sexta-feira, 30 de novembro de 2012

LET'S HAVE A GLEE GLEE

Confessa: você nunca viu tanta viadagem junta em tão pouco tempo. No no.

BALAS PERDIDAS

"Disparos" já estava na minha lista, inclusive porque eu meio que me obrigo a ver todos os filmes brasileiros de uma certa qualidade. Foi então que Contardo Calligaris publicou, em sua coluna de ontem na "Folha" (aqui, para assinantes do jornal ou do UOL), que o longa de estreia da diretora Juliana Reis não lhe saía da cabeça, porque propunha alguns interessantes dilemas morais. Foi o que bastou para me deixar assanhado, tanto que fui ao cinema na mesma noite. E aí aconteceu o que é de costume quando a expectativa da gente é alta: não gostei de "Disparos". Achei o roteiro confuso, os diálogos forçados, os atores acima do tom. Como muitos diretores estreantes, Juliana não quer contar uma única história, quer contar várias de uma só vez - e acaba perdendo o foco. Seu filme se propõe a traçar um painel da violência urbana em diversos níveis, e se espalha por historinhas de diferentes matizes (tem até um gay que cai no golpe do "boa noite, Cinderela"). Talvez eu tivesse apreciado mais se não estivesse "contaminado" por Calligaris, um dos melhores colunistas brasileiros. E agora acabei de contaminar você...

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

TOUCHED FOR THE VERY FIRST TIME

E agora, a estreia no meu blog de um assunto no qual a maioria dos meus leitores deve estar sobremaneira interessada: lubrificação vaginal! Não faz essa cara, porque a abordagem vai ser política. Sabia que, quanto mais um país valoriza a umidade da perereca, mais feminista ele é? E, não por acaso, mais gay-friendly também, porque são duas causas que caminham juntas. Veja só a embalagem do Mae, um produto recém-lançado no Canadá para as mulheres que não dispõem mais de um aguaceiro entre as pernas. É simplesmente um dos melhores textos publicitários do ano. É bom lembrar que os canadenses já desfrutam do casamento igualitário faz tempo... Enquanto isto, na Índia, um treco chamado 18 Again promete exatamente o contrário: secar a coitada da mulher, para ela ficar mais apertada - do jeito que os homens HTs gostam. Desnecessário dizer que se trata de um país atrasado também nos direitos LGBT. Mas até que o comercial é engraçadinho...

UMA ROSE COM AMOR

A imprensa brasileira não se interessa pela vida particular dos políticos, o que é bastante saudável. Claro que se fosse revelado que o prefeito X vive há anos com o namorado ou que o senador Y cheira quantidades industriais, eles jamais seriam reeleitos. Mas há uma certa leniência - para não dizer hipocrisia, e provavelmente de origem católica - com os casos extraconjugais. É sabido que um ex-presidente tem duas famílias, a oficial e a "paralela". FHC assumiu tranquilamente a paternidade de um filho de sua amante, e a manteve mesmo depois que foi provado que ele não era o pai. Mas essas puladas de cerca não afetaram a maneira como governaram, então ninguém precisava mesmo saber delas. A coisa muda de figura quando o nepotismo entra em cena. Um artigo na página "Opinião" na "Folha" de hoje, assinado por Rogério Gentile, dá a entender que Rosemary de Noronha era, ou é, amante de Lula. Faz todo sentido. Se não fosse por isto, por que ela teria passaporte diplomático, viajaria no Aerolula e despertaria a antipatia de dona Marisa? Pior do que isto: por que teria tanto poder, e por que estaria sendo blindada neste momento por parlamentares do PT, que querem impedir que ela dê depoimento no Congresso? Não tenho provas, mas os pingos se encaixam direitinho nos is. Também preciso registrar que fiquei ligeiramente desapontado: cheguei a achar que quem o Lula comia era a Luiza Brunet...

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

ME MODERNIZA QUE EU TÔ BARROCA

Tive um dia livre em Nova York quatro anos atrás e quase fui ver o barítono brasileiro Paulo Szot em ação. Na época ele encantava plateias e críticos com sua performance na remontagem do musical "South Pacific", pela qual ganhou um prêmio Tony de melhor ator. Mas preferi "Young Frankenstein", e não me arrependi. Ontem finalmente assisti a um recital de Szot, na translumbrante Sala São Paulo. Estava curiosíssimo: ele é o primeiro cantor lírico brasileiro a estourar no Met de Nova York desde a mitológica Bidu Sayão, no começo do século 20. Também é um homem lindo de morrer - e assumidamente gay, by the way. Mas... confesso que não me empolguei muito. A primeira parte do espetáculo era toda de árias de Mahler: OK, o sujeito realmente manda bem. Mas a segunda parte, composta de "standards" americanos e até canções brasileiras, deixou muito a desejar. Szot é afinadérrimo e tem uma voz potentíssima, mas não é exatamente um showman. Falta-lhe alma para convencer no repertório popular; falta-lhe swing, falta-lhe... sexo. Sei que sou um velho pervertido que quer sexo em tudo, mas a versão de Szot para "Love for Sale" - uma das mais insinuantes obras de Cole Porter - tinha a sensualidade de um oratório. Para completar, os arranjos congestionados muitas vezes submergiam a voz do cantor, mesmo ele usando um microfone. Talvez num contexto mais intimista...

De qualquer forma, é sempre um tesão ir à Sala São Paulo. A mistura de arquitetura antiga e moderna faz lembrar o Musée d'Orsay em Paris. O lugar é tão bonito e civilizado que prova que SP, quando quer, pode ser uma das melhores cidades do mundo. E foi na ótima livraria de lá que eu comprei, na hora do intervalo, o novo CD de Cecilia Bartoli, a única cantora lírica cuja carreira eu mais ou menos acompanho. Talvez porque ela seja uma espécie de Lady Gaga da ópera: não tem vergonha de se fantasiar nas capas de seus discos, ainda que via Photoshop. Também adota estratégias de marketing dignas de cantoras pop. "Mission" foi lançado com uma série de webisódios teasers, que faziam mistério quanto ao novo opus da diva. O projeto também inclui um DVD, um romance policial e até mesmo um game num aplicativo para smartphone. Mas vamos ao que interessa: a música é realmente sensacional, com La Bartoli gravando inúmeras árias do compositor barroco Agostino Steffani ainda inéditas em disco. O resultado é arrebatador. E quando é que essa mezzo-soprano vai nos brindar com o ar de sua graça? Confira-a aí embaixo, e diga se não é de enlouquecer.


SUPER-WYLLYS CONTRA O TALIBAN

Jean Wyllys só conseguiu se eleger deputado federal por que foi o segundo candidato mais votado do PSOL no Rio de Janeiro, e mesmo assim com muitíssimo menos votos que o campeão Chico Alencar. Também só deve ter chegado lá porque já era famoso, depois de ter vencido o "BBB" e se tornado apresentador de TV. Mas sua presença na Câmara me enche de orgulho, pois ele está cumprindo um mandato simplesmente espetacular. Repare na atuação de Wyllys no embate de ontem, quando o Taliban brasileiro - também conhecido como bancada evangélica - discutiu no plenário a absurda proposta de permitir aos psicólogos a prática da fictícia "cura gay". Se essa laia consegue interferir numa decisão soberana do CFP, daqui a pouco vão querer obrigar o ensino do criacionismo em todas as escolas, e assim por diante. Que puta sorte termos alguém tão lúcido e preparado como Wyllys para nos defender no Congresso contra a sanha dos fundamentalistas (sorte mesmo, porque ele entrou lá de raspão). Um lado meu queria transferir meu título para o Rio, só para poder reelegê-lo. Outro lado se envergonha por não termos conseguido eleger em São Paulo um único parlamentar assumidamente gay, que levante a bandeira LGBT (o finado Clodovil obviamente não conta). Bora votar mais consciente, viadada.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

RESPOSTAS À ALTURA

Duas semanas atrás, o vídeo "Gay Men Will Marry Your Girlfriends" causou furor no mundo inteiro. E, como tudo que faz sucesso, já ganhou respostas. As melhores ilustram este post: acima, a reação dos héteros (que pode ser resumida em "podem levar, é um favor que vocês nos fazem"). Abaixo, a das lésbicas ("sou foda, na cama eu te esculacho, melhor que o seu marido"). Gracinhas à parte, ambas concordam com a reivindicação do original: casamento igualitário NOW!

