sexta-feira, 31 de agosto de 2012

PISQUILINHO

Ele era o menorzinho da ninhada, e o mais vermelhinho também. Não estava nos nossos planos: queríamos ficar com uma fêmea, para "repor" Cafufa, a avó, atropelada no começo daquele ano. Mas ele se impôs. Era o mais meigo, o mais delicado, e tinha um jeito irresistível de ir pendendo para o lado quando fazíamos carinho em suas bochechas, até cair no chão. Minha sogra, como de outras vezes, batizou-o: dizia que era o mais "pisquilinho" de todos, e o nome pegou. Depois criei uma versão mais adulta e oficialmente ele se tornou Pisco, mas o diminutivo surgiu primeiro.

Sei que todo dono diz a mesma coisa, mas ele era realmente um cachorro excepcional. Não tinha o garbo de seu avô Toffee, que se comportava como um de nós: sua atitude foi sempre meio infantil, o que fazia com que as pessoas perguntassem se era um filhote mesmo quando já estava velhinho. Gostava de passear e da vida ao ar livre, mas não herdou os instintos caçadores de sua raça e sua dinastia. Sua mãe Grace, por exemplo, certa vez me trouxe radiante uma presa que ela mesma havia abatido: um morcego. Pisco nunca foi de perseguições, era calminho e até meio medroso.

Mas soube desde cedo o grande segredo da vida. Era viciado em amor. Só queria amar e ser amado. Fazia festa para estranhos, sentia saudades de gente que não conhecia. Ia conosco a toda parte e se comportava feito um lorde. Teve uma vida confortável e repleta de afeto. Gerou três ninhadas, duas delas com a própria mãe - era um autêntico motherfucker. Agora me arrependo de não ter pego nenhum de seus filhotes para mim, porque foi o último de sua família (a terceira geração) que viveu entre nós.

Pisco teve bastante saúde até um mês atrás. Aí começou a pifar: pneumonia, dois ou três AVCs, convulsões. Foi internado duas vezes e começou a tomar uma dezena de remédios. Mas seu coraçãozinho era fraco e ele não resistiu. Morreu esta noite em sua caminha, em casa, ao lado da gente. Que bom que não foi no hospital. Que bom que não precisamos sacrificá-lo. Acho que ele nem percebeu. Dormiu e apagou.

Semana que vem o gato Cauxi vai embora, de volta para minha enteada. A casa vai ficar sem bichos pela primeira vez em mais de 20 anos. Claro que eu quero um novo cachorro, mas não vai ser agora. Meados do ano que vem, quem sabe? Por enquanto o Pisco ainda está muito presente. E ficará para sempre conosco, amém.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

RAMALHETE DE BABOSEIRAS

As redes sociais estão em chamas por causa de um editorial assinado por Carlos Ramalhete e publicado hoje na "Gazeta do Povo" de Curitiba. Intitulado "Perversão da Adoção", o texto é um libelo contra a adoção de crianças por casais homossexuais e à "desconstrução da família tradicional". O autor comete um descalabro atrás do outro e chega a dizer que a inclusão dos nomes dos pais adotivos (ainda que héteros) numa certidão de nascimento é uma "mentira piedosa". Para Ramalhete, só pode ser considerada família de verdade quem gera vida. Pois eu acho isto uma baboseira sem tamanho: qualquer um pode gerar vida, contanto que seja/esteja fértil e transe com alguém do sexo oposto. Estupradores geram vida, não é mesmo?. Agora, a unidade familiar para valer pressupõe laços afetivos. A verdadeira família é a que dá amor: há muito que se diz, inclusive, que pai ou mãe é quem cria, não quem tem o filho. Já está sendo convocado um protesto pelo Facebook, e claro que também já tem neguinho defendendo a liberdade de expressão do energúmeno. Fazer-se de vítima é a tática atual dos homofóbicos, como se fossem eles quem tem direitos negados e sofre agressões na rua. Carlos Ramalhete pode escrever as sandices que quiser, é claro. Mas também precisa ser apontado como um exemplar vivo de tudo o que há de mais retrógrado neste país. Felizmente, uma espécie em extinção.

ATUALIZAÇÃO: A "Gazeta do Povo" publicou hoje um excelente artigo replicando o editorial de Ramalhete, assinado pelo jornlaista e publicitário Flávio St. Jayme. Leia aqui.

(agradeço a todos os amigos que me enviaram o nojento editorial)

A MACARENA COREANA

A Ásia está em chamas por causa deste vídeo do cantor coreano PSY, "Gangnam Style", que já foi visualizado quase 75 milhões de vezes desde que estreou em julho. Gangnam é o nome de um dos bairros mais elegantes de Seul e a revolucionária coreografia do clipe gerou dezenas de paródias e uma infinidade de gifs, que podem ser úteis numa emergência. Pronto, agora você já sabe.

(mais uma colaboração de Jaqueline Cantore para este blog)

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

THE WALKING DEAD

Costumo adormecer tao rápido que meu marido diz que eu apago antes da cabeça encostar no travesseiro. Claro que volta e meia o sono demora para chegar, sem nenhuma razão específica. Mas ontem padeci sob uma tempestade perfeita: preocupação com meu cachorro + problemas no trabalho + jantar pesado = noite inteira sem dormir. Apenas a segunda totalmente em claro de toda a minha vida, mas mesmo assim, que merda. Pior que a sensação de assistir a um looping de todos os medos e anseios mais íntimos é a certeza de estar um zumbi no dia seguinte. Ah, e eu já citei o refluxo gástrico? Enfim, foi com alívio que pulei da cama de manhã. Hoje até que estou razoavelmente bem para um morto-vivo, com apenas um pedacinho do cerebelo escorrendo pela orelha esquerda. E é incrível como ainda consigo escrevfgrhtsjh

terça-feira, 28 de agosto de 2012

KEEP CALM AND HARRY ON

Alguém ficou realmente chocado com as fotos do príncipe Harry pelado? Ele está se comportando como qualquer filhinho de papai que sabe que já está com a vida ganha, no matter what. Acho que o verdadeiro escândalo é ele escolher tão mal os amigos que têm acesso às orgias em sua suíte. Alguém que não só fotografa a bunda real como a posta na internet merece ser eliminado por 007. A casa de Windsor adotou a estratégia de ignorar o assunto até que ele evapore naturalmente, mas talvez até devesse capitalizar em cima. A página onde os usuários do Facebook podem postar fotos nuas em apoio ao príncipe está com mais de 17 mil membros (hmm) e oferece preciosidades como esta aí acima, com soldados israelenses - os mais assanhados do planeta. Mas também já começou a se desvirtuar: neguinho tá postando foto vestido da cabeça aos pés, e também de cachorrinho. Enquanto isto, o próprio Harry não quer mais saber do Face. Ele deletou seu perfil na rede, onde usava o pseudônimo Spike Wells (hmm x 2).

