terça-feira, 31 de julho de 2012

A AMIGA DO REI

A "Vanity Fair" espanhola de junho acaba de chegar às bancas finas de São Paulo, trazendo na capa uma personagem praticamente desconhecida fora do jet-set até uns meses atrás: Corinna zu Sayn-Wittgenstein, tida e havida com a amante do rei Juan Carlos. Sua discreta existência foi escancarada ao mundo depois do malfadado safari em Botsuana, quando o soberano quebrou a bacia durante uma caçada ao elefante. Depois descobriu-se que o convescote era patrocinado por um milionário árabe, o que pegou ainda pior na Espanha empobrecida. A revista falou com amigos, desafetos e até o primeiro marido da moça, e jamais diz com todas as letras o que todo mundo acredita ser verdade. O fato é que Corinna organizava viagens para el rey faz tempo, e não só para ele. Sua empresa, batizada com o sugestivo nome de Apollonia, se descreve como "expert em gestão de relações estratégicas para instituições internacionais, governos e grandes investidores individuais, representando-os em localizações geográficas onde carecem de contato direto com as insituições relevantes para maximizar os benefícios de seus interesses profissionais". Ou seja: uma versão contemporânea e burocratizada do Bataclan. Corinna só se tornou princesa nas segundas bodas, mas teve uma infância confortável. Seu pai era representante da Varig na Europa e ela esteve várias vezes no Brasil; a matéria garante que é fluente em português. Mas agora seu dom de aproximar pessoas e cobrar comissões pelos acordos fechados sofreu um abalo com essa exposição toda. Amigos e negócios nem sempre andam à parte, mas pelo jeito andam melhor pela sombra.

O JULGAMENTO SUPREMO

Será que o julgamento do mensalão vai mudar a opinião de alguém, qualquer que seja o resultado? Eu, por exemplo, parafraseio o que disse José Dirceu a respeito da própria inocência: estou "cada vez mais convencido" de que o esquema realmente aconteceu, e provavelmente foi muito pior do que veio à tona. Mas a patuleia ignara, essa que até agora não sabe quem é o candidato de Lula à prefeitura de SP, não deve estar nem aí para esse caso obscuro ocorrido há longínquos sete anos. Duvido que algum candidato ganhe ou perca votos por causa do veredito, porque quem já tem opinião formada vai continuar com ela, e quem ainda não tem vai continuar sem. O que está mesmo em jogo é a credibilidade do Supremo Tribunal Federal. Um drama épico vai se desenrolar diante dos nossos olhos. Mesmo que seus efeitos não sejam imediatos, podem definir os rumos do Brasil pelos próximos anos. Teremos enfim um Judiciário que honra as calças que veste? A decisão do Toffoli de participar do julgamento é ética ou não é? Surpreendente é que não: ele foi alçado ao STF com o único propósito de votar com a defesa no julgamento do mensalão. Mas é sobre os outros juízes que pairam as dúvidas. A decisão será política ou estritamente técnica? Vai-se cair na vala comum da falta de provas? A mancha na biografia de Lula vai ganhar chancela oficial? Márcio Thomaz Bastos acaba de abandonar seu cliente Carlinhos Cachoeira, talvez para não entrar nesse final de Copa de Mundo jurídica com a pecha de advogado de bandido. Pena que a juiza Carmen Lúcia deixou o Supremo e agora é presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Só faltava ela surtar no plenário para o julgamento virar oi oi oi de uma vez por todas.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

A ORQUÍDEA DE AÇO

Com medo de que a guerra do Vietnam contagiasse a Birmânia, os militares desse país deram um golpe no começo dos anos 60 e nunca mais largaram o osso. Claro que esse regime ilegítimo logo evoluiu para uma cleptocracia e, se hoje ele dá sinais de que finalmente está fraquejando, é antes de mais nada por causa de Aung San Suu Kyi. A ganhadora do Nobel da Paz de 1991 nunca foi muito badalada no Brasil, mas sua longa prisão domiciliar a transformou praticamente numa santa na Europa. "Além da Liberdade", o novo filme de Luc Besson, é sua hagiografia: a líder da oposição birmanesa é apresentada como uma mulher quase sem defeitos. Uma autêntica "orquídea de aço", como a batizou a imprensa, de princípios inquebrantáveis e gestual elegante. Michelle Yeoh está perfeita como Suu Kyi, com quem aliás se parece muito, e, mesmo empertigada, consegue passar o turbilhão emocional da personagem. O roteiro não se atreve a deslindar os meandros da política de Myanmar, o nominho sem vergonha com que os milicos rebatizaram a nação, e prefere focar no drama pessoal da protagonista: será que ela abandona a luta para ficar ao lado do marido inglês desenganado, sob o risco de nunca mais poder voltar? É uma perspectiva acertada, que prende a atenção do espectador apesar da personagem praticamente não sair do lugar (sua própria casa em Rangoon) durante quase duas horas. Hoje a Birmânia está se reabrindo ao mundo e Suu Kyi, já solta, foi eleita deputada ano passado. "Além da Liberdade" joga um pouco de luz nesta terra tão pouco conhecida por aqui.

NESTA DATA QUERIDA

Hoje faz um ano que o F5, o site de entretenimento da "Folha de São Paulo", entrou no ar oficialmente. A minha coluna estreou alguns dias depois, no dia 5 de agosto, e desde então não tive uma semana de descanso. Tem sido uma experiência maravilhosa escrever para lá. E também desafiadora: não posso cometer um mísero errinho que os leitores já caem matando. Perdi a conta das vezes em que pediram a minha cabeça, uma situação bem distinta da chuva de abraços e beijinhos que costumo receber aqui no blog. Aliás, me esforço para que meu texto lá saia tão solto como aqui, mas tenho consciência de que ainda não cheguei no ponto. São plataformas diferentes, e eu giro um seletor inconsciente na hora de escrever para um ou para outro. Hei de melhorar, prometo. No mais, agradeço à toda equipe do F5 por aturar minhas mancadas e meus atrasos, e a todo mundo que me lê e recomenda nas redes. Vocês fazem meu dia.

domingo, 29 de julho de 2012

I V vi IV

Meu, que alívio. Não sou eu que estou ficando velho: é a música pop que está cada vez mais chata e repetitiva. E isto não é nenhuma opinião subjetiva, mas o resultado científico de uma pesquisa que analisou mais de um milhão de canções datadas de 1955 a 2010. Analisaram a complexidade harmônica, a diversidade de timbres e o volume. As duas primeiras caíram muito enquanto que o terceiro só CRESCEU. Traduzindo: usam-se melodias e arranjos cada vez mais pobrinhos, como a banda australiana Axis of Awesome demonstra com galhardia no vídeo acima. Parece que uns 80% dos sucessos se baseiam numa mesma progressão de notas, I-V-vi-IV - ou, na nomenclatura usada no Brasil, dó maior, sol maior, lá menor e fá maior (quem souber ler partitura me corrija se eu estiver errado). Ufa, agora estou liberado para desprezar "Call Me Maybe" e não pagar de idoso.

