domingo, 1 de agosto de 2010

SÓ PRA TE VER, GABRIELA

Eu tinha 7 anos em 1967. E era um pequeno telemaníaco: adorava “Perdidos no Espaço, “A Família Trapo” e a novela “Algemas de Ouro”. A Globo, recém-fundada, ainda não era a líder. Sucesso mesmo era a TV Record. Seu festival da canção era o grande acontecimento do ano. A música brasileira vivia um momento ímpar. Uma nova geração de intérpretes e compositores chegava com tudo, misturando ritmos populares com a sofisticação da bossa nova e letras elaboradíssimas (coisa que a bossa nunca teve). Os hits do festival eram hits mesmo, tocavam no rádio sem parar, todo mundo sabia de cor. Eu decorei a letra de “Gabriela”, o frevo animadérrimo que o MPB-4 defendeu na edição daquele ano. Uma letra quilométrica e complicada. Eu tinha 7 anos.

Os artistas que participavam dos festivais eram a nova realeza da MPB e vendiam muito. Mas quem vendia mais ainda era o pessoal da Jovem Guarda, que era deprezado pela crítica. Eu também adorava. Consegui que uma amiga da minha mãe me levasse ao Teatro Record num domingo, para assistir ao programa ao vivo. Esta é uma das façanhas da minha vida.

Mas a música brasileira não se resumia só a isto, evidentemente. Já havia uma infinidade de cantores que hoje seriam chamados de “bregas” (na época não existia o termo). Eles se apresentavam nos programas do Sílvio Santos e do Chacrinha, que eram tidos e havidos como lixo em estado bruto. Não tinham um décimo do prestígio de um Faustão ou mesmo do Sílvio de hoje. Cantores-galãs como Wanderley Cardoso, Paulo Sérgio ou Antonio Marcos arrancavam suspiros das mocinhas pobres, mas eram ignorados pela grande mídia e pela intelectualidade.

Eu lembrava de tudo isto, estive lá, participei. Mas ontem, quando vi o documentário “Uma Noite em 67”, não deixei de me surpreender. As músicas vencedoras eram incrivelmente boas, inovadoras, requintadas. E fizeram enorme sucesso popular. Enooooorme. Todo mundo cantava, e não só os universitários de classe média. Porteiros, taxistas, cozinheiras, crianças de 7 anos.

Foi isto que me fez sair do cinema matutando. Dá para imaginar canções de calibre semelhante liderando as paradas de hoje? Claro que não. A estética dominante atual é a da classe média baixa, que “enriqueceu” (relativamente, é óbvio) e hoje dita o que sai nas revistas e aparece na TV. A ‘intelligentsia’ da zona sul carioca não apita mais nada, não impõe mais o padrão do gosto a ser seguido. O Rio não é mais a capital. As classes altas também não ensinam mais música a seus filhos. Uma tradição que vinha desde o século 19, quando as moças “de bem” aprendiam piano – a única maneira de ser ter música em casa, já que não havia discos nem rádio – foi sendo abandonada a partir dos anos 60. Antigamente, aulas particulares de violão eram mais comuns que as de inglês. Depois foram sumindo, sumindo… No meu círculo de amigos mais próximos ninguém sabe tocar nada, nem o “bife”.

O mundo inteiro se embregalhou, não foi só o Brasil. Por aqui, na verdade, o processo foi até mais lento. Gente como Chico e Caetano foram campeões de venda até, sei lá, o final dos anos 80, enquanto que seus equivalentes no resto do planeta (Bob Dylan, por exemplo) só tinham prestígio.

A TV se massificou, muita gente foi incluída, a cultura mudou de rumo. Desse ponto de vista, os festivais foram talvez o canto do cisne de um mundo que se ia sembora. Tanto que nunca mais conseguiram reeditar o sucesso daquela época, e olha que tentativas não faltaram.

Fui chamado de arrogante, alienado e prepotente por sentir falta de músicas tão boas nas paradas de hoje como havia nos anos 60 e 70. Disse que o advento do Plano Real era UMA das minhas teorias sobre as causas dessa virada, porque de uma hora para a outra gente que nunca consumiu estava consumindo (e comprando TVs a crédito). Na verdade, a explosão do axé e do sertanejo já vinha de antes. “Pense em Mim”, com seus erros de concordância (pense em mim / liga pra mim…) foi a canção-tema do governo Collor. O que era o mainstream da MPB foi se afunilando até virar um riacho que hoje corre no num circuito cult, ou na madrugada da TV.

Não sou elitista nem saudosista: ADORO funk carioca, que é pobre de ritmos, letras e ideias, mas é divertidíssimo. Gosto de pop bobinho e de vez em quando encaro até um Calcinha Preta. Sertanejo, nem por decreto-lei: não está no meu DNA. Aí já é questão de gosto, embora eu ache que gosto se discute sim. Mas não se muda assim tão fácil.

13 comentários:

  1. Você esqueceu, por exemplo, de falar sobre a música dos anos 80. Qual a diferença para a geração dos anos 60? Ao que eu saiba, a geração 80 da música tb era feita pela juventude dourada(rica ou classe média) do Rio, e equivalentes de Sampa e Brasília.

    Seria Herbert Viana um Chico Buarque? Seria Cazuza um Caetano? Seria Renato Russo um Gil? Seria Paula Toller uma Nara Leão? Ou seriam todos eles retratos de uma geração que já não era como a anterior?

    Qual a diferença da Madonna para os Beattles?

    Seus posts sobre o assunto são lúcidos, mas continuo achando-os simplistas.