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

PINTURA ÍNTIMA

Uma equipe de especialistas foi à cidade espanhola de Borja avaliar o que pode ser feito com a pintura "Ecce Homo", desfigurada pela idosa Cecilia Gimenez. Mas a população já se manifestou: não querem que se faça nada. Esse lugarejo esquecido nunca esteve nas manchetes dos jornais, e a igreja local recebeu uma enxurrada de turistas nos últimos dias. Imagine o que o comércio local está faturando com chaveiros e camisetas. A velhinha, com sua restauração digna de um macaco, conseguiu transformar uma obra banal e sem valor num ícone global, instantaneamente reconhecido. Se eu fosse curador da próxima Bienal de São Paulo, chamava a señora Gimenez para reinterpretar os carros-chefe da arte ocidental. Bilheteria garantida, além de recorde de vendas na lojinha.

GATOS E DEUSES


"O Gato do Rabino" foi lançado no Brasil com algumas cópias dubladas em português. Pobres dos pais que levarem seus pimpolhos esperando ver as travessuras de um bichano brincalhão. O filme é uma animação para adultos que inclui algumas mortes violentas e, principalmente, uma discussão interessante sobre racismo e intolerância religiosa. Claro que é tudo bem light, mas é bom deixar claro que de "Kung Fu Panda" esse gato não tem nada. O diretor e desenhista Joann Sfar (que debutou com "Gainsbourg") adaptou alguns dos livros de sua série em quadrinhos do mesmo nome, o que provoca alguns desvios inusitados no roteiro. A história começa em Argel ainda nos tempos da colonização francesa. Primeiro o gato (que não tem nome) engole um papagaio e desanda a falar; depois surge um judeu russo em busca de uma cidade sagrada na Etiópia, e o rabino e segus amigos partem para uma expedição que cruza meia África. Piadas e tiradas filosóficas vão se revezando sobre um visual rico em detalhes, e a mensagem de convivência lembra a de outro desenho animado francês, "Azur e Asmar" (que no entanto era mais bonito e melhor resolvido). Mas o mais divertido é mesmo a obsessão do gato em realizar seu bar mitzvah, já que ele se considera judeu. Só falta gravar um vídeo à la Nissim Ourfali.

domingo, 26 de agosto de 2012

EU VIVO SEMPRE NO MUNDO DA LUA

Estava lendo os comentários na internet sobre a morte de Neil Armstrong e fiquei fascinado. Ainda há gente que não acredita que o homem pisou na Lua. Acham que foi tudo uma grande encenação para enganar os soviéticos. Esse tipo de suspeita até fazia algum sentido nos anos 60, mas hoje? Com tanto canal a cabo e tanto portal de internet? Seria uma conspiração envolvendo milhões de pessoas, talvez até mais do que as que estariam sendo tapeadas. Mas faz parte da natureza do ser humano achar que está sempre sendo passado para trás e que há "forças ocultas" por trás do vírus da AIDS ou do 11 de setembro, por exemplo. Já na toalha milagrosa do apóstolo Waldemiro neguinho acredita sem titubear.

sábado, 25 de agosto de 2012

SOL POENTE

"Honra" é um conceito meio alienígena para muitos brasileiros. Nossos políticos estão se lixando para ela, contanto que não percam as mamatas e a reeleição. No Japão, às vezes nem é preciso se provar uma falcatrua: basta a suspeita para um parlamentar cometer seppuku, o suicído ritual. Este sentimento de honra exagerado também acarreta consequências gravíssimas, que é o tema do ótimo "Corações Sujos". O filme é baseado no livro do mesmo nome de Fernado Morais, que conta a história da Shindo Renmei, a sociedade secreta que fez um estrago na colônia japonesa do estado de São Paulo no final dos anos 40. Quase 400 pessoas foram mortas, pelo gravíssimo pecado de acreditarem na derrota do Japão na 2a. Guerra Mundial e o ocaso do delírio imperial. O diretor Vicente Amorim foca no início do movimento e demonstra claramente que a honra - do mesmo jeito que sua prima, a fé religiosa - se torna facilmente uma desculpa para o autoritarismo mais brutal. Eu não amei o filme tanto como a Marta Matui e tenho algumas ressalvas: achei a música grandiloquente demais, e as bordas borradas de alguns enquadramentos me pareceram gratuitas. Mas cenários e figurinos são irretocáveis, assim como todo o elenco - os protagonistas são todos atores japoneses, alguns deles grandes estrelas por lá. "Corações Sujos" é um dos favoritos para a indicação brasileira ao próximo Oscar de filme estrangeiro. Provavelmente irá disputar a vaga com "Colegas", o filme sobre garotos com síndrome de Down que acaba de vencer o festival de Gramado. Que ganhe o que tiver mais chances.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

SATIN SHEETS AND LUXURIES SO FINE

A boca do Darren Criss me dá um pouco de aflição. Mesmo assim, gostaria que esse bando de gliteratti anunciando a Fashion's Night Out desaparecesse do vídeo, deixando o namorado do Kurt sozinho nesta ótima versão da que talvez seja minha música favorita da Madonna evah. Como faz para baixar?

DOIS PALITOS

Quem trabalha com propaganda sabe o inferno que é ter que aguentar clientes que pedem para você criar um vídeo viral (como se houvesse uma fórmula) ou conseguir "likes" para a fanpage da marca no Facebook. Aí vem um moleque de 19 anos, inventa a Gina Indelicada e arrebanha 1 milhão e 200 mil seguidores EM DEZ DIAS. Só para dar uma ideia, o Burger King levou mais de um ano e gastou alguns milhões em mídia para chegar num reles milhãozinho. E aí tivemos mais um exemplo de como funcionam as cabecinhas empresariais no Brasil: a princípio, a Rela Gina (juro que é este o nome do fabricante) pensou em processar o garoto, que ainda prefere se manter no anonimato. Felizmente perceberam que nunca, jamais, em tempo algum, se falou tanto em palitos Gina como de uns dias para cá. Agora querem propor parceria. Tomara que dê certo, e tomara mais ainda que não domestiquem as indelicadezas da Gina. Se ela começar a dar dicas de sustentabilidade e responsabilidade social, eu sou capaz de dar um roliço.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

TRAVAS ABERTAS

Certa vez eu aterrissei em Miami no meio da madrugada, quando ainda estava escuro. No caminho para o hotel, uma puta aproveitou para invadir o táxi quando estávamos parados num sinal, talvez mancomunada com o motorista. Despertei do meu torpor e toquei a mulher para fora (acho que era mulher). Conto isto porque creio não ser de todo impossível que três travestis tenham entrado sem convite no carro do apresentador Carlos Nascimento. Diz ele que costuma circular com as portas destravadas, o que é de fato uma temeridade numa cidade com São Paulo. Acontece que eu nunca ouvi falar de assaltos naquela avenida em frente ao Jockey, ponto tradicional de prostituição. Não estou dizendo que eles não aconteçam: simplesmente nunca ouvi falar. Agora o Nascimento quer nos convencer de que aprecia as travas abertas em apenas um dos sentidos da expressão. Como ele mesmo disse, já fomos mais inteligentes.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

ENTRE A CRUZ E OUTRA CRUZ

E lá vou novamente votar na Soninha para prefeita de São Paulo. Conheço-a pessoalmente, gosto muito dela e concordo com todas as suas ideias. Mas ela talvez fizesse melhor se voltasse a concorrer para vereadora: seria eleita facilmente, e Deus sabe como precisamos de um de nós lá na Câmara Municipal. Se tiver 10% dos votos já será muito. Como não tem a menor chance de passar para o segundo turno, eu me vejo não entre a cruz e a caldeirinha, mas entre uma cruz e muitas outras, sem saber em quem votar. Ainda não perdoei o Serra por sua aliança com o Malafaia em 2010, e ele está voltando ainda mais pseudo-carola este ano. Além do mais, é ó-bó-vio que, se eleito, irá renunciar em 2014, para perder mais uma eleição para presidente. Celso Russomanno é um remix de Paulo Maluf.Até já fez parte da Frente Parlamentar LGBT, mas agora diz sandices como "queria uma igreja em cada quarteirão" só para pegar o voto dos bíblias. Ninguém se toca que uma fala dessas é um atentado à liberdade religosa? Ele está insinuando que todo mundo deveria ter uma religião, ou seja, atentando contra os que preferem não ter. E no meio desse calvário de repente eu me vi - gasp - votando em Fernando Haddad. Se pelo menos o Lula saísse de perto...