NOSSO SHAKESPEARE

Até entendo que Nélson Rodigues tenha chocado as sensibilidades de sua época (principalmente no começo de sua carreira), mas não entendo como que ele não foi entronizado como gênio absoluto da cultura brasileira muito mais cedo do que foi. Talvez porque fosse de direita, ou pelo menos não da esquerda festiva que dominava os jornais de então. Ele era tido como reacionário, mas o que se ouve em seus textos - porque Nélson é para ser ouvido, não lido - é um ataque constante à hipocrisia, e um retrato impiedoso da natureza humana. Eu já tinha visto uma montagem do "Boca de Ouro" assinada por Zé Celso Martinez Correa alguns anos atrás, mas só fui prestar atenção na estrutura modernérrima e nos diálogos precisos agora, na versão que está em cartaz no Teatro do SESI aqui em SP. A direção de Marco Antonio Braz exagera um pouco na leitura ds rubricas (que são realmente um programa à parte), mas o elenco está ótimo e o público se diverte a valer. Só dá um certo trabalho conseguir os ingressos, porque eles são gratuitos durante a semana e a preços popularérrimos nos findes. Agora quero ver "A Falecida", em cartaz na mesma sala com os mesmos atores, e tudo o mais do Shakespeare brasileiro que me passar pela frente. Este é o ano do seu centenário, e ele merece todas as glórias.

sábado, 28 de julho de 2012

CHATMAN

Bum. Esse é o barulho da minha paciência estourando com filme de super-herói. Não há mais nada a ser dito, não há efeito especial que já não tenha sido visto, e no entanto Hollywood insiste. Porque o público não se farta de ver a mesma coisa de novo e outra vez e novamente. Foi assim com o Homem-Aranha, é assim com o Batman. Passei uns dois terços de "O Cavaleiro das Trevas Ressurge" achando que aquilo tudo era reprise dos outros filmes, e o terço mais ou menos inédito não é lá essas coisas. Talvez eu seja ingênuo, mas esperava bem mais do diretor Christopher Nolan. Não coerência nem profunidade - até "A Origem", que muita gente julga uma obra-prima transcendental, eu acho meio bobajada - mas pelo menos um espetáculo de tirar o fôlego. O Coringa de Heath Ledger faz uma falta danada, substituído por um novo vilão com uma engrenagem odontológica na fuça e sem um pingo de carisma. Anne Hathaway até que se esforça, mas não supera a Mulher-Gato de Michelle Pfeiffer (o que é também culpa do roteiro, porque a personagem está meio que inserida a fórceps na trama). E Christian Bale para variar está over, com aquela voz ridiculamente rouca que inventou para o Homem-Morcego. Tudo isto seria perdoável se houvesse pelo menos alguns momentos fabulosos, mas não. O que há é a matança indiscriminada de sempre, tornando quase impossível dizer que a violência nas telas não tem nada a ver com que aconteceu naquele cinema do Colorado. E dá-lhe explosão, pseudo-revolução social, pretensão e água benta. São quase três horas de chatice.

HAPPY AND GLORIOUS

Tem como não amar a rainha Elizabeth II? A veneranda monarca se prestou a essa brincadeira formidável, que também funciona como um comercial da visão britânica do mundo. Tudo bem que as filmagens com ela devem ter levado menos de cinco minutos, mas foi a parte mais bacana da bacanérrima cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos, dirigida por Danny Boyle. Que eu me recusei a ver pela Record para não dar audiência à Igreja Universal do Reino dos Bispos.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

IMAGINA NAS OLIMPÍADAS

Acho os Jogos Olímpicos um saco. Prontofaleipodemematar. Não vejo mérito algum numa pessoa pegar uma vara e saltar 0,007 mm mais alto que outra, ou correr um pentelhésimo mais depressa. Essas histórias que a propaganda adora endeusar, tipo "nasci pobre, treinei muito, enfrentei mil obstáculos e hoje sou campeão", não me falam ao pau. Não ligo para esportes em geral, é verdade, e esse papo de superação, do ser humano testando seus limites, não me comove um pito. Quebrar um recorde mundial não é nada perto de um livro mais ou menos, ou uma nova música da Britney Spears, de quem aliás nem gosto tanto. Um cobrador de ônibus contribui mais para o progresso da humanidade do que um maratonista.

As Olimpíadas são uma celebração pacífica do nosso temperamento belicoso, como bem diz David Brooks em sua coluna de hoje no "New York Times". É a sublimação da guerra: mandamos nossos jovens mais fortes para lutarem entre si, e assim evitamos um conflito de verdade. Como tenho pavor de guerra, não há pódio que me faça vibrar. Por outro lado, torço para o Brasil trazer um caminhão de medalhas - não sou imune à patriotada que impera nessas horas. E também atóron o auê em torno dos Jogos. As fofocas da vila olímpica, as cerimônias de abertura e encerramento, os dramas inevitáveis... esse lado de entretenimento é sensacional, e não vejo a hora de testemunhá-lo em plagas cariocas daqui a quatro anos. Como será que a cultura brasileira vai se mobilizar a respeito? Teremos um equivalente ao especial do "Ab Fab" que foi ao ar ontem pela BBC? Quem aí tem um link para o programa?

ATUALIZAÇÃO:
Dois anjinhos me mandaram o link. Thanks, dahlings. Blind is the new black.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

DEPOIS DE SONHAR TANTOS ANOS

Dois amigos diferentes me enviaram o link para esta meiga galeria de fotos, que celebra o primeiro aniversário da aprovação do casamento gay no estado americano de Nova York. Enquanto isto, nossos vizinhos argentinos já comemoram dois anos da lei, a melhor realização de Cristina Kirchner em todo seu governo. É lindo ver esses casais todos se abraçando à luz do dia, com sorriso de uma orelha à outra, e meio patético ver pseudo-cristão rezando pela infelicidade dos outros. Mas além das imagens existe uma realidade maior, que muitas vezes passa batida. O casamento igualitário já existe há dez anos na Holanda, o país pioneiro, e de lá se espalhou por vários outros. E o que foi que aconteceu nesses lugares, depois que ele foi aprovado? Aumentou o número de divórcios entre os heterossexuais? Cresceu o número de casos de pedofilia? Rasgou-se o tecido social de maneira irremediável, atraindo a ira divina? Não. Nada disso. Não aconteceu rigorosamente nada do que nossos inimigos pregam por aí. Não se instalou a ditadura gay, não se generalizou a putaria, não se destruiu a família tradicional. Alguns casais gays oficializaram suas uniões, e até em menor número do que se previa. Os héteros, simpatizantes ou não, não sofreram absolutamente nenhuma consequência por causa deste avanço social. Zero. Zilch. Nem mesmo a perseguição religiosa que alguns evangélicos temem - provavelmente o mesmo tipo de evangélico que invadiu um terreiro de candomblé no Recife há algumas semanas. O medo dessa turma é resultado da ignorância, e ignorância, ao contrário da orientação sexual, tem cura. É preciso lembrá-los do que aconteceu nesses países, quase todos muito avançados, depois da igualdade plena de direitos. Porque quase todo mundo prefere acreditar em seus próprios preconceitos do que abrir os olhos e enxergar ao redor.

(Obrigado pela dica, Raul Juste Lores e Guilherme Vasconcelos)

quarta-feira, 25 de julho de 2012

A GALINHA HOMOFÓBICA

Fiquei todo eriçado quando li trechos do texto do deputado federal e pastor Marco Feliciano conclamando todas as denominações evangélicas (e também os católicos) a se unirem numa autêntica cruzada contra o avanço dos direitos igualitários, como se os gays fossem uma das pragas do Apocalipse. Ainda mais apavorado fiquei quando li que José Serra vem se reunindo com o nobre deputado, numas de turbinar a candidatura de Celso Russomano à Prefeitura de São Paulo e impedir que Fernando Haddad chegue ao 2o. turno. Parece que essas eleições municipais terão ainda mais baixaria que as de 2010, com temas como aborto e casamento homossexual usados como lanças contra os candidatos mais progressistas (se é que sobrou algum). Entro em pânico quando constato o crescimento do poder desses fanáticos e enojado dos políticos que correm para implorar seu apoio, da esquerda à direita. Os fundamentalistas estão colhendo os frutos de anos de trabalho disciplinado: enquanto que as Marchas para Jesus nada mais são do que demonstrações de força, as Paradas Gays são pouco mais do que micaretas porcalhonas. Por outro lado, acho que um dia o vento vira, como já está virando nos Estados Unidos. Há apenas duas eleições a temática gay era anátema por lá, e foi fartamente usada pelos Republicanos para se agarrarem ao poder. Hoje o presidente que concorre à reeleição apoia o casamento igualitário, e acredito que mais de um estado irá aprová-lo nas urnas em novembro - um feito inédito até agora. A maré é tão favorável que os políticos americanos agora correm para bater nos homofóbicos, no exato oposto do que ocorre no Brasil.

Vejamos o caso da cadeia de fast food Chik-Fil-A, especializada em sanduíches de frango. Há tempos que a empresa vem sendo acusada pela mídia gay de fazer doações vultosas a entidades "pró-família", que é como os reaças gostam de se disfarçar. Há alguns dias uma diretora da Chik-Fil-A assumiu com gosto a acusação, dizendo que a companhia se orgulha disto pois segue os "preceitos bíblicos". A barafunda foi imediata, com muita gente convocando um boicote aos restaurantes. Mas a melhor de todas as respostas foi a do prefeito de Boston, que escreveu uma carta meio que proibindo a cadeia de se instalar em sua cidade. Traduzo abaixo:

"Sr. Cathy:

Há alguns dias o senhor disse que o Chik-aFil se opõe ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e que a geração que o apoia tem uma "atitude arrogante".

