no trânsito, por mais solidário que eu seja com a causa. Sim, 20 centavos é muita coisa (eu nenhum lugar eu disse que era pouco), ainda mais para quem ganha pouco. Não, "passe livre" não é um pedido razoável - a não ser que alguém me mostre como isto seria possível, pois desconheço em qual lugar do mundo o transporte público é inteiramente gratuito. Sim, tenho pensamentos contraditórios, pois muita gente tem bons argumentos conflitantes nessa questão. Estou pensando em voz alta e, antes que me desqualifiquem, pensem comigo também.

512 TOQUES POR MINUTO

A melhor razão para se ver "A Datilógrafa" é o visual do filme. Figurinos e direção de arte recriam o final dos anos 50 de maneira muito mais colorida do que realmente foi, deixando tudo com cara de caixa de bombons. A segunda melhor razão é Romain Duris: com seu queixo prognata, o ator faz mais um personagem safadamente sedutor, desses que merecem levar um tapa na cara antes de ganharem um beijo. E é exatamente isto o que acontece numa das cenas, tão previsível que é o roteiro. É claro que patrão e secretária irão se apaixonar; é claro que ele tentará de tudo para que ela quebre o recorde mundial de velocidade em datilografia, que dá título a este post. Aliás, esse pseudo-esporte é tratado como se fosse o futebol em decisão de Copa do Mundo, com direito a torcidas histéricas e transmissão ao vivo pelo rádio. Esse é o único ponto original dessa fábula pré-feminista, agradável de ser vista do começo ao fim - e esquecida poucos toques depois.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

E A TIARA NEM SAI DO LUGAR

O pessoal do "Como Eu Me Sinto Quando..." nem precisa se dar ao trabalho. O melhor GIF de todos os tempos para expressar alegria, euforia, triunfo, glória e exaltação é esse clipe dos grandes momentos de Esther Williams. R.I.P., sereia.

ESTATUTO NATIMORTO

Quero só ver se o Estatuto do Nascituro for aprovado pelo Congresso. Será que Dilma Rousseff terá o culhão de vetar essa lei medieval? Ou vai preferir entrar para a história como a presidenta em cujo mandato as mulheres perderam qualquer controle sobre o próprio corpo? Ainda acho que o projeto vai ser abortado - o apelido "bolsa estupro" já pegou, e muita gente está se mobilizando contra mais esse descalabro. Leia aqui um ótimo post da Clara Averbuck, detalhado e contundente. E lembre-se que essa briga é sua, mesmo se você for gay e não tiver a menor chance de engravidar. Os fundamentalistas religiosos na verdade lutam pela plena restauração da sociedade patriarcal, onde mulher não apita e homossexual é enforcado.

A VOZ DO ESGOTO

Agnaldo Timóteo nunca saiu oficialmente do armário, mas deu milhões de indiretas ao longo de sua carreira. Gravou até uma música chamada "A Galeria do Amor", em homenagem à Galeria Alaska, em Copacabana - point de gays durante décadas, pertinho de onde fica a Le Boy. Hoje esse cantor brega está semi-esquecido, tanto que amargou uma fragorosa derrota ao tentar se reeleger vereador por São Paulo ano passado. Agora volta a ser notícia, embora bem pequenininha. Ontem foi a um desses programas vespertinos de TV e criticou Daniela Mercury por "oportunismo". Oi? Então é ela quem está precisando voltar para a mídia? Além de veado mal-resolvido, Timóteo sempre teve fama de escroto. É muito triste ver uma pessoa não alcançar um mínimo de sabedoria na reta final de sua vida. Podemos dar a descarga.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

ESPANCAMENTO TRAGICÔMICO

Aconteceu hoje em Brasília a tal demonstração em prol da "família tradicional" convocada por Silas Malafaia. A home do UOL deu destaque a essa placa aí ao lado, que seria trágica se não fosse cômica. Trágica: é mais um exemplo da auto-vitimização dos evangélicos, que adoram se dizer "perseguidos" quando na verdade exercem um poder político desproporcional e suas igrejas, muitas delas criadas anteontem, gozam de privilégios como a imunidade fiscal. Cômica: o cartaz se esquece de dizer quem são essas minorias. E não são exatamente os gays que são mimados e autoritários. Além disso, quando foi mesmo que um fundamentalista religioso foi espancado no Brasil? Aham.