CLOCLO PARA OS ÍNTIMOS

Ninguém precisa conhecer Claude François para se divertir com sua cinebiografia, que no Brasil ganhou o nome de "My Way" (o nome de sua canção mais famosa, imortalizada por Frank Sinatra). Mas eu prefiro continuar chamando de "Cloclo", o apelido que o cantor ganhou das fãs. Essa espécie de Roberto Carlos francês ganhou um filme frenético, que segue a fórmula consagrada por "Piaf", "Ray" e outros do gênero: o começo difícil / a explosão do sucesso / novas atribulações / a glória da eternidade. O ator belga Jérémie Renier está impressionante no papel principal, tanto na semelhança física como no preparo atlético para as cenas de dancinha. A reconstituição de época é formidável e mesmo quem nunca ouviu falar do cara vai reconhecer muito de seu repertório: Cloclo gravava versões francesas do hit-parade anglo-saxão sem a menor cerimônia. "My Way" é um tiquinho longo, mas capta com perfeição a personalidade insuportável de seu biografado e o circo de histeria que o seguia por toda a parte. Está passando no Festival Varilux do Cinema Francês, que vai percorrer várias cidades brasileiras, mas deve entrar em cartaz em setembro. Como eu já havia postado o trailer em março, lá vai um clipe do verdadeiro dito cujo para vocês sentirem a barra. Cloclo est vivant!

terça-feira, 21 de agosto de 2012

PLAYGAY

Se tem um homem na face da Terra que não tem a menor dúvida sobre a própria masculinidade é Hugh Hefner, o fundador da "Playboy". Ninguém comeu mais e melhores mulheres do que ele, que foi tido como pornógrafo no começo da carreira - mas hoje é saudado como um dos pioneiros da revolução sexual que começou nos Estados Unidos nos anos 60 e de lá de espalhou por boa parte do mundo. Não é de hoje que Hefner defende os direitos igualitários, e ele volta à carga no editorial da edição de setembro de sua revista. "A luta pelo casamento gay é uma luta por todos os nossos direitos". Hef já sacou que a ofensiva conservadora nos Estados Unidos não pretende apenas recriminalizar a homossexualidade, como também acabar com o aborto de uma vez por todas e restringir ao máximo o acesso das mulheres aos métodos anticoncepcionais. Essa turma não é inimiga só dos gays: é inimiga de todo mundo. Porque um preconceito não prejudica apenas a minoria contra a qual ele se dirige. Prejudica toda a sociedade.

ESTUPRO LEGÍTIMO

Estou passado no azeite de dendê com as declarações de Todd Akin, candidato republicano ao Senado pelo estado americano do Missouri. O sujeito disse anteontem que é contra o aborto até mesmo em caso de estupro, porque "pouquíssimas" mulheres engravidam quando violentadas - e as que dizem que engravidaram assim provavelmente estão mentindo. Isto porque, segundo ele, em caso de "estupro para valer" (o adjetivo usado em inglês é "legitimate", que ainda por cima dá ao substantivo a conotação de que ele foi merecido), o corpo da mulher secretaria hormônios misteriosos que impediriam o espermatozóide de fecundar o óvulo. Claro que o estrago foi imenso e agora a cúpula do partido quer que Akin renuncie à candidatura. Mas só porque ele corre o sério risco de ser derrotado, e não porque os dirigentes discordem de suas ideias. Na verdade, há entre a extrema-direita a noção de que uma mulher precisa atingir o orgasmo para engravidar, e que, se ela engravidou, portanto gozou, portanto não foi estupro. Também existem pseudo-cientistas que validam a tese das "secreções", sem ter a menor ideia de como funciona o aparelho reprodutivo feminino. Akin provavelmente não irá longe, mas é só um exemplo desavergonhado da ideologia medieval que permeia os conservadores. E isto acontece nos Estados Unidos, onde não há analfabetismo e estão algumas das melhores universidades do mundo. Tremo em pensar no que pode rolar por aqui, com o crescente poder dos evangélicos e com políticos de todos os naipes correndo para lhes pedir a benção.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

DESEJO DE LEVANTAR (DO CINEMA)

Tem coisa mais engraçada do que um casal de velhos tentando transar? Tem, e muitas. Tanto que "Um Divã para Dois" não é exatamente a comédiazinha leve que o trailer levava a crer. A revista "Entertainment Weekly" chegou a dizer que, tirando algumas das poucas piadas, poderia até ser um filme de Bergman. Menos, gentem: a verdade é que o assunto é sério e desagradável, e, se não fosse por Meryl Streep eu passaria longe do cinema. Não sei se aplaudo a coragem dela de nunca ter feito uma plástica e de aparecer meio descabelada em cena, ou se lhe dou um bitch slap por ela parecer muito mais velha do que seus 63 anos. Meryl e Tommy Lee Jones fazem um casal totalmente crível e absolutamente desinteressante. A vida deles é tão chata que nem a terapia em que eles embarcam dá resultado: os dois podem até voltar a ter uma vida sexual ativa, mas continuarão tão aborrecidos como sempre. "Um Divã para Dois" tem uma barriga mais saliente que a de um homem da terceira idade e no fundo é mais um filme conformista, do jeitinho que a plateia espera. Como bônus, tem uma cena erótica em que o cabelo desgrenhado de Meryl sobre de um jeito que lembra o de seu papel anterior, a ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher. Agora estou com a imagem da Dama de Ferro fazendo amor gravada na minha cabeça, e não sei como me livrar dela.