Agora - inacreditavelmente - sua empresa diz que vocês estão abandonando o debate sobre o casamento homossexual. Eu insisto que vocês abandonem seus planos de se instalar em Boston.

O senhor chamou os apoiadores do casamento gay de "orgulhosos". Aqui em Boston, fazendo minhas as suas palavras, somos "culpados do que nos acusam". De fato estamos cheios de orgulho pelo nosso apoio ao casamento homossexual e pelo nosso trabalho para expandir a liberdade para todas as pessoas. Temos orgulho de que nosso estado e nossa cidade tenham guiado o país no caminho para os direitos igualitários.

Fiquei bravo de saber, logo depois de suas declarações preconceituosas, que o senhor está procurando se instalar em Boston. Não há espaço para a discriminação ao longo da Trilha da Liberdade de Boston, nem lugar para sua empresa. Quando Massachussets se tornou o primeiro estado americano a aprovar direitos igualitários de casamento, eu fui pessoalmente à Prefeitura cumprimentar os casais que chegavam para se casar. Seria um insulto a eles e à longa história da nossa cidade na expansão da liberdade termos um Chik-a-Fil bem em frente a este lugar, do outro lado da rua.

Ateciosamente,

Thomas M. Menino"


(A Trilha da Liberdade é um percurso turístico pelo centro de Boston que reúne alguns dos lugares onde a Revolução Americana foi parida. E o prefeito tem esse sobrenome porque é de ascendência portuguesa - Massachussets tem a maior colônia tuga dos EUA).

Dá para imaginar qualquer governador ou prefeito brasileiro assinando carta semelhante? Faz-me rir. Geraldo Alckmin e Sérgio Cabral até posam de moderninhos, mas duvide-o-dó que peitassem uma companhia "que obedece à Bíblia" dessa maneira. Minha esperança é que o futuro nos pertença, já que o apoio aos direitos igualitários é muito maior entre as novas gerações, crescendo com amigos abertamente gays. Como a maioria dos políticos não tem convicções próprias, só interesse por nossos votos e nosso dinheiro, um dia a coisa muda. Torçamos para que não demore muito.

terça-feira, 24 de julho de 2012

A VICE NÃO-VIP

Ninguém precisa entender de política americana para ver a série "Veep", que estreou esta semana na HBO Brasil. Talvez nem precise entender de política: o programa é quase que uma variante de "The Office". Não só porque mostra um monte de gente incompetente num local de trabalho mas também pelo estilo lacônico da direção (mas ainda bem que ninguém fala diretamente para a câmera, um recurso que já deu até o que não tinha mais que dar). "Veep" não existiria sem a candidatura desastrosa de Sarah Palin à vice-presidência dos EUA em 2008, e é até uma versão benevolente do que aconteceria se a pistoleira do Alaska tivesse saído vitoriosa. Selina Meyer, a VP interpretada pela formidável Julia Louis-Dreyfus, dá um fora atrás do outro, mas é cheia de boas intenções - o que não é o caso de Palin. Aliás, fico ruminando se é por isto que este tipo de sátira política não vinga no Brasil. Selina é uma catástrofe, mas não é corrupta. E por aqui achamos que só existem dois tipos de políticos: os corruptos, que não renderiam uma sitcom tão engraçada quanto "Veep", e os santos, que obviamente não rendem sitcom nenhuma porque estão acima do bem e do mal. "Veep" foi indicada a vários Emmy, inclusive melhor comédia e melhor atriz cômica. Podia servir de inspiração para um similar nacional. Político despreparado é o que não nos falta.

("Veep" está sendo exibida às segundas, junto com a série "Girls" - que foi tema da minha coluna de ontem no F5)

GAYLIMPÍADAS

Existem exatamente 14 atletas assumidamente gays que irão disputar as Olimpíadas de Londres. Nenhum brasileiro, e eu não os culpo - se já é difícil conseguir patrocínio sendo hétero, imagina fora do armário. Mas os direitos igualitários já são um leit motiv desses jogos. Repercutiu bastante a notícia de que o Grind'r teria saído do ar no sábado passado por causa da chegada das delegações à Grã-Bretanha. Pode nem ter sido esta a causa, ma si non è vero è bene trovato. E tem também o clipe de "Winner", dos Pet Shop Boys, um dos hinos não-oficiais do evento. A música é bem marromeno, mas o vídeo, estrelado pelas London Rollergirls, é militante. Uma das girls é transexual e há vários casaizinhos entre elas. Agora quero só ver se algum medalhista vai ter culhão de dedicar a vitória ao namorado.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

NOVES DENTRO

Durante anos eu recebi ligações para um tal de seu Flavio, porteiro de um prédio em Santos. Tudo porque compartilhamos o mesmo número de celular - e olha que o DDD de lá não é o mesmo de São Paulo. Este problema não existiria se os números paulistanos já tivessem um "9" a mais na frente, como terão dentro de alguns dias. Até aí zuzo bem: o foda vai ser alterar algumas centenas de contatos na sua agenda. Diz que tem um aplicativo que faz isto por você, mas não confio. Pelo menos esse algarismo a mais entra em todas as ligações. Não vai ser como na Argentina, quando é necessário discar um "1" quando se liga para um celular de Buenos Aires estando fora da cidade.

OS FILHOS DE IRMA VAP

Fazia meses que eu vinha tentando comprar ingressos para "Eu Era Tudo pra Ela e Ela me Deixou", mas a lotação eternamente esgotada da peça sempre adiava meus planos. Consegui vê-la no derradeiro dia em cartaz em São Paulo, e não me desapontei. É um dos espetáculos mais engraçados dos últimos anos e um showcase sensacional para o talento elástico de Marcelo Medici. não que Ricardo Rathsam não esteja bem: no papel do marido abandonado, ele permanece em cena o tempo todo, deixando as trocentas trocas de roupa para o colega. Segura a peteca com elegância, mas serve mesmo é de escada para as metamorfoses do outro. Eu, que nunca vi Marcelo fazendo stand-up, fiquei maravilhado com a galeria de personagens completos que ele recebe como se estivesse num terreiro. Muda a voz, o sotaque, o jeito de andar: parecia a reencarnação do Chico Anysio. A peça tem uma nítida influência de "O Mistério de Irma Vap" (que Marcelo fez há alguns anos com Cássio Scarpin), e não só por causa dos milhares de figurinos. O texto de Emilio Boechat é besteirol da melhor qualidade - um gênero, aliás, injustiçadíssimo pela crítica brasileira, a começar pelo nome pejorativo que lhe deram. Mas o besteirol faz tanto um raio-X do momento, com seu bombardeio de referências à cultura pop, como revela sem piedade nossas fraquezas e preconceitos. Que mais se pode exigir do teatro? Rir, é claro, além de falas que se incorporem à língua cotidiana. Como esta, que já entrou para o meu repertório: "Meu pau é meu melhor amigo. Mora ao lado da minha bunda e nunca me fodeu".

domingo, 22 de julho de 2012

MINHA EX-RIVAL


Chiara Mastroianni nasceu com a obrigação de ser deslumbrante, sendo filha de quem é - simplesmente o homem e a mulher mais bonitos do mundo nas décadas de 60 e 70, Marcello Mastroianni e Catherine Deneuve. Mas em seus primeiros filmes ela fracassava redondamente nessa missão impossível, surgindo na tela como uma moça feiosa e desengonçada. Hoje, aos 40 anos, Chiara tem mais do que beleza: tem allure, aquela qualidade indefinível que torna uma pessoa interessante e atraente. Ela nunca esteve tanto de tudo isto como em "Bem Amadas", o novo filme do diretor francês Christophe Honoré. Não é a única coisa boa do filme: mamãe ainda bate um bolão, apesar do rosto mitológico estar precisando de uma repaginada, e Ludivine Sagnier continua faturando com seu jeitinho insolente. As canções de Alex Beaupain (sim, é um musical) são agradáveis sem grudarem especialmente no ouvido, mas não chegam a ajudar o roteiro porque este realmente não tem muito jeito. Os desencontros amorosos de mãe e filha em diferentes períodos é meio pointless, e todos os conflitos são mal resolvidos. O pior de tudo é a ausência total de pegada (e de química com Chiara) do ator americano Paul Schneider, da série "Parks and Recreation". "Bem Amadas" tem seus momentos, mas é longuíssimo e meio porque sim. Mas tem Chiara no auge: pelo visto sua separação do meu noivo secreto Benjamin Biolay lhe fez bem.