DENTRO DA CURVA

Se fosse estrelado por Kristen Wiig, do "Saturday Night Live", "Curvas da Vida" seria uma sátira aos filmes de Clint Eastwood. Mas o principal papel feminino coube a uma quase-sósia de Kristen, a ótima Amy Adams, que nem com seu enorme talento conseguiu evitar o desastre. Porque os dois problemas do fime estão fora de sua alçada: o roteiro primário e o próprio Clint. Vamos por partes. O argumento é beyond previsível. Pai distante precisa mostrar ao mundo que ainda não está ultrapassado na profissão (olheiro de beisebol), ao mesmo tempo em que precisa reconquistar o amor da filha. Nossa, será que ele vai conseguir? Para não termos jamais a menor dúvida de qualquer coisa, a trama é recheada de pequenas pistas, que telegrafam absolutamente tudo o que vai acontecer mais adiante. Para piorar, o final é uma sucessão tão grande de acontecimentos felizes que só faltou os personagens encontrarem um bilhete premiado no chão. E tudo isto fica ainda mais constrangedor com a atuação de Clint, que ainda não se recuperou do vexame auto-inflinggido na recente convenção do partido Republicano dos EUA, onde discutiu com uma cadeira vazia que representaria o presidente Obama. Aqui ele faz seu enésimo tipo durão e calado, desta vez sob a direção pouco imaginativa de seu assistente de muitos anos, Robert Lorenz. Muito títulos recentes do cinemão americano têm quebrado as regras e supreendido as plateias. Não é o caso de "Curvas da Vida": é um filme totalmente dentro da curva, e em trajetória descendente.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

DICK? WHAT AN INTERESTING NAME

"Liz & Dick", com Lindsay Lohan no papel de Elizabeth Taylor, foi exibido neste fim de semana que passou pelo canal Lifetime, nos EUA. As críticas, como era de se esperar, foram péssimas - a mais engraçada dizia que o filme é ruim, mas não ruim o suficiente para ser considerada tão ruim que ee bom. Não sei se algum dia esta jóia vai passar nas TVs brasileiras, portanto, se alguém souber de um link que funcione, por favor socialize. La Lohan parece uma criança fantasiada com as roupas da mãe, e parece que está tão mal que nem consegue se fingir de bêbada. Agora é torcer por uma paródia pornô, talvez intitulada "Lez & Dick".

MEU PASSADO AVASSALADOR

Zapeando a TV ontem à noite, dei de cara com um pedaço considerável do meu passado recente. O canal Telecine Fun estava exibindo o filme "Avassaladoras", cujo roteiro final foi assinado por mim. A história na verdade é da diretora Mara Mourão, que inicialmente a decupou com Melanie Dimantas. Eu entrei no final do processo. Matei personagens (parecia um elenco de Glória Perez), reescrevi diálogos e acrescentei cenas novas. Sintonizei no filme bem na hora de uma delas: quando Laura (Giovanna Antonelli) passa um certo vexame ao dançar num restaurante árabe. Foi uma dessas sortes cósmicas, pois a sequência foi escrita em 2000 e rodada em 2001, antes de Giovanna estrelar "O Clone". Quando o filme entrou em cartaz, em 2002, foi engraçado ver a "Jade" pagando um dobrado no bellydance. Mas a esta altura eu já tinha colocado minha carreira de roteirista na geladeira e voltado para a propaganda. Durante três anos, foquei todos os meus esforços nos roteiros: escrevi séries de humor, programas infantis e até variedades, além dessa primeira incursão cinematográfica. Só que é uma profissão ainda mais instável que a de publicitário, e os meus hábitos são caros. Voltei para uma agência na primeira oportunidade, e o meu salário quadriplicou do dia para a noite. Depois disto, ainda escrevi um especial de Natal para o SBT, um episódio para a sitcom "Avassaladoras" (que durou só uma temporada na Record) e piadas para o longa "Gatão de Meia-Idade". Hoje estou formigando para voltar a escrever roteiros, e claro que me pergunto como teria sido minha vida nos últimos 12 anos se eu tivesse permanecido nesta rota. Será que teria morrido de fome? Ou seria o grande rival de João Emanuel Carneiro? Ó dúvida avassaladora.

domingo, 25 de novembro de 2012

FOI MAL AÊ

No meu primeiro post sobre o assunto, eu falei que não ia dar muita bola para a infame matéria de J. R. Guzzo na "Veja" de duas semanas atrás. E cá estou eu no quarto post, porque o caso cresceu e repercutiu de maneira inesperada - principalmente para a própria revista. Duvido que a venda tenha caído, mas é fato que ninguém pode se dar ao luxo de ser crucificado nas redes sociais todos os dias. Imagino também o forrobodó que deve acontecer dentro da redação, com a molecada se opondo à velha guarda. Só imagino: não tenho informantes lá dentro, e tudo pode não passar de "wishful thinking" da minha cabeça. Mas um indício de que a "Veja" quer consertar sua reputação é uma reportagem publicada no número desta semana, que tem como título nada menos que "Casais homossexuais brasileiros tendem a ter filhos". A matéria em si não traz nenhuma grande novidade: há cada vez mais famílias chefiadas por gays e lésbicas, e grande parte da soicedade já as encara com naturalidade. Mas o tom do texto parece um pedido de desculpas da revista, como se ela estivesse dizendo que, de homofóbico, só tem o Guzzo por lá. Um desdobramento interessante, que só confirma que o golpe foi mesmo sentido. Mas então quer dizer que eu vou voltar a comprar a "Veja"? Nem a pau.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

É BOM POSTAR UMA FOTO NO INSTAGRAM

Só assim dá para saber o que os amigos estão comendo.

PELA METADE DO DOBRO DO PREÇO

Estou achando um amoreco as reclamações nas redes sociais sobre a implantação do "Black Friday" no Brasil, como se fosse mais um malvado Halloween a destronar nosso saci-pererê. Essa gente acha que pagar mais barato é coisa de colonizado? Mais frequentes (e justas) são as queixas sobre a desvirtuação da iniciativa por aqui. Tá assim de loja que inflou o preço das mercadorias nos últimos dias, só para oferecê-las com "desconto" hoje. É por isto que concordo com a diva Cleycianne, que avisou que a tal da Sexta-Feira Negra é obra da "ubanda". No lugar da data satânica, Cley propõe a "White Friday Gospel": dízimo com 80% de ACRÉSCIMO. Todas adere!

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

I LEFT MY HEART...

São Francisco está revendo sua lei que permite a nudez em público. Aprovada há cerca de um ano, ela já está sendo abusada. Porque não basta sair sem roupa na rua, a qualquer hora do dia: neguinho tem que usar também um cock ring e outros acessórios que realcem sua virilidade. Na verdade, a lei começou a sofrer restrições desde o começo de sua vigência. Uma emenda óbvia: ao se sentar num lugar público, é obrigatório usar uma toalhinha por baixo das partes. Mas agora há lojas e restaurantes reclamando que a quantidade de peladões está espantando a freguesia. Como se trata de São Francisco, a nudez ainda será permitida nas praias, em eventos como a parada gay e para menores de cinco anos. Mesmo assim, estão rolando protestos. Tem como não deixar o coração numa cidade em que se discute um tema destes, e não se 10 mortos por noite é muito ou pouco?

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

MANEIRAS BOBAS DE MORRER

Só não mostrem este vídeo fofinho (na verdade, um comercial sobre segurança em trens) para a família daquele noivo que escorregou com um copo no bolso.