FESTA ESTRANHA COM GENTE ESQUISITA

Um amigo carioca esteve em São Paulo este final de semana e, levado por outro amigo, foi à festa de um cara que ele não conhecia. Chegando lá, foi prontamente esquecido num canto. Ninguém foi puxar papo, nem o dono da casa fez as honras (e olha que de feio esse meu amigo não tem nada). No dia seguinte ele extravasou sua frustração conosco e meu marido, cariocófilo empedernido, disparou: "essa falta de educação é típica dos paulistanos". Mas será mesmo? Verdade que SP ainda tem um ranço de cidade do interior totalmente incompatível com seu tamanho e importância. Essa caipirice não se traduz em cordialidade, mas justo em seu contrário: estranhos são ignorados e as pessoas se fecham em turminhas. No Rio, antiga capital, império da malemolência, aconteceria o oposto. Forasteiros são sempre bem-vindos e os anfitriões não descansam enquanto todos os convidados não estiverem perfeitamente integrados entre si. Claro que isto é uma generalização injusta. Mas, como em toda generalização, sinto um fundo de verdade. Meus conterrâneos são famosos por marcar programas e nunca mais aparecerem, mas costumam ser mais calorosos que o povo do lado de cá da Dutra. Agora, saber receber é uma arte em extinção em todos os estados brasileiros. Estamos ficando mais grosseiros. Quem sabe me explicar as causas deste fenômeno?

domingo, 19 de agosto de 2012

REVIRAVOLTA DE 360 GRAUS

Todo mundo morre de rir quando algum desavisado diz que "a situação deu uma volta de 360 graus". Pois é exatamente isto o que Fernando Meirelles faz em "360", e de duas maneiras. A intencional: o filme termina onde começou, dando a entender que tudo é cíclico e blábláblá. A não-intencional: quase nada realmente acontece entre uma ponta e outra. Sim, são muitos personagens e muitas locações, e passamos apenas alguns minutos com cada um deles antes de sermos despachados para outra história em outro lugar. Mas há muita falação e muito quase, sem que nada de realmente extraordinário apareça na tela. O que é até estranho dentro da filmografia meirelliana, repleta de títulos hiperativos como "Cidade de Deus", "O Jardineiro Fiel" e "Ensaio sobre a Cegueira". Não que "360" seja chato: não é, principalmente por causa do elenco fabuloso, da montagem ousada e do uso inteligente da música. Mas é impossível não compará-los a outros filmes-mosaico como "Crash" ou "Babel", que tinham impacto muito maior. Em "360" vemos apenas fatias de tramas, e nem todas são interessantes. A culpa é realmente do roteirista Peter Morgan, que ainda comete deslizes como alguém ir de Londres ao Rio de Janeiro com conexões em Denver e Miami. Fernando Meirelles é o melhor diretor brasileiro e provavelmente um dos cinco melhores do mundo, mas dessa vez não achou um script digno de seu talento.

sábado, 18 de agosto de 2012

CINCO À MESA

Ou melhor, à não-mesa. Porque o que havia eram poltronas no palco, diante de um auditório para 70 pessoas. Também houve duas ausências: Gustavo Ferri precisou trabalhar e Marcelo Cia precisou viajar. Sobraram, da esquerda para a direita na foto: Valéria Melki Busin, Fabrício Viana, Kadu Lago e Laura Bacellar, além de mim como mediador (a última pessoa da direita é Tereza Arruda Campos, da organização da Bienal do Livro). E fomos mais do que suficientes, porque o debate "O Amor Diferente" foi dos mais animados. Falamos pelos cotovelos e respondemos a várias perguntas da plateia. Que, aliás, estava bem variada: além das bibas e sapatas esperadas, também tinha muitas senhoras e até algumas crianças. A participação mais interessante foi a de duas evangélicas, uma delas empregada doméstica de um casal de lésbicas. Elas disseram que estavam ali para aprender, pode ser mais legal? Adorei a experiência e vou repetir sempre que for convidado. Não deixa um microfone na minha mão, porque eu não largo nunca mais.

PERDOAI-OS, PAI

"Para que as criancas desfrutem plenamente do amor de um pai e de uma mãe". Esta frase foi incluída na "Oração pela França" e lida em muitas igrejas francesas durante a festa da Assunção de Nossa Senhora, quinta-feira passada. E foi o bastante para rachar o país: tais palavras aparentemente doces são na verdade um ataque ao casamento gay. A nova reza já conseguiu apoio do Vaticano - além do mais porque, em outro trecho, ela pede que "as crianças deixem de ser objeto de desejo e de comnflitos entre os adultos". Só faltou implorar para que a Igreja nnao perca mais processos por pedofilia. Mas Deus não ouvirá essas preces, porque o presidente François Hollande disse que vai aprovar os direitos igualitários e 65% dos franceses já se declararam a favor. Ainda assim, é chocante ver supostos cristãos rezando pela infelicidade de seus próximos. Perdoai-os, pai, apesar deles saberem muito bem o que fazem.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

AS FILHAS DO PUTIN

Parece que a Rússia quer tirar do Irã o título de pior-país-do-mundo-que-não precisava-ser-tão-ruim. Hoje as garotas do Pussy Riot foram condenadas a dois anos de prisão por causa da performance acima, dentro de uma catedral em Moscou. Era óbvio que a justiça do país não iria perdoá-las, ainda mais depois da avalanche de celebridades que tentou interceder pelas meninas. Mas este é o tipo de caso cuja repercussão piora muito por causa da truculência: se elas tivessem sido soltas logo, agora já estariam esquecidas e mais um desastre de relações-públicas para Vladimir Putin teria sido evitado (se bem que ele deve estar cagando para sua imagem no exterior). Mas não é só no governo que imperam as trevas. Um grupo de dez pessoas está processando Madonna e exigindo um milhão de dólares por cabeça por ela ter defendido os homossexuais em seus shows em solo russo, o que teria causado nesses coitados um insuportável "sofrimento moral". Eles temem que, encorajadas pelas cantoras, muitas criancinhas se tornem gays e lésbicas, e assim não gerem filhos para defender as fronteiras da nação... Tomara que isto aconteça mesmo e a Rússia seja invadida por hordas de drag e caminhoneiras. Só as Vovós de Buranovo serão poupadas.

O FILHO DA GUERRILHA

Ontem assisti a um filme que tem grande chance de ser o escolhido pela Argentina para representá-la no próximo Oscar. "Infância Clandestina" tem muitos ingredientes ao gosto da Academia: o protagonista é um garoto e o pano de fundo é político, além do roteiro ser ótimo e os atores também. Por enquanto o filme só passou em festivais (estreia em Buenos Aires em setembro e no Brasil ainda não tem data), mas fui convidado a uma sessão especial na produtora Margarida aqui em SP. Mostrar no cinema o sofrimento das crianças durante as ditaduras que assolaram a América do Sul não é novidade: lembro de cara do argentino "Kamchatka" e do brasileiro "O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias". Mas "Infância Clandestina" é melhor do que ambos, porque a trama é muito mais tensa. Enquanto que nas obras citadas o menino é mandado pelos pais guerrilheiros para um refúgio seguro, aqui ele está com eles o tempo todo, vivendo em segredo numa cidade do interior com nome falso. O coitado consegue manter a sanidade enquanto todos enlouquecem à sua volta: a mãe, que exige dele uma maturidade impossível e a adesão a uma causa distante; os professores, que pregam uma versão absurda da descoberta da América; e o próprio aparato repressivo, que sequestra bebês e mata antes de fazer perguntas. O diretor Benjamin Ávila dedica o filme a sua mãe, morta durante o regime militar, e deve haver muito de autobiográfico na tela. O assunto pode até ser batido, mas o resultado é contundente. Acho que "Infância Clandestina" fará boa carreira.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

OS MONSTROS DA PISCINA AZUL

O "New York Times" promoveu um debate entre especialistas: qual esporte deveria ser limado da Olimpíada? Teve um que defendeu a exclusão do futebol, simplesmente porque o maior evento da modalidade é a Copa do Mundo (o que certamente nos pouparia do vexame eterno de nunca ganharmos a medalha de ouro). Outro disse que o iatismo não combina com espírito dos Jogos, porque é elitista. E mais outro atacou sem dó o nado sincronizado, porque é uma herança bizarra dos filmes de Esther Williams. Discordo frontalmente, e vou além: acho que os homens também deviam concorrer. Já pensou? Seria ainda mais flamboyant que a patinação artística. Mas não dá para negar que as poses e a maquiagem das nadadoras rendem mesmo algumas imagens inquietantes. A água está geladíssima.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