sábado, 21 de julho de 2012

CASANDO POR INTERESSE

Finalmente pus as garras num exemplar de "Momento Inesquecível", a revista focada em casamentos gays publicada há pouco mais de um mês. Confesso que o nome genérico me fez esperar uma avalanche de cafonice de uma capa à outra, mas tive uma supresa agradável. A revista é bem produzida e diagramada, e traz informações realmente úteis para quem quer juntar as escovas de dentes de maneira oficial. Tem moda, claro, além de dicas de bufês e fotógrafos, mas também todo o passo-a-passo legal e até hotéis gay friendly para uma lua-de-mel sem perrengues. Mas o melhor de tudo é a quantidade de anúncios. Tá todo mundo de olho nesse mercado milionário que se abre, e isto é ótimo. Não há argumento mais convincente em prol do casamento gay do que o dinheiro.

ENTRE O FAJR E O MAGHRIB

Quinta passada uma amiga recente postou um convite no Facebook. "Venham para a minha despedida hoje à noite, no bar tal." Todo mundo quis saber: "você vai para onde?". Lugar nenhum. "Amanhã começa o jejum do ramadan. Vou ficar um mês sem fumar, sem beber... saindo bem menos... porque não dá para sair pra beber, nem pra comer, nem porra nenhuma, hahaha." Nem falar porra nenhuma, lembrei eu, e ela concordou. Eu a conheço há pouco tempo e nem desconfiava que fosse muçulmana, apesar do sobrenome árabe. Mas acho bacanérrimo alguém que consegue conciliar a vida muderna com a tradição. A verdade é que até eu gostaria de fazer jejum no ramadan. Não pelo jejum em si, é óbvio: os fiéis não podem comer nada entre o "fajr" (nascer do sol) e o "maghrib" (crepúsculo) - um intervalo que este ano, no Brasil, felizmente será curto, pois estamos no inverno (o calendário islâmico segue as fases da lua, por isto a cada ano o ramadan começa mais cedo que no ano anterior - tem tabela de horários aqui para quem se interessar). Não, o que me tenta mesmo é o "iftar", a refeição suntuosa que as famílias fazem no final do dia para quebrar o jejum. Tentei uma vez em Istambul, mas o pessoal do restaurante não deixou. #chatiada.

SONHO DE CONSUMO

Foda-se a elegância. A peça de roupa que eu mais quero comprar neste inverno é um Snuggie, o cobertor com mangas que faz sucesso nos Estados Unidos há mais de dez anos. O troço é horroroso, não importa a cor ou a padronagem (tem até de leopardo). Mas parece ser a coisa mais confortável do mundo, ideal para se enroscar num sofá em frente à TV e criar raízes. Alguém sabe onde tem para comprar em São Paulo?

sexta-feira, 20 de julho de 2012

EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA

Como é bom ver alguém falando sobre casamento gay sem ter que ouvir o outro lado. Essa democracia de araque que permeia os meios de comunicação brasileiros - aquela que manda que todo militante da causa LGBT precisa ser contrabalançado por um pastor caça-níqueis ou um deputado troglodita - felizmente passou longe do "Na Moral" da noite de ontem. Pedro Bial fez um programa histórico, descaradamente simpatizante, quase panfletário. E meu cu para quem achou desequilibrado, como o jornalista esportivo Rica Perrone. O sujeito é homofóbico reincidente e resmungou no Twitter que Bial era "manipulador" e que era um absurdo fazer com quem é contra os direitos igualitários "se sentir mal". Pois eu vou dizer o seguinte: quem se sente mal é quem paga todos os impostos e não tem os mesmos direitos que os héteros, seu imbecil. Vai levar uma lampadada na cabeça antes de falar merda, vai?

Houve apenas dues vozes dissonantes. Uma delas foi a do juiz que indeferiu o casamento de Carlos Tufvesson e André Piva, num depoimento em vídeo. A outra foi do próprio Bial que, ao entrevistar Tufvesson, disse que o movimento gay faz muito barulho e se esquece da "maioria silenciosa". Oi? Esquece? E que merda de país é este onde a "maioria" precisa aprovar quem eu amo ou deixo de amar? Mas o apresentador se redimiu, e muito, no discurso final, conclamando "nós que não somos gays" a aceitar as diferenças. E não dá para não citar Glória Pires, luminosa por dentro e por fora.

O curioso é que entre nós que somos gays houve alguma discórdia. Teve gente criticando nas redes sociais o casal de lésbicas (evangélicas!) que oficializou sua união durante o programa, só porque uma delas entrou vestida de noiva e a outra de noivo. "Estão reproduzindo o padrão hétero". Menas, né, gentem? Impressionante nossa capacidade de nos policiarmos uns aos outros. Deixa as moças se vestirem como quiserem, deixa elas estabelecerem o acordo doméstico que melhor lhes aprouver. Mas isto foi só um detalhe numa noite que entrou para a história da TV. E olha que nem foi a primeira vez que a Globo se mostrou simpatizante. Todo mundo implica com ela, "o povo não é bobo" e outras chorumelas, mas é inegável que é o grupo de comunicação brasileiro mais favorável aos gays. E de longe.

(trechos do "Na Moral" de ontem e vídeos exclusivos para a internet podem ser vistos aqui. O programa na íntegra, só para assinantes da Globo.com. Mas uma alma caridosa já mandou um link para o Youtube, que eu embedei aí embaixo. Assista antes que caia!)



quinta-feira, 19 de julho de 2012

TODAS CONGELA

Carminha vai descobrir que Nina é Rita! Cadinho vai descobrir que Verônica, Noêmia e Alexia são a mesma pessoa! Donatella vai descobrir que Pereirão é o Zeca Diabo! São tantas as emoções que nos aguardam no capítulo 100 de "Avenida Brasil" que vai ter até liveblogging do F5 com a participação do yours truly. Acesse aqui a partir das 21 horas que estaremos lá. E pode mandar comentário que nóis publica. Não perda: Maria Joaquina vai descobrir que Cirilo é preto!

SMASH THE EMMYS

Saíram hoje as indicações ao Emmy. Pela quantidade de lembranças, já deu para sacar que "Mad Men" e "Modern Family" vão ganhar de novo em suas respectivas categorias. Mas que bom que minhas queridinhas "Game of Thrones" e "Downton Abbey" emplacaram indicações para melhor série dramática. E entre as comédias estão as novidades "Girls" e "Veep", que só estreiam na HBO Brasil na semana que vem. Claro que também há flagrantes injustiças e autênticos casos de polícia. Madeleine Stowe, tida para muitos como barbada pela série "Revenge", ficou a ver navios. Para mim, o que mais doeu foi a ausência quase total de "Smash" dos prêmios principais. Só Uma Thurman conseguiu ser indicada como atriz convidada, e duvido que ela ganhe. Vontade de pegar um troféu bem pesado e dar na cara dessa Academia das Artes e Ciências da Televisão.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

SLURP

Ando num bagaço total. Cansado às oito e meia da noite. Exaurido como se minhas energias tivessem sido sugadas por um tubarão-baleia, o maior peixe do mundo, que no vídeo acima parece estar num bufê de preço fixo. Eeewww.