IF I WERE A BOY

Todo mundo está careca de conhecer modelos como Lea T e Andrej Pejic, que nasceram com piupiu mas se tornaram mulheres deslumbrantes. Nunca tinha visto um caso inverso até esbarrar nesta entrevista com Casey Legler, uma artista novaiorquina que faz bicos como modelo masculino. OK, ela não "imprime" um machão transbordando testosterona, mas tem aparência mais viril que muita biba que eu conheço. Também é bacana ela deixar sua sexualidade no ar: tem cara de lésbica, mas sua voz é de menininha. Desse jeito eu conheço poucas.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

O WOODY ALLEN IRANIANO

Abbas Kiarostami não pode mais filmar no Irã. O tipo de história que ele quer contar não passa pelo crivo dos aiatolás. Assim, aproveitando seu prestígio internacional, o mais premiado diretor persa tem levado suas câmeras para longe de casa, um pouco assim como Woody Allen (que só foi filmar fora dos EUA porque conseguiu financiamento na Europa). Dois anos atrás, Kiarostami lançou o interessante "Cópia Fiel", que se passava na Itália e era estrelado por Juliette Binoche. Era um jogo de espelhos, em que um casal que acabava de se conhecer de repente começava a se tratar como se tivesse uma longa história em comum. Gostei tanto que passei a achar que Kiarostami não era tão chato como eu pensava. Infelizmente, "Um Alguém Apaixonado" reconfirmou minha antiga suspeita. Foi rodado em Tóquio e é falado em japonês, mas o ritmo arrastado não fica nada a dever aos mais insuportáveis títulos iranianos. Juro que eu não entendo como a crítica chamou este filme de obra-prima. Parece que Kiarostami nunca ouviu falar em elipse: cada viagem de carro é mostrada do começo ao fim, com todos os seus tempos mortos e personagens fitando o vazio. Aliás, como tem viagem de carro em sues filmes, hein? Deve ser porque a gasolina é barata no Irã. O roteiro fala de uma jovem prostituta que se envolve com um velho ao mesmo tempo em que tenta fugir do namorado que descobriu o que ela faz. Até que podia dar um caldo, só que não. Kiarostami é um dos mais importantes dissidentes do regime de seu país e merece todo o apoio, mas seus filmes aborrecidos não me pegam tão cedo.

A QUARTA COLUNA

Fui convidado a assinar uma coluna num site voltado para maiores de 50 anos. Tremi na base. Então quer dizer que agora é oficial? Posso parar de me vestir de jovem, pois já não engano mais ninguém? E quem sabe mudar para as calças com cintura acima do umbigo, no meio da barriga, como as que meu avô usava. O fato é que eu aceitei: tenho 52 anos e (quase) nenhum problema em assumir minha idade gloriosa. Aliás, este é justamente o tema da minha coluna de estreia no site "Visionari", que entrou ontem no ar. A Marta Matui também está lá, apesar de ainda não ter dobrado o Cabo da Boa Esperança. Aliás, tem muita coisa no "Visionari" que interessa aos mais jovens. Vou escrever lá todo mês, e só este début foi sobre envelhecimento. Assim chego à minha quarta coluna (as outras são as das revistas "Women's Health" e "H" e a do site F5). O dia há de chegar em que não farei outra coisa.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

AH, LIBANESAS

"E Agora Onde Vamos" despontou como um dos favoritos ao Oscar de filme estrangeiro do ano passado. Causou rebuliço em Cannes e venceu o prêmio do público no festival de Toronto, quase sempre um bom oráculo, mas não ficou nem entre os nove semi-finalistas à indicação. O filme finalmente estreou no Brasil sexta passada. Fui assistir e continuo sem entender porque foi esnobado pela Academia. Ele trata de um tema sério - a violência sectária no Líbano - de maneira leve, do ponto de vista feminino. A diretora Nadine Labaki (que também é atriz e linda de morrer, como se vê no poster ao lado) já havia feito um filme simpático, "Caramelo", sobre um grupo de mulheres na Beirute dos dias de hoje. Foi cobrada por não ter tocado em política, e respondeu com "E Agora Onde Vamos?". Mas sua abordagem é quase apolítica, pois não está interessada no poder: suas personagens só querem paz. Numa aldeia libanesa onde praticamente todas as famílias já perderam um membro para a violência, cristãos e muçulmanos vivem numa tranquilidade precária. Qualquer faísca pode fazer com que tudo vá pelos ares, e é isto o que as mães do lugar, de ambas as religiões, procuram evitar. Há várias cenas cômicas, como quando elas inventam discussões bobas entre si para que os homens não prestem atenção ao noticiário da TV. Ou quando preparam fornadas de biscoitos com haxixe para pô-los para dormir, num dos números musicais mais divertidos dos últiomos tempos. Apesar dos momentos trágicos, vai ver que foi esta leveza que comprometeu as chances do filme. Labaki não está interessada nas causas da rivalidade religiosa, só no seu fim. E quer saber? Tá certa ela.

A QUE SERÁ QUE SE DESTINA?

Existirmos: de que adianta, se eu cheguei a uma idade tão avançada sem jamais ter provado do néctar da terra de meus antepassados? Meu pai foi criado no Rio de Janeiro, mas nasceu em Fortaleza. Toda a família dele vem do Ceará e do Piauí. Até já estive por aqueles lados, e também sou louco por caju. Talvez seja minha fruta preferida: sou capaz de traçar uma caixa de cajuzinhos cristalizados "Jandaia" em uma só sentada. Mas nunca, jamais, em momento algum provei da cajuína. Até que encontrei essa marca metida a besta aí da foto na seção natureba de um supermercado perto da minha casa em São Paulo. Levei logo duas garrafas, que já não estão mais entre nós. No primeiro gole achei doce demais, mas depois viciei. Bebi tudo e quero mais. Melhor que isto, só a cajuína cristalina em Teresina.

domingo, 18 de novembro de 2012

LE CIEL BLEU SUR NOUS PEUT S'EFFONDRER

Uma revoada de discos franceses ocupa os meus ouvidos neste feriado. Um deles é um projeto tão óbvio que parece até que já foi feito antes: como assim, Patricia Kaas cantando Edith Piaf? Ela já não cantava isto desde sempre? Não, mas agora canta, com arranjos orquestrais luxuosíssimos do maestro Abel Korzeniowski (que também compôs a trilha sonora do filme "W.E.", dirigido por Madonna). "Kaas Chante Piaf" foi concebido como um espetáculo que já está em turnês pelas boas salas de concerto do hemisfério norte, mas também rendeu este CD chiquérrimo gravado em estúdio, que presta homenagem ao mesmo tempo em que se afasta bastante dos originais de Edith Piaf. Patricia Kaas tem um timbre vocal grave e esfumaçado que é perfeito para a atmosfera de um cabaré, mas por vezes sua interpretação carrega demais nas tintas dramáticas. "Padam, Padam", por exemplo, perdeu o tom galhofeiro e ficou solene como um canto fúnebre. Mas a incontornável "La Vie en Rose" soa gloriosa, assim como "Hymne à l'Amour". O repertório de Piaf exige entrega e Patricia se sai bem em quase todas as faixas. Agora é esperar pelo DVD, já que dificlmente este show dará as caras por aqui.

Agora repare como meu noivo imaginário Benjamin Biolay tenta disfarçar. Ele até agarra uma racha no clipe de "Aime Mon Amour", mas quem que ele pensa que engana? Tá me querendo, o tempo todo. Todas as faixas de seu novo CD "Vengeance" são sobre o nosso amor imaginário, e eu fico envaidecido por ter inspirado tão lindas canções. São tantos convidados especiais que parece até um disco de duetos, mas eu não fico com ciuminho. Nosso romance já passou por altos e baixos, mas vai florescer enquanto ele continuar me mandando essas vibrações mentais apaixonadas que só eu consigo captar.

E por falar em amor louco, é curioso que Françoise Hardy tenha dado justo este nome ao milionésimo disco de sua interminável carreira. "L'Amour Fou" é discreto, contido, e estou fazendo força para não dizer que é maduro. A pegada está menos pop que nos trabalhos anteriores - algumas músicas são tão tranquilas que parecem chuva batendo na janela. Devo estar ficando velho também, porque eu gostei muito. Je me fous du monde entier.


sábado, 17 de novembro de 2012

LAMENTÁVEL

Claro que eu não comprei a "Veja" desta semana. Mas não resisti a folhear a revista na banca: queria conferir a seção de cartas. Esperava encontrar umas 300 a favor do artigo nojento de J. R. Guzzo na edição da semana passada e só umas duas ou três contra, mas não foi bem assim. Na última página da seção, lá estavam elas: nove contra (inclusive uma do Luiz Mott, do Grupo Gay da Bahia) e só quatro a favor. Entre essas últimas, uma que alegava que o rebuliço nas redes sociais era injustificado, e outra que dizia que muitos leitores não entenderam direito o que Guzzo quis dizer. Esta também é a posição oficial da revista: no final há uma "Nota da Redação", onde se lê que "Veja" lamenta o fato de muitos leitores terem interpretado mal a matéria de Guzzo. Ou seja: além de permitir que um de seus colaboradores mais importantes (Guzzo faz parte do conselho editorial da Abril) compare gays a cabras, a revista também acha que boa parte de seus leitores são burros. Não sabemos ler, não sabemos interpretar textos. Ainda bem que sabemos ler nas entrelinhas: é óbvio que Guzzo é homofóbico, por mais que jure de pés juntos que não tem nada contra o "homossexualismo". Também ficou claro que a "Veja" acusou o golpe e que deve ter rolado um certo mal-estar na redação (biba é o que não falta lá dentro, como aliás em qualquer redação da face da Terra). Espero que também tenha rolado um mal-estar no departamento comercial. Eu, pelo menos, continuo firme: não dou mais um tostão para uma publicação que só usa adjetivos zoológicos para me definir.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