GOL A FAVOR

Agora é oficial: grandes empresas estão aproveitando as datas do calendário promocional para ver quem faz o anúncio mais simpatizante. Depois do que o Itaú fez no Dia dos Namorados, hoje foi a vez da Gol aproveitar o Dia do Solteiro e soltar essa gracinha aí ao lado, absolutamente pertinente. Mais interssante do que a própria peça publicitária é acompanhar os comentários no Facebook, onde mais uma vez os homofóbicos saíram em desvantagem (talvez porque no Face ninguém consiga ser anônimo). Pena que o Dia dos Pais passou sem nenhuma campanha do gênero. Pelo menos eu não vi: alguém sabe de alguma? Tem que ser brasileira, hein?

A ALMA PENADA DO NEGÓCIO

Uma das lendas urbanas mais persistentes é a existência da propaganda subiminar. Muita gente fica apavorada com a possibilidade de estar sendo hipnotizada à revelia. Agora mesmo há um certo reboliço em torno da campanha-relâmpago que o SBT está veiculando em sua programação, inserindo chamadas para a novela "Carrossel" que duram frações de segundos. Silvio Santos está tentando teleguiar os espectadores! Não duvido que seja isto mesmo o que ele quer, mas não vai conseguir. Simplesmente porque a tal da propaganda subliminar não existe. Essa coisa de imprimir imagens inconscientes na cabeça das pessoas e achar que depois elas vão consumir alguma coisa sem nem saber por que é balela. Não funciona dessa maneira. E se funcionasse, já pensou como seria o mundo? Governo nenhum jamais deixaria o poder. Produtos horrorosos seriam líderes de venda. Gastariam-se fortunas com coisas que não servem para naOH WAIT

terça-feira, 14 de agosto de 2012

UM DIA A ASA CAI

Em março deste ano, uma turista baiana se desprendeu do parapente onde voava com o instrutor e se esborrachou na praia do Pepino, no Rio de Janeiro. A tragédia jogou luz sobre um negócio escuso e perigosíssimo que, no entanto, é realizado em plena luz do dia: os voos duplos em asa delta e similares, que são proibidos pela Anac. Para burlar a norma, os passageiros pagam uma taxa de "inscrição", como se estivessem interessados em aprender a manejar o troço e não apenas em dar um rolé aéreo. Na época o tal do instrutor foi indiciado por homicídio culposo e ficou por isto mesmo. A turistada continuou saltando da Pedra Bonita, um atração carioca tão popular que foi até retratada no desenho animado "Rio". Até que hoje aconteceu um novo acidente fatal. O caso repercutiu nas redes e com isto eu cheguei neste post estarrecedor, escrito pela irmã de uma vítima. Os equipamentos usados nestes passeios são velhos e mal conservados e não há a menor fiscalização, apesar de haver muita grana em jogo (ou por causa disto mesmo). Mas o maior problema é a ignorância das pessoas. Uma amiga comentou que estava apavorada por ter saltado do mesmo lugar no fim de semana, e os comentários eram do nível "mas se formos pensar nos riscos, ninguém mais atravessa a rua". Gentem, a coisa é séria. Duas pessoas morreram este ano, só em São Conrado. E se ninguém toma uma providência, eu tomo: nunca tive muita vontade e agora é que não vou mesmo. Voar voar, subir subir, me inclua fora disso.

CURTO DAS IDEIAS

Paul Ryan, o candidato a vice-presidente dos EUA pelo partido Republicano, até que é bonitinho. Mas só por fora. Apesar de ser um gênio se comparado a Sarah Palin, o cara propõe cortes no orçamento que vão deixar os velhinhos sem tratamento médico e os pobres à míngua, além de baixar ainda mais impostos para os ricos. Pudera: Ryan se diz discípulo de Ayn Rand, a filósofa maluca que pregava o cada-um-por si como a única forma moral de governo (e que morreu na miséria e dependendo da caridade de estranhos, bem feito). Como se não bastasse, Ryan também é declaradamente contra o casamento igualitário e a favor da lei "não pergunte, não conte" que infernizou os gays nas Forças Armadas durante muitos anos. É um pacote tão completo de maldades que tem democrata rindo à toa, achando que a reeleição de Obama está no papo. Calma lá, digo eu. Ryan é bom de foto e de oratória e, como dizia um antigo produtor de Hollywood, nunca ninguém se deu mal por subestimar a inteligência do povo americano.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

ZERO MEDALHAS

Só eu que acho que o Brasil não foi assim tão mal na Olimpíada? Ficamos em 16o. lugar em número total de medalhas - uma contagem que me parece mais justa do que privilegiar os ouros. Assim ficamos na frente de potências como o Cazaquistão, a Jamaica e até Cuba, que teve um desempenho bem mais apagado que em outros anos. Lógico que se levarmos em conta o PIB, a população e a grana investida ainda somos um desapontamento. Mas pelo menos não somos um vexame absoluto. Um dos prazeres secretos que o quadro de medalhas nos dá é conferir os países que saíram de Londres com as mãos abanando. E nem todos são pobres de marré de si: a lista dos zerados inclui surpresas como o Chile, a Áustria e até a hiper-militarizada Israel. A imprensa desses lugares está fazendo um escarcéu, claro. Deve ser horrível morar um país que não corresponde às expectativas.

NEYMAR NEM MENOS

Criamos um monstro. Ou melhor, a mídia criou - especialmente a propaganda. Neymar é um excelente jogador, mas está longe de ser a perfeição encarnada que os comerciais nos levam a crer. Seu fraco desempenho na Olimpíada de Londres foi só mais uma de suas performances pífias nos últimos tempos. Começo a suspeitar que o garoto não está sequer no nível de um Romário. Só que esta é a velocidade dos tempos modernos: entronizamos alguém que ainda não está totalmente pronto, só para derrubá-lo quando ele revela não ser exatamente a última bolacha do pacote. Mas não tenho peninha do Neymar, não. Aos 20 anos de idade ele já faturou mais do que todos nós juntos iremos ganhar a vida inteira. Só não sei se vai durar.

domingo, 12 de agosto de 2012

EU JÁ ESTOU COM O PÉ NESSA ESTRADA

Quando eu estava na faculdade, meu grupo de Mercadologia organizou uma festa new wave para angariar fundos para um trabalho. Estávamos em 1981 e o termo new wave ainda soava exótico aos ouvidos brasileiros, mesmo que universitários. Quando nos perguntavam o que ia tocar na festa, fazíamos olhar de desprezo e respondáimos: "muito Milton". Milton Nascimento era sinônimo de chato para a minha turma, que gostava de Blondie e dos B-52's. Ele é o único medalhão da MPB de quem eu nunca tive um único disco. Esse abismo de ignorância começou a se fechar semana passada, quando comprei a edição comemorativa dos 40 anos do "Clube da Esquina". O álbum duplo coube num único CD repleto de notas e informações, com toda a história das gravações e da recepção desta obra fundamental. Claro que ao escutá-lo eu reconheci mais da metade das músicas, que fazem parte da trilha sonora brasileira há tantas décadas. E finalmente me maravilhei com a sofisticação daquilo tudo. Letras, arranjos, interpretações, não havia nada parecido na nossa música até então, nem mesmo entre os tropicalistas. A influência dos Beatles é nítida: algumas melodias, se ganhassem letras em inglês, caberiam no "Sgt. Pepper's". Mas ali há uma coisa que transcende a mineirice e permeia o pop nacional até hoje. Minha adolescência teria sido mais rica se eu tivesse ouvido mais Milton Nascimento. Agora vou me dedicar, quae sera tamen.