ATUALIZAÇÃO: Segundo a Polícia Militar, a passeata reuniu apenas 40 mil pessoas - bem menos que as 100 mil esperadas por Malafaia. Também teve militante da "Rede" de Marina Silva coletando assinaturas em prol do novo partido, o que mostra que ela realmente está querendo jogar nos dois times.

DE VOLTA AO AROUCHE

Fui pela primeira vez a uma gravação do "Sai de Baixo" em 2001, quando o programa já estava na reta final. O roteiro não tinha pé nem cabeça e o formato já estava nitidamente desgastado. Mesmo assim, foi uma noite divertidíssima: os atores rompiam a "quarta parede" o tempo todo, com esquecimentos, improvisos e provocações à plateia. Ontem repeti a experiência, que eu conto em detalhes na minha coluna de hoje no "F5". Nunca fui fã de carteirinha da série, mas foi uma delícia reencontrar os personagens. Algumas piadas continuam óbvias demais, e às vezes dá para suspeitar que os cacos de Caco Antibes vêm de um lado não muito simpático da cabeça de Miguel Fallabella. Mas os atores são tão bons, com um timing tão afiado (principalmente minha musa Marisa Orth), que tudo é perdoado. Foi uma catarse coletiva. Agora quero ver como ficou na TV.

VOCÊS REGAM E A GENTE CRESCE


A "primavera turca" já tem sua imagem-símbolo: uma elegante mulher vestida de vermelho, que resiste impavidamente ao spray de gás lacrimogêneo despejado nela por um policial. Não chega a ser um ato de bravura comparável ao do ativista que barrou o avanço de um tanque na praça Tianamen em Beijing, em 1989 - um protesto histórico que, aliás, completou ontem exatos 24 anos. Mas encapsula perfeitamente o conflito que está acontecendo na Turquia, entre a parcela laica e ocidentalizada da população e o governo islamicista e autoritário. Tanto que as fotos deram origem a uma ilustração que já está se espalhando em posters por Istambul, onde a mulher aparece enorme, como se fosse uma planta que foi muito bem regada. Mesmo assim, é bem possível que esse movimento todo acabe em pide, a pizza turca. O primeiro-ministro Recep Tayyp Erdogan foi eleito (e reeleito, e reeleito) democraticamente, e dificilmente irá renunciar. A oposição está fragmentada, e os fundamentalistas religiosos ainda têm muito apoio junto às classes mais baixas. Mas existe um segmento considerável que está descontente com os abusos do poder e disposto a ir para as ruas reclamar, mesmo debaixo de gás e cacetete. Quem dera existisse também na América Latina, onde países inteiros parecem anestesiados diante dos desmandos crescentes de seus líderes.

terça-feira, 4 de junho de 2013

-ISMO, -DADE, -AGEM

Estou chegando à conclusão de que essa insistência dos militantes LGBT pelo uso da palavra "homossexualidade" é pura perda de tempo. A justificativa é a de que "homossexualismo" seria pejorativo, já que o sufixo "-ismo" se referiria a distúrbios patológicos. Mas, depois de ler alguns artigos por aí, descobri que a palavra "homossexualidade" também nasceu da literatura médica, e para denominar o que antigamente era visto como um gravíssimo problema de saúde mental. Além do mais, há inúmeros exemplos de palavras "positivas" terminadas com "-ismo" (patriotismo, civismo, feminismo), e milhares de outras, "negativas", terminadas em "-dade" (crueldade, calamidade, orfandade). Ficar cobrando o uso de um termo em detrimento de outro é contraproducente. Quem luta pela causa dos direitos igualitários adquire fama de chato. E o que ganhamos com isto? Até o Infeliciano já fala "homossexualidade", tão bom foi seu media training, e nem por isto ele está mais evoluído. Portanto, vou parar de aborrecer as pessoas. Cada um que fale do jeito que quiser. Até porque, aqui no meu blog, o marcador que leva aos posts sobre assuntos gays é "viadagem".

ATUALIZAÇÃO: Depois de ler os comentário a este post, resolvi que vou continuar usando preferencialmente "homossexualidade". E pedir para quem usa "homossexualismo" torcar de termo. Mas com toda a delicadeza: o que já tem de gente por aí reclamando da "intolerância" dos militantes LGBT não é mole. Nada de dar muniçnao ao inimigo.