MELHOR IDADE O ESCAMBAU

"E Se Vivêssemos Todos Juntos" trata de um tema que já foi bem raro no cinema, mas não o é mais: o envelhecimento. Inclusive porque existe um público cada vez maior para este tipo de filme, já que se vive cada vez mais e melhor. Fui assistir basicamente porque queria ver Jane Fonda falando francês e acabei me envolvendo com a história dos cinco coroas que resolvem dividir a mesma casa. Eles têm duas sortes consideráveis. Nenhum enfrenta problemas financeiros e a amizade que os une é sólida o bastante para superar até antigas traições que de repente vêm à tona. Mas os anos avançam a passos largos, e claro que a saúde de alguns não vai maravilhosamente bem. Ainda assim, "E Se Vivêssemos..." não deixa de ser uma fantasia sobre a famigerada "melhor idade", o que explica seu sucesso de bilheteria no Brasil. E se envelhecêssemos todos assim? Não seria nada mau.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

WHAT IS A MEME?

Obcequei. Agora tudo que não comece com "Downton" e termine com "Abbey" não serve para mim. Só porque revi a primeira temporada da série inglesa em DVD e me maravilhei novamente. Não só com o esplendor dos cenários que me fazem lembrar minha infância imaginária no castelo de Balmoral, como também o esplêndido roteiro de Julian Fellowes (que acabou de ganhar um perfil de muitas páginas no número de dezembro da "Vanity Fair"). Estou tão fascinado pelo programa que comprei dois livros a respeito para me fazerem companhia neste feriadão. Um deles é "O Mundo de Downton Abbey", de capa dura e todinho colorido: uma espécie de guia ilustrado não só para a série, como também para a época onde esta se passa. O outro é "Lady Almina e a verdadeira Downton Abbey", que conta a história real do castelo de Highclere, a locação da série. Ambos foram lançados em português, o que é até de se admirar para um programa que só passa num canal a cabo em HD. Aliás, Globosat, cadê a segunda temporada, cuja estreia estava prometida para o sábado passado? Espero que a demora se deva ao cuidado redobrado com a tradução das legendas, para que a personagem de Maggie Smith não seja mais chamada de Condessa Dowager. How very middle class.

(por falar nisto, já gerou seu próprio meme da Condessa?)

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

ATIVO OU PASSIVO É COISA DO PASSADO

A moda agora é ser chupacabra.

O RICKY MARTIN DA TURQUIA

Sabe aqueles dias em que você acorda querendo ouvir Tarkan? Pois é, estou num deles. Tudo por culpa da Marta Matui, que voltou de uma viagem a trabalho para a Turquia e me trouxe mais um disco de turkçe pop, uma das mais refinadas expressões artísticas da humanidade. O CD inclui uma faixa do rei das paradas locais, cujo vídeo está aí abaixo, mas não a música ainda melhor do vídeo acima. Tarkan já teve um semi-sucesso no Brasil ("Şimarik", aquela música do beijinho, lembra? Também conhecida por "Kiss Kiss") e há anos tenta emplacar uma carreira internacional, mas até agora só conseguiu mais ou menos. Ouvi dizer que a novela "Salve Jorge" terá um CD só com pop turco, e será um escândalo se Tarkan ficar de fora. Melhor que isto, só se ele vier rebolar no Brasil.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

VAMOS CASAR COM AS SUAS NAMORADAS


Os gays são os melhores maridos do mundo, inclusive para as mulheres. Conheço até uns arranjos assim na vida real.

(Obrigado pela dica, Li!)

CABRAS MARCADAS PARA CASAR

Esta aí do lado não é Lady Gaga, mas só não foi por uma questão de tempo: aposto que a Mother Monster teria assumido seu lado caprino no show de São Paulo se tivesse tomado conhecimento do artigo nojento de J. R. Guzzo na "Veja" desta semana. O tal do texto continua gerando reações contrárias, de protestos virtuais ao outro Tumbl'r de sucesso da semana. Mas o melhor mesmo são as refutações por escrito que não param de pipocar em blogs e sites. Para facilitar a vida, lá vão os links dos melhores que eu li até agora - e se alguém souber de algum bom que eu não incluí na lista, pode me mandar, s'il vous plaît.

Meu "patrão" Marcelo Cia assina este aqui, no MixBrasil: "A Revista, o Olho e o Cachorro". Cia diz que a maioria das publicações dá liberdade a seus colunistas e que as opiniões de Guzzo não são necessariamente as da direção da "Veja" (mas claaaro que também podem ser, hahaha). Ele ainda lembra que uma revista tão importante não pode faltar com o respeito com uma parcela grande da população (entre a qual se encontram muitos leitores e funcionários da Editora Abril).

Ainda no portal do MixBrasil, Francisco Hurtz postou outro texto contundente: "Diabete, hepatitte, homossexualismo e outras doenças". Guzzo é daqueles hipocondríacos patológicos que veem doença em tudo, sem enxergar que o verdadeiro doente é ele mesmo. Merece ser espinafrado para valer.

O próprio Cia "chama" para este outro artigo, do blog Jezebel: "Não é só homofobia - 10 Erros do Texto". É assinado por Manu Barem, que se deu ao trabalho de identificar nada menos que dez bobagens factuais que o antediluviano Guzzo pôs em sua matéria, como se fossem verdades incontestáveis.

Outro que se deu ao trabalho de desconstruir a lógica preconceituosa do velhinho da "Veja" foi Carlos Orsi, de maneira tão brilhante que eu me corroí de inveja: "A falácia da falsa discriminação" é uma aula de clareza e raciocínio. Clap, clap, clap.

Finalmente, tem também a carta aberta à revista assinada por Lucas Rezende, professor da UFRGS e da Facam, que está bombando no Facebook.

Agora estou curioso para ver como a própria "Veja" vai reagir. Provavelmente vai publicar um monte de cartas elogiando a matéria em sua próxima edição, e talvez dizer que o pobre Guzzo está sendo vítima da "intolerância" dos xiitas do movimento gay - movimento, aliás, que ele disse que não existe.

E agora mudando de assunto: São Paulo já tem festas demais para os ursos. Agora falta uma para as cabras! Alô, amigos empresários da noite, aproveitem esta oportunidade: tá assim de gente procurando uma cabritinha para casar.

ATUALIZAÇÃO: Esqueci de incluir o post que nosso líder Jean Wyllys postou em seu blog, "Veja que lixo". Obrigado pelo puxão de orelhas, André Bocuzzi. Doeu mas eu gostei.

Mais três textos interessantes, cujos links me foram enviados pelo Milton Rizzato Tocchetto. Um deles, "A Essência do Preconceito 2 - A Missão", no blog "Objetivando Disponibilzar", simplesmente subsitui na matéria de Guzzo as palavras "gay" e "homofobia" por, respectivamente, "negro" e "racismo". O outro, "Meio Espinafre, Meio Cabra", está no blog "Nada Errado". E o terceiro é "Comparação infeliz de jornalista estimula preconceito contra gays", no blog de Marcelo Semer.

No blog "Contramão", de universitários de Belo Horizonte, um advogado rebate o artigo do ponto de vista jurídico. Já o estilista Carlos Tufevesson, que também é titular da Coordenadoria Especial da Diversidade Sexual do governo estadual do RJ, diz a Heloisa Tulipan, do "Jornal do Brasil", que sentiu vergonha alheia por Guzzo.

Para concluir, tem "Texto de revista sobre homosseuxais e cabras gera protesto nas redes socais", no "Blogay" do Vítor Ângelo. Tá bom, né? Enquanto isto, continua voando pedra nas redes sociais...