BAIÃO DE BACH

O Grupo Corpo é um dos dois grupos de dança brasileiros de nível mundial (o outro é o da Débora Colker) e é sempre um privilégio poder vê-lo em cena - além do mais de graça e na terceira fila. Cortesia de uma amiga que havia comprado ingressos mas desistiu porque precisou trabalhar, coitadinha... O trabalho de Rodrigo Pederneiras não apela para acrobacias nem para efeitos fáceis, e no começo eu tive a impressão de que estava vendo algo muito bom mas não exatamente inovador. Sou um parvo, é claro: aos poucos as tessituras dos movimentos vão ficando mais nítidas e o resultado é nada menos que um êxtase de beleza e rigor. A primeira coreografia, "Benguelê", é de 1988 e tem música de João Bosco. É "clean", sem frescuras, mas de grande impacto. Mas o melhor mesmo é a segunda parte. "Sem Mim" foi lançada ano passado e tem música de Carlos Núñez e José Miguel Wisnik sobre canções de Martin Codax. E isto já é uma simplificação: o trecho mais bonito, "Alvorada Lundu", soa como um baião mas na verdade mistura "alvoradas" de gaita portuguesas com um lundu brasileiro do século 19 e o prelúdio da Suite No. 1 para violoncelo de Bach. Tudo isto e mais os corpos perfeitos dos bailarinos (a companhia faz jus ao nome) sob malhas estampadas que parecem tatuagens. O Grupo Corpo está entre as melhores coisas produzidas no Brasil de hoje. Merece estar na abertura da Olimpíada de 2016 e ser visto sempre que estiver na cidade.

ABRINDO O PRECEDENTE

Verónica Rocha é atriz carioca e leitora deste blog, Não a conheço pessoalmente, mas ela me pediu para ajudar na divulgação do vídeo "Vida de Atriz Desempreguete". Ela e suas colegas de profissão reclamam da concorrência desleal de modelos e ex-BBBs, mas o fato é que vida de atriz nunca foi fácil, jamais, em lugar algum. E com este post eu abro um precedente perigoso: agora todo mundo vai me pedir para postar anúncio de venda de carro usado, procura-se cachorro perdido, trago a pessoa amada em cinco dias e por aí vai.

sábado, 11 de agosto de 2012

TODO EXERCÍCIO É CHATO

Aqui no Brasil nos acostumamos de tal maneira a associar política com corrupção que parece até estranho alguém fazer um filme sobre um político não-corrupto. Isto não quer dizer que o fictício Ministro dos Transportes francês apresentado em "O Exercício do Poder" seja um querubim de pureza: ele pode não estar metendo a mão no dinheiro público, mas anda com uma assessora ao seu lado praticamente 24 horas por dia, para que ela sugira as palavras que deve dizer à imprensa ou a cor da gravata que deve usar. O filme teve muitas indicações ao César e me deixou todo assanhado para ver, porque adoro política no cinema. Mas este é um filme sobre o dia-a-dia no poder: as negociações tediosas, os choquinhos de ego, as limitações ao que se pode realmente fazer. Tem bons atores e bons momentos, como um acidente de carro pra lá de apavorante, mas é chato demais. Como qualquer exercício, como qualquer dia-a-dia.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

NÃODICE LISPECTOR

Antigamente, as pessoas pegavam textos de autores famosos e diziam que eram elas que os tinham escrito. Hoje em dia acontece o contrário: a quantidade de sandices jamais ditas por Arnaldo Jabor, Luís Fernando Veríssimo ou Gabriel García Márquez que circulam na internet é apavorante. Essa inversão rendeu uma boa coluna de Ruy Castro na "Folha" de anteontem. Também me rendeu duas brigas no Facebook, só porque eu apontei gentilmente que aquelas platitudes que a pessoa postou não eram da lavra de Clarice Lispector. Este fenômeno ainda merece ser melhor estudado, mas acho que no fundo é só uma maneira do ignorante dar um lustro de prestígio às bobagens em que já acredita. Ah, e ganhei as brigas, é claro: ocultei aqueles parvos da minha timeline para todo a eternidade. A beleza do Facebook é que a gente ganha sempre.

O PROGRAMA MAIS AFLITIVO DO MUNDO

E você ainda acha que tem problemas?

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

BABY KILLER

Sua timeline no Facebook parece um berçário? Seus amigos breeders não param de postar fotos de seus bebês mamando, trocando fralda, fazendo naninha? Seus problemas acabaram! Chegou Unbaby.me, o aplicativo para o Chrome que remove esses pestinhas do seu Face e substiui-os pelas imagens do que você realmente gosta: gatinhos, cachorrinhos, crepúsculos, pornografia gay... É grátis e dizem que funciona que é uma beleza (eu não sei, eu uso Firefox). Agora bem que podiam criar aplicativos para eliminar as mensagens tipo "Jesus te Ama", as fotos de comida, as solicitações para jogos, os "bom diaaaa"...

THE BITCH IS BACK

Elton John anda num mau humor do cão, desancando Madonna em entrevistas e processando o jornal britânico "The Times". Mas a dupla australiana Pnau conseguiu apanhá-lo num bom dia, pois Sir Elton autorizou os rapazes a cortar seu repertório em pedacinhos e rearrumá-los em outra ordem. O resultado é o disco "Good Morning to the Night", que não traz nenhum remix propriamente dito: traz canções que soam novas, colagens inusitadas e alto astral do começo ao fim. É divertido não ler os créditos e tentar adivinhar quais sucessos tiveram trechos reaproveitados, mas o Pnau deu preferência a faixas mais obscuras do catálogo eltoniano. Confira o alegríssimo vídeo para "Sad" aí em cima e, se quiser ouvir mais, tem aqui, ó.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

SETE À MESA

Fui convidado a mediar uma mesa de debates na 22a. Bienal do Livro de São Paulo, que começa amanhã. Minha mesa em si acontece no outro sábado, dia 18, das 15 às 17 horas, na ala "jovem" do evento. It gets worse: ela se chama "O Amor Diferente", típico nome que um hétero que se acha muderno daria a um encontro do gênero. Claro que eu aceitei, mas o convite veio com uma pegadinha. Eu tive que produzir quórum para a mesa, mas para isto é que servem as redes sociais, não é, gentem? Depois de algumas idas e vindas, tenho seis convidados confirmadíssimos: os escritores Fabrício Viana, Laura Bacellar, Kadu Lago e Valéria Melki Busin, além do Marcelo Cia, editor da revista "Junior", e do Gustavo Ferri, co-diretor do vídeo "Não Gosto dos Meninos" e representante solitário da comunidade HT. Vai ser um ahazo, além do mais porque eu não tenho um pingo de experiência no ramo. Então está todo mundo convidado, e não, eu não tenho pulseirinha para a ala VIP.