terça-feira, 17 de julho de 2012

ARREGAÇANDO A BILHETERIA

Primeiro eu queria ver "E Aí...Comeu?". Depois li algumas críticas negativas e lembrei que não gostei muito de "Cilada.com", a neo-pornochanchada anterior do Bruno Mazzeo. Então "E Aí..." se tornou o primeiro filme brasileiro a fazer mais de um milhão de espectadores em 2012, e eu me senti na obrigação profissional de assisti-lo. Em algum lugar da minha cabeça eu ainda nutro a vontade de voltar a escrever comédias, portanto preciso saber o que vem dando certo. Acabei indo ao cinema e gostando bem mais do que eu esperava. Não que seja uma obra-prima da sétima arte, mas "E Aí...Comeu?" é um bom filme comercial, daqueles que qualquer filmografia nacional precisa se quiser se transformar em indústria. O roteiro é baseado numa peça de Marcelo Rubens Paiva e é tão recheado de escatologia que até eu fiquei um pouco chocado - jura que os héteros falam assim mesmo? Há muitas cenas grosseiras antes do final caretinha, e na verdade é disso que o povo gosta. Alguma sacanagem, com tudo se enquadrando direitinho no modelo tradicional imposto pela sociedade. "E Aí... Comeu?" até inova ao mostrar a carência que existe por baixo daquele tesão todo, e os atores estão todos ótimos. Meus destaques vão para Marcos Palmeira, que tem ótimo timing de comédia (e é primo do Bruno na vida real), e para Katiuscia Canoro, que não perde a dignidade numa cena quase grotesca e mostra que pode muito mais do que só a Lady Kate. O filme tem defeitos, claro, como a direção frouxa em vários momentos e uma fotografia escura que não faz jus aos cenários cariocas. Mas merece o sucesso que está fazendo: a sala estava quase cheia, e isto numa terça-feira chuvosa depois de quatro semanas em cartaz. Saí de lá com vontade de voltar a escrever roteiros o mais rápido possível. Vou ressuscitar o velho projeto de uma ensemble comedy gay. Será que pega mal se eu batizá-la de "E Aí... Deu?"?

ELES REZAM, E NÃO ACONTECE

Mais uma prova irrefutável de que o Deus homofóbico dos evangélicos não existe. Em novembro do ano passado, George Michael foi hospitalizado em Viena e chegou a ser desenganado pelos médicos. Foi então que um pastor americano convocou sua congregação a rezar pela morte do cantor, numa atitude tão anti-cristã que chocou até Satanás. Pois bem: George não só se salvou como está todo saltitante, lançando disco novo e gravando clipe com outra sobrevivente, Kate Moss. "White Light" tem pegada trance e fala exatamente da luz branca para onde ele não precisou caminhar. É uma bofetada na cara do povo fake de Deus, mas George não os ataca explicitamente. Ao contrário: agradece àqueles que rezaram por seu pronto reestabelecimento. Adivinha quais preces foram ouvidas?

segunda-feira, 16 de julho de 2012

PERDEU A NOÇÃO DO PERIGO

Sim, cheguei a este ponto. Estou postando vídeo de gatinho.
Amanhã: receita de bolo. Não perca.

TEM PARA HOMEM

Sou hétero de ouvido. Pelo menos uns 70% das músicas no meu iPod têm vocais femininos. OK, não existe nada mais gay do que só ouvir divas - ou até existe, que é dublá-las em vídeos caseiros, mas já passei dessa fase. Mesmo assim, me surpreendi com minhas últimas aquisições em CD. São todas de cantores. Está certo que dois deles são bibas e o terceiro faz a linha sensível, mas nem por isto são menos homens. O primeiro disco que me caiu nas mãos foi o ótimo "Echoes" do inglês Will Young, que saiu há quase um ano mas só agora chegou à minha caverna. É quase todo dance, elegante e assobiável. Já entrou para minha lista dos 10 mais do ano. O segundo quase entrou: é "Making Mirrors", do australiano Gotye, aquele daquela musiquinha. Nada no disco segue de perto a mesma linha, o que é ruim para quem esperava mais do mesmo e ótimo para quem procura um novo talento. O cara faz de um tudo: canta, compõe, arranja, produz e tem boas ideias. Mas o segundo single, "Eyes Wide Open", não tem um décimo do apelo de "Somebody I Used to Know". Temo que Gotye não passe de um one hit wonder fora de sua Austrália natal, onde já é um astro faz tempo.

O terceiro álbum é "Out of the Game", o esperado trabalho de Rufus Wainwright com produção de Mark Ronson (que deu a Amy Winehouse a pegada retro-soul que fez a glória da falecida). O legal é que não se trata de uma re-invenção, mas uma depuração: Rufus não soa radicalmente diferente do que soava antes, mas soa melhor. Ele é um compositor fabuloso mas um cantor bastante limitado, de voz anasalada e tristonha (e nem por isto o danadjeenho deixou de encarnar Judy Garland no palco). Ronson consegue a façanha de realçar o lado pop do mancebo sem abrir mão da sofisticação, e o resultado é tão acessível que até a nova classe C vai gostar. Quem sabe agora Rufus não emplaca o sucessaço que há anos vem ameaçando?

domingo, 15 de julho de 2012

MACARRONADA DA MAMMA

Não é temporada de Oscar nem nada, mas faz tempo que não havia tantos filmes bons em cartaz ao mesmo tempo. Ontem eu vi o escolhido pela Itália para representá-la no Oscar do ano passado. "A Primeira Coisa Bela" não emplacou uma indicação, apesar de ter tudo o que a Academia gosta: crianças, reconstituição de época, lágrimas. A trama se passa em dois tempos e foca nessa instituição italiana que é a mamma, mas bem diferente daquelas com o avental todo sujo de ovo. Nos anos 70, Niccoletta é linda e só pensa em se divertir. Tenta uma carreira de extra no cinema e arrasta os filhos para uma vida cigana, da qual o mais velho irá se ressentir na idade adulta. Nos dias de hoje, ela é paciente terminal de câncer mas ainda está cheia de vida, o que só irrita os filhos. O diretor Paolo Virzì fica a milímetros da pieguice em vários momentos, sem nunca descambar de vez. "A Primeira Coisa Bela" está longe de ser a volta dos tempos gloriosos de De Sicca e Fellini, mas é uma boa execução de uma receita tradicional. E, como sempre acontece quando vejo um filme italiano, saí do cinema com fome.

sábado, 14 de julho de 2012

DESAPARECEU O MARGARIDO

Por causa do post sobre a Igreja Anglicana, um amigo veio me perguntar se eu sabia alguma coisa sobre o padre Margarido. Quem? Um padre, continuou ele, que realizava casamentos gays secretos na igreja da Consolação, aqui em São Paulo. A amiga de um primo de uma vizinha foi a um deles. Eu nunca tinha ouvido do tal padre, e lá fui eu caçá-lo (hmm) na internet. E o que foi que eu achei? Nada. Não que eu esperasse encontrar fotos dos supostos casamentos, mas não me deparei com um registro sequer da existência do Margarido. Será que ele existiu mesmo? Ou será uma lenda urbana, como a Loura do Banheiro? Alguém sabe de alguma coisa? Mistééério.

ATUALIZAÇÃO: Um leitor mandou um comentário que pediu para não ser publicado. Concordei, mas acho que posso compartilhar algo do que estava lá. Ele não sabe nada do padre Margarido, mas garantiu que existem muitos sacerdotes católicos que realizam casamentos secretos entre casais do mesmo sexo. Como o dele, por exemplo, celebrado na sacristia de uma igreja de uma grande cidade brasileira, na presença apenas de um noviço e de uma velha freira. Sem convidados. Alguém mais sabe de histórias parecidas? Nomes e detalhes serão omitidos. Acho fascinante perceber como a Igreja é diversa - aliás, como a sociedade onde ela está inserida.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

FALTA MUITO PARA CHEGAR?