DEIXA A BICHARADA DAR

Não dá para tapar o sol com a peneira: a qualidade dos vídeos concorrentes no "Show do Gongo" despencou nos últimos anos. Também diminuiu o número de inscritos, enquanto que a sede da plateia por sangue só aumentou. Foi por isto que os organizadores do Festival MixBrasil resolveram mexer nas regras. A partir deste ano, a noite comandada por Marisa Orth também inclui performances ao vivo, de drag queens, gogo boys e cômicos stand-up. O novo formato estreou ontem em SP e deu certo, apesar dos inúmero problemas de som. Havia um CD player (ou um disco CD, não ficou claro no meio da gritaria) que se recusava a funcionar, o que fez com que a música emperrasse logo no começo dos números de várias das drags. Também era perceptível o constrangimento de Marisa em gongar logo os "seres vivos", como ela mesma disse, apesar dos urros do público selvagem. Nenhum dos candidatos "humanos" era especialmente ruim, mas muitos não tinham noção de timing e se perdiam em números longos demais. Mas o saldo foi positivo. O troféu Coelho de Prata acabou tendo que ser dividido em dois. O prêmio para o palco foi para a comédia de Michelly Summer, que superou todas as colegas que deram demonstrações assombrosas de bate-cabelo. E o prêmio para a tela foi para essa pérola acima, que venceu outros dois bons candidatos ("GPLS" e "Ironic", que eu não encontrei no YouTube) e fez todo o Teatro Sergio Cardoso levantar os bracinhos e cantar junto. Quem foi que disse...

ASSUNTO ACUMULADO

Ontem passei o dia enfurnado na Conferência do Grupo de Planejamento, e à noite fui prestigiar o Show do Gongo no Festival MixBrasil. Não deu tempo de comentar alguns dos assuntos candentes do dia, mas que merecem algum registro aqui no blog. Então lá vão eles, meio requentados mas ainda crocantes:

Não tenho muito mais a acrescentar sobre o show de Lady Gaga em SP além do que escrevi na minha coluna de ontem no F5. Saí exausto e encharcado do estádio, logo antes do bis. Não tenho mais idade para pista premium, ainda mais uma povoada por little monsters que distribuíam porradas involuntárias quando pulavam de alegria (ou seja, o tempo todo). A mensagem de Gaga autoriza todas as lambisgóias da periferia a revelar seus unicórnios interiores, o que gerou o Tumbl'r de maior sucesso da semana. Daqui a três semanas volto ao Morumbi para encarar Madonna, na que provavelmente será minha despedida dessas surras de cabo de vassoura disfarçadas de shows. Ai, minhas costas.

Fiquei triste com a morte do Marcos Paulo. Não o conheci pessoalmente, mas parece que o sujeito era um querido: um bom indício do caráter de uma pessoa é ver suas ex-mulheres chorando em seu velório. Tremenda sacanagem ele ter se ido tão jovem e ainda com tanta coisa para fazer. Sou antigo o suficiente para ter presenciado toda sua carreira, desde a estreia na novela "Pigmalião 70", assinada por seu pai Vicente Sesso. O consolo é pensar que Marcos Paulo teve uma vida boa, repleta de sucessos e amores.

Uma das convidadas de ontem na Conferência do GP foi Isadora Faber, aquela garota catarinense que criou a página "Diário de Classe" no Facebook. Ela é extraordinariamente madura e articulada para seus 13 anos, e incrivelmente corajosa. É chocante pensar que, enquanto a mídia a transforma em heroína e centenas de outras páginas brotaram na internet inspiradas por ela, Isa se transformou numa espécie de pária em sua cidade natal. Os colegas de escola a evitam, sua casa foi apedrejada e a pressão para que largue tudo é cada vez maior. Que merda de país é este, onde até os alunos agridem alguém que está lutando por eles? Há uma contracorrente profunda na cultura brasileira, que valoriza a inércia e quer manter o status quo a qualquer custo. Mesmo que isto acabe por nos foder, como sempre acontece.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

CABRA MARCADA PARA MORRER

Já faz algum tempo que eu não compro a "Veja" toda semana, e mais tempo ainda que eu parei de assinar a revista. Mas o campo gravitacional do maior semanário do Brasil ainda é muito forte, e volta e meia eu tinha uma recaída. Só que algumas matérias recentes me deixaram particularmente irritado. Como a histérica capa sobre os malefícios da maconha - por que não fazer então uma sobre o álcool, que é ainda mais pernicioso? Ou os artigos descaradamente pró-Romney ("Um CEO na Casa Branca"). Aí semana passada resolvi tomar partido. Comprei a "Veja" e a "Época", para compará-las diretamente. Adivinha qual ganhou? A revista da editora Globo não é perfeita, mas está muito mais alinhada com o que eu penso e sou hoje em dia. Que me perdoem os amigos que trabalham e trabalharão lá, mas desisti da "Veja".

Foi só eu fazer isto para alguns leitores me pedirem para comentar o artigo de J. R. Guzzo que foi publicado na edição desta semana. Comecei a leitura de "A Parada Gay, a Cabra e o Espinafre" na casa do meu irmão, e o tom me pareceu extremamente racional e simpatizante. A primeira frase é "Já deveria ter ficado para trás no Brasil a épo­ca em que ser homossexual era um problema". Mas aí precisei sair e só fui retomar a leitura no domingo à noite. Tambem li as reações de vários blogs, e tenho que dizer que concordo com a maioria. É um texto asqueroso.

J. R. Guzzo acaba se embrenhando pela mesma lógica tortuosa de outro luminar da revista, o folclórico Reinaldo Azevedo. Diz que não existe "movimento gay", que os assassinatos de homossexuais não são resultado da homofobia e que os gays querem privilégios absurdos. Conclui dizendo que o casamento entre pessoas do mesmo sexo é impossível porque não gera filhos nem constrói famílias, e que elas não podem se casar entre si da mesma maneira que alguém não pode se casar com uma cabra.

O apelo à zoofilia e ao incesto (também mencionado por Guzzo) é de uma pobreza de dar dó. Homossexualidade (e não "homossexualismo", como ele isniste) não tem xongas a ver com tesão por animais ou pela própria mãe. Além do mais, faz pelo menos cem anos que o objetivo do casamento não é a geração de filhos. Hoje em dia as pessoas se casam por amor, e se separam quando ele acaba. Caso contrário, casais hétero que não podem ter filhos (como velhinhos, por exemplo) teriam que se separar. Caso contrário, casais que se odeiam teriam que permanecer juntos por causa da prole. Não é o que acontece, não é mesmo?

Até o deputado Jean Wyllys já criticou Guzzo em seu site, e com certeza será taxado de "intolerante" pelos que concordarem com o artigo. Esta é a reação típica dos homofóbicos: primeiro nos desqualificam, depois apelam para a sagrada liberdade de expressão quando reclamamos. Pois eu vou adotar a linha Jair Rodrigues: deixa que digam, que pensem, que falem, deixa isso pra lá.

A "Veja", que desempenhou um papel fundamental na redemocratização do Brasil e nos escândalos do governo Collor, caminha célere para a irrelevância. É uma revista de ideias velhas, feita por gente velha, de uma outra geração. Gente que não quer ser taxada de intolerante, mas que o é. Gente sem sintonia com os novos tempos, e que não entendeu direito o resultado das eleições no Brasil e nos Estados Unidos. Gente que não quer ver que o mundo está mudando. E que não tem lá muito mais tempo por aqui - vejam a foto de Guzzo lá em cima, é um senhor entrado em anos. Sua maneira de pensar está com os dias contados. Essa cabra vai berrar, mas não tem mais para onde ir. R.I.P., "Veja". Fora da minha vida. Já vai tarde.

(Não compre a revista se quiser ler o artigo: ele está aqui, na íntegra)


domingo, 11 de novembro de 2012

AUMENTA QUE ISSO AÍ É REGGAETÓN

Demorou, mas finalmente o reggaetón resolveu partir pras cabeças. Depois de uma década tocando sem parar por toda a América hispânica - mas só nela - o ritmo portorriquenho tenta conquistar o mercado gringo. Nem que para isto tenha que se desvirtuar um pouco, suavizando as batidas ou chamando astros mais mainstream para dividir os microfones. A dupla Wisin & Yandel, meus favoritos no gênero, é emblemática. O novo disco "Líderes" conta com participações do agressor de mulheres Chris Brown e da onipresente Jennifer Lopez, e muita pegada de dance music à la LMFAO. Quer dizer então que se venderam ao sistema? Não, porque o reggaetón nunca foi "puro". Quanto mais mistureba, melhor. Com dinheiro, então... Fora que o single "Algo Me Gusta de Tí" é um dos mais animados do ano. Doble u, i griega, eu sigo onde vocês forem.