MEIO MONTADAS

Estou fascinado com o projeto "Half Drag" do fotógrafo americano Leland Bobbé, que mereceu uma matéria na revista "Junior" deste mês. O sujeito teve uma ideia tão genial que é até espantoso que ninguém tenha tido antes: retratos de drag queens com só um lado do rosto montado. Metade homem e metade fabulous. O resultado é lindo e algo desconcertante. Alguns rapazes de aspecto frágil viram semideusas fierce com a ajuda da maquiagem, outros até que dão um bom caldo quando de cara lavada. É um insight tão bom que merece ser copiado por aqui: adoraria ver ao mesmo tempo os dois lados de Nany People ou Silvetty Montilla, por exemplo. Confira mais fotos aqui, no blog de Bubbé.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

PRECISO ACABAR LOGO COM ISTO

É impossível não comparar "À Beira do Caminho" com "Central do Brasil": em ambos, uma pessoa amargurada cruza o Brasil ao lado de uma criança, e aos poucos redescobre a si mesma. Mas o filme de Walter Salles conseguia emocionar sem ser piegas nem óbvio. O oposto acontece com o de Breno Silveira, que para piorar tem diálogos sofríveis, soluções óbvias e ritmo arrastado. Nem o uso abundante das canções de Roberto Carlos consegue deixar menos forçadas as situações. Pelo menos o elenco está bem, e o garoto Vinícius Nascimento é mesmo uma revelação. Pena que o roteiro redundante não esteja à altura. Passei meio filme pensando que eu não posso mais ficar aqui, eu existo, eu existo.

HÁ UM MUNDO BEM MELHOR

Certa vez a Disney processou um orfanato que havia pintado seus personagens nas paredes sem autorização. Tremo só de pensar o que ela pode fazer contra o artista mexicano Rodolfo Loaiza, que causa furor em Los Angeles com sua exposição "Disasterland". Não é novidade ver sátiras pesadas dos ícones do papai Walt, mas o traço de Loaiza é especialmente aflitivo porque reproduz fielmente o estilo do estúdio. Veja aqui uma galeria completa, no blog "Os Entendidos"(e obrigado ao Gilberto Scholze, que cantou a bola no Face).

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

THIS KIKI IS MARVELOUS

Os Scissor Sisters não surpreendem, mas também não decepcionam. "Magic Hour", o novo disco da banda, não tem um hit monstruoso como os anteriores, mas, faixa a faixa, talvez seja o trabalho mais consistente até aqui. Eu confesso que estava esperando uma pegada mais aviadada, e baladas comportadas como "Baby Come Home" ou "Only the Horses" quase que poderiam ser cantadas pelo Coldplay. Ainda bem que "Let's Have a Kiki" e seu vídeo tutorial salvam o dia.

TONINHO MALVADEZA

Alguns leitores não estão conseguindo acessar meu blog pelo Chrome, o navegador do Google. Dizem que aparece um aviso de contaminação por "malware", vindo de um site chamado fastonlineusers.com que eu nunca visitei na vida. Não tenho a menor ideia do que aconteceu, mas pode ser que não seja nada. Comentei o caso no Facebook e uma amiga disse que o problema é do Chrome, que também acusou um vírus inexistente no site do Pão de Açúcar. De qualquer forma, não sei o que fazer: browsers como o Safari ou o Firefox não alertam nada, e não entendo um puto desse assunto. Alguma sugestão?

ATUALIZAÇÃO: Tinha mesmo o tal do "malware". Segui a dica que o Votalhada mandou pelos comentários e lá estava ele, o link para o tal do site marvado, escondido no código do gadget "Está Lá?" na coluna da direita. Eliminei tudo, inclusive o gadget, e espero que o aviso no Chrome tenha desaparecido também. Obrigadoooo!

domingo, 5 de agosto de 2012

NA PRORROGAÇÃO

Quase perdemos o Pisco esta semana. Nosso cocker spaniel tem quase 15 anos de idade, mas estava batendo um bolão até outro dia. De repente, começou a cair no meio da rua e a recusar comida - justo ele, que ficou ainda mais guloso depois de velho. Segunda-feira foi internado e na terça saiu o diagnóstico de pneumonia, provocada e agravada pela condição cardíaca que ele tem desde pequeno. Cheguei a correr para a clínica para me despedir dele, depois de irromper em lágrimas no meio da rua ao saber que a situação estava crítica. Foi terrível vê-lo entubado, de fralda e sonda, buscando o ar como se estivesse se afogando. Na quarta escrevi um post desconsolado no Facebook e recebi 48 "likes" e 73 comentários, meu recorde absoluto. Afinal, quase todo mundo já passou pela dor de perder um bicho. Mas hoje a boa notícia é que o Pisco voltou para casa. Não teve propriamente alta. A pneumonia ainda não sumiu de vez, ele não deve mais passear na rua e tem uma dieta de remédios digna de hipocondríaco. Mas está ativo e operante, com fome e sede, batendo o rabo e nos seguindo para todo lado. Agradeço a Deus por tê-lo de volta, não sei por quanto tempo - mas quem sabe quanto tempo alguém tem? Estamos na prorrogação, e isto já é bom demais. É um presente do céu. Mas, sem querer abusar, será que dá para chegar nos pênaltis?

O MUNDO AINDA PREFERE A LOURA

Marilyn Monroe talvez seja mais do que a maior estrela de todos os tempos. Estou desconfiado de que ela também é a maior estrela da atualidade. Só no ano passado Marilyn faturou 23 milhões de dólares - e isto sem lançar um único filme, sem gravar um único disco, apenas sendo o mito de si mesma. Não é que ela nunca tenha saído da moda: na verdade, sua presença na cultura pop só tem crescido. Recentemente, Marilyn foi tema de um filme indicado a dois Oscars e de um meta-musical que está sendo desenvolvido dentro da série "Smash". O curioso é que ela não era respeitada como atriz enquanto viva. Puro preconceito: hoje assisti a alguns trechos de "O Príncipe Encantado" no canal TCM, que fez uma maratona de seus filmes na data em que se completam 50 anos de sua morte, e pude mais uma vez constatar como ela era boa. Não só no sentido óbvio, mas com um carisma e um timing de comédia tão excepcional que em diversas cenas ela engole ninguém menos que Laurence Olivier. Agora, qual será a razão desse permanente estrelato póstumo? Talvez porque MM represente a mulher ideal pré-feminismo: infantilizada, ingênua, ao alcance de homem que puder bancar seus caprichos. Apesar das inúmeras tentativas, seu olhar continua inimitável, sonolento e safado ao mesmo tempo. A Afrodite do século 20 ainda não tem substituta.