Li "Na Estrada" - ou "Pé na Estrada", como se chamava a tradução da L&PM - há uns 30 anos, e não achei nada de mais. Não entendi por que aquele livro era mítico. Os roteiros meio a esmo de Sal Paradise pela América do Norte me pareceram corriqueiros, ainda que temperados por sexo e drogas. Nada que meus amigos não fizessem quando iam de Trem da Morte para o Peru, ou zanzavam pela Europa com o Eurailpass. Só muito mais tarde que eu fui entender que, até a época de Jack Kerouac, esse tipo de viagem no início da idade adulta não era muito comum. A rapeize se formava, se casava e pronto. A geração beat foi precursora da contracultura, do rock'n'roll, dos hippies e até das viagens de formatura de hoje em dia. Foi com isto em mente que fui assistir à primeira adaptação para o cinema desse livro tão importante, feita quase 60 anos depois de seu lançamento. É o terceiro filme de estrada de Walter Salles (os outros são "Central do Brasil" e "Diários da Motocicleta"). Ou o quarto, se contarmos "Terra Estrangeira". E, fiel ao estilo do diretor, aqui também não há antagonista: há a vida, em episódios desconexos que só fazem sentido se vistos de longe. Salles reuniu um elenco excepcional para a empreitada. As atrizes estão todas na crista da onda: Kirsten Dunst, Alice Braga, Amy Adams, Elisabeth Moss (da série "Mad Men") e, claro, Kristen Stewart, na primeira boa interpretação de toda sua carreira. Mas são os rapazes que carregam o filme nas costas. O lindinho inglês Sam Riley, que fez Ian Curtis em "Control", faz um narrador convincente, e o feio-bonito Garrett Hedlund está perfeito como o alpha-dog Dean Moriarty, por quem todo mundo meio que se apaixona. A história tem muito subtexto gay, se é que pode ser chamada de história. Porque não existe narrativa convencional. Sal Paradise viaja, volta para casa, viaja mais um pouco, se diverte em ótimos shows de jazz, fuma maconha e toma benzedrina, passa por momentos de tédio. Que Salles não se furta em filmar, entediando também o espectador. Lá pelo meio de "Na Estrada" me deu vontade de gritar: mas não vamos chegar nunca? E agora, tá chegando? E agora? Mas do meio para o final a atenção engata de novo. A conclusão semi-fofa faz esquecer que o pessoal da geração beat morreu quase todo muito jovem, antes dos 50, vitimado pelo álcool y otras cositas más. Mas escreviam bem para caralho, e nenhum dos movimentos jovens subsequentes lhe chega aos pés literários. "Na Estrada" é uma belíssima visualização dessa turma. Pode embarcar.

BUT YOU DIDN'T HAVE TO CUT ME OFF

Sabe aquela música que você até gostava no começo mas depois ela começou a tocar tanto mas tanto mas TANTO que agora você odeia e quer se matar toda vez que ela começa a tocar mas você não resiste e de repenSOMEBOOOODEEE

quinta-feira, 12 de julho de 2012

STA 'NFRONTE A TE

Este não é um assunto habitual aqui no meu blog, mas vamos lá. Li esta história hoje de manhã no "Daily Beast" e ela não me saiu da cabeça até agora: baratas gigantes invadiram Nápoles! AAAAHHH! Elas vieram das ilhas Eólias, aclimataram-se perfeitamente ao sole mio e dizimaram a população de baratinhas locais. Agora, neste verão italiano, estão se aproveitando da imundície dos esgotos da cidade, que não são limpos há mais de um ano por causa da crise econômica, e dos problemas crônicos dos serviços de coleta de lixo, infiltrados pela máfia desde sempre. A prefeitura está despejando hectolitros de inseticida nessas monstras e algumas ruas se cobrem de um tapete de cadáveres crocantes, mas para cada uma que morre nascem outras dez. Turistas que almoçavam em mesinhas ao ar livre relatam que algumas mais atrevidas lhes subiam pelas pernas, e eu passei o dia me sentindo atacado por baratas imaginárias. A única maneira de me livrar dessa aflição é passá-la adiante. Você não está sentindo nada? O que foi aquela coisa que se escondeu ali no canto? Não está vendo? Sta 'nfrooonte a teeee!

ESPERANÇA EM DOBRO

Acho que a mania começou com "Kill Bill". O filme de Quentin Tarantino ficou longo demais, mas os produtores não o cortaram. Ao invés disso, tiveram uma ideia diabólica: dividiram-no em duas partes, certos de que os fãs do diretor não se incomodariam de ir duas vezes ao cinema (e pagar dois ingressos). Deu certo, e o lucro acabou sendo muito maior. Alguns anos mais tarde, a Warner decidiu quebrar em dois filmes diferentes o longuíssimo volume final da série "Harry Potter", "As Relíquias da Morte". Deu certo novamente. Aí começou a avacalhação: "Amanhecer", o quarto e último livro da "saga" (bleargh) "Crepúsculo" também foi transformado em dois filmes, mas não por ser extraordinariamente complexo e rico em detalhes - simplesmente para ordenhar a vaca até a última gota possível. Ontem saiu a notícia de que "A Esperança", o livro que fecha a trilogia "Jogos Vorazes", também será adaptado em dois filmes distintos. Um absurdo completo: é o mais curto tomo da série, e só enchendo alguma linguiça é que renderá quatro horas de imagens. Descontada a ganância, este tipo de embromação é artisticamente melhor que a mania de Steven Spielberg de condensar muitos livros num único filme. Ele queria fazer isto quando lhe foi oferecida a direção da série "Harry Potter", mas a autora J. K. Rowling não topou. É uma pena que Hergé não esteja mais vivo, porque seus herdeiros concordaram alegremente que Spielberg misturasse três álbuns e ainda acrescentasse um monte de heresias em "As Aventuras de Tintim".

quarta-feira, 11 de julho de 2012

ABENÇOADOS POR DEUS

A Igreja Episcopal, o braço americano da Igreja Anglicana, aprovou a benção para casais gays. Atenção: não é casamento, é só benção, e o sacerdote que não quiser ministrá-la não será obrigado. Mas já é um avanço e tanto. Enquanto os católicos sofrem sob o jugo antediluviano do papa Adolf I, anglicanos e episcopais debatem há anos a aceitação plena dos homossexuais. No clero eles já chegaram. Três anos atrás, recebi num esquenta na minha casa um padre anglicano que também era uma barbie tatuada, de namorado a tiracolo. Ele era totalmente assumido e sua paróquia o aceitava plenamente. Agora os episcopais dizem que vão ordenar até transexuais, e eu luto contra a tentação de fazer piadas fáceis sobre o glamour das batinas que vêm aí. Claro que esse progresso todo tem seu preço, e já são muitas as dissidências internas nessas igrejas. Mas o que ainda resta de catolicismo no meu coraçãozinho se assanha todo. Afinal, a única diferença significativa entre católicos e anglicanos é que o papa "deles" é o arcebispo de Canterbury. Até já se falou muito de fusão entre as duas denominações. Quem sabe algum dia eu ainda caso na igreja?

(hoje estou mais carola que de costume: minha coluna no F5 fala do filme "God is the Bigger Elvis". É um documentário sobre Dolores Hart, a primeira atriz a beijar Elvis Presley no cinema e que largou carreira e noivo para virar freira.)

terça-feira, 10 de julho de 2012

PINTURA MÓVEL

Existem milhares de filmes baseados em livros, mas quantos tiveram uma pintura por inspiração? "A Cruz e o Moinho" veio preencher essa lacuna, e quer mais do que contar uma história. O filme do diretor polonês Lech Majewski pretende nada menos que dar vida e movimento aos infinitos detalhes do quadro "A Procissão para o Calvário" do pintor flamengo Pieter Brueghel, hoje exposto no Kunsthistorische Museum de Viena. É um filme de arte ao pé da letra e mais uma prova de que há umas 40 maneiras de se fazer cinema, não só aquela que Hollywood nos impinge. Também é uma maravilha: direção de arte e efeitos são tão integrados que às vezes é difícil dizer onde acaba a tela e começa a realidade.
Não há propriamente uma trama. O ator holandês Rutger Hauer faz o próprio artista, que explica algumas características técnicas da obra. E o que começa como um retrato da ocupação espanhola dos Países Baixos no século 17 acaba se transformando na paixão de Cristo, o tema central do quadro e praticamente uma metáfora da história do Ocidente. Curiosamente, os poucos diálogos quebram um pouco o encanto. Majewski teria feito um filme mais coerente e poderoso se apostasse do começo ao fim no tableau vivant. Mas nem por isto "O Moinho e a Cruz" deixa de ser uma experiência deslumbrante, e diferente de tudo o que está em cartaz por aí.