Outro expoente boricua é Don Omar, cujo CD "MTO2 New Generation" sai no Brasil com duas faixas bônus especiais para o nosso mercado. Uma delas, "Taboo", é mais uma versão de "Chorando se Foi", que fez sucesso como lambada nos anos 80 e serviu de base para o "On the Floor" da J. Lo. A outra é "Danza Kuduro", onde mais uma vez o angolano Lucenzo vê seu grande sucesso ser usurpado por um astro local. O clipe acima repete os sonhos clichês dos meninos que nasceram nas favelas, com iates e mulheres, e me fez sentir falta das luzes coloridas de "Avenida Brasil".

Por falar nisto, e o Brasil, hein? A vanguarda do sudeste prefere se influenciar pelo hit parade britânico, mas o pessoal dos estados mais ao norte sempre foi mais aberto aos sons da nossa vizinhança. O reggaetón finalmente penetrou na nossa música, via o technobrega paraense. Sua influência é nítida no álbum de estréia da banda Uó, "Motel". O trio goiano formado por dois gays e uma trans estourou no ano passado fazendo versões em português de sucessos americanos, mas só a clássica "Shake de Amor" vingou no vinil. O resto do disco são composições próprias divertidíssimas, que me fazem até suspeitar que finalmente temos o nosso Miranda! Fora que o bigodón do Mateus Carrilho foi feito para dar prazer. Todas faz uó

ARGO FUCK YOURSELF

Então é isto o que acontece quando tudo dá certo em Hollywood. Quando um roteiro afiado, ótimos atores, primorosa reconstituição de época e direção segura se alinham. "Argo" é um dos melhores filmes deste ano, porque é o cinemão americano em todo seu esplendor. Nada de encucação, nada de planos mortos, nada de barriga. Só entretenimento em estado puro, do começo ao fim. A descrição de "Argo" parece improvável: um thriller tenso de fundo político, com toques de comédia. O mais incrível é que é baseado num fato real, que permaneceu em sigilo durante mais de 16 anos. Foi revelado pelo governo Clinton em 1997, e não dá para entender porque levou tanto tempo para chegar ao cinema. Talvez estivesse esperando pelo diretor certo. Ben Affleck, que chegou a ganhar um Oscar de roteirista (por "Good Will Hunting", em parceria com seu bro Matt Damon) mas como ator nunca passou do razoável, está se revelando um digníssimo herdeiro da tradição de Warren Beatty e Clint Eastwood, que também passaram para o lado de trás das câmeras. O resgate de seis diplomatas americanos que conseguem escapar da embaixada de Teerã, invadida por uma turba ensandecida, é uma nota de rodapé da história, mas material de primeira para um filmaço. A CIA resolve disfarçá-los como uma equipe canadense de filmagem, em busca de locações no Irã para uma bobagem de ficção-científica. Claro que nem tudo é 100% verdade: o grupo conseguiu fugir sem grandes precalços na vida real, bem diferente do que se vê na tela. Mas isto é o "de menas". Assim como "Intocáveis", "Argo" vai ser um daqueles filmes que agradam a todo mundo, da sua mãe ao porteiro do prédio. Vai ser indicado a uma carroça de Oscars e entrar em todas as listas de melhores de 2012. Não é uma obra profunda nem vai mudar a vida de ninguém, mas é diversão garantida. Vai!

(o delicado título desse post se refere à maneira carinhosa com que os produtores do filme de araque se tratam entre si)

sábado, 10 de novembro de 2012

O INFERNO DELES

Li na sinopse que "Nosso Paraíso" era sobre um michê em final de carreira que se apaixona por um garoto que ele salva na rua. Aí vi este clipe no YouTube e fui para o cinema esperando um filme lindo, romântico e triiiiste. Tivesse eu visto o trailer aí em cima, saberia que não é bem isto: o tal do puto quarentão não é exatamente flor que se cheire. Apesar da surpresa (ou por causa dela), gostei muito até uns dois terços da história. Festivais gays costumam oferecer uma overdose de filmes fofinhos sobre belos jovens descobrindo o sexo como quem colhe uma rosa, portanto é até salutar ver algo bem heavy de vez em quando. Mas de repente entra uma criança na trama e o ritmo patina um pouco, até culminar numa sequência onde a gente torce contra os personagens principais. Mesmo assim, trata-se de um filme perturbador. Um passeio pelo lado negro da força. Como tem gente louca nesse mundo, aff.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

I DREAMED A DREAM IN TIME GONE BY

Caiu hoje na rede o trailer internacional de "Les Misérables". Dá para perceber o gimmick que o diretor Tom Hooper (que ganhou um Oscar por "O Discurso do Rei") inventou: os atores estão cantando em cena para valer. Não estão fazendo playback. Até onde eu sei, isto nunca foi feito antes no cinema musical. Se der certo, Hugh Jackman pode ir se preparando para sua primeira indicação e Anne Hathaway pode ir abrindo espaço na prateleira. Se der errado, fazer tratamento de canal talvez seja menos penoso do que assistir ao filme inteiro.

O SEU NOME EU ESCREVI NA AREIA

Não era essa a proposta do diretor, mas "Caminho das Dunas" me deixou encafifado. O filme que abriu ontem o 20. Festival MixBrasil conta a história de um garoto belga nos anos 70 que se apaixona pelo melhor amigo. Tem bons atores, lindos enquadramentos e ritmo delicado. Tem também cenas de sexo entre o par central: não há nudez frontal e os dois mal chegam a se beijar, mas vemos seus corpos se entrelaçando de maneira explícita o suficiente para excitar. E aí me perguntei: mas isto não é pedofilia? Nos Estados Unidos, nem mesmo atores maiores de idade podem fazer cenas eróticas se o personagem for "de menor". Vai todo mundo em cana, inclusive o espectador. Na Europa é outra coisa. Os dois protagonistas de "Caminho das Dunas" são profissionais, com vários filmes no currículo (fui fuçar no IMDb). Ninguém os forçou a nada; imagino que tenham permissão dos pais e até do equivalente local ao juizado de menores. Mesmo assim... não sei. Não sei se estou me policiando demais. É força do hábito - quando fazia propaganda de fraldas, tomávamos cuidado até mesmo nas fotos que mostravam a aplicação do produto. A pedofilia é um dos bichos-papões da atualidade e uma acusação frequente que os homofóbicos fazem aos gays (falsa, aliás: a imensa maioria dos pedófilos é hétero). Bom, o fato é que essa preocupação não me impediu de gostar do filme. Mas será que isto faz de mim um criminoso?

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

MEIA VERDADE

Em 1985, a comédia "Cabra Marcado para Correr" era um dos maiores sucessos da temporada teatral do Rio de Janeiro. As risadas começavam já na bilheteria, que realizava promoções do tipo "compre dois ingressos e ganhe um milhão" (na verdade, uma grande espiga de milho). Um dia a promoção foi mais ousada: "gay não paga". Um espectador quis aproveitar a oferta, e a bilheteira lhe pediu uma prova. Ele não teve dúvidas: tascou um beijo no cara que o acompanhava. Os dois entraram de graça. O que foi um ato de extrema coragem 27 anos atrás hoje é o motivo de uma pequena polêmica. O 20o. Festival Mix Brasil (que abre hoje em São Paulo, para convidados) promete meia-entrada para gays, lésbicas e simpatizantes. Ou seja: todo mundo que for, pois é difícil de acreditar que o Malafaia compareça. Basta se declarar G, L ou S na bilheteria. Ao contrário de 1985, nenhuma prova será exigida. É só uma brincadeira dos organizadores do festival, um presente para o público. Mas a internet está cheia de analfabetos funcionais, que não têm a mais básica noção de interpretação de texto. A página do Guia Folha que anunciou a promoção recebeu mais de 70 comentários, a maioria de boçais dizendo que as bichas teriam que mostrar o rego arrombado e daí para baixo. Tem também um militante possuído de ira santa que trilha o caminho contrário, clamando que os homossexuais lutaram séculos pela igualdade e portanto não merecem tratamento diferenciado. Menas, né? Não sei vocês, mas se me derem desconto para levar mordida de porco eu aceito.

(Confira a programação completa do MixBrasil aqui. E não, não tenho dicas porque ainda não assisti nada. Mas hoje verei "Caminho das Dunas" na abertura e estou interessado em "Nosso Paraíso", sobre um michê quarentão.)