sábado, 4 de agosto de 2012

FEIO AMI

Robert Pattinson é um ator tão ruim, mas tão ruim, que chega até a ficar feio. Isto soa como um paradoxo, mas na verdade é o oposto de um fenômeno mais comum: aquela pessoa não exatamente bonita, mas provida de tantos encantos e talentos que fica interessantérrima. Pattinson passa com louvor naquele teste que eu bolei para verificar a aptidão dramática de alguém: consegue ser um desastre absoluto mesmo quando está em silêncio. Seu olhar é vago, não diz nada, ou talvez seja só transparente: vai ver que não tem nada mesmo debaixo daquele rostinho. Sua canastrice afunda de vez esta fraca adaptação do romance "Bel Ami" que estreou esta semana no Brasil (e não, não tem nada a ver com aquela produtora eslovaca de pornografia gay). O protagonista George Duroy é um rapaz ignorante porém astuto e sedutor, comendo todas as mulheres que lhe passam à frente e galgando postos na sociedade sem nada fazer por merecer. Só que Pattinson não convence um segundo no papel, por mais que infle as narinas quando quer se fazer de indignado. Se sua frouxidão na tela é só um reflexo da vida real, então a Kristen Stewart estava mais do que certa em lhe aplicar um belo par de cornos. Robert Pattinson é a maior fraude em cartaz atualmente.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

JOELMA EM CHAMAS


Só para ilustrar o que eu disse no meu post de ontem, eis aí a cantora Joelma, da banda Calypso, recusando a pecha de homofóbica depois de aconselhar um fã gay a "virar homem" (isto é típico de gente ignorante, achar que homem gay não é homem). O vídeo acima caiu ontem na rede e a repercussão foi tão majoritariamente negativa que a moça correu para o Twitter se justificar. "Um dos abusadas do calypso q tava brincado comg falando das intimidares deles p mim ficar vermelha e brinquei" (sic). "Se eu fosse preconceituosa meu melhor amigo n seria um gay. Aroldo ( nome de guerra, velany)"(sic também). Joelma, que é evangélica apesar de usar roupas piranhescas no palco, cai naquela estupidez de milhões de brasileiros com poucas luzes. Homofóbico não é só o cara que bate em bicha e xinga lésbica. Ter amigos gays e tratá-los com um mínimo de respeito não livra ninguém do preconceito: basta nos negar um só direito que, sim, a pessoa é homofóbica. "Adoro gay", "meu cabeleireiro é gay", "os gays me amam": nada disso é salvo-conduto para fora da homofobia. Joelma diz que estava brincando, mas dá para acreditar? Ela foi flagrada num momento quase íntimo, abraçada a um fã que sua assessoria diz ter tentado "provocá-la". Mas o cara reage com dignidade às asneiras que a cantora diz, e, se era mesmo provocação, deu certo. Joelma acaba de receber o carimbo do ÓDIO na testa, e é mais uma que irá arder no inferno da intolerância. Acorda, mona, as guei não te amam tanto assim.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

PARA ONDE O VENTO SOPRA

A luta pelos direitos igualitários está meio em ponto morto no Brasil, aguardando o começo da campanha eleitoral e o famigerado apoio dos líderes evangélicos a este ou aquele candidato. Mas nos Estados Unidos está se desenrolando uma batalha interessante em torno da cadeia de fast food Chick-Fil-A, já citada aqui num post da semana passada. Pastores "cristãos" convocaram suas congregações a prestigiar os restaurantes, e ontem foram registradas filas imensas em diversas unidades, principalmente nos estados conservadores do sul. Mas o colunista Michael Musto lembrou que ninguém deve dar muita importância a isto. A Chick-Fil-A é uma empresa relativamente pequena, sem expressão internacional. Mesmo nos lugares onde é tida como forte, a rede Starbucks, que faz campanhas explícitas pró-LGBT, é sete vezes maior. Gigantes da internet como o Google e a Amazon não só são gay-friendly, como também doam fortunas à nossa causa e não têm medo de marcar posição em países hostis como a Polônia ou Singapura. E boicotar essas companhias nos dias de hoje, aponta Musto, é como boicotar o oxigênio. Cada vez mais estados aprovariam o casamento gay se ele fosse submetido a uma eleição, e já há uma maioria nacional que o apoia. Está claríssimo para onde o vento sopra por lá, tanto que há cada vez mais políticos republicanos virando a casaca. A Chick-a-Fil pode ter registrado lucro recorde ontem, mas também sai com um adesivo no meio da testa onde se lê "HATE" em letras garrafais. Virou alvo de piadas e sinônimo de intolerância. Algo que nem de longe ameaça acontecer por aqui, infelizmente. Mas os homofóbicos morrem de medo disto, tanto que insistem que no Brasil não existe homofobia. Essa corja se recusa a entender que alguém não pode ser contra a igualdade de direitos e ainda assim se declarar não-homofóbico, mas, se fossem inteligentes...

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

EM GOIÂNIA JÁ PEGOU

Novaclassecezei de vez. Não só sou o feliz proprietário de um Bilhete Único, como também dos CDs com as trilhas de "Cheias de Charme" e "Avenida Brasil". Quer dizer, desta última só o volume 2: o volume 1 está esgotado nas boas casas do ramo, caso contrário já o teria arrematado. A verdade é que eu me sinto um pouco como um político que adere ao governo só para ganhar um ministério. Se não pode vencê-los, junte-se a eles! Outra verdade é que esses discos dão uma amostra interessante do que é o Brasil 2012, apesar de nem todas as faixas serem contemporâneas. Mariozinho Rocha, o curador da Som Livre, deu um jeito de incluir até mesmo um dos nossos melhores temas instrumentais de todos os tempos, a mitológica "Na Cadência do Samba" de Waldir Calmon - nada menos do que aquela musiquinha que embalava os gols em preto e branco dos antigos cinejornais do Canal 100. "Que bonito é"...

Mas o que impera mesmo é o brega, o sertanejo, o funk e suas combinações improváveis. Chitãozinho e Xororó fazem participação especial num sambão, Ivete Sangalo canta um dueto com Juanes e Buchecha soa como Chico Buarque perto de canções com nomes como "Chalalá" ou "Lê Lê Lê". Tem coisas que nem com curiosidade etnográfica dá para engolir: a dupla João Luís e Marcelo é simplesmente ridícula na tal da dança sensual que em Minas explodiu. "Cheguei na balada doidinho para biritar": véi, na boa, quem é que fala biritar? Graças ao Michel Teló, agora toda Festa do Peão acha que é rave. Mas quem sou eu para criticar, quando o Brasil inteiro está fazendo o tchu-tcha-tcha?

O ARISTOGATO

Pelo menos a morte de Gore Vidal me serviu para uma coisa: lembrar que eu adorei tudo o que li dele e que preciso ler seus outros livros. "A Cidade e o Pilar", seu primeiro romance, se filmado ao pé da letra daria um pornô gay com história densa, algo jamais visto. "Criação", "Kalki", "Ao Vivo do Calvário", "Juliano" esbanjam erudição e propõem visões iconolclastas e/ou divertidas da História, aquela com H maiúsculo. Na vida real, Vidal foi um aristocrata e um pioneiro da causa LGBT, tendo saído do armário ainda nos anos 40. Foi um jovem lindo e se tornou um senhor lindo, vivendo como um príncipe ao lado do namorado na Itália (os Estados Unidos eram demasiado vulgares para seu gosto refinado). Não tinha papas na língua e se candidatou duas vezes ao Senado, sofrendo derrotas fragorosas. Não faz mal: seu legado é imenso, como escritor gay e também como muito mais do que isto.