ATIVO É TÃO GAY QUANTO

Os defensores do goleiro Bruno estão cada vez mais desesperados. A cada nova prova que surge, eles se esmeram em elaborar teorias que tornem menos implausível a alegação de que “todos têm culpa neste caso, menos o Bruno, que é inocente, o bobo da corte”. Agora, depois de revelada a carta em que o jogador pede a seu brother Macarrão que assuma toda a culpa pelo assassinato de Eliza Samudio, o advogado Rui Pimenta chegou a admitir que seu cliente e o “secretário” eram amantes. Mas com uma importantíssima ressalva: Bruno seria o ativo e Macarrão, o passivo. Este detalhe serve para resguardar o pouco que resta da imagem do goleiro, num país onde a maioria das pessoas ainda prefere ter um filho criminoso do que um filho gay. A bem da verdade, a percepção de que o ativo é “menos” homossexual do que o passivo é praticamente universal: vide os grandes astros do pornô gay internacional, quase todos “top” de carteirinha. As próprias bichas reforçam o preconceito achando que quem come é mais macho. Já conheci alguns ativos que até se orgulhavam de não fornecer o rabicó, mas transar com mulher? Nem fodendo. Enfim, acredito que a sexualidade seja fluida, cambiante e complexa o suficiente para não se encaixar em categorias estanques. Mas o vernáculo é claro: “homossexual” é quem gosta de se relacionar com pessoas de se mesmo sexo, não importa a posição.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

ESQUECE O PÉ ESQUERDO

Eis a regrinha de ouro para dirigir um carro automático, mas quem disse que eu consigo lembrar? Já na primeira volta no quarteirão eu enfiei o pé esquerdo com gosto no freio, crente de que era a embreagem, e quase enfiamos a cara no vidro. Eu estava tentando me habituar com o Hyundai i30 do meu irmão, que ficará sob os meus cuidados enquanto ele viaja e reforma a casa. Sinto que os automáticos são meio assombrados, e que há um fantasminha empurrando o carro para a frente. Mais difícil ainda será vencer minha resistência a um Hyundai, já que eu acho que a marca tem a propaganda mais cafona do Brasil. Mas enfim, podia ser pior. Duro mesmo deve ser uma pessoa que só guiou automáticos a vida inteira ter que aprender a usar o pé esquerdo num carro manual.

domingo, 8 de julho de 2012

MENTIRINHAS

O cinema francês talvez nunca tenha passado por uma fase tão boa como agora, e ainda bem que muitos desses filmes têm chegado aos cinemas brasileiros. Com um certo atraso, é verdade: "Até a Eternidade" estreou por lá em outubro de 2010, foi um enorme sucesso de bilheteria e só anteontem entrou em cartaz em São Paulo. O título nacional é bem tosco; melhor seria se fosse como o americano, que traduziu "Les Petits Mouchoirs" para "Little White Lies", aquelas mentirinhas sem as quais a vida em sociedade é impossível. O filme conta a história de um grupo de amigos que todo ano passa as férias de verão na casa de praia de um deles. Muitos já namoraram entre si, e há até um cara que se declara apaixonado por outro cara (são todos casados). Só que este ano está faltando um membro do grupo, que sofreu um acidente grave e está hospitalizado em Paris. Este acidente acontece logo na primeira tomada e é um longo plano sequência, sem cortes, de tirar o fôlego. Há outras estripulias com a a câmera, o que é até surpreendente quando lembramos que o diretor Guillaume Canet é, antes de mais nada, ator. Também é o marido da fantástica Marion Cotillard, que mostra que não precisa das perucas de Piaf para dar um show de interpretação. O elenco também conta com vários nomes consagrados na França, como Jean Dujardin e François Cluzet, além de um ator que eu não conhecia, Laurent Laffite, já em conversações para fazer parte do meu harém virtual. "Até a Eternidade" é um pouco longo demais, defeito típico de filmes onde o roteirista e o diretor são a mesma pessoa (o sujeito não quer cortar nada), mas não tem barriga e prende a atenção até o fim. Leve um lencinho, você vai chorar.

sábado, 7 de julho de 2012

ESPETACULAR DÉJÀ VU

Só há uma única e óbvia razão para refazerem no cinema a história da origem do Homem-Aranha, apenas dez anos depois do ótimo filme de Sam Raimi: dinheiro. A trama da versão de Marc Webb é diferente, mas nem o roteiro nem o diretor vêm com visões radicalmente originais. Sim, a tecnologia avançou muito nesse tempo todo e o uso do 3D faz jus ao "espetacular" que o título brasileiro ganhou. Mas não é mais novidade ver aquele figura de collant saltitando entre os arranha-céus de Nova York. O impacto emocional também foi esmaecido: Peter Parker não é mais o alvo de chacotas da escola inteira, mas sim um paladino defensor das vítimas de bullying. Na verdade, apesar do bom ritmo e dos efeitos sensacionais, só há uma boa razão para ver este aracnídeo antropomórfico: é Andrew Garfield, que fez o brasileiro Eduardo Saverin em "A Rede Social". Este inglês de 28 anos quase convence como um adolescente de 17, além de ser muito mais bonito e infinitamente melhor ator que o inexpressivo Tobey Maguire, seu antecessor no papel. Já Emma Stone aparenta mais que seus 23 anos reais e portanto está deslocada como a namoradinha Gwen. Aliás, que fim levou Mary-Jane? Ela não chega a fazer falta, mas sim a cena do icônico beijo de cabeça para baixo. Mesmo assim, esse reload deve fazer muito sucesso, e tenho medo que a moda dos remakes instantâneos pegue para valer. Aposto que ano que vem já começarão a refazer toda a série "Harry Potter".

sexta-feira, 6 de julho de 2012

COLAÇÃO DE GRAU

Pronto, acabou-se o Bootcamp (ou Booty Camp, como disse um dos nossos colegas). Os três meses de curso foram árduos mas passaram voando, e ontem tivemos nossa cerimônia de encerramento. Agora sou planner formado pela Miami Ad School, iupiii. Depois da entrega de certificados lá na ESPM tocamos para o renomado karaokê Samurai, na Liberdade, onde me encharquei de saquê e realizei meu sonho de cantar em público a música que melhor me define, "Material Girl". Há um vídeo que registra esta performance, mas não consegui por as mãos nele. O chantagista e eu ainda estamos em negociações.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

O MORTO QUE FALA

E também escreve. Sou eu este morto. Descobri que já morri depois de folhear o "Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Morta", do jornalista Alberto Villas. Comprei o livro achando que iria me deliciar com expressões d'antanho como "bazófia" ou "pundonor", só para me deparar com dezenas de palavras que eu nem sabia que haviam caído em desuso. Ainda falo e escrevo direto coisas como "degringolar", "sirigaita" ou "quiproquó". Villas realmente força um teco a barra ao incluir até os nomes de objetos que são pouco empregados hoje em dia, como "paralelepípedo" (para o calçamento de ruas). Mas seu livro também é um lembrete de como a língua portuguesa está cada vez mais pobre no Brasil, um processo que só se acelerou com a chegada da internet. Diacho, que maçada.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

FÚTIL PORÉM PLURAL

Este é o meu post bimestral avisando que mais uma edição da revista "H" acaba de chegar às bancas. Desta vez ela vem com duas capas diferentes e uma personalidade cada vez mais definida - bem diferente de sua irmã mais velha porém caçula, a "Junior". Matérias sisudas sobre fim de casamento ou o momento certo de se revelar soropositivo são contrabalançadas pelo caderno "Hard", que faz um revival da Noite dos Leopardos, sucesso carioca dos anos 90 (eu fui!) e traz o perfil de um garoto com o sugestivo apelido de Berinjela.

Não consigo deixar de registrar aqui a cartinha de um leitor:
"O que eu mais gosto na H é seu time de colunistas. O texto do João sobre o Boa Noite Cinderela é de uma coragem admirável. A relfexão de Scofield me fez pensar muito. Por fim, Tony Goes tem me ganhado com seus assuntos políticos. Confesso que achava o blog dele fútil demais, mas agora vejo que ele é plural"

(Marcelo Silva Cabral).
Plural? Como assim? Sempre achei que eu fosse uma pessoa singular.