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

CIUDAD DE DIÓS

Ao longo da última década, muitos espectadores brasileiros se encantaram com o cinema argentino. Os filmes de lá teriam roteiros mais inteligentes que os nossos, sobre problemas cotidianos (i.e., da classe média), enquanto que o cinema tupiniquim só se preocuparia em mostrar miséria e violência. Claro que isto não é totalmente verdade. O cineasta Pablo Trapero sempre filmou o lado mais sórdido do país vizinho, como nos recentes "Leonera" (sobre um presídio feminino) ou "Abutres" (advogados que caçam clientes em acidentes rodoviários). Agora ele chega com sua obra mais contundente, e também um dos maiores sucessos de bilheteria deste ano do lado de lá da fronteira. "Elefante Branco" mostra o trabalho de dois padres numa imensa favela de Buenos Aires. Pois é: lá também tem favelas, conhecidas localmente como villas miseria. A do filme cresceu ao redor das ruínas de um gigantesco hospital inacabado e tem muito em comum com suas similares brasileiras. A maior diferença está na cor da pele dos moradores (quase todos de ascendência indígena e/ou vindos do Paraguai, Bolívia e Peru) e na música (cumbia em vez de funk, mas tão animada quanto). "Elefante Branco" não é fácil de se ver, mas tem ótimas interpretações do obrigatório Ricardo Darín e, principalmente, do ator belga Jéremie Renier, que ahazou há pouco tempo como o cantor Claude François em "My Way". Mas o filme não chega a ser um "Cidade de Deus" portenho, porque o roteiro é meio mal resolvido. Começa como uma meditação sobre o papel da Igreja e a maneira certa de fazer o bem num ambiente hostil, mas termina de maneira abrupta, como uma reles notícia de jornal.

FOUR MORE YEARS

Fiu. Eu estava confiante, mas meio apreensivo. Entrava de cinco em cinco minutos no blog "FiveThirtyEight" em busca de consolo. Fui dormir com Romney na frente da corrida pelo colégio eleitoral. Quando acordei, a feliz confirmação: Obama já está com a vitória garantida, antes mesmo de terminar a contagem na Flórida (que parece que ele vai levar).

E não foi a única boa notícia. O casamento igualitário foi aprovado nas urnas, pela primeira vez na história da humanidade, nos estados de Maine e Maryland (Minnesota e Washington, onde a questão também foi à consulta popular, ainda não divulgaram os resultados). A primeira senadora assumidamente lésbica foi eleita em Wisconsin. Todd Akin, que falou em "estupro legítimo", teve uma derrota estrondosa na disputa pela vaga de senador pelo Missouri. Os democratas mantiveram o controle do Senado, e seus novos eleitos têm um perfil muito mais liberal, o que pode ajudar Obama a aprovar as reformas necessárias.

Mas nem tudo são flores. Os republicanos continuam com a maioria na Câmara de Deputados, e podem atrapalhar o presidente reeleito ainda mais do que fizeram durante o primeiro mandato. Também não há mais aquela euforia de quatro anos atrás, basicamente porque o mundo percebeu que Barack Obama não é o messias redivivo. Os Estados Unidos continuam rachados ao meio.

Só que uma dessas metades tende a encolher. O eleitorado branco, rural e de baixa escolaridade está diminuindo. Muitos de seus membros estão simplesmente morrendo: são velhinhos. Enquanto isto, o outro lado não para de crescer. Negros, latinos, mulatos, urbanos, gays, jovens, tudo junto e misturado, estão mudando a cara dos EUA, e também o jeito de pensar. É irreversível.

E nós com isto? Quem for gay tem muito a comemorar. As vitórias nas urnas quebraram um tabu e são uma bofetada na cara dos homofóbicos, que vão perder muito mais daqui para a frente. Quem for brasileiro, também: não existe mais o conceito de que um governo republicano é melhor para as nossas exportações, porque eles seriam menos protecionistas. O mundo mudou, e vai ficar mais seguro sem seu maior arsenal atômico nas mãos de um sacerdote mórmon (sim, Romney é sacerdote ordenado - o primeiro a concorrer à presidência americana). Enfim, pessoas que têm a cabeça e o coração no lugar também têm motivos para ficar esperançosas. Absolutamente TODAS as propostas de Obama, da economia à ciência, são superiores às de Romney. Que venham mais quatro anos.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

BOYFRIEND INFLÁVEL

E agora vou esquecer por um momento as eleições americanas para dar uma notícia maravilhosa para você, que sempre sonhou em transar com o Justin Bieber. Acaba de ser lançado um boneco inflável "inspirado" (ou seja, não autorizado) no cantor, o Just-In Beaver (em tradução livre, "acabei de entrar na sua xoxota", apesar do público-alvo do brinquedo não serem exatamente as garotas). Corra, porque os detentores dos direitos autorais não vão deixar que este troço continue à venda por muito tempo. Tem na Amazon por módicos 138 dólares.

If I was your boyfriend,
I'd never let you go...

TEM QUE TER PLEITO

Os direitos igualitários levaram um pau, no mau sentido, toda vez que foram submetidos à consulta popular nos Estados Unidos. Nem mesmo a liberal Califórnia, tradicionalmente democrata, aprovou o casamento gay em 2008. Mas este rosário de derrotas pode se interromper hoje. Eleitores de quatro estados se manifestarão sobre o assunto: no Maine, em Maryland e em Washington, a favor ou contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo; e em Minnesota, a favor ou contra uma emenda à constituição estadual definindo o casamento exclusivamente entre um homem e uma mulher. Sempre fui contra este tipo de votação, pois acho que os direitos de uma minoria não podem ser decididos pela maioria. Mas dessa vez sou a favor, hehehe, porque o prognóstico é favorável aos gays em todos os quatro estados. Se confirmadas, as vitórias serão uma bofetada na cara dos homofóbicos, e um sinal inequívoco de que a maré está mudando. Vamos torcer.

O ATRASO DA VANGUARDA

Os Estados Unidos são a mais antiga democracia em funcionamento no mundo. Foram a primeira república fundada sob a influência dos ideais iluministas, mais de uma década antes da Revolução Francesa. E ao longo de mais de duzentos anos de existência, tiveram uma única constituição - bastante emendada, é verdade, mas ainda a mesma de 1776. Têm um sistema extraordinariamente estável, apesar das eventuais turbulências: nunca sofreram um golpe de estado ou uma ditadura militar, algo de que nenhum de seus vizinhos na América Latina pode se gabar. Este modelo bem-sucedido gerou inúmeras imitações e funciona bastante bem até hoje, garantindo um equilíbrio entre os três poderes ("checks and balances") que impede que um deles se sobreponha aos outros. Mas claro que é imperfeito. Tem muitos arcaísmos embutidos, dos quais o mais evidente é o Colégio Eleitoral. As eleições para presidente não são diretas: cada estado tem direito a um determinado número de votos nesse colégio, proporcional à sua população. Em 48 deles, o vencedor do pleito no estado leva todos os votos (as exceções são Maine e Nebraska, que dividem proporcionalmente seus votos). Quatro vezes houve discrepâncias com o voto popular - três delas ainda no século 19, mas a última, em 2000, abriu feriadas que ainda não cicatrizaram. Bush perdeu nas urnas e só levou a presidência porque a Suprema Corte, dominada por juízes indicados por presidentes republicanos, suspendeu a recontagem na Flórida quando sua vantagem era de pouco mais de 500 votos. Na época achei que a indignação popular levaria a uma nova emenda constitucional, abolindo esse dinossauro setecentista. Mas a maioria dos americanos acha que sua constituição tem origem divina e não pode ser reescrita a toda hora, o que evidentemente também tem suas vantagens. Hoje existe o risco de, mais uma vez, este sistema antediluviano provocar um impasse. Além do mais, a maneira de votar não é padronizada: há urnas eletrônicas, papéis que precisam ser perfurados e até mesmo lugares onde só se vota pelo correio, como o estado de Washington. Tenho inveja de alguns avanços em vigor por lá, como o voto não-obrigatório ou o voto antecipado. Mas ainda prefiro as eleições brasileiras, com segundo turno (o que sempre legitimiza os resultados) e totalmente digitalizadas, com resultados anunciados no mesmo dia. Coitados dos gringos...

