segunda-feira, 9 de agosto de 2010

E A VIDA VAI SER COR-DE-ROSA

Charles Möeller e Cláudio Botelho não vão sossegar enquanto não montarem no Brasil todos os musicais clássicos da Broadway, mesmo os mais antigos e distantes da nossa realidade. A memória afetiva de um gay é como o iceberg que afundou o Titanic, ninguém segura. O último fruto dessa obsessão dos "reis do musical" (eles se autoproclamaram, mas é verdade) é "Gypsy", que fez muito sucesso em curta temporada carioca e agora está em cartaz em SP até outubro. É a história verdadeira de Mamma Rose, a mais apavorante stage mother de todos os tempos. No começo do século passado, ela empurrava as filhas pequenas para todos os concursos de calouros e shows de vaudeville possíveis, mesmo contra a vontade das garotas. Hoje estaria tentando encaixá-las em comerciais, como muitas que já conheci. A determinação era tanta que a filha menor fugiu com um corista assim que entrou na adolescência. A maior, desprovida de talento dramático, acabou enveredando pelo teatro burlesco, o antepassado do strip-tease e da dança do poste. Naquela época as mulheres não ficavam nuas no palco, e Gypsy Rose Lee arrebentava mostrando pouco e provocando muito. Foi a maior stripper de todos os tempos, uma espécie de Rita Cadillac dos anos 30. O musical foi baseado em suas memórias e é remontado até hoje, porque tem um papel perfeito para grandes atrizes de meia idade. Totia Meirelles enfrenta o maior desafio de sua carreira como Rose e dá conta total do recado, com vigor e desepero na medida certa. Adriana Garambone canta bem, mas não é a bomba sexual que Gypsy era. E Ada Chaseliov está simplesmente perfeita como uma stripper decadente e engraçadíssima. O espetáculo se ressente de um primeiro ato longuíssimo e algo desinteressante, mas ganha força no segundo. Apesar do êxito alcançado a duras penas por suas personagens, "Gypsy" não tem exatamente um final feliz. Na vida real foi ainda pior: a verdadeira Mamma Rose matou um homem durante uma discussão e morreu de câncer relativamente jovem, no que foi seguida anos depois pela filha célebre. Bem longe do hino otimista que é o grande hit da peça, "Everything's Coming Up Roses".

(Fui ao teatro com a Marta Matui. Ela fez um ótimo post inspirado pela peça que pode ser lido aqui.)

4 comentários:

  1. Achei bem chatinho quando assisti aqui. A propósito, quando fiz matéria sobre o musical, também fiquei com mania de escrever 'Gipsy' com 'i', em vez de 'Gypsy'. Mas qual seria o correto?

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  2. Por que esse "por quê" aí no seu texto tá grafado assim? O correto seria assim: "porque"; afinal, esta palavrinha poderia, sem nenhum prejuízo para o texto, ser substituído por "pois", ora pois...

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  3. @João:
    Alãka, agora que eu percebi que o nome da peça é "Gypsy", com dois y. Eu estava escrevendo com i por causa da palavra "gipsy", "cigano" em inglês. Mas a stripper famosa escrevia de fato seu nome com dois y - dei uma googlada e percebi que é verdade.

    @Anônimo:
    Pronto, já corrigi, você tem razão. Mas digo e repito: a escrita tinha que ser o mais fonética possível. Por quê quatro maneiras de se escrever "porque" se a pronúncia é sempre a mesma? Por que são quatro significados diferentes? "Ata" também tem mil significados e se escreve sempre do mesmo jeito. Mais uma regra a se abolir quando eu chegar à presidência da ABL.

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  4. Fala, Tony! Assisti a estréia carioca de Gypsy e, francamente, a montagem brasileira me surpreendeu bastante. Confesso que fui cheio de preconceitos bobinhos do tipo "Garambone está velha pro papel" e "vi em NYC e só rola Rose com Patti Lupone". Pura bobagem. Realmente, a montagem tem seus defeitos e, por mais enfadonho que o primeiro ato possa parecer, há ali algo de grande valia: as representações do teatro de variedades. Moeller e Botelho conseguem extrair do elenco uma desenvoltura cênica, que dá a impressão de que é extremamente fácil fazer tudo aquilo; e só gente de muito talento consegue uma façanhas dessas. É impressionante como conseguem mascarar a técnica e transportar o público não para uma representação, mas para uma cena (quase) verídica. Também acho que, além de Totia e Ada, merecem destaque Renata Ricci e Andre Torquatto, cujos June e Tulsa, respectivamente, emocionam e cativam o público. Acho a montagem brasileira de Gypsy um programa muito gostoso e alegre. Vamos ver o que a dupla nos reserva em Hair. Abraços.

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