NEL BLU DIPINTO DI BLU

Que fique bem entendido: um filme fraco de Woody Allen é melhor do que 95% de tudo o que está em cartaz. Mesmo com isto em mente, é difícil não se decepcionar com "Para Roma com Amor" - e não é que o título consegue ser ainda mais fraco que o filme em si? Tudo culpa de "Meia-Noite em Paris", do ano passado, que se tornou o maior sucesso de bilheteria da carreira de Woody e lhe rendeu mais um Oscar de roteiro original. Mas não é sempre que ele está inspirado, e desconfio que foi filmar na Itália só para não perder o financiamento local. "Para Roma..." consiste de quatro histórias que não se misturam, e sua irregularidade lembra a dos filmes em episódios que os diretores italianos faziam nos anos 60 e 70. As tramas mais locais, estreladas por Penélope Cruz e Roberto Benigni, são as mais engraçadas. Mas a de Jesse Eisenberg e Ellen Page irrita por dois motivos: os atores competem para ver quem imita melhor os trejeitos woodyallenianos, e o namorico entre os personagens poderia se passar em qualquer lugar do mundo. No mais, me assustou a superficialidade com que Woody aborda Roma. Ele pode até amar a cidade (é impossível para quem a conhece), mas não vai além da percepção de um turista americano mal-informado. E com tantos clássicos maravilhosos da canção italiana, porque só "Volare" ganhou destaque na trilha sonora? Temo que, quando ele finalmente vier ao Rio, faça o mesmo com "Garota de Ipanema". Foi este temor que gerou a minha coluna de hoje no F5: como seria um filme de Woody Allen rodado no Brasil?

terça-feira, 3 de julho de 2012

KIMBRA SAFARI

Kimbra é a minha nova cantora favorita de todos os tempos desta semana. Você pode achar que nunca ouviu esta neo-zelandesa de 22 anos, mas é dela o vocal feminino do maior sucesso internacional do ano até o momento, "Somebody I Used to Know", do belga-australiano Gotye. Só que este mega-hit algo melancólico dá uma ideia errada do que é o som da moça quando está sozinha. Kimbra soa como um anjo não-angelical: voz linda, rosto lindo, atitude atrevida de jovem atriz francesa. E músicas otimistas que estão a léguas das fórmulas pop de uma Katy Perry, sem cair na experimentação vazia de uma Björk. Seu disco "Vows" é tão bom que eu ainda não decidi de qual faixa eu gosto mais, e já é fácil um dos melhores de 2012. É ouvir para crer.

A CARLA BRUNI MEXICANA

Angélica Rivera, a futura primeira-dama do México, foi atriz de novelas como "La Pícara Soñadora", "La Dueña" e "Destilando Amor". Todas exibidas pela Televisa, a Globo de lá - na verdade, ainda maior e mais poderosa que a Globo, já que controla nada menos do que quatro canais abertos e outros tantos a cabo. Não por acaso, a Televisa foi acusada de fazer campanha explícita pelo marido da moça, o gatérrimo Enrique Peña Nieto, e denegrir seus opositores. Deu médio certo: Peña Nieto foi eleito com 38% dos votos, mas o escândalo serviu para que ele caísse dos 48% com que liderava as pesquisas há um mês e perdesse a maioria folgada no Congresso. Seus inimigos políticos dizem que ele é só bonitinho e não passa de uma marionete dos caciques do PRI, o espantoso Partido Revolucionário Institucional, que permaneceu no poder por 71 anos ininterruptos e agora volta à presidência depois de apenas doze longe dela. Peña Nieto também é criticado por não ser muito amigo dos livros. Deve ser estranhíssimo viver num país onde o presidente leva pau por não gostar de ler, não é mesmo? O fato é que, enfrentando uma onda de violência sem precedentes por causa da guerra ao narcotráfico, os telespectadores, perdão, cidadãos mexicanos preferiram eleger um casal glamuroso e fotogênico. Só que na vida real os vilões não usam tapa-olho.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

SEMPRE FUI E SEMPRE SEREI

A reportagem de capa da penúltima "Entertainment Weekly" acaba de render um fruto considerável. A matéria falava de como mais e mais celebridades americanas estão discretamente se assumindo homossexuais, como se fosse a coisa mais natural do mundo (e é). E citava alguns exemplos de famosos que ainda estariam no chamado glass closet, o armário transparente: todo mundo sabe que eles são e nem os próprios fazem questão de se esconder muito, mas nunca vieram a público de maneira inequívoca. A lista, que inclui Jodie Foster e Queen Latifah, acaba de perder um de seus membros mais notórios. É o âncora da CNN Anderson Cooper, que não é muito conhecido no Brasil - apesar de já ter estado por aqui curtindo a vida adoidado. O cara chegou a escrever uma autobiografia onde fala do suicídio do irmão e de outros problemas de família (é filho da quaquilionária Gloria Vanderbilt), mas sempre preferiu se manter discreto quanto à sua vida pessoal. Até que foi cutucado por um amigo, o influente jornalista gay Andrew Sullivan (e católico conservador, veja só). Anderson respondeu com uma carta aberta que contém um trecho que já está sendo citado muito por aí, com todo o merecimento: "sou gay, sempre fui, sempre serei, e não poderia estar mais feliz, confortável comigo mesmo e orgulhoso". Ele também explica que não se expôs antes porque acha que, por ser jornalista, entrevistador e correspondente de guerra, quanto mais low profile melhor. Mas também reconhece que chegou a hora. Palmas para ele. E palmas para os leitores que refrearão a vontade insana de enviar comentários "outing" celebridades brasileiras, além do mais porque eu resolvi que agora não vou mais publicar. Cada um tem suas razões para ficar na sombra. Além do mais, só nossos inimigos merecem ser arrancados do armário à força.

(obrigado a Jacqueline Cantore e a Patricia Scarpin, por quem eu soube da notícia)

ALÉM DO ARCO-ÍRIS

Aproveitei meu séjour carioca para assistir à montagem de "O Mágico de Oz" que vem lotando o Teatro João Caetano desde o começo de junho. Sim, é teatro infantil de luxo, mas também é um musical assinado pela dupla Charles Möeller e Claudio Botelho - sempre uma garantida de qualidade. E desta vez, livres das amarras das franquias que obrigam que tudo seja absolutamente idêntico ao original da Broadway, os dois puderam ousar bastante. Cenários, figurino, coreografia, é tudo deslumbrante como de costume. Mas o mais divertido são os novos sabores que os personagens clássicos ganharam. A Bruxa Malvada do Oeste é feita por Maria Clara Gueiros com uma boa dose do esnobismo da Bibi de "Insensato Coração", e é tão fabulosa que eu quase comecei a torcer por ela. Pierre Baitelli, talvez a maior revelação do musical brasileiro nos últimos anos, mostra a que veio como o Espantalho, apesar de não exibir nem um milímetro do corpão. Miele usa todo seu talento de showman como o mágico do título, e a jovem Malu Rodrigues se sai bem com o ingrato papel de Dorothy, a única que escapou de uma releitura irônica. Mas o ponto alto do espetáculo é mesmo o Leão covarde de Lúcio Mauro Filho. A viadagem implícita do bicho agora é quase escancarada, e ele só falta empunhar a bandeira do arco-íris quando finalmente é brindado com a coragem que lhe falta. You go, animal.

domingo, 1 de julho de 2012

SOU CARIOCA, QUERO MEU CRACHÁ

Primeiro foi um leitor do F5 que me criticou por eu me descrever como "um carioca que mora em São Paulo desde criança". Depois foi um leitor desse blog que me chamou de "ceará-paulista". Pronto: foi o que bastou para eu me sentir mortalmente ofendido, porque sou carioca desde que nasci. Afinal, não há característica mais artificial do que a nacionalidade. Acamos nos convencendo de sermos aquilo que queremos ser. Está certo que não conheço as linhas de ônibus do Rio por seus números. Tampouco tomei muito mingau de Cremogema ou comi pão Plus Vita - mas a carioquice é uma medalha de honra que faço questão de exibir no peito. Mudei para SP com cinco anos de idade, e adivinha qual foi o apelido que ganhei no colégio? "Carioca". Passei a infância querendo voltar para a minha cidade natal e até hoje não morro de amores por aquela onde passei a maior parte da vida. O Rio se transformou numa espécie de universo paralelo para mim: como teria sido se eu não tivesse me mudado? Quem seriam meus amigos, com quem teria me casado? Quis o destino que eu me casasse com um carioca, mas em São Paulo. Hoje trabalho numa área onde quase não há mais empregos no Rio, então ainda não dá para voltar. Quem sabe quando eu me aposentar? Aí me tornarei um daqueles velhinhos que caminham no calçadão de manhã cedo.