    E pode ficar desfazer esse bico, porque eu vou continar te lendo e admirando.

    Abraço!

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  2. Tony, mudando de assunto, veja este vídeo da peruana Tigresa del Oriente,a favor dos gays!
    http://www.youtube.com/watch?v=xnw3WGkSZug

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  3. os pontos em comum: tb gosto de funk carioca, adoro pop descartável, não suporto sertanejo (e pagode). e, confesso, axé pode me divertir muito. sou cronologicamente muito perto de vc e cresci na mesma ZS carioca. adorava MPB etc etc.

    Mas, em algum momento não identificado, peguei um entojo inexplicável por MPB, a tradicional ou a que existe até hoje. Não sou cara sempre correndo atrás de novidades, mas a MPB parou demais no tempo, engessou, morro de tédio. Tentei ver o vídeo que vc colocou e depois de 2 minutos já era insuportável. Quer me sacanear? É só eu ser obrigado a ir em algum lugar onde no fundo tem um maldito tocando no violão sempre as MESMAS músicas de Gilberto Gil, Djavan, Caetano e cia.

    não quer chamar de saudosismo? tem um termo mais neutro. é a sua memória afetiva: fatos, momentos, músicas que marcaram a sua vida. e vc sempre vai valorizar isso mais que outras pessoas que não compartilham da mesma memória. daí a dizer que a música (ou cultura etc) feita no período X é categoricamente superior à feita no período Y é bem distante.

    @Fernando: sim, a Gol é meio esquizofrênica. não é uma low-cost-low-fare no sentido integral, até porque não precisa - não sofre a concorrência ferrenha das EasyJet, RyanAir, WizzAir etc. mas, serviço premium na Gol, onde?

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  4. Existem músicas sertanejas muito bonitas. Tente escutar uma que diz "no rancho fundo, bem pra lá do fim do mundo". É muito linda...

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  5. Acho que o único paralelo que é possível traçar entre a música de 60-70-80, pedacinho da de 90 e a de hoje (afinal, a música foi muito transformada pela internet) é que deixamos de criar mitos, e pra mim, isso é vantagem.

    Quanto de música se houve hoje, comparando de forma quantitativa as décadas passadas? Acredito que mais, fora que com a febre de ipods, mp3s e etc. todo mundo houve muita música, e normalmente escolhe o que houve.

    Quanto a justificar a qualidade artística de uma música pelos seus erros de concordância .... ai já é ataque pessoal, afinal, cadê a liberdade poética? ehehe

    abs

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  6. vc é uma delícia assim simples e sofisticado ao mesmo tempo.

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  7. @Beto: No preço. Quantas vezes já me vi buscando por vôos e percebendo que até TAM sairia mais barato do que Gol, hein?

    O serviço deles nos vôos internacionais é no mesmo padrão do que nos nacionais? Já ouvi falar que eles voam até St. Marteen. Imagina que dureza enfrentar daqui até o Caribe comissária de bordo de enfiando amendoim e barrinha de cereal goela abaixo, hein? :D

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  8. Vejo a história da música brasileira como um enorme garimpo de diamantes. Antes era fácil encontrar, era abundante e farto. Com o tempo fica um pouco mais difícil de descobrir mas não impossível. Ainda têm algumas preciosidades surgindo. Antes a MPB era realmente popular. Hoje parece que a próprio genero musical se segmentou. A MPB ouvida por poucos, a chamada sofisticada. E a MPB ouvida pelas massas, que é a verdadeiramente popular.
    Verdade é que tem espaço para todos.

    Tony, é a primeira vez que venho aqui e confesso que gostei, por vários motivos. Vou te dizendo aos poucos o porque!

    Ah, dá uma passada lá no meu blog - tem um vídeo muito especial da Elis. Maravilhoso!

    Abraço

    Filipe Eloy
    http://tantoquetransborda.blogspot.com

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  9. Não entrando na polêmica, me responde uma coisa: existia uma novela chamada "Algemas de Cristal"??? Foi erro de digitação, não foi? "AALGEMAS DE CRISTAL"???????

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  10. Oops, se me falhou a memória. O nome certo da novela era "Algemas de OURO", estrelada pela Geórgia Gomide.

    "Algemas de Cristal", como todo mundo sabe, é um dos títulos em português da peça "The Glass Menagerie", de Tennessee Williams (existem outros, em outras traduções).

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  11. Oi Tony, tudo bem? So mudando de assunto a little bit. A maior polemica aqui na Inglaterra este ultimo find foi a saida do armario do ultimo vencedor do X Factor, a ves inglesa do American Idol. O garoto era a nova aposta do Silmon Cowell to do a big break in America. I guess it wont happen now. O garoto eh um fofo e super talentoso. O nome dele eh JOE McELDERRY.
    Mauricio

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  12. Mas você tem um amigo que sabe dedilhar algumas coisas no piano e estudou um pouco de teoria musical: yo! :D
    um dos projetos para o meu blog é botar alguma música lá, mas por enquanto eu ainda morro de vergonha de ter a audácia de competir com o André Mans.

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  13. Tony,

    entendi(emos) seu ponto de vista, mas não sem antes questionar se existiu ou não um ranço elitista no(s) post(s).

    OK, você esclareceu (em tempo) que a tal da elite era a cultural. UFA.

    Perguntar não ofende: Existe algo mais antagônico do que o termo Sertanejo Universitário ?!

    E eu que achava que nada podia ser pior do que churrasco com Legião Urbana...

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