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

CINCO TRINTA OITO

Não tem nada do que a imprensa goste mais do que uma disputa eleitoral apertada. Imagino o suspiro coletivo de alívio quando, há um mês, Mitt Romney venceu o primeiro debate e reacendeu suas chances de vitória nas eleições americanas. Desde então, quase toda a mídia só fala em empate técnico, e tem boas razões para isto. Nos Estados Unidos são divulgadas dezenas de pesquisas todo santo dia (ao contrário do Brasil, onde só existem dois grandes institutos). Muitas falam que a corrida embolou na reta final, e os jornalistas acreditam - apesar de saberem que alguns desses números não são confiáveis, pois não há gente neutra por trás deles. Mas eu faço ouvidos moucos para essa ladainha. Só existe um analista no qual confio plenamente: Nate Silver, do "New York Times". Ele despontou em 2008 com seu blog "FiveThirtyEight" (538 é o número total de votos no colégio eleitoral americano), no qual previu corretamente o resultado de 49 dos 50 estados. Por causa disto foi convidado a se bandear para o "NYT". Silver criou um modelo estatístico que mistura pesquisas com tendências históricas, e acaba de lançar um livro chamado "The Signal and the Noise" onde diz que sempre acreditamos nas enquetes que confirmam nossas crenças. Mas nem ele conseguiu se manter neutro. Acabou de levar um pito público da ombudsman de seu jornal, pois apostou pelo Twitter, contra outro jornalista, que Obama vencerá amanhã, prometendo doar mil dólares para a Cruz Vermelha se sua previsão não se cumprir. Se bem que Silver também tem boas razões para ser marrento: seu blog garante que a chance de Obama se reeleger (não a margem de pontos pela qual ganhará, veja bem) é de nada menos que 86,3%.

A FRANÇA BALANÇA

François Hollande fez campanha prometendo aprovar o casamento igualitário na França, e assumiu a presidência dizendo que a nova lei viria em breve. Os analistas políticos concordaram com ele, pois as pesquisas de opinião mostravam o apoio da maioria da população tanto ao casamento como à adoção de crianças por casais gays. Mas parece que não vai ser tão fácil quanto sonhávamos. Apesar dos centros urbanos branchés e moderninhos, a França tem uma considerável parcela rural, católica e conservadora (para não dizer racista, xenófoba e collabo). Não podemos esquecer que é o país da Europa Ocidental com o mais forte partido de extrema direita, o famigerado Front National. Pois essa turma se juntou e colocou na rua uma campanha contundente contra os direitos LGBT, com pronunciamento de religiosos e manifestações de rua. Claro que tudo emoldurado como um movimento a favor das criancinhas, que teriam direito a um papa e a uma maman, e a nada diferente desta combinação. Os comícios reacionários são extarordinariamente ridículos: têm marmanjos fantasiados de libélula que seriam considerados ultra-pedés em qualquer outro contexto, e usam alegremente a música do Queen, como se Freddie Mercury tivesse sido o paradigma do machão empedernido. Já serviram de cenário para beijos de simpatizantes da nossa luta e são motivo de chacota em programas de TV, como no vídeo acima. Mas estão surtindo efeito: o apoio às causas homossexuais caiu nos últimos meses, um precedente inédito em sociedades avançadas. Está na hora das bibas gaulesas não acharem que a vitória são favas contadas e arregaçarem as mangas, fazendo uma campanha para convencer os indecisos de bom coração. A França é a pátria da liberté, egalité, fraternité, e não pode mais ficar para trás neste combate.

(Merci, Fernando, pela gentil dica)

domingo, 4 de novembro de 2012

WHAT ARE YOU DOING THE REST OF YOUR LIFE?

O vídeo acima saiu há algumas semanas e traz duas revelações. A primeira: Jason Gould, o filho gay de Barbra Streisand, poderia ter seguido tranquilamente a carreira de cantor. É impressionante como ele sabe modular a voz - ou talvez nem tão impressionante assim, dada sua genética e sua criação. A segunda: Barbra não é mais a vocalista mais perfeita do mundo. A surpresa seria se ainda fosse, aos 70 anos de idade. Mas finalmente sua voz mostra sinais de desgaste, com algumas derrapadas aqui e ali. Não faz mal. O encontro de mãe filho no palco é emocionante, assim como o recém-lançado CD "Release Me". São 11 sobras de estúdio: faixas gravadas ao longo de mais de 40 anos que, por uma razão ou por outra, não entraram nos discos a que estavam destinadas. Barbra é incrivelmente consistente, cantando com a mesma intensidade e afinação através das décadas. Seu fôlego na dificílima "Lost in Wonderland", de Tom Jobim, é de tirar o nosso.

Se a carreira de cantora de Barbra Streisand se aproxima do final, é um bom momento para lembrar como ela começou. Uma amiga que mora nos EUA pagou a hospedagem lá em casa com presentes, e entre eles estava o livro "Hello, Gorgeous". O autor William J. Mann conta como a garota esquisita do Brooklyn se tornou em apenas quatro anos a maior vendedora de discos do mundo, apesar do visual pouco convencional e do estilo antiquado, alheio ao pop dos anos 60. Claro que ela teve a sorte de estar no lugar certo na hora certa, mas o talento e a determinação da moça são inegáveis. Mais curioso é saber que ela preferia ser atriz, não cantora. Isto talvez se realize agora: Barbra volta ao cinema em breve com "The Guilt Trip", e tomara que volte a filmar mais amiúde. Mas, mesmo se não fizer mais nada pelo resto da vida, já deixou uma obra colossal.

sábado, 3 de novembro de 2012

POR BAIXO DESSA ROUPA EU ESTOU NUA

Qual o sentido da vida? O que acontece após a morte? Por que motorista de táxi nunca tem troco? Estas são questões eternas, que a humanidade faz a si mesma desde a aurora dos tempos. Também existem as questões transcendentais da modernidade, que só começaram a ser feitas agora. Por exemplo: um homem pode se vestir de mulher e continuar sendo hétero? Parece que o cartunista Laerte tentou, mas não deu muito certo. Agora é a vez do enfant terrible do cinema canadense arriscar uma resposta. "Laurence Anyways" é o terceiro filme de Xavier Dolan, que estourou aos 18 anos com o excelente "Eu Matei Minha Mãe". Era bom porque talvez fosse autobiográfico; aqui ele se mete a falar de assuntos que seus atuais 23 anos não lhe autorizam a conhecer, e se dá muito mal. Apesar das longuíssimas três horas de duração,nenhum dos temas é explorado a contento. O delicioso Melvil Poupaud não convence um segundo sequer como transgênero: usa roupas femininas com a mesma graça e leveza de um homem hétero vestindo a saia da mulher num bloco de carnaval. Seu amor pela esposa tampouco é crível. Os dois não têm a menor química, e nem teriam por que ter - ela é uma puta duma chata. Há muitos momentos interessantes, um pouco de excesso na direção de arte e boas canções oitentistas na trilha sonora, mas nem isto salva "Laurence Anyways" do desastre. Ainda bem que Xavier é jovem e pode aprender com seus erros.

JERSEY SHORE

É curioso como toda a mídia parece comovida com as palavras doces que o governador de New Jersey, Chris Christie, dedicou à atuação do presidente Barack Obama no auxílio às vítimas do furacão Sandy. Christie ainda posou de político desinteressado em disputas mesquinhas, dizendo que tinha problemas maiores com que se preocupar do que com as eleições do próximo dia 6. Claro que de desinteressado ele não tem nada: o gorducho governador aproveitou para atingir Mitt Romney com luvas de pelica, num contexto onde não pode ser acusado de traíra. Mas peraí, ele e Romney não são republicanos? Justamente: Christie só tem a ganhar se o atual candidato de seu partido não for eleito. Porque, se o for, Romney se candidatará automaticamente à reeleição em 2016, jogando as pretensões presidenciais de Christie para o distante ano de 2020. Melhor que perca agora, deixando o caminho livre para novos nomes. O balofo já se mostrou exímio em não pisar no calos de sua base ao vetar o casamento gay, aprovado pelo legislativo estadual no começo deste ano: disse que uma lei dessa magnitude precisava ser submetida ao voto popular, sem se manifestar pró ou contra. O cara é esperto, mas tem um inimigo interno maior do que qualquer um de seus rivais: a própria gordura. Jamais um obeso foi eleito presidente dos EUA. Talvez uma negra lésbica tivsse